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UNIDADE 3 O LEGADO DA SOCIOLOGIA CRÍTICA ObjETIvOS DE ApRENDIzAGEm Com esta unidade, caro(a) acadêmico(a), você conhecerá: • as repercussões que tiveram as formulações de Horkheimer e Adorno acerca dos meios de comunicação de massa no campo da Sociologia; • as contribuições de Edgar Morin e Pierre Bourdieu à questão da cultura e comunicação de massa; • a visão de Zygmunt Bauman e sua sociologia crítica a respeito da cultura; • um exemplo da tradição do pensamento crítico no Brasil: Florestan Fernandes e a reflexão sobre a mudança social; • os fundamentos filosóficos da sociologia crítica; • as contribuições de Adorno à educação. TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA CRÍTICA E A CONTEMPORANEIDADE TÓPICO 2 – REPERCUSSÕES LATINO-AMERICANAS DA SOCIOLOGIA CRÍTICA TÓPICO 3 – PENSANDO A CIDADANIA pLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos. A SOCIOLOGIA CRÍTICA E A CONTEMPORANEIDADE 1 INTRODUÇÃO TÓPICO 1 O pensamento crítico em Sociologia pode ser traçado a partir das reflexões de Marx acerca do capitalismo, especialmente no que tange à conexão entre a superestrutura e a infraestrutura neste sistema e quanto à dinâmica das relações e mudanças sociais no mesmo. Entretanto não se limita este conhecimento às contribuições deste autor. Como vimos, a sociologia crítica consiste em um campo de investigação e teorização sociológica que engloba as contribuições de vários pesquisadores do campo social em torno das questões mencionadas, e outras questões, e que ela, enquanto disciplina, tem visto também mudanças paradigmáticas importantes. A teoria crítica e os trabalhos feitos sob orientação de filósofos, sociólogos, psicólogos e demais profissionais, reunidos em torno do projeto do Instituto de Pesquisa Social, representam um marco dentro do pensamento crítico em Sociologia. Esta teoria caracteriza-se tanto por representar uma continuidade em relação à tradição que a informou (como vimos na primeira unidade deste caderno), como pela fundação de novos conceitos e enfoques para a análise da sociedade em seus componentes ideológicos (como vimos na Unidade 2 deste caderno). Você, caro(a) acadêmico(a), deve ter percebido ainda que no próprio projeto da teoria crítica estava aberta a possibilidade de superação do método dialético e da teoria, o que de fato aconteceu a partir dos vários rumos que tomou nas diferentes reflexões dos diversos pesquisadores que a empregaram, com ela dialogaram ou ainda fizeram a sua crítica. Chegou então o momento de vermos alguns dos reparos feitos à teoria crítica e dos diálogos que se estabeleceram em torno de algumas questões pontuais, lançarmos um olhar UNIDADE 3 UNIDADE 3TÓPICO 1142 sobre contribuições contemporâneas europeias e latino-americanas do passado recente, dentro do campo do pensamento e da sociologia crítica, e de analisarmos as propostas da teoria crítica para a educação na construção de um futuro melhor. Neste primeiro tópico aportaremos o pensamento de autores como Edgar Morin, Pierre Bourdieu e Zygmunt Bauman em torno de temas tratados pela teoria crítica. Então vamos à leitura, prezado(a) acadêmico(a)! 2 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E A CRÍTICA Recentemente Maria da Graça Jacintho Setton (SETTON, 2001, p. 26-37), professora doutora da Faculdade de Educação da USP, fez uma série de reflexões acerca das contribuições de Horkheimer, Adorno, Morin e Bourdieu em torno de questões relativas à dimensão ideológica do sistema capitalista, tal como expressa pelos meios de comunicação de massa e pela cultura de massa. Aqui seguiremos o argumento e a análise desta autora, tentando tanto demonstrar as continuidades quanto as quebras, em relação à teoria crítica, que representam o pensamento de Edgar Morin e Pierre Bourdieu (dois dos mais importantes sociólogos da atualidade) na análise deste tema de fundamental importância para a compreensão da contemporaneidade, que é a disseminação da ideologia dominante pela indústria cultural. Para entendermos este campo de investigação, inicialmente a autora chama a atenção para o fato de que a produção em escala industrial de bens culturais remonta à década de 30 e que seu vertiginoso crescimento liga-se de maneira indelével a componentes socioestruturais. Seriam estes a necessidade de o capital se multiplicar sem o risco do mercado financeiro e a constituição de uma cada vez mais numerosa (no período) classe média assalariada e urbana, que se configura como um mercado consumidor. Juntas, estas duas condições levaram ao que se convencionou chamar de “terceira revolução industrial”. Com a enorme expansão deste setor e sua importância cada vez maior na economia e na vida social, as teorizações em torno do fenômeno midiático aumentam também de volume e diversificam-se. Vemos claramente a dominância de certo viés analítico em torno da questão até a década de 60, que seria a perspectiva de que a produção cultural tinha um caráter manipulador, com as investigações centrando-se no lado da produção. A partir das décadas de 70/80 muda-se a atenção das reflexões sobre as influências da mídia, voltando-se estas para o consumidor. UNIDADE 3 TÓPICO 1 143 Trabalhos mais recentes vêm procurando demonstrar a interação que se estabelece entre consumidor e produtor cultural, onde ao primeiro devolve-se, na análise teórica ao menos, a possibilidade de resistir aos diferentes estímulos da indústria cultural. FIGURA 98 – EDGAR MORIN FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-V30zQZrz6cM/UFVglP1tAbI/ AAAAAAAAHy8/pExTowRikas/s1600/EdgarMorin.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Um dos teóricos que vem levantando esta discussão é Edgar Morin. Edgar Morin nasceu em 1921, em Paris, onde atualmente vive. Obrigado a refugiar- se em Nanterre durante a ocupação da França pela Alemanha na Segunda Guerra Mundial, aderiu à resistência e adoptou o apelido Morin. Simpatizante comunista, foi afastado de todas as actividade ligadas ao partido pela sua oposição ao estalinismo. Nunca deixou, como independente, de pensar e agir cívica e politicamente ao longo da sua vida. Formado em sociologia, cedo compreendeu a necessidade da integração das diversas áreas de saber. Os seus estudos inter e transdisciplinares foram inicialmente olhados com desconfiança por grande parte da comunidade científica, tendo chegado a receber, em 1965, uma “repreensão científica” da Direcção Geral de Pesquisa Científica e Técnica, onde desenvolvia trabalho de investigação. O sucesso do seu livro de Le Paradigme Perdu: la Nature Humaine (1973) e a profundidade de La Méthode – obra em que trabalhou desde meados da década de 1970 e da qual publicou seis volumes entre 1978 e 2004 – levaram a que sua crítica do paradigma científico da modernidade fosse levada cada vez mais a sério e que viesse a ser progressivamente reconhecido como o pioneiro e o principal teórico do paradigma emergente da ciência na viragem do século XX para o XXI: o pensamento complexo. Após décadas de trabalho desalinhado e, muitas vezes, solitário, Morin é hoje considerado UNIDADE 3TÓPICO 1144 um dos mais importantes pensadores vivos. É diretor emérito do Centre Nationale de Recherche Scientifique, Presidente da Associação para o Pensamento Complexo, Presidente da Agência Europeia para a Cultura, membro fundador da Academia da Latinidade, codiretor do Centro de Estudos Transdisciplinares da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales.” FONTE: Disponível em: <http://30anos.ipiaget.org/complexidade-valores-educaocao-futuro-edgar- morin/programa/conferencistas/edgar-morin/>. Acesso em: 24 jul. 2013. Edgar Morin vem discutindo o ponto de vista dos teóricos do Institutode Pesquisa Social, em especial Horkheimer e Adorno, chamando a atenção para o aspecto dialético da relação entre a geração de sentido da existência, nos níveis individuais e coletivos. Para uma visão mais atual, com a relativização de certos conceitos clássicos deste campo de reflexão, com a perspectiva guiada pela ótica do consumo dos grupos sociais, veremos também as propostas e reelaborações teóricas de Bourdieu sobre a indústria cultural. Vejamos um pouco da biografia de Pierre Bourdieu: Pierre Bourdieu nasceu em 1930 no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudos básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951 ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função de assistente do filósofo Raymond Aron (1905- 1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche en Sciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma "sociologia da sociologia" em sua aula inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreu de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa europeia. Um ano antes, um documentário sobre ele, Sociologia é um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção (1979), que trata dos julgamentos estéticos como distinção de classe, Sobre a Televisão (1996) e Contrafogos (1998), a respeito do discurso do chamado neoliberalismo. FONTE: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/pierre-bourdieu- 428147.shtml?page=3>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3 TÓPICO 1 145 FIGURA 99 – PIERRE BOURDIEU FONTE: Disponível em: <http://ensaiosdegenero.files.wordpress.com/2012/05/o- conceito-de-gc3aanero-por-pierre-bourdieu-1.jpg?w=300&h=207>. Acesso em: 24 jul. 2013. Da teoria crítica, nas formulações e análises de Horkheimer e Adorno, nos chega uma perspectiva da mídia e da indústria cultural marcada pela característica de extrema racionalidade técnica da sociedade moderna. Esta racionalização, que se impõe numa sociedade que se apresenta dominada pela tecnologia, extrapola o espaço da vida econômica, fazendo com que a lógica do mercado penetre a subjetividade e o espírito humano. Assim a teoria crítica aponta para o aspecto ideológico e manipulador da tecnologia e das mensagens vinculadas por esta, para a constituição da indústria cultural enquanto sistema integrado e coerente de geração de bens para o espírito, para a ausência de possibilidade de intervenção no processo criativo que se coloca tanto aos consumidores quanto aos produtores culturais; e para a transformação que faz com que os bens culturais se revistam do caráter de mercadoria, e, portanto, sejam homogeneizadores e totalizantes. Para Horkheimer e Adorno a indústria cultural está longe de representar a democratização e disseminação da cultura a todos ou de estar a serviço da comunidade, como a mesma apregoa. UNIDADE 3TÓPICO 1146 FIGURA 100 – A INDÚSTRIA CULTURAL FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_I9Foa_rH0_E/ TB0og7c8vNI/AAAAAAAAAE0/p-iFG7ZrrH4/s320/ ind%C3%BAstria+cultural.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Ao contrário, esta se apresenta submetida às leis de mercado e às técnicas de caráter industrial que emprega. Tendo que atender as demandas das inovações tecnológicas e as dos mercados mundiais, a indústria cultural procura vender em escalas de massas populacionais nunca antes vistas. Aqueles que produzem os bens culturais desta forma perdem autonomia de criação, enquanto que os consumidores não têm possibilidades de conferir sentido próprio ao consumo, reféns que são da imposição uniformizante e de caráter totalitário das mercadorias. Na visão da teoria crítica os bens culturais sob o capitalismo, em virtude de sua produção em série, são esvaziados do caráter rebelde da arte e de seu poder de reflexão sobre o real, passando a homogeneizar o pensamento e a impor os controles sociais, alienando as mentes dos indivíduos através da ideologia dominante. A partir desta análise podemos destacar a perspectiva de Edgar Morin em relação a esta questão, que chama a atenção para o caráter essencialmente moderno (no sentido de inserido na modernidade) da cultura de massa e da indústria de produção de bens culturais, dando-se estas já no contexto de uma sociedade que é ela mesma multicultural. Para Morin, a cultura de massa teria como fundamentos e se informaria nos sistemas simbólicos anteriormente existentes e ainda, segundo ele, assumiria um papel social integrador, dentro do quadro das sociedades contemporâneas. UNIDADE 3 TÓPICO 1 147 FIGURA 101 – OS PERIGOS DA CULTURA DE MASSA FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-sxW1xREgs2k/ TlkromiL-HI/AAAAAAAAADg/YExsXgVJcAw/s320/ Manipulacao02.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. A cultura de massa desta forma reordenaria e reutilizaria as referências e valores religiosos, locais e étnicos, se apropriando destes, mas não os impondo, o que implica um consumo sempre diferenciado. Morin está assim em oposição à ideia da Escola de Frankfurt de que a produção e o consumo em massa de bens culturais uniformiza as consciências. Para Morin, embora a produção dos bens culturais se dê em escala de produção em série e de maneira padronizada, a experiência do consumidor destes é sempre única. O consumo sempre impõe a diferença, em virtude de seu caráter particular, que, portanto, confere uma individualidade à atribuição de sentido à experiência artística. Desta forma, Morin tem a cultura de massa em conta de mais um espaço da experiência da existência do indivíduo na sociedade capitalista, espaço este que serve à vazão das pulsões decorrentes das fantasias e expressão do imaginário particular do sujeito que se singulariza no consumo dos bens culturais. Dando um exemplo: considere alguém que ouve uma rádio popular e escuta um hit de sucesso de um estilo musical cujas músicas fazem referência à luta dos moradores da periferia e do preconceito de que são vítimas. Este sujeito recorda-se então da experiência de ter sido humilhado em virtude do seu local de moradia e se emociona com o fato. UNIDADE 3TÓPICO 1148 Para Morin ainda, a perspectiva de que há somente um caráter impositivo nos bens culturais produzidos em escala industrial é ignorar a relação dialética que se estabelece entre o imaginário, em suas dimensões sociais e individuais, e os produtos veiculados pela mídia. Segundo Morin, a produção em série dos bens culturais não impediria que a apreciação de seu aspecto estético, sua utilização e sua fruição, adquiram um caráter particularizado. Setton (2001) chama a atenção para o fato de que, tanto o ponto de vista de Morin quanto as contribuições da Escola de Frankfurt, apontam para o caráter eminentemente complexo da indústria cultural, bem como para centralidade da mesma na experiência social cotidiana. Vejamos agora as contribuições de Pierre Bourdieu ao debate sobre a mídia e seu papel na sociedade moderna. Embora Bourdieu tenha uma linha de pensamento não muito distante do ponto de vista da Escola de Frankfurt, ele refina um pouco mais os conceitos analíticos utilizados neste campo, abrindo novas possibilidades explicativas para o fenômeno midiático, a partir da possibilidade de o consumidor reinterpretar, reelaborare reconstruir os significados transmitidos. Em obra recente em que analisa a televisão e o jornalismo televisivo, Bourdieu alerta sobre os perigos que representam à democracia e à prática política este último. Bourdieu faz uma denúncia em relação a pouca reflexão teórica em torno do tema do jornalismo televisivo, enquanto veículo usado indiscriminadamente para a dominação social. FIGURA 102 – A TELEVISÃO MANIPULANDO AS CONSCIÊNCIAS FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-Y7UxHoySNEw/TaDGK48488I/ AAAAAAAAAJo/26TDdOLJGCM/s320/televisao.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3 TÓPICO 1 149 Um exemplo desta dominação seria a veiculação, por parte de um noticiário de renome nacional em nosso país, de uma pesquisa eleitoral fraudulenta às vésperas da eleição que acabou elegendo o Sr. Leonel Brizola ao governo do estado do Rio de Janeiro, com o intuito flagrante de prejudicá-lo. Entretanto, em contraste com a posição dos pensadores da Escola de Frankfurt, Bourdieu não se detém na crítica ao aspecto técnico da produção dos conteúdos televisivos, mas antes chama a atenção para o caráter ideológico e manipulador a que estão submetidos tanto produtores, quanto consumidores. Para Bourdieu, o jornalismo se insere no âmbito da produção cultural como um todo e apresenta, enquanto espaço de atuação social, características e dinâmicas próprias, bem como uma relativa autonomia. Esta autonomia, entretanto, é fortemente relativizada pela maior suscetibilidade do jornalismo à dominação externa a este, notadamente do poder econômico, em função da dependência do campo jornalístico ao mercado, através da aferição dos níveis de audiência que determinam a produção dos conteúdos. Bourdieu concorda com a perspectiva dos teóricos críticos da ausência do sujeito na indústria cultural, dando como exemplo a veiculação de informações pela mídia de imprensa, onde estas são esvaziadas dos conteúdos políticos e dirigidas a todos uniformemente, niveladas por baixo para parecerem palatáveis a todos. Segundo Bourdieu, os telejornais assim veiculariam: [...] fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada importante (BOURDIEU apud SETTON, 2001, p. 30). O jornalismo televisivo para Bourdieu obedece à lógica do mercado, escapando assim às possibilidades do processo criativo. UNIDADE 3TÓPICO 1150 FIGURA 103 – PRODUÇÃO DE UM TELEJORNAL FONTE: Disponível em: <http://extensao.wpmu.unis.edu.br/files/2010/12/ DSC_3959-300x199.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Buscando a maior vendagem possível, a empresa jornalística acaba por proceder à espetacularização da vida e, em vez de democratizar as informações colocando as pessoas como protagonistas de suas experiências no grande show que é a notícia, está na verdade colocando- as a serviço dos interesses econômicos e da ganância por lucro das grandes corporações. Um exemplo possível de ser dado, em nosso país, é o dos reality shows que botam pessoas comuns aparentemente convivendo normalmente, mas que estão continuamente apresentando e vendendo produtos nas diferentes atividades e quadros do programa e, posteriormente, de outros da emissora de TV que o veicula. FIGURA 104 – A ESPETACULARIZAÇÃO DO COTIDIANO NOS REALITY SHOWS FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-4BzP5s_E_3g/UGH9vuE4_PI/ AAAAAAAACV8/_JwHzbBodmc/s400/UFC+2.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3 TÓPICO 1 151 Uma vez que Bourdieu, assim como Horkheimer e Adorno consideram que a produção dos bens culturais em nossa sociedade se encontra submetida à dinâmica própria do sistema capitalista, obedecendo às consequências da concorrência no mercado, é nula para este autor a possibilidade, por parte dos produtores e consumidores destes bens, de desenvolverem uma consciência crítica em relação aos mesmos. Bourdieu, assim como Morin, entretanto, relativizam a visão da teoria crítica clássica de uma promoção da homogeneização e uniformização em decorrência do consumo de massa, chamando atenção para a dimensão da apropriação das mensagens veiculadas pela mídia televisiva por parte dos telespectadores. Bourdieu e Morin apontam para a ambiguidade e contradição da mídia televisiva relativizando a uniformização que esta promoveria contrapondo a ideia de um campo social que é ele mesmo diferenciado e hierarquizado, colocando, portanto, em posições desiguais produtores e consumidores de bens culturais. Para Bourdieu, tanto as ações como as representações do sujeito social explicam-se através de um complexo de inclinações pessoais, de caráter ético e estético, que denotam sistemas diferentes de preferências na ordem da cultura, derivadas de inserções diversas na estrutura socioeconômica. A partir deste ponto de vista teórico torna-se inconcebível a ideia de um consumo uniforme e homogêneo em todos os grupos sociais. Para Bourdieu as diferenças sociais, em especial aquelas que decorrem das diferentes bagagens culturais acumuladas ao longo da experiência e trajetórias de vida dos indivíduos que compõem os diversos grupos que formam a sociedade, agem como freio à padronização completa dos sujeitos pela indústria cultural. Semelhantemente, Morin defende a ideia de que os sistemas simbólicos, tendo como partida seu caráter integrativo das dimensões lógicas e morais da sociedade, também servem à promoção do consenso. Desta forma, enquanto ferramentas de conhecimento do real e comunicação, o conjunto articulado de símbolos e crenças sociais veiculados pela mídia de massa promoveria uma identidade e senso de pertencimento. Isso aconteceria por um compartilhamento de valores, nos diferentes grupos sociais e estilos de vida presentes nas sociedades complexas, a partir da apreensão individualizada pelo consumo desta simbologia e ideologia efetivada pelos bens culturais enquanto mercadorias. Vimos, portanto, neste item como as análises teóricas elaboradas pela teoria crítica clássica, tal como formulada por Horkheimer e Adorno, são apropriadas e reelaboradas por pensadores contemporâneos como Bourdieu e Morin. UNIDADE 3TÓPICO 1152 Eles deslocam o foco de suas interpretações do fenômeno de comunicação de massa da esfera da produção para a do consumo, revelando com isso como a dinâmica e características próprias do consumo na sociedade contemporânea permitem a mediação de uma instância de caráter individual, que acabaria por minimizar um possível efeito padronizante dos bens culturais fornecidos pela indústria cultural e de comunicação de massa. 3 A QUESTÃO DA CULTURA COMO PROBLEMA SOCIOLÓGICO Um dos autores que se inscrevem no campo da sociologia crítica é Zygmunt Bauman, autor de inúmeros livros, inclusive um denominado “Por uma Sociologia Crítica - um Ensaio sobre Senso Comum e Emancipação” onde expõe seu ideário sociológico. FIGURA 105 – CAPA DA EDIÇÃO BRASILEIRA DA OBRA “POR UMA SOCIOLOGIA CRÍTICA” FONTE: Disponível em: <http://i3.calameoassets.com/130531165329- d78fe661c72fb1309e1947639799c609/thumb.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Zygmunt Bauman (Poznań, 19 de novembro de 1925) é um sociólogo polonês que iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Lá conheceu o filósofo islandês Ji Caze, que influenciou sua prodigiosa produção intelectual, pela qual recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Atualmenteé professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Zygmunt_Bauman>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3 TÓPICO 1 153 FIGURA 106 – ZYGMUNT BAUMAN FONTE: Disponível em: <http://g1.globo.com/platb/files/1045/2012/01/Milenio- Leeds-Zygmund-Bauman-23-9-11-029-0-reduzida-300x225.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Bauman foi um dos autores influenciados pela teoria crítica e que com ela dialoga. O alvo de suas preocupações e investigações tem sido temas gratos à Escola de Frankfurt, como as características da modernidade, a ideologia e a questão da cultura. Em sua obra “Por uma Sociologia Crítica” (BAUMAN, 1977) fica clara a influência de Habermas em seu pensamento. Neste trabalho Bauman discute, a partir das colocações de Habermas, o estatuto da razão, tendo como ponto de partida o Iluminismo e as possibilidades emancipadoras desta na contemporaneidade. Diante da crise de valores da cultura atual, do seu conformismo e de seu caráter consumista, Bauman propõe uma reflexão crítica, tendo por base o pensamento sociológico. Neste trabalho fica patente ainda o peso que as contribuições de Horkheimer, Adorno e, notadamente, Marcuse têm no pensamento de Bauman. Bauman se coloca desta forma como um crítico mordaz das mazelas da modernidade, não só nas características da sociedade contemporânea, mas na própria reflexão da Sociologia. Quando analisamos a obra de Bauman, destaca-se, a partir da conceituação e compreensão deste autor do conceito de “cultura”, o caráter crítico de seu pensamento e sua inserção na tradição do pensamento crítico, que se funda na utilização, por parte de Bauman, das contribuições da teoria crítica, deste aspecto da vida social moderna. Segundo Casadei (2009), em seus primeiros trabalhos, Bauman focava sua análise na compreensão das classes e dos conflitos sociais. Bauman procurava então pensar como poderíamos provocar o diálogo entre os diferentes interesses sociais em conflito na sociedade, UNIDADE 3TÓPICO 1154 dentro da perspectiva de levar a humanidade à emancipação. Dentro desta visão, Bauman se vale muito da proposta teórica de Habermas a respeito das possibilidades e condições do estabelecimento de uma comunicação que não sofresse distorções, considerando função do intelectual propiciar estas condições. A partir da década de 80, Bauman se volta para a questão das ambivalências colocadas pela modernidade, colocando-se em sua análise como um continuador do pensamento expresso na obra de Horkheimer e Adorno “A dialética do esclarecimento”, que nós vimos na Unidade 2 deste Caderno de Estudos. FIGURA 107 – CAPA DA EDIÇÃO BRASILEIRA DA DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO FONTE: Disponível em: <http://www.livrariaresposta.com.br/fotos/ zahar_dialetica_esc.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Bauman se alinha assim entre aqueles que têm uma visão crítica da modernidade, a partir dos rumos que esta imprimiu à razão humana, esvaziando da mesma as possibilidades de emancipar os seres humanos. Devemos, pois, lançar nosso olhar para a compreensão de Bauman da modernidade, se quisermos entender o pensamento deste autor. UNIDADE 3 TÓPICO 1 155 FIGURA 108 – A MODERNIDADE “LÍQUIDA”, SEGUNDO BAUMAN FONTE: Disponível em: <http://regisfrias.com/geral/wp-content/uploads/2012/08/modernidade-liquida. jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. O foco da análise de Bauman está em compreender como a modernidade se realiza na prática, qual o seu “custo” em termos humanos e as suas ambivalências, isto é, como a modernidade está sempre se modificando. Para Bauman, a característica essencial da modernidade é sua profunda ambivalência. Ele traça um paralelo entre a modernidade e a linguagem demonstrando como, na tentativa de ordenar a realidade, a modernidade acaba produzindo suas próprias ambivalências. Segundo Bauman (apud CASADEI, 2009, p. 83): Podemos dizer que a existência é moderna na medida em que é produzida e sustentada pelo projeto, pela manipulação, administração, planejamento. A existência é moderna na medida em que é administrada por agentes capazes e soberanos. Os agentes são soberanos na medida em que reivindicam e defendem com sucesso o direito de gerenciar e administrar a existência: o direito de definir a ordem e, por conseguinte, pôr de lado o caos como refugo que escapa à definição. Bauman assim descreve a ação típica da dialética na concepção de Hegel. Desta forma o espírito humano se aliena à medida que o mesmo sai de si na produção da cultura (com suas dimensões institucionais, políticas, econômicas, artísticas, filosóficas etc.) para realizar aquilo que ele é em si mesmo. Este movimento instaura uma contradição entre o espírito humano e aquilo que produz, ou seja, a cultura produzida pelo espírito se transforma na base da produção de um novo espírito e de uma nova cultura. Se, para Bauman, a racionalidade moderna se explica e adquire expressão a partir de seu esforço em ordenar o mundo, é este fato mesmo que acaba produzindo o caráter ambíguo da modernidade. Dentro deste quadro a cultura teria o papel de encarnar estas ambivalências, impedindo a consumação do ordenamento e, portanto, concorrendo para a manutenção da modernidade. Nas palavras de Bauman (apud CASADEI, 2009, p. 84): Seria fútil decidir se a cultura moderna solapa ou serve à existência moderna. Faz as duas coisas. Só pode fazer uma junto com a outra. A negação compulsi- va é a positividade da cultura moderna. A disfuncionalidade da cultura moderna UNIDADE 3TÓPICO 1156 é sua funcionalidade. [...] A história da modernidade é uma história de tensão entre a existência social e sua cultura. A existência moderna força sua cultura à oposição de si mesma. Essa desarmonia é precisamente a harmonia de que a modernidade precisa. A história da modernidade deriva seu dinamismo excepcional e sem precedentes da velocidade com que descarta sucessivas versões de harmonia, primeiro desacreditando-as como nada mais que pálidos e imperfeitos reflexos dos seus foci imaginarii. Pela mesma razão, pode ser vista como a história do progresso, como a história natural da humanidade. Outro ponto que poderíamos destacar na obra de Bauman sobre o papel da teoria crítica seria em sua análise do consumo na contemporaneidade, tal como expresso em seu livro “Vida para Consumo” (BAUMAN, 2008). FIGURA 109 – CAPA DA EDIÇÃO BRASILEIRA DE VIDA PARA CONSUMO FONTE: Disponível em: <http://t2.gstatic.com/ images?q=tbn:ANd9GcTaEXcB02IgG-zr0v1Z8bCCEyE_ va0rKF9HTF6MugSLfFdWdvXP7A>. Acesso em: 24 jul. 2013. Neste trabalho Bauman mapeia e analisa as transformações que se deram na sociedade contemporânea em relação ao consumo, com a criação daquilo que ele chama de “sociedade consumista”, que tem um caráter instável, segundo o autor. Na “sociedade de consumidores”, a dimensão existencial do ser humano está condicionada, assim como as relações humanas, pelas relações entre os consumidores e os objetos de consumo. Na sociedade atual, o indivíduo encontra um prazer imediato no ato de consumo, devido ao aspecto descartável dos bens, sendo a pessoa constantemente bombardeada pela imposição do consumo de novos produtos que se sucedem em inovações tecnológicas e cuja promessa consiste na atribuição de status social ao consumidor. UNIDADE 3 TÓPICO 1 157 Assim as pessoas são levadas a consumir, não aquilo que possa lhes satisfazer as necessidades básicas, mas aquilo que confira posição social, dentro da lógica do mercado. Desta forma são imposições mercadológicas que levam ao consumo de um excesso de produtos, dando um caráter irracional à economia. Este excesso de mercadorias gera uma incerteza nas escolhas dos consumidores, a instabilidade no desejo e uma atribuição de um aspecto insaciável ao consumo.O consumo passa a ser então a via para a realização pessoal e caminho para conferir sentido à existência. FIGURA 110 – O CONSUMO NA SOCIEDADE ATUAL FONTE: Disponível em: <http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSI5-gADbd72u2e XAtKh5EjmglwN3TNvgTzdMVjtdnOOljR5cNm6w>. Acesso em: 24 jul. 2013. Bauman chama atenção nesta obra ainda para o fato de que na sociedade de consumo seus membros transformam-se eles mesmos em mercadorias. Isto faz com que a sociedade de consumo produza um ser humano que vive por si e em si, encontrando sua completude e sentido existencial no consumo exarcebado. Assim a cultura contemporânea se caracteriza por instaurar uma disputa pela significação do mundo, que passa na atual sociedade pelo consumo como instância de atribuição de sentido à existência, onde o mercado age como o agente central de determinação da inclusão ou exclusão dos indivíduos, a partir de sua capacidade e maneira de consumir. UNIDADE 3TÓPICO 1158 LEITURA COMPLEMENTAR O CONCEITO DE CULTURA EM BAUMAN BAUMAN, Z. La cultura como práxis. Buenos Aires: Paidós, 2002. Lara Espinosa Estudar o conceito de cultura pode ser uma tarefa tão árdua quanto prazerosa. Quem se inicia nesse universo com um mergulho profundo, seguramente pode começar pelo estudo de Zygmunt Bauman. Nesse livro, o autor desenvolve sua tese criticando o percurso histórico, social e filosófico do uso do conceito, de modo que o estudante encontra no texto um completo estado da arte, ao menos do ponto de vista das “bases fundadoras” das escolas ocidentais. Aconselho ao leitor saborear o livro aos poucos, com leituras paralelas. A oportunidade de visitar autores criticados por Bauman é uma das grandes colaborações desta reedição. O argumento de Bauman foi construído há 30 anos, mas ele é pertinente e atual. Na primeira edição, Bauman defendia que o termo cultura não pode ser empregado sem que seja avaliado como “conceito”, como “estrutura” e como “práxis”. Na nova edição, o autor adicionou uma introdução, onde explica o porquê da recuperação desse texto e o contextualiza na atualidade, sem abandonar, no entanto, a base inicial. Embora, naquele período, o autor que cunhou o conceito de “modernidade líquida” se mantivesse ainda sobre o terreno de cada um dos estágios que examina, é nos interstícios que se pode encontrar o Bauman de hoje. Sua ironia e irreverência iniciam ali, na solidez da reflexão construída em um alicerce que é tensionado, criticado e usado para fundamentar sua proposta assaz inovadora para a época. Cada uma das três formulações é indissociável, e a clareza do seu argumento está em embrenhar-se na volatilidade desses níveis, desmascarando a “fragilidade humana” dos conceitos estabelecidos (p. 15). Com muito zelo e responsabilidade para com o patrimônio acadêmico, sem desconsiderar todos os movimentos que estruturaram, no âmbito científico, a construção do conceito de cultura, Bauman coloca-os não como pontos de apoio, mas como suspensões fixas no nada. Ninguém é esquecido ou poupado, nem mesmo ele, pois, ao defender a ambivalência do conceito de cultura, o autor desnuda sua própria ambivalência quando, ao mesmo tempo, repudia e acolhe a base do pensamento que lhe permite orquestrar a observação daquela que chama de “consciência da sociedade moderna” - a Cultura. Por encima de todo, ya no acepto que la ambivalencia que realmente cuenta fuese un efecto accidental, un descuido metodológico o un error; me refiero a esa ambivalencia que me empujó en primer lugar a diseccionar el complejo significado de la cultura, pero que salió ilesa de la operación, perpetuando-se en tanto que blanco elusivo. Por el contrario, creo que la ambivalencia inherente a la idea de cultura, ambivalencia que refleja fielmente la ambigüedad de la condición histórica que se suponía que debía captar y narrar, es exactamente lo que ha hecho de esa idea una herramienta de percepción y de pensamiento tan fructífera (p. 21). Para ele, a ambivalência é um fator que transforma a estrutura que instaura a ordem UNIDADE 3 TÓPICO 1 159 sociocultural em espaço de criatividade e liberdade, onde o objetivo é que se estabeleça uma realidade que não requer o exercício da liberdade, “es decir, la liberdad se despliega y desarrolla al servicio de su propia anulación” (p. 22). Frente à “persistente ambiguidade do conceito de cultura” e afirmando que a “consciência metodológica” não pode aceitar “a magia das palavras” através da qual o termo cultura é utilizado para “responder a problemas diversos, enraizados em interesse convergentes” (p. 95), Bauman examina a palavra cultura como “conceito”. Para Bauman, há numerosos interesses cognitivos institucionalizados em torno de um vocábulo único, cada um localizado em um campo semântico diferente, que pode ser solapado nessa relação, pois cada um é acompanhado por uma série específica de noções paradigmáticas e sintaticamente ligadas entre si, que extraem e manifestam seu significado através de um conjunto distinto de contextos cognitivos. Uma das premissas do estudo é que a diferença de abordagens para o termo cultura é a parte mais rica do ponto de vista cognitivo. É frutífera e academicamente estimulante. Para Bauman, o enfoque unificador do termo conduz a uma facilidade predominantemente estética. Propõe então três questões que modelam distintos universos de discurso e que são igualmente legítimas e significativas. E diz que a questão crucial não é se as três noções podem ser reduzidas a um denominador comum, mas questiona se esta redução é desejável. São elas: a cultura como conceito hierárquico, a cultura como conceito diferencial e o conceito genérico de cultura. No segundo capítulo, ao examinar a cultura como estrutura, Bauman admite que “a estrutura é uma rede de comunicação no seio de um conjunto de elementos ou ainda o conjunto de regras de transformação de um grupo de elementos inter-relacionados e de suas próprias relações” (p. 185). Para ele as transformações geradoras de acontecimentos se situam no nível fenomenológico da percepção ou empírico, acessível à experiência sensorial. Já a estrutura não é acessível ao sensório e tampouco é derivada do processamento de dados da experiência. “A relação da estrutura com os fenômenos empíricos é um reflexo da relação de modelos abstratos e vice-versa” (p. 186). Um ponto importante para o autor é que não existe uma relação “um a um” entre uma dada estrutura e um conjunto de acontecimentos empíricos. Uma estrutura pode gerar conjuntos de incidências muito diversos e vice-versa. “Qualquer conjunto de acontecimentos empíricos se pode considerar como um output de estruturas subjacentes” (p. 186). Ao iluminar o status ontológico e epistemológico da estrutura, Bauman menciona dois debates que têm envolvido a natureza da cognição e do conhecimento: o primeiro é o conhecimento do “certo” e do “contingente”; o segundo é o debate entre a ontologia do objeto de cognição “transcendente” e do “imanente”. Para Platão a relação entre o certo e o contingente, através da retórica mística, era uma batalha entre “deuses e gigantes”. Os deuses são os que creem nas coisas invisíveis – a verdadeira realidade – os gigantes colocam o real no corpo que podem tocar e manipular. Em resumo, a aproximação estruturalista à cultura resulta em um conjunto de regras generativas, historicamente selecionadas pela história humana, que governam ao mesmo tempo a atividade mental e prática dos indivíduos, contemplados como seres epistêmicos e a gama de possibilidades nas quais essas atividades podem operar. Bauman apresenta limitações para a “aplicação direta dos achados da linguística estrutural na cultura, que, em sentido amplo, se vê inevitavelmente limitada por importantes diferenças UNIDADE 3TÓPICO 1160 entre subsistemaslinguísticos e não linguísticos da cultura humana” (p. 219). Por último, no terceiro capítulo, o autor debate a cultura como práxis, que reflete uma longa discussão sobre a natureza da integração social. Para ele, a experiência humana é intuitiva, pré-teórica e só pode ser acessada intelectualmente quando recoberta por uma série de conceitos explicativos. O conceito de cultura torna-se então “subjetividade objetivada”. Um esforço para entender o modo como as ações individuais podem ter validez coletiva e como as múltiplas interações entre indivíduos podem construir “uma realidade dura e implacável” (p. 259), de uma sociedade alienada, que distingue as esferas públicas e privadas da vida humana (p. 323). Bauman resiste às explicações alienadas. Para ele, através da cultura, o homem se encontra “em um estado de revolta constante, uma revolta que é uma ação” contra o estado paralisador voltado unicamente para o privado (p. 343). Na recuperação feita na introdução, quando Bauman discute o conceito de identidade já com o aporte de Stuart Hall, reforça o conceito de movimento, inseparável das identidades. Afirma que as identidades reciclam a substância cultural e o que assegura sua continuidade é o seu movimento, sua capacidade de mudança. Finaliza a introdução retomando a pluralidade de horizontes de Gadamer: “Se o entendimento é um milagre, é um milagre cotidiano, um milagre feito por pessoas comuns e não por milagreiros profissionais” (p. 94). [Lara Espinosa é professora doutora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).] FONTE: ESPINOSA, Lara. Fronteiras – Estudos Midiáticos, São Leopoldo, ano 7, n. 3, p. 240-242, set./dez. 2005. UNIDADE 3 TÓPICO 1 161 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico vimos como: • Morin e Bourdieu deslocam o foco de suas interpretações do fenômeno de comunicação de massa da esfera da produção, tal como era feito anteriormente pela teoria crítica, para a do consumo. Com isto estes autores revelam a dinâmica e características próprias do consumo na sociedade contemporânea. Este acaba por se constituir numa instância de mediação, devido a seu caráter individual, entre o sujeito e a indústria cultural, o que terminaria por minimizar um possível efeito padronizante dos bens culturais fornecidos pela indústria de comunicação e cultura de massa. • Morin considera a cultura de massa ao se fundar em sistemas simbólicos anteriormente existentes, como tendo um papel social integrador, dentro do quadro das sociedades contemporâneas. Para Morin, assim a cultura de massa apresenta-se como mais um espaço da experiência da existência do indivíduo na sociedade capitalista, servindo à vazão das pulsões decorrentes das fantasias e expressão do imaginário particular do sujeito, que se singularizaria no consumo dos bens culturais. Para Morin, atribuir um caráter exclusivamente impositivo aos bens culturais produzidos em escala industrial é ignorar a relação dialética que se estabelece entre o imaginário, em suas dimensões sociais e individuais, e os produtos veiculados pela mídia. Segundo ele, a produção em série dos bens culturais não impede que a apreciação de seu aspecto estético, sua utilização e sua fruição adquiram um caráter particularizado, isto através do consumo. • Bourdieu, embora se aproxime mais da visão da teoria crítica, chama a atenção para o caráter ideológico e manipulador a que tanto produtores quanto consumidores estão submetidos na indústria cultural. Para ele, há uma ausência do sujeito na indústria cultural, que ele exemplifica com a veiculação de informações pela mídia de imprensa, onde são esvaziadas dos conteúdos políticos e dirigidas a todos uniformemente, niveladas por baixo para parecerem palatáveis a todos. Assim, o jornalismo televisivo obedeceria à lógica do mercado, escapando assim as possibilidades do processo criativo e do desenvolvimento de uma consciência crítica. Entretanto, Bourdieu, percebe que as diferenças sociais, em especial aquelas decorrentes das diferentes bagagens culturais acumuladas ao longo da experiência e trajetórias de vida dos indivíduos que compõem os diversos grupos que formam a sociedade, agiriam como freio à padronização completa dos sujeitos pela indústria cultural. Posteriormente estudamos o pensamento de Bauman em relação à cultura e consumo na atual sociedade, demonstrando como para ele a cultura serve à manutenção do projeto da modernidade, mantendo o caráter ambíguo e forjando sujeitos que se definem e dão sentido à sua existência pelo consumo. UNIDADE 3TÓPICO 1162 AUT OAT IVID ADE � Responda às seguintes questões: 1 A partir da compreensão de Morin da cultura de massa, explique como o consumo amenizaria o seu caráter uniformizador. 2 Como Bourdieu relativiza a ideia de que a cultura de massa uniformiza as consciências? 3 Que características se impõem ao indivíduo na sociedade consumista? REPERCUSSÕES LATINO-AMERICANAS DA SOCIOLOGIA CRÍTICA 1 INTRODUÇÃO TÓPICO 2 Desde o seu nascedouro a teoria crítica em Sociologia se coloca aberta a novas interpretações e contribuições originais, de tal forma que ela não é estática nem rígida, muito menos privilégio ou propriedade de uns poucos autores. Pelo contrário, a teoria crítica apresenta-se como uma proposta teórico-metodológica passível de ser apropriada por todos aqueles que, não se limitando a interpretar o real de maneira crítica, percebem as condições históricas de seu tempo e propõem mudanças no sentido de libertar a humanidade da alienação imposta pelo sistema capitalista, levando o ser humano a realizar todas as potencialidades da razão de forma emancipadora. O projeto da teoria crítica acabou tendo um impacto significativo no pensar e fazer Sociologia, até mesmo na produção sociológica de países periféricos como o Brasil, por exemplo. Apesar do atraso típico dos países em subdesenvolvimento, também em nossa nação fez- se sentir a influência do pensamento crítico, tendo por base as reflexões de Marx sobre o capitalismo. Entretanto, em virtude do próprio caráter de atraso, do desenvolvimento tardio do sistema capitalista no Brasil e das especificidades de nosso processo histórico, o pensamento crítico brasileiro reveste-se de características próprias e originais que procuram dar conta das questões fundamentais de nossa nação. Neste tópico, acadêmico(a), você travará contato com a produção intelectual e as considerações teórico-metodológicas de um dos maiores (se não o maior) dos sociólogos brasileiros, Florestan Fernandes. Veremos como e por que Florestan Fernandes se insere no campo da sociologia crítica, UNIDADE 3 UNIDADE 3TÓPICO 2164 a partir da análise dos pressupostos teóricos e metodológicos que ele desenvolveu para entender a realidade brasileira, bem como suas considerações acerca das mudanças sociais e do desenvolvimento no Brasil. 2 FLORESTAN FERNANDES E A SOCIOLOGIA NO BRASIL Embora não haja unanimidade em relação à questão, muitos autores inserem Florestan Fernandes e seu pensamento no campo da teoria crítica e o consideram um dos representantes da sociologia crítica no Brasil. De fato, a obra de Florestan Fernandes, por seu volume, riqueza e diversidade, dá margem a diferentes interpretações, que, às vezes, assumem configurações distintas e, em alguns casos, contraditórias. Para se ter uma ideia, até 2007 já haviam sido publicados 351 trabalhos dedicados à análise da produção intelectual de Florestan, isto entre artigos, livros, capítulos de livro, monografias e teses, além de comunicações em congressos e semelhantes. (SHIOTA, 2012). Entretanto, a partir das considerações de Shiota (2012), acreditamos que existem razões suficientes para incluir o nome de Florestan Fernandes no rol dos teóricos críticos da sociedadebrasileira. Isto é perfeitamente plausível se considerarmos o projeto da teoria crítica como implicando uma aderência à proposta de emancipação do quadro histórico-social capitalista, através da descrição crítica do tempo atual e de propostas para uma prática libertadora (SHIOTA, 2012), elementos que, a exemplo de Shiota, julgamos estar presentes na obra de Florestan. Afinal, quem foi Florestan Fernandes? Florestan Fernandes (São Paulo, 22 de julho de 1920 - São Paulo, 10 de agosto de 1995) foi um sociólogo e político brasileiro, duas vezes eleito deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores de São Paulo. Segundo seus relatos, Florestan Fernandes teve despertado, ainda criança, o interesse pelos estudos principalmente pela diversidade dos lugares onde passou sua infância. Afilhado de Hermínia Bresser de Lima, filha de Carlos Augusto Bresser, Florestan aprendeu com ela a dedicação aos estudos: "O fato é que embora eu não estudasse organizadamente, pelo fato de ter nascido na casa de dona Hermínia Bresser de Lima aprendi o que era livro, a importância de estudar e com pouco mais de seis anos adquiri uma disciplina." Filho de mãe solteira, não conheceu o pai. Começou a trabalhar como auxiliar numa barbearia aos seis anos de idade. Também foi engraxate. Estudou até o terceiro ano do primeiro grau. Só mais tarde, voltaria a estudar, fazendo curso de madureza, estimulado por frequentadores UNIDADE 3 TÓPICO 2 165 do bar Bidu, no centro de São Paulo, onde trabalhava como garçom. Em 1941, Florestan ingressou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, formando-se em ciências sociais. Iniciou sua carreira docente em 1945, como assistente do professor Fernando de Azevedo, na cadeira de Sociologia II. Na Escola Livre de Sociologia e Política, obteve o título de mestre com a dissertação "A Organização Social dos Tupinambás". Em 1951 defendeu, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a tese de doutoramento "A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá", posteriormente consagrado como clássico da etnologia brasileira, que explora o método funcionalista. Uma linha de trabalho característica de Florestan nos anos 50 foi o estudo das perspectivas teórico-metodológicas da sociologia. Seus ensaios mais importantes acerca da fundamentação da sociologia como ciência foram, posteriormente, reunidos no livro "Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica". Seu comprometimento intelectual com o desenvolvimento da ciência no Brasil, entendido como requisito básico para a inserção do país na civilização moderna, científica e tecnológica, situa sua atuação na Campanha de Defesa da Escola Pública, em prol do ensino público, laico e gratuito enquanto direito fundamental do cidadão do mundo moderno. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Florestan_Fernandes>. Acesso em: 24 jul. 2013. FIGURA 111 – FLORESTAN FERNANDES FONTE: Disponível em: http://sphotos-h.ak.fbcdn.net/hphotos-ak-ash4/484291_ 303942763045722_1902975516_n.jpg. Acesso em: 24 jul. 2013. De acordo com Shiota (2012), em 1953, Florestan Fernandes estava tecendo certas UNIDADE 3TÓPICO 2166 considerações teóricas no campo da Sociologia que se constituíram, tanto em uma contribuição original deste pensador (resultado do encontro de um talento excepcional com as condições históricas da sociedade em que vivia e que em grande parte o formou), como um marco definitivo de seu alinhamento com o pensamento crítico, dentro do horizonte de certos aspectos da teoria crítica. Em um texto deste período Florestan introduz no método que empregava à época considerações a respeito da dimensão histórica dos fenômenos sociais e culturais. Estas ponderações possibilitavam a utilização de sua teoria como modelo explicativo da sociedade e demonstravam sua percepção aguda da questão da mudança social. As perspectivas que se descortinaram, então, possibilitaram ao sociólogo descrever de forma interpretativa o fenômeno social, unindo o empirismo científico ao viés diacrônico na análise deste. Nas palavras de Fernandes, referindo-se ao fenômeno social (apud SHIOTA, 2012, p.15): O especialista pode ainda interessar-se pelo fenômeno descrito em sua condi- ção de vir-a-ser; então, procurará explicá-lo retrospectiva e prospectivamente, através da seleção de fatores causais que, nas condições de formação e transformação do “meio social interno”, determinam o curso e os efeitos de sua atuação. A partir daí podemos ver claramente a perspectiva dialética da construção de Florestan da realidade social. Ele vincula a visão sincrônica à dimensão diacrônica na análise do fenômeno social, priorizando, entretanto, a compreensão histórica deste nas condições da mudança social. Florestan assim também preconiza a necessidade de aplicabilidade do conhecimento sociológico, remetendo à articulação imperativa entre teoria e prática. Em sua proposta teórico-metodológica, Florestan pretende propiciar ao cientista social a possibilidade de identificar o surgimento de correntes inovadoras da ordem social, bem como as condições em que estas manobram, analisando estas correntes em períodos curtos de tempo e no nível do sistema de organização da sociedade, possibilitando desta forma o conhecimento das limitações e percalços para a efetivação dos meios de transformação da sociedade. UNIDADE 3 TÓPICO 2 167 FIGURA 112 – BRASÍLIA NA DÉCADA DE 50 FONTE: Disponível em: <http://i1.r7.com/data/files/2C92/94A4/2805/432F/0128/09 B5/EF9B/075B/Brasil,%20Bras%C3%ADlia,%20DF.%20Final%20da%20 d%C3%A9cada%20de%2050-HG.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. De acordo com Shiota (2012), esta perspectiva do pensamento de Florestan aproxima-o da visão da teoria crítica, tal como formulada por Horkheimer. Ele apresenta o problema que é transpor para as Ciências Sociais o modelo teórico das Ciências Naturais, o que acaba por servir para a justificação do sistema vigente, uma vez que a Ciência moderna faz parte do aparato de dominação. Faz-se necessária assim a denúncia das impossibilidades da Ciência de realizar o “conhecimento de si da realidade”. Desta forma a teoria crítica apresenta-se como única em sua visão emancipadora, pregando um comportamento crítico por parte do pesquisador e um compromisso deste com o bem-estar da humanidade. O teórico crítico do social deve assim fazer de sua formulação teórica uma afirmação política que possibilita a prática comprometida com a mudança da realidade, decifrando simultaneamente a aparência e a essência desta. De acordo com Shiota (2012, p. 18): A teoria crítica é um momento inseparável da vontade de emancipação e esta- belece conexão entre conceito e momento histórico atual, conhecimento e fins de autodeterminação humana, conforme o conceito materialista de sociedade livre e autodeterminante. [...] O teórico crítico possui integridade e perspectiva histórica e julga conforme aquilo que está no tempo. UNIDADE 3TÓPICO 2168 FIGURA 113 – CAPA DA OBRA DE HORKHEIMER SOBRE A TEORIA CRÍTICA FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot. com/_BLjGVUUdlaM/St9dCYcj_OI/ AAAAAAAAAm0/0c2ZjOo4-_c/s320/teoria+critica.jpeg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Shiota (2012) chama a atenção para o fato de que os sentidos que adquirem as formulações de Horkheimer de “comportamento crítico” e “orientação para a emancipação” transfiguram-se em sua forma em momentos históricos diversos, uma vez que as mesmas são condicionadas pelas análises históricas e o contexto destas análises dentro da visão da teoria crítica. Desta forma a adesão de um pesquisador ao campo do pensamento crítico não passa pela defesa de determinadas teses rigidamente fixadas, mas antes se determina esta aderência pela função social do pensamento proposto e por seu caráterprogressista, entendido este dentro da visão materialista dialética da história. Sob este ponto de vista mostra-se perfeitamente plausível situar Florestan Fernandes dentro do campo da teoria crítica, nos termos deste autor e de sua contribuição única à Sociologia. Vejamos: desde o início de suas formulações teóricas esteve Florestan Fernandes comprometido com uma visão da sociologia que abarcasse e articulasse teoria e prática. Nos anos 40 e 50 Florestan em sua obra demonstra a necessidade de aliar a cientificidade das análises sociais a uma prática científica comprometida com as questões históricas de seu tempo, salvaguardando- se a mesma de uma militância pueril que negligencie a maneira pela qual o conhecimento é organizado, produzido e assimilado pela sociedade. Sob esta perspectiva foi possível ao autor perceber que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil não levava de maneira automática ao estabelecimento da ordem democrática, o que fez com que Florestan guiasse seus esforços intelectuais na direção da realização da democracia em nosso país, sob o viés emancipador e de caráter socialista. Em seus trabalhos encontra-se presente também uma crítica à objetividade científica, na pretensão de se eximir de sua feição política e dos questionamentos de seu tempo. UNIDADE 3 TÓPICO 2 169 Assim a sociologia de Florestan não se restringe a explicações, técnicas e métodos de pesquisa, mas está a serviço da análise da realidade brasileira e é propositiva em relação aos problemas de nosso país. Este autor pretendia com sua obra não só teorizar o Brasil, mas antes contribuir para um entendimento que se aliasse a diagnósticos de seu tempo e possibilitasse uma intervenção na sociedade brasileira. Nas palavras de Fernandes (apud SHIOTA, 2012, p. 22-23): Quem pensa os fatos não pode fazer uma separação assim brutal nas atividades da “inteligência”, uma limitação tão violenta nas tarefas dos intelectuais e acre- ditar na eficiência de uma ruptura desse gênero exatamente no momento em que é necessário colocar as forças do pensamento e de ação no campo aberto da luta contra as forças da reação, do aproveitamento e da opressão. [...] Os intelectuais não podem deixar de discutir concretamente as condições de vida do povo brasileiro, se quiserem qualquer coisa prática. [...] É necessário atuar sobre as causas quando se pretende eliminar ou agir sobre seus efeitos. Para Florestan, democratizar a cultura significa emancipar política e economicamente a população brasileira. A democracia cultural, desta forma, não pode se dar sem que se veja sua fundamentação política e suas bases econômicas. Notamos desta forma o compromisso do autor com a produção de um pensamento que fosse capaz de encontrar a sua realização nas relações sociais, sob uma visão implicada com a mudança social e voltada para a efetivação da democracia, a partir da emancipação política da população brasileira. O Brasil, ao tempo de Florestan, vivia sob as ruínas da ordem escravocrata e colonialista que impunha restrições à realização da democracia em nossa terra. FIGURA 114 – ÍNDIOS DO XINGU NA DÉCADA DE 50 FONTE: Disponível em: <http://brazilianpost.co.uk/wp-content/uploads/2013/01/283867_14199027921 3356_100002071532996_272017_7278551_n.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3TÓPICO 2170 Para Florestan, a Sociologia representava então a possibilidade da efetiva constituição da ordem democrática, participando esta disciplina da construção da tomada de consciência pelos cidadãos, aliada à ciência e à tecnologia para tirar nosso país do atraso e articuladas com a educação, na promoção da formação de um caráter democrático para o nosso povo. Em suas pesquisas acerca da situação das populações de origem africana em nosso país, Florestan aprofunda a compreensão histórica da sociedade brasileira, diagnosticando as formas pelas quais o preconceito vigente ajusta as relações sociais em nosso país, promovendo a manutenção de uma estrutura social injusta e arcaica. FIGURA 115 – ESCRAVOS NO BRASIL COLONIAL FONTE: Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/brasil- colonia/imagens/sociedade-acucareira1.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Florestan ainda se posiciona de maneira determinada a favor do ensino público e contra a utilização de recursos públicos nas instituições de ensino privadas, advogando um papel formador de consciências democráticas para a escola. Esta deve se democratizar, no sentido de se pôr a serviço das transformações necessárias para a emancipação do povo brasileiro, primando sempre pela qualidade. Para Florestan (apud SHIOTA, 2012, p. 27), “[...] a educação nas escolas públicas deveria, em todos os níveis, promover nos jovens a racionalidade aplicada à solução de problemas práticos da sociedade brasileira”. Muito embora para o autor as forças sociais e o jogo político sejam produto da história, a razão mostra-se fundamental para a práxis emancipadora, através da mediação da teoria. Assim a educação formal, fornecida pelo Estado, deveria se contrapor ao senso comum, este se apresentava como promotor da ordem sociocultural dominante, e levar à superação da mentalidade tradicionalista, de caráter escravocrata e privatista, que Florestan percebia como um obstáculo à democratização da nação. UNIDADE 3 TÓPICO 2 171 Estes e outros aspectos do pensamento de Florestan já bastariam para localizar definitivamente este autor no campo da sociologia crítica. Suas formulações teóricas estiveram sempre articuladas ao sujeito histórico que ele era, sempre atuando, através de seu saber, na promoção da universidade, da educação, da democratização dos aspectos sociais e raciais da sociedade brasileira, visando à emancipação política do ser humano e à promoção do socialismo. Seu pensamento, na visão de Shiota (2012, p. 28), questiona o Brasil em suas “[...] condições históricas legadas pelos processos de independência política colonial, de abolição da escravidão e das características autocráticas da revolução burguesa brasileira”. 3 AS MUDANÇAS SOCIAIS SOB O PARADIGMA DA SOCIOLOGIA CRÍTICA Estabelecido já, no item anterior deste tópico, a pertinência da inclusão de Florestan Fernandes no campo da sociologia crítica, passemos, caro(a) acadêmico(a), a apreciar as considerações deste autor acerca do fenômeno da mudança social. Tema clássico da Sociologia, a questão da mudança social é analisada por Florestan à luz da realidade brasileira. Sua abordagem tem como pano de fundo no período da década de 40 e 50 a consolidação do capitalismo no Brasil, o processo acelerado de urbanização da época e as políticas desenvolvimentistas implementadas pelo governo federal. FIGURA 116 – A INSTALAÇÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL NA DÉCADA DE 50 FONTE: Disponível em: <http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRc n3083d0hOjpHg-vS4mj5B3cTtR0O89D2NUIH0s-gdXbqB8tT>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3TÓPICO 2172 FIGURA 117 – CAPA DE LIVRO DE FLORESTAN FERNANDES SOBRE O FOLCLORE FONTE: Disponível em: <http://www.google.com.br/#fp=21c6c 89590af1748&q=Livro%3A+O+folclore+em+quest%C 3%A3o+de+Florestan >. Acesso em: 24 jul. 2013. Tratava-se à época, como depois considerou Fernandes (1986, p. 150): “[...] do processo de transplantação cultural propriamente dito e do esforço criativo inerente à preservação de uma herança sociocultural que transcendia, de modo inevitável, as exigências das situações históricas vividas [...]”. Posteriormente, nas décadas de 50 e 60, Florestan vai pensar a mudança social dentro da perspectiva instrumental do conceito para problematizar a questão do desenvolvimento. Neste período a sociedade brasileira assiste a uma série de mudanças, de ordem cultural e social, decorrentes da expansão do capitalismo no Brasil, fazendo com queos cientistas sociais refletissem sobre os conflitos que se apresentavam então entre as políticas econômicas governamentais, a dinâmica da industrialização e urbanização do país e o esforço para a integração socioeconômica de nossa nação (MARTINS, 2003). Num primeiro momento suas reflexões sobre este problema, que se apresentam tanto no nível da teoria quanto na dimensão de propostas práticas para a solução de problemas da ordem histórica em nosso país, estão presentes em trabalhos sobre o folclore e sobre a marginalidade social (MARTINS, 2003). UNIDADE 3 TÓPICO 2 173 QUADRO 1 – A RÁPIDA URBANIZAÇÃO DO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://portaldeextensao.wikidot.com/local--files/urbanizacao- no-brasil/02.gif>. Acesso em: 24 jul. 2013. Paralelo à utilização do conceito de mudança social para a compreensão do processo de desenvolvimento do Brasil, à sua época, Fernandes (1986, p. 150) também está interessado na relação entre “[...] determinados aspectos sociodinâmicos do fluxo da mudança social e de seu controle societário coercitivo”. Desta forma o autor volta o foco da atenção de sua análise sociológica para aqueles aspectos da organização da sociedade que estão implicados com a geração de dinâmicas sociais relacionadas à mudança. Para Fernandes (1986), o modelo de organização social brasileiro sempre apresentou características inerentes, de ordens estruturais e funcionais decorrentes de seu processo histórico específico, que concorreram para a dinâmica de mudança social que aqui se apresenta. FIGURA 118 – A SERVIDÃO INDÍGENA FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2009/11/ escravidao-indigena.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. UNIDADE 3TÓPICO 2174 As principais características seriam a superposição do sistema estamental português à escravidão indígena e africana e ao atraso na implementação da sociedade de classes no Brasil. FIGURA 119 – O TRÁFICO NEGREIRO NO PERÍODO COLONIAL FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/img/revistas/ea/v16n46/46a15f1.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Isto tinha gerado uma situação na qual os membros da elite brasileira são classificados em termos estamentais, enquanto aqueles que pertenciam aos segmentos que haviam passado pelo processo de servidão e escravidão (basicamente os índios e as pessoas de origem africana) seriam classificados em termos de casta, ficando os mestiços e trabalhadores livres gravitando entre estas duas categorias. Outro foco da atenção do autor, quanto à mudança social, é a questão da difusão cultural, que no Brasil, para Florestan, isto seria básico, em decorrência do atrelamento do país à expansão do Ocidente moderno, que agiria como fator precipitador das transições históricas, em todos os aspectos da sociedade brasileira. Para Fernandes (1986, p. 153): Em regra, o desenvolvimento interno da economia, da sociedade e da cultura cria, previamente, um novo patamar, o qual condiciona e torna possível a partir de dentro uma alteração súbita no enlace com os dinamismos econômicos e culturais com as nações capitalistas hegemônicas e com o mercado mundial. Precipita-se, desse modo, uma fase mais ou menos intensa de modernização, orientada e regulada a partir de fora. Para Florestan assim, articulando estes dois vieses em sua análise, é preciso estar atento à especificidade histórica da realidade social brasileira para entendermos o sentido e o modelo do desenvolvimento em nosso país, a partir da dinâmica própria das mudanças UNIDADE 3 TÓPICO 2 175 sociais no Brasil. Para Martins (2003, p. 4), um aspecto importante do entendimento de Florestan da questão do desenvolvimento está em suas formulações a respeito da “mudança cultural espontânea” e “mudança cultural provocada” que estariam presentes em sua análise do papel da educação e da ciência como fatores da mudança cultural provocada. Nas mudanças culturais espontâneas o desenvolvimento cultural decorre do aparecimento na sociedade brasileira de condições para o surgimento de novas concepções do real. FIGURA 120 – REVISTA DA DÉCADA DE 50 FONTE: Disponível em: <http://downloads.passeiweb.com/ imagens/newsite/saladeaula/historia/hist_brasil/os_anos_ jk_3.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Na mudança social provocada trata-se de colocar essa capacidade surgida numa perspectiva ampliada, de tal forma que os indivíduos conquistem o domínio racional da mudança social. Nas palavras de Florestan (apud MARTINS, 2003, p. 5): O que caracteriza a mudança cultural provocada, em relação ao elemento racio- nal, é a extensão dos limites da ação intencional. Além da escolha deliberada dos alvos, ela envolve o conhecimento objetivo dos meios, das condições e dos mecanismos através dos quais aqueles precisam ser atingidos. Em outras palavras, o elemento racional penetra em todos os níveis do comportamento inteligente dos homens, de modo a ordenar as atividades por eles desenvol- vidas no plano relativamente abstrato, em que se definem suas intenções de intervir na realidade, seja em função dos fins, seja em função dos meios e das condições das próprias intervenções. Vê-se, assim, como em Florestan a qualidade da mudança está condicionada pelas possibilidades de realização da mudança cultural provocada, em função do grau de racionalização que esta pode impor à maneira de ser, em todas as dimensões da vida social. UNIDADE 3TÓPICO 2176 FIGURA 121 – ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 50 FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-cC7TUJ-Z0_Y/TdfDqQ2lJgI/ AAAAAAAANjs/-9alvBuNHgQ/s400/Digitalizar11-05-15%2B1527.tif>. Acesso em: 24 jul. 2013. Para Florestan, na década de 50, o Brasil vivia um processo de mudança cultural espontânea, onde estavam presentes sinais de novas técnicas de controle social que deveriam ser dirigidas à consolidação democrática. Para tal deveria se estabelecer um planejamento democrático, para promover uma mudança cultural que garantiria o caráter democrático da sociedade brasileira. Tratava-se de pautar o projeto nacional em uma determinada concepção do que deveria ser o desenvolvimento da nação. As mudanças surgiriam da capacidade de o agente social lidar com o meio social e deveriam ser colocadas a serviço dos ideais coletivos. A mudança assim se constitui numa técnica social, fruto da inventividade do agente social, e deveria servir como recurso visando introduzir melhoras em todas as áreas da atividade humana organizada em sociedade. Ideias que estão presentes em sua obra “Mudanças Sociais no Brasil”. Desta forma, o sentido atribuído aos processos de mudança social tem por fundamento a dimensão cultural, única garantidora da transformação da sociedade como um todo (MARTINS, 2003). UNIDADE 3 TÓPICO 2 177 FIGURA 122 – CAPA DO LIVRO “MUDANÇAS SOCIAIS NO BRASIL” FONTE: Disponível em: <http://img2.mlstatic.com/mudancas- sociais-no-brasil-florestan-fernandes-1960_MLB-O- 87289414_2654.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Na visão de Florestan ainda as resistências à mudança social em nosso país, no período que representou a transição definitiva para o sistema capitalista, apresentam-se a análise, com os devidos cuidados, como um mecanismo de autodefesa do setor arcaico de nossa economia, que por sua ação reacionária acaba funcionando como motor destas mudanças e que termina por se beneficiar quando da reorganização e concentração do poder que delas resultaram num primeiro momento (FERNANDES, 1986). Ao analisar a mudança social ligada à desagregação do sistema colonial e a expansão do capitalismo no Brasil, Florestan chama a atenção para o fato de que, embora as mudanças implicadas com o processo tenham afetado a sociedade brasileira como um todo, somente um pequeno setor se beneficiou do processo. Nas palavras de Fernandes (1986, p. 156): [...] osbenefícios e os efeitos construtivos a largo prazo da mudança social foram monopolizados pelos estamentos médios e altos, os únicos que se incor- poravam à ordem civil com meios e qualificações para impor sua vontade. Desta forma não se efetivou no Brasil a mudança para a sociedade brasileira e, sim, para um pequeno segmento: o burguês. Este mesmo estrato da população que monopoliza as benesses da mudança social apresenta a forte tendência de submetê-la a controles seletivos e coercitivos, visando garantir a transferência dos recursos gerados pela nação para si mesmo sob o pretexto de utilizá-los para a solução dos problemas decorrentes das mudanças que se apresentam. UNIDADE 3TÓPICO 2178 FIGURA 123 – FLORESTAN FERNANDES NA COMPANHIA DE REPRESENTANTES DO SETOR MAIS OPRIMIDO DA SOCIEDADE BRASILEIRA: OS ÍNDIOS FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/img/revistas/ea/v10n26/26a06f1.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Entretanto haveria mudanças que surgiriam espontaneamente e que surgiriam em decorrência de características estruturais da sociedade de classes brasileira que não poderiam ser tão facilmente sufocadas ou reprimidas. Como disse Fernandes (1986, p. 160): [...] nascem dos dinamismos do mercado e dos sistemas de produção sob o capitalismo, das relações e conflitos de classes ou das impulsões à igualdade civil desencadeada pelas estruturas de poder de uma sociedade nacional. Tais tipos de mudanças são o bicho-papão das burguesias das sociedades capitalistas dependentes e subdesenvolvidas [...]. Tais tipos de mudanças representam uma ameaça às posições de poder e às bases do exercício da dominação por parte das classes dominantes, que poderiam perder o controle da ordem social em razão disso. Assim as elites apresentam uma resistência sociopática à mudança tendo em vista o desfrute da ordem vigente que não se concretiza, em seu caráter competitivo, às demais classes. As elites brasileiras acreditariam que podem manipular a ordem social de maneira impune, em razão de se alicerçar em uma estrutura de caráter econômico, social e político que atribui importância diversa às diferentes classes sociais. “Em nossa sociedade, a classe dominante dispõe de maior poder econômico, social e político, empregando-o a favor da manutenção de seus privilégios e interesses específicos.” (FERNANDES, 1986, p. 161). UNIDADE 3 TÓPICO 2 179 FIGURA 124 – REPRESENTANTES DOS INTERESSES DA BURGUESIA NACIONAL NA DÉCADA DE 50 FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/0/04/Juscelino_Kubitschek.jpg/250px- Juscelino_Kubitschek.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2013. Desta forma é possível entender a resistência sociopática das elites brasileiras à mudança. Esta se apresenta possível apenas em função de uma ordem social que franqueia a determinadas classes a imposição de pressões de cima para baixo e permite que barrem aquelas pressões que vêm de baixo para cima. Entretanto há um perigo nisto que é o de provocar mudanças contra a ordem social, em vez de mudanças dentro desta ordem. Como diz Fernandes (1986, p. 161): [...] as orientações egoísticas e particularistas das classes dominantes e das suas elites concorrem, a longo termo, não para “conter” ou “congelar” a his- tória, mas para simplificá-la e acelerá-la. Sua feroz e obstinada resistência às mudanças compatíveis com a democracia burguesa e com o capitalismo acaba engendrando seja um agravamento fatal das tensões sociais, seja orientações de comportamento reativas segundo as quais a única saída tem de passar pela destruição da ordem existente. UNIDADE 3TÓPICO 2180 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico nós vimos como: • Florestan Fernandes se enquadra no campo da sociologia crítica. Suas contribuições teóricas foram no sentido de compreender a realidade brasileira em seu contexto histórico, tendo por base o conhecimento sociológico. Fazendo uma crítica ao capitalismo, a partir da especificidade do processo social de sua constituição em nosso país, Florestan propunha intervenções no corpo social, a partir da educação, no sentido de promover condições para a emancipação de nosso povo. A produção intelectual de Florestan, que conciliava a análise sincrônica da sociedade com a visão diacrônica, foca nas condições históricas da produção da desigualdade no Brasil, pregando a virtude do saber da Sociologia para transformar a sociedade. Desde o início de suas formulações teóricas, Florestan Fernandes mostrava comprometimento com uma perspectiva da Sociologia que abarcasse e articulasse teoria e prática, sua obra torna patente como devem os cientistas sociais conciliar a cientificidade das análises sociais a uma prática científica comprometida com as questões históricas de seu tempo, evitando-se, entretanto, uma militância pueril que ignore a maneira pela qual o conhecimento é organizado, produzido e assimilado pela sociedade. Seu trabalho mostra seu comprometimento, sendo propositivo, não se limitando somente a pensar os problemas do Brasil, mas trazendo contribuições práticas para a transformação de nosso país. Vimos também que dentro desta perspectiva Florestan se debruçou sobre a questão da constituição democrática de nossa nação e das mudanças sociais que o Brasil passava em seu tempo. Em sua análise, Florestan destaca o passado colonial do Brasil, o caráter autocrático e escravocrata da sociedade brasileira, as dificuldades do estabelecimento do capitalismo em nosso país, bem como da dinâmica das mudanças sociais que se ligam a este processo. UNIDADE 3 TÓPICO 2 181 AUT OAT IVID ADE � Responda às seguintes questões: 1 Por que Florestan se insere no campo da sociologia crítica? 2 Qual deve ser o papel da escola para Florestan? 3 O que acontecia no Brasil durante as décadas de 40 e 50 quando Florestan pensava sobre a questão da mudança social? 4 Por que as elites brasileiras têm uma resistência sociopática à mudança social? UNIDADE 3TÓPICO 2182 PENSANDO A CIDADANIA 1 INTRODUÇÃO TÓPICO 3 Neste tópico estudaremos os principais pensamentos que influenciaram a teoria crítica em sua projeção de reflexão rigorosa acerca da realidade histórica social. Partiremos da análise das relações, em suas semelhanças e diferenças, entre os argumentos defendidos pelas filosofias integrantes da composição teórica da formulação crítica. Posteriormente incluiremos a reflexão crítica acerca do sentido da democracia e da necessidade da educação formadora de cidadãos conscientes. Na primeira parte, a filosofia kantiana é retomada e reformulada para atingir a amplitude da realidade histórica da sociedade do meio de produção industrial. A questão primordial da emancipação como condição de liberdade e da política democrática é colocada em jogo pelas críticas e propostas de solução dos problemas do indivíduo proletarizado. A filosofia marxista surge como fundamento teórico da teoria crítica com uma nova reformulação a partir dos desdobramentos históricos consequentes da sua aplicação prática, que fora tentada como determinação de transformações sociais. A dialética marxista é refletida na sua relação com a filosofia hegeliana da história, o que amplia o materialismo histórico marxista contrapondo sujeito e objeto. A filosofia schopenhaueriana é resgatada para compor a estrutura conceitual fundamental da teoria crítica a partir do significado de pessimismo e da crítica à racionalidade positivista. Vamos investigar as concepções de dor e sofrimento como fundamentais para a conscientização dos indivíduos em meio às relações sociais e políticas, contrapondo a razão com a vontade como essência determinante das condições e formas de vida no mundo. Na segunda parte deste tópico estudaremos as possibilidades de garantia da verdadeira democracia através da
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