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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Elaborado por Sônia Magalhães Bibliotecária CRB9/1191 T314 2017 Teoria e prática da política / Cristiane Batista, Enara Echart Muñoz, organizadoras. – 1. ed.– Curitiba: Appris, 2017. 385 p.; 21 cm Inclui bibliografias ISBN 978-85-473-0423-2 Vários autores 1. Ciência política. I. Batista, Cristiane. II. Muñoz, Enara Echart. III. Título. CDD 20. ed. – 320.1 Editora e Livraria Appris Ltda. Rua José Tomasi, 924 - Santa Felicidade Curitiba/PR - CEP: 82015-630 Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570 http://www.editoraappris.com.br/ Editora Appris Ltda. 1ª Edição – Copyright© 2017 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda. Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010. FICHA TÉCNICA EDITORIAL Augusto V. de A. Coelho Marli Caetano Sara C. de Andrade Coelho ASSESSORIA EDITORIAL Bruna Fernanda Martins COMITÊ EDITORIAL Andréa Barbosa Gouveia - Ad hoc. Edmeire C. Pereira - Ad hoc. Iraneide da Silva - Ad hoc. Jacques de Lima Ferreira - Ad hoc. Marilda Aparecida Behrens - Ad hoc. DIREÇÃO – ARTE E PRODUÇÃO Adriana Polyanna V. R. da Cruz DIAGRAMAÇÃO CAPA Isabelle Natal Matheus Ribeiro REVISÃO Marta Zanatta Lima WEB DESIGNER Carlos Eduardo H. Pereira GERENTE COMERCIAL Eliane de Andrade LIVRARIAS E EVENTOS Estevão Misael | Milene Salles ADMINISTRATIVO Selma Maria Fernandes do Valle CONVERSÃO PARA E-PUB Estevão Misael COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS - SEÇÃO CIÊNCIA POLÍTICA DIREÇÃO CIENTIFICA Fabiano Santos - UERJ/IESP CONSULTORES Alícia Ferreira Gonçalves – UFPB José Henrique Artigas de Godoy – UFPB Artur Perrusi – UFPB Josilene Pinheiro Mariz – UFCG Carlos Xavier de Azevedo Netto – UFPB Leticia Andrade – UEMS Charles Pessanha – UFRJ Luiz Gonzaga Teixeira – USP Flávio Munhoz Sofiati – UFG Marcelo Almeida Peloggio – UFC Elisandro Pires Frigo – Maurício Novaes Souza – IF UFPR/Palotina Sudeste MG Gabriel Augusto Miranda Setti – UnB Michelle Sato Frigo – UFPR/Palotina Geni Rosa Duarte – UNIOESTE Revalino Freitas – UFG Helcimara de Souza Telles – UFMG Rinaldo José Varussa – UNIOESTE Iraneide Soares da Silva – UFC, UFPI Simone Wolff – UEL João Feres Junior – UERJ Vagner José Moreira – UNIOESTE AMBIENTALISTAS Jordão Horta Nunes – UFG Eda Maria Goes – Unesp João Lima Sant’anna Neto – Unesp Manoel Calaça – UFG João Batista de Deus – UFG Valéria Cristina Pereira da Silva – UFG Elizeu Ribeiro Lira – UFT Lucas Barbosa e Souza – UFT Eguimar Felício Chaveiro – UFG Eliana Marta Barbosa de Morais – UFG Editora e Livraria Appris Ltda. Rua General Aristides Athayde Junior, 1027 – Bigorrilho | Curitiba/PR – CEP: 80710-520 Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570 | http://www.editoraappris.com.br/ Às/aos nossas/os estudantes de Ciência Política Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo. (Paulo Freire) PREFÁCIO Jovens professores e pesquisadores da Escola de Ciência Política da Unirio reúnem, neste livro, capítulos sobre os principais temas, atuais e clássicos, da Ciência Política. Trata-se de coletânea destinada a ser utilizada nos cursos de graduação em Ciências Sociais em geral e de Ciência Política em particular nas instituições de ensino superior no País. De especial mérito é a utilização de linguagem clara, sem abrir mão do rigor conceitual. Nesse sentido, o livro também incorpora a perspectiva de divulgação científica. Ao tratar de temas contemporâneos e clássicos, a coletânea tem o propósito de apresentar o “estado da arte” de campos temáticos expressivos nas Ciências Sociais e na Ciência Política. Temas como teoria política, ideologias, direitos humanos, instituições, partidos, sistemas partidários, eleições, movimentos sociais, relações internacionais, políticas públicas, pensamento político e sociologia política são apresentados no melhor estilo da Ciência Política. Além desses temas, um dos capítulos trata da importante questão da metodologia que deve guiar as análises dos estudos da área. O livro tem tudo para atrair a atenção de alunos e de todos aqueles interessados em desvendar de forma mais cuidadosa questões teóricas, conceituais e metodológicas que ajudarão o leitor a entender a política como ciência. Por fim, a coletânea tem dois outros atrativos. O primeiro é a diversidade de temas, e o segundo é oferecer ao leitor um retrato abrangente, mas rigoroso, dessas questões. Esta não é uma empreitada fácil e a expectativa é de que os organizadores e os autores dos diversos capítulos não parem por aqui e continuem perseguindo e disseminando o melhor entendimento do mundo da política na sua perspectiva científica. Professora doutora Celina Souza Pesquisadora associada do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia SUMÁRIO INTRODUÇÃO Cristiane Batista e Enara Echart Muñoz CAPÍTULO 1 A POLÍTICA E SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS: ALGUMAS NOTAS INTRODUTÓRIAS André Coelho CAPÍTULO 2 TEORIA POLÍTICA Marcia Ribeiro Dias CAPÍTULO 3 IDEOLOGIAS POLÍTICAS E DECLARAÇÕES DE DIREITOS Fernando Quintana CAPÍTULO 4 INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE ALIENAÇÃO EM HEGEL E EM MARX Clarisse Gurgel CAPÍTULO 5 A INCESSANTE DISPUTA: AS IDEOLOGIAS POLÍTICAS E O QUE DEVE SER FEITO Guilherme Simões Reis CAPÍTULO 6 PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO Fabricio Pereira da Silva e Luciana Fernandes Veiga CAPÍTULO 7 OS SISTEMAS POLÍTICOS E AS PRIORIDADES DA CIÊNCIA POLÍTICA Guilherme Simões Reis CAPÍTULO 8 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS BRASILEIRAS Cristiane Batista CAPÍTULO 9 OS PARTIDOS POLÍTICOS José Paulo Martins Junior CAPÍTULO 10 ELEIÇÕES, CAMPANHAS ELEITORAIS E VOTO Felipe Borba CAPÍTULO 11 POLÍTICAS PÚBLICAS E O CONHECIMENTO DO “ESTADO EM AÇÃO” João Roberto Lopes Pinto CAPÍTULO 12 MOVIMENTOS SOCIAIS E AÇÃO COLETIVA Enara Echart Muñoz | Clarisse Gurgel | João Roberto Lopes Pinto CAPITULO 13 SÍNTESES TEÓRICAS, MUDANÇA SOCIAL E RELAÇÕES DE PODER Cesar Sabino CAPÍTULO 14 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Enara Echart Muñoz CAPÍTULO 15 POLÍTICA E SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA Fabricio Pereira da Silva CAPÍTULO 16 POLÍTICA E SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA Luciana Fernandes Veiga SOBRE OS AUTORES INTRODUÇÃO Cristiane Batista e Enara Echart Muñoz O interesse pela política, essencial em uma democracia, deve ser acompanhado de um maior conhecimento dos processos decisórios, das instituições políticas e da atuação dos diferentes atores nos variados níveis de governo (local, estadual, federal, regional e internacional). Como docentes e pesquisadores da área de Ciência Política, comprometidos com a construção de uma consciência crítica e de uma cidadania informada, voltadas para uma participação mais ativa dos processos políticos democráticos, nós, professores/as do Departamentode Estudos Políticos da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), elaboramos este livro com o intuito de contribuir para esse aprendizado. A ideia norteadora do livro é oferecer uma visão geral da Ciência Política como campo de conhecimento. O objetivo é, por um lado, propor um primeiro contato com alguns conceitos centrais do arcabouço teórico e empírico da Ciência Política, assim como com os instrumentos básicos para a reflexão política autônoma. Por outro lado, visa servir de material docente para os Cursos de Ciência Política. Para isto, o livro foi organizado de forma a abranger alguns dos temas principais da área, tais como Teoria Política, Ideologias Políticas, Direitos Humanos, Instituições Políticas, Partidos e Sistemas Partidários, Teoria das Relações Internacionais, Políticas Públicas, Sociologia Política, dentre outros. Cada um dos capítulos foi redigido por um/a professor/a do Curso de Ciência Política da Unirio especialista nas diversas áreas. O Curso de Bacharel em Ciência Política da Unirio foi criado em 2008, no contexto do Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Único na área no estado do Rio de Janeiro, o curso surge para atender à “necessidade de se formar um número mais expressivo de profissionais qualificados para promover a investigação científica e tornar o conhecimento da Ciência Política um conhecimento aplicado, operativo, capaz de intervir na realidade que estuda, trazendo soluções” (como defende a Justificativa do Projeto Pedagógico do Curso). Visa formar quadros capazes de atuar em diferentes domínios, tais como gestão em políticas públicas, consultorias políticas, organismos interacionais, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, dentre outros. Através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cinquenta alunos/as ingressam no curso a cada semestre. Muitos dos egressos já estão incorporados a programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em instituições acadêmicas de todo o país, como o Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal Fluminense (UFF); Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), para citar alguns. No que diz respeito às parcerias institucionais, a Escola de Ciência Política vem tomando iniciativas a fim de atualizar e concretizar convênios e acordos de cooperação com as demais instituições, públicas e privada, nacionais e internacionais, tais como a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal de Pelotas, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/Ulisboa); a Universidade Complutense de Madrid (UCM); a Universidad Nacional de San Martín (Unsam); a Universidad de San Andrés (Unsan); e a Universidade Católica de Córdoba (UCC), as três últimas argentinas. Atualmente, o curso de Ciência Política da Unirio conta com um corpo docente composto por treze professores, doutores em Ciência Política ou áreas afins, que desenvolvem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Estão inseridos em importantes redes acadêmicas e participam ativamente de Encontros e Congressos acadêmicos, nacionais e internacionais, tais como Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Associação Latino- Americana de Ciência Política (Alacip), Sociedade Argentina de Ciência Política (Saap), Latin American Studies Association (Lasa), International Political Science Association (IPSA), American Political Science Association (Apsa) etc. Desenvolvem pesquisas e publicam nas mais diversas áreas da Ciência Política, que são apresentadas aqui de maneira introdutória. Assim, o livro, como um todo, encontra-se estruturado na forma descrita a seguir. A primeira parte se dedica a explorar algumas questões mais teóricas em torno da ciência política e alguns de seus elementos centrais: a política, a ideologia, os direitos humanos, a alienação. No primeiro capítulo, A política e seus vários significados: algumas notas introdutórias, André Coelho apresenta alguns dos conceitos mais básicos sobre o entendimento acadêmico acerca do que é a Política. Desde o surgimento da reflexão sobre a Política na Grécia Antiga até a tipologia moderna das formas de poder, o autor analisa a relação entre Política, Poder e Estado. Para além desta visão clássica, adota-se uma aproximação mais holística, que exige levar em conta a relação mais ampla entre política e interesse público, mostrando a influência da política nos mais diversos fenômenos sociais. O segundo capítulo, de Marcia Ribeiro Dias, apresenta um panorama geral do desenvolvimento da Teoria política. Esta teoria reúne um conjunto de conceitos básicos do pensamento humano centrais para a compreensão da interação política: quem somos, que lugar ocupamos no mundo e como nos relacionamos com os demais. Natureza, liberdade, igualdade, justiça e lei são alguns dos conceitos que a teoria política fornece e que servem de lente analítica para a interpretação de movimentos políticos, sistemas de governo, ideologias, da cooperação, do conflito e da competição política. No terceiro capítulo, Ideologias políticas e declarações de direitos, Fernando Quintana analisa a afirmação histórico-normativa e justificação político-ideológica dos direitos humanos, que pode ser observada quando se estuda a sua trajetória histórica e as correntes ideológicas que animam as diversas declarações de direitos. O autor mostra como os direitos humanos podem ser situados historicamente, pensados teoricamente, praticados socialmente, concretizados juridicamente e institucionalmente, bem como polemizados ideologicamente. O quarto capítulo, de Clarisse Gurgel, oferece uma Introdução ao conceito de alienação em Hegel e Marx. Apesar de ser um conceito amplamente utilizado (seja como desconhecimento das forças que influem em nosso modo de viver ou como privação e obstáculos para a autodeterminação), seu sentido nem sempre é entendido adequadamente. Pela relevância do conceito para o entendimento da política, são abordadas no capítulo as noções de alienação (Entfremdung) e estranhamento (Entausserung), a partir das reflexões dos dois filósofos, Hegel e Marx. No quinto capítulo, Guilherme Simões Reis apresenta A incessante disputa: as ideologias políticas e o que deve ser feito. Trata-se de uma tentativa de mapear algumas das diferentes formas de se entender ideologia, para, a partir daí, discutir suas funções, sua importância, e a recorrente negação dela. Completado esse exercício, discorre-se sobre as principais visões sociais do mundo, algumas delas voltadas para a manutenção do status quo, enquanto outras procuram a transformação da realidade. A análise foca nas linhas conservadoras, liberais e socialistas. O capítulo seis, de Fabricio Pereira e Luciana Veiga, apresenta o Pensamento político brasileiro, discutindo questões básicas em torno da delimitação dessa área de estudos, notadamente as reflexões em torno de sua definição enquanto “teoria” ou “pensamento” e seus recortes em torno do “político” ou do “social”. Na sequência, aponta algumas das grandes chaves analíticas tratadas por essa literatura e seus estudiosos (tais como “nação”, “modernização”,“democracia” e “ordem”). Finalmente sugere-se uma bibliografia básica de autores considerados “clássicos” e trabalhos de estudiosos do tema. A partir do capítulo sétimo são apresentados os principais sistemas, processos e atores políticos, com foco no caso brasileiro. Guilherme Simões Reis analisa Os sistemas políticos e as prioridades da ciência política, mostrando as fortes interações e mútuas influências entre os diferentes sistemas que compõem um sistema político, como o eleitoral (majoritário ou proporcional), o partidário (dependendo do número de partidos) e o de governo (parlamentarista ou presidencialista). O debate em torno da estabilidade ou instabilidade permeia as preocupações deste capítulo. O capítulo oitavo, de Cristiane Batista, dedica-se às Instituições políticas brasileiras, mostrando o impacto das instituições políticas (Executivo e Legislativo) no processo decisório brasileiro e na formulação e implementação da agenda do Executivo. O capítulo visa à compreensão das principais características do legislativo brasileiro, dos diferentes tipos de votação legislativa, bem como dos poderes legislativos do presidente no Brasil e os efeitos das instituições políticas sobre a produção de políticas públicas. O capítulo nove apresenta Os partidos políticos. José Paulo Martins Junior analisa os partidos políticos e os sistemas partidários nas democracias contemporâneas, oferecendo uma visão panorâmica de suas origens, desenvolvimento e transformações e da maneira como eles desempenham seus papéis nas sociedades contemporâneas. Para tanto, é necessário apresentar os partidos, tanto em seus aspectos teórico-conceituais como nos histórico-comparativos, focando em como eles têm sido abordados em estudos das experiências nas democracias consolidadas e no Brasil. Felipe Borba analisa, no décimo capítulo, Eleições, campanhas eleitorais e voto. O objetivo é debater os principais conceitos associados às explicações da decisão do voto: por que os indivíduos votam da maneira que votam? O que motiva o eleitor a escolher determinado candidato ou partido em detrimento de outros? As campanhas exercem influência sobre o comportamento do eleitor? Tais questões, embora de aparência simples, têm estimulado importantes debates em torno das principais teorias do voto e como elas influenciaram os estudos sobre eleições no Brasil. No capítulo onze, João Roberto Lopes Pinto apresenta as Políticas públicas e o conhecimento do “Estado em ação”. Centra-se no estudo dos programas governamentais, particularmente suas condições de emergência, seus mecanismos de operação e seus prováveis impactos sobre a ordem social e econômica, ou seja, no “ciclo das políticas públicas”, que envolveria, pelo menos, três momentos: formulação, implementação e resultados. Inclui, para tal, a análise da dimensão material da política (policy), a institucional (polity) e a do processo político (politics). O capítulo doze, de Enara Echart Muñoz, Clarisse Gurgel e João Roberto Pinto, dedica-se a Movimentos sociais e ação coletiva. Apesar de invisibilizada nas análises clássicas da Ciência Política, a ação coletiva dos movimentos sociais tem um impacto importante na vida política, nos processos de democratização e na discussão sobre as políticas públicas. Essa ação coletiva é estudada a partir de diversas concepções (conservadoras, socialistas, comunistas, anarquistas, autonomistas etc.) e em várias dimensões para dar conta da complexidade de relações entre os atores sociais e as instituições do Estado. César Sabino oferece uma análise das Sínteses teóricas, mudança social e relações de poder no capítulo treze. Para tal, apresenta alguns aspectos das teorias sociais de três dos mais destacados autores contemporâneos em Sociologia (Talcott Parsons, Anthony Giddens e Pierre Bourdieu) e seus debates relacionados às relações de poder, suas configurações e ligações com as mudanças e permanências das estruturas sociais. O capítulo sugere que as narrativas teóricas em ciências sociais apresentam relação indireta ou direta com elementos filosóficos ou metateóricos presentes nas entrelinhas dos discursos praticados pelos autores. Os seguintes capítulos oferecem um marco de análise internacional e regional da política. No capítulo quatorze, Enara Echart Muñoz realiza uma introdução ao campo teórico das Relações Internacionais, analisando as principais escolas, temas, correntes e perspectivas que organizam os grandes debates da disciplina (realismo, liberalismo, estruturalismo, teoria crítica, construtivismo, teorias pós-modernas etc.). Para isto, será apresentada a evolução da disciplina em função das mudanças no contexto histórico internacional, desde o final da Primeira Guerra Mundial até a atualidade. Fabricio Pereira da Silva dedica o capítulo quinze a Política e sociedade na América Latina. Apresenta panoramicamente o surgimento e desenvolvimento do conceito de “América Latina”, discutindo em que sentido ele pode ser útil nos dias de hoje. Na sequência, destaca os principais temas trabalhados atualmente pela literatura especializada sobre a região (democracia; integração regional; novas identidades e movimentos sociais; e pobreza e desigualdade), sugerindo uma bibliografia básica para cada um deles. Finalmente, o capítulo dezesseis, de Luciana Fernandes Veiga, oferece uma aproximação à Metodologia em Ciência Política. O capítulo se inicia com o debate sobre epistemologia e os principais paradigmas das Ciências Sociais; com destaque para como a escolha dentre tais paradigmas estrutura o estudo científico. O objetivo principal é detalhar como se elabora um desenho de pesquisa: definição de seu objetivo; escolha e operacionalização acuradas de conceitos teóricos e variáveis; seleção adequada das técnicas de observação, assim como noções para redação científica. Todos os capítulos do livro foram redigidos em uma linguagem acessível, apresentando os diferentes conceitos de forma clara e didática. No final de cada capítulo encontram-se suas ideias básicas e pontos de síntese, além de sugestões de leituras para aprofundar cada temática. Como material docente adicional incluem-se perguntas para discussão e propostas de exercícios em sala de aula. Com este livro, procuramos oferecer informação e conhecimento de qualidade dos processos políticos, contribuindo para uma melhor qualidade dos debates e da atuação política das pessoas e comunidades. Cumpre-se, assim, a missão da educação superior de “educar para a cidadania e a participação plena na sociedade com abertura para o mundo, visando construir capacidades endógenas e consolidar os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz em um contexto de justiça”, conforme previsto na Declaração mundial sobre a educação superior no século XXI, adotada pela Unesco em 1998. Acreditamos na educação como um instrumento essencial para enfrentar com êxito os desafios do mundo moderno e para formar cidadãos capazes de construir uma sociedade mais justa e aberta, baseada na solidariedade, no respeito aos direitos humanos e no uso compartilhado do conhecimento e da informação. Esperamos que este livro seja útil a todos/as aqueles/as interessados/as nas discussões políticas. Não poderíamos encerrar esta introdução sem agradecer aos/às nossos/as estudantes da Unirio, que nos incentivaram na elaboração deste livro, contribuindo com suas perguntas ereflexões para o enriquecimento das discussões que aqui se apresentam. Dentre eles, merece especial destaque Matheus Ribeiro, também conhecido como Ribs, que ilustra a presente obra com as suas sempre instigantes charges. CAPÍTULO 1 A POLÍTICA E SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS: ALGUMAS NOTAS INTRODUTÓRIAS André Coelho Escrever um artigo introdutório sobre o significado da política definitivamente não é algo fácil. Mesmo tendo toda uma vida profissional dedicada à Ciência Política – graduação, mestrado, doutorado e alguns anos de docência na área – ainda acredito que reduzir toda a complexidade da política em poucas páginas seja uma tarefa extremamente difícil. Como afirmou João Ubaldo Ribeiro (2010), se escreveu muito pouco no mundo mais do que política (talvez religião e amor, que também podem ser percebidas como formas de se fazer política). Dessa maneira, esse capítulo é uma tentativa de diálogo com diversas tradições teóricas e ideológicas sobre o que é a política, buscando discutir suas várias possíveis definições sem, contudo, ter nenhuma pretensão de esgotar o tema. A invenção da política Inicialmente, cabe dizer que mesmo a definição sobre “o que é a política” não é tarefa simples ou considerada pacífica entre os especialistas da área. Podemos começar com os escritos de Bobbio (2000, p. 954), que afirma que a origem etimológica da palavra Política é a palavra grega Pólis, que tem seu significado relacionado a tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, ao que é urbano, civil, público. De acordo com Ivone Lixa (2003), o nascimento da reflexão sobre a política resultou das condições específicas do modo de vida grega ateniense: a existência da já citada Pólis (Cidade-Estado) e o logos – racionalização do mundo circundante; ambas constituindo distintas dimensões de liberdade e da pluralidade humana. Assim, a experiência grega ocorrida entre os séculos IV e VI a.C. foi decisiva para que autores fundacionais da disciplina como Platão e Aristóteles pudessem compreender o que Ivone Lixa (2003) chama de “choque de interesses”. A partir daí a política teria sido construída como uma abstração racional acerca do conflito coletivo humano. Exatamente nesse contexto foram criadas as bases teóricas do pensamento político ocidental. Como as primeiras discussões sobre os sentidos da Política datariam de mais de dois mil anos atrás, alguns entusiastas do tema afirmam que não existiria Ciência mais antiga no mundo do que a Política. Para Ivone Lixa (2003), os primeiros diálogos de “A República” de Platão mostram sua preocupação em encontrar um melhor caminho para o governo da cidade. Afirma a autora que, ao instituir a política como ciência, Platão buscou estabelecer princípios teóricos para o bem governar e este foi o início de uma reflexão legada a toda a geração de teóricos que o sucederam. De acordo com Bobbio (2000 p. 934), o termo Política teria se expandido com Aristóteles, que publicou obra com o mesmo título, que “deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de governo, com a significação mais comum de arte ou ciência do governo”. Na época moderna, entretanto, teria perdido seu significado original, sendo substituído pouco a pouco por outras expressões como Ciência do Estado, doutrina do Estado, Ciência Política, Filosofia Política – todas estas atividades ligadas de alguma maneira ao Estado e à Pólis – sendo a Pólis por vezes sujeito, por vezes objeto. Buscando retomar as definições sobre os significados da Política, João Ubaldo Ribeiro (2010) nos dá uma ótima pista ao afirmar que a Política pode ser entendida como o exercício de alguma forma de poder e, naturalmente, às múltiplas consequências desse exercício. Talvez a palavra mais importante da afirmação acima – poder – seja uma das chaves para se compreender o que é a política. Política e poder Quando falamos de poder, devemos necessariamente aludir à tipologia moderna das formas de poder formulada por Bobbio (2000) a partir dos meios pelos quais o poder é exercido. O primeiro seria o Poder Econômico, que significaria a posse de bens necessários ou considerados assim em uma situação de escassez, podendo induzir aqueles que não os possuem a certo comportamento ou principalmente certo tipo de trabalho. Em geral, aquele que possui em abundância determina a vida daquele que vive na penúria, mediante promessa e concessão de vantagens (BOBBIO, 2000, p. 955). O segundo tipo seria o Poder Ideológico, onde o mais importante seria a influência das ideias – formuladas de certa maneira, por pessoa(s) investida(s) de alguma autoridade e difundida mediante determinados processos –, sobre o comportamento dos comandados (BOBBIO, 2000, p. 956). Finalmente o Poder Político seria caracterizado pela posse dos instrumentos pelos quais se exerce a força física, isto é, por meio das armas de qualquer espécie e grau. Trata-se do monopólio autorizado e exclusivo do uso da força – é o poder de coação – que será discutido mais detalhadamente nas próximas páginas. Todos esses poderes mantêm uma espécie de sociedade desigual. O Poder Econômico, uma sociedade dividida entre ricos e pobres; o Poder Ideológico, entre sábios e ignorantes e o Poder Político, entre fortes e fracos. Genericamente, entre superiores e inferiores. Segundo Bobbio (2000, p. 954) o conceito de Política estaria estritamente ligado ao de poder. A Política estaria relacionada com o domínio da natureza e o domínio de homens sobre outros homens ou, em outras palavras, com a relação entre dois sujeitos, na qual um impõe sua vontade ao outro e lhe determina o comportamento. O poder político estaria enquadrado na categoria de poder de um homem sobre outro homem. Essa relação poderia se constituir de mil maneiras, como afirmava Aristóteles em sua referida obra clássica: governantes e governados, soberano e súditos, Estado e cidadãos, autoridade e obediência etc. Política, Poder e Estado Weber (2004) também afirma que o conceito de Política é extraordinariamente amplo e que abrange toda espécie de atividade diretiva humana. No entanto, em sua definição, o papel do Estado é absoluto. Vejamos: “por política entenderemos tão somente a direção de um agrupamento político hoje denominado ‘Estado’ ou a influência que se exerce nesse sentido” (WEBER, 2004, p. 59). Dito isto, temos que pensar em outro conceito muito importante para a política – o Estado. Ainda citando Weber (2004), descobrimos que o Estado, sociologicamente falando, não se deixa definir por seus fins, mas sim pelo meio específico que lhe é peculiar. Desenvolvendo um pouco mais sua argumentação, o autor afirma que “o Estado consiste em uma relação de dominação do homem pelo homem, com base no instrumento da violência legítima – ou seja, da violência considerada como legítima” (WEBER, 2004, p. 59). Dessa maneira, o Estado só existiria sob a condição de que os homens dominados se submetessem à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Assim, o Estado se transformaria na única fonte do “direito a violência”. Por conseguinte, teríamos outra definição de política: “o conjunto de esforços feitos visando participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado” (WEBER, 2004, p. 60). Daí deriva uma das definições clássicas da política, que é justamente aquela aludida por tantos autores, desde Maquiavela Weber, de que a política pode ser resumida como o ato de convencimento de um sujeito sobre o outro (que também pode ser de um grupo sobre o outro) a realizar a(s) vontade(s) do primeiro. Em outras palavras, um bom político deve convencer outras pessoas a fazer aquilo que ele deseja. Tal convencimento pode vir por meio da exposição clara de argumentos, pelo carisma, pelo uso da lei e por uma série de outros motivos percebidos como legítimos – mas, em última instância através do uso da força. Assim, o que caracterizaria o poder político do Estado é sua exclusividade, isto é, o monopólio do uso legítimo da força em relação a todos os outros grupos sociais em determinado contexto social. Esse processo ocorre obrigatoriamente ao mesmo tempo em que se desenvolve a metodologia de criminalização e punição do uso da força, dos atos de violência cometidos por todos aqueles que não forem autorizados a isso pelo Estado. Karl Deutsch (1983, p. 12) conceitua a política como sendo o controle mais ou menos imperfeito do comportamento humano, controle que resultaria de hábitos voluntários de aquiescência combinados com a ameaça de uma coerção provável. Em essência, a política se fundamentaria, portanto, na interação de hábitos de cooperação moldados por ameaças que, com o tempo, tenderiam a se tornar inconscientes. Para Deutsch (1983), sem a existência de tais hábitos na maioria das pessoas, não poderia existir lei ou governo da forma como os conhecemos. Quando pensamos nas definições de política, poder e violência, devemos refletir também na questão do comando. Ao refletir sobre a noção de controle, somos obrigados a refletir sobre um dos significados do que é a política. O surgimento do Estado é provavelmente o aparecimento da mais perfeita forma de controle que já existiu. Como bem diz Weber, com o uso permitido e legal da força, a classe dominante pode sempre se perpetuar no poder. Para tanto, constrói regras e instituições para aprimorar constantemente sua forma de controle. Bobbio (2000, p. 956) afirma que, embora a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder político de outras formas, isso não quer dizer que ele sempre se resolva com o uso da força. Ou seja, tal possibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente, para a existência do poder político. Nem todos que podem usar a força têm condições de perpetuar esse domínio e transformar força em poder político. Maquiavel, em O Príncipe, já dizia que o governante não pode abrir mão de usar a força e a violência quando necessário, mas deve ter necessariamente em mente que o uso exagerado da força pode ter o efeito contrário, aumentando o risco de revolta dos governados contra a tirania do príncipe. Política e interesse público João Ubaldo Ribeiro (2010), no entanto, afirma que definir a política apenas como algo relacionado a poder não chega a ser satisfatório. Até porque saber exatamente o que é o poder também não é tarefa nada fácil. Assim, busca reduzir um pouco mais o escopo dos significados anteriores, afirmando que a Política deve estar ligada necessariamente ao conceito de interesse público. Refinando seus argumentos, o referido autor retoma a discussão do conceito de política, em novas bases: “A política passa a ser entendida como um processo através do qual interesses são transformados em objetivos e os objetivos são conduzidos à formulação e tomadas de decisão efetivas, decisões que ‘vinguem’” (RIBEIRO, 2010, p. 10). Em linguagem mais formal, o que interessa é o processo de formulação e tomada de decisões. Essa percepção é exatamente aquela defendida por Karl Deutsch (1983, p. 28), ao afirmar que a palavra “Política” enfatizaria o processo de tomada de decisões no que diz respeito a atividades públicas, enquanto a palavra “governo” acentuaria os resultados desse processo em termos de controle e autocontrole da comunidade – seja uma cidade, Estado ou nação. Cabe ressaltar que, para o autor, inspirado por Aristóteles, qualquer comunidade maior que a família contém elementos de política. Para João Ubaldo Ribeiro (2010) a política deve então ser vista como o estudo e a prática da canalização de interesses com a finalidade de conseguir decisões. Isto já foi chamado de arte; requer talento, sensibilidade, uso da razão, do poder de influenciar, seduzir e fazer com que sua vontade prevaleça sobre a outra. Karl Deutsch (1983, p. 27) afirma que a Política é, em certo sentido, a tomada de decisões através de meios públicos, em contraste com a tomada de decisões pessoais, adotadas particularmente pelo indivíduo, bem como em relação às decisões econômicas, geradas como resposta a influências impessoais, tais como o dinheiro, condições de mercado e escassez de recursos. Refletindo nessa direção, Bobbio (1999) afirma que a política deve ser percebida como ética de grupo, por estar referida ao interesse público, e não ao interesse e ação individual. E onde residiria a diferença entre essas duas éticas (a de grupo e a individual)? Para o autor, o critério da ética da convicção é geralmente usado para julgar as ações individuais, enquanto o critério da ética da responsabilidade é usado ordinariamente para julgar ações de grupo ou praticadas por um indivíduo, mas em nome e por conta do próprio grupo, seja ele o povo, a nação, a igreja, a classe, o partido etc. O que diferenciaria a ética individual e a ética de grupo seria a ação voltada para a sobrevivência do grupo, do coletivo. Aquilo que é obrigatório para o indivíduo, não necessariamente o é para o grupo ao qual pertence. Por exemplo, a violência individual é condenada. Já a violência das instituições, geralmente é justificada. Em outras palavras, não há necessidade de violência individual, porque basta a violência coletiva. A moral pode resolver ser tão severa com a violência individual porque se fundamenta na aceitação de uma convivência que se rege pela prática contínua da violência coletiva. Logo, a política é a razão do Estado e a moral, a razão do indivíduo. Por “razão do Estado” Bobbio compreende: Aquele conjunto de princípios e máximas segundo os quais as ações que não seriam justificadas, se praticadas só pelo indivíduo, são não só justificadas como também por vezes exaltadas e glorificadas se praticadas pelo príncipe ou por quem quer que exerça o poder em nome do Estado (BOBBIO, 1999, p. 962). Totalidade da política Ao refletir sobre a influência da política em nossa vida cotidiana, o leitor pode se surpreender com a abrangência e a totalidade da presença dos fenômenos políticos na grande maioria das ações que exercemos e no ambiente em que vivemos. Para Francis Wolff (2003, p. 26), todos os povos vivem politicamente; a partir do momento em que existiu humanidade em alguma parte da terra, houve política. Karl Deutsch (1983, p. 27), por exemplo, afirma que nossas cidades constituem uma “malha política”. Da água que bebemos ao ar que respiramos, passando pela segurança de nossas ruas e a dignidade de nossos pobres ou a saúde dos nosso idosos, bem como a esperança para os grupos minoritários, tudo está em estreita ligação com as decisões políticas feitas pelo Estado (no caso brasileiro, por exemplo, pelos três entes federativos – União, Estados e Municípios). João Ubaldo Ribeiro (2010) vai mais além: afirma que é impossível para o cidadão fugir da política. Em uma passagem de sua obra, garante que mesmo aqueles que se dizem “apolíticos”, não o são realmente. O que existiria,na verdade, seria uma posição de indiferença em relação à política por parte do indivíduo que assim age. Tal atitude, na verdade, permitiria que outros grupos, eleitos ou não, agissem em seu nome e em seu lugar, sem que o cidadão tivesse controle algum sobre isso. Curiosamente, o significado etimológico da palavra “idiota” deriva do grego e sua definição está relacionada inicialmente aquele indivíduo que não participava da Pólis e por isso seria incapaz de exercer qualquer ofício público, passando depois a ser compreendido como “homem comum” – sem especial distinção – e finalmente “sujeito ignorante, de pouca inteligência e pouca valia”. Resumidamente, o “idiota” pode ser percebido também como aquele que não se interessa pelos assuntos públicos, somente pelos privados. Seria então o apolítico um idiota? Se tomarmos como exemplo a participação na política através do processo eleitoral, perceberemos que mesmo a recusa do cidadão em exercer seu direito ao voto já é uma posição política claramente definida. Sua abstenção individual não irá cancelar o processo eleitoral. Tornar-se indiferente ao processo fundamental da democracia representativa1 – as eleições – permite que os representantes eleitos possam fazer tudo o que bem desejarem, já que não existiria nenhum tipo de controle do cidadão sobre sua atuação. Diz João Ubaldo Ribeiro: “o problema é que, por ignorância ou apatia, às vezes pensamos que estamos sendo indiferentes, mas na verdade, estamos fazendo o que nos convém” (RIBEIRO, 2010, p. 18). Desenvolvendo um pouco mais suas reflexões, assevera que: “queiramos ou não, estamos imersos num processo político, que penetra todas as nossas atitudes, toda a maneira de ser e de agir, até mesmo porque a educação, tanto a doméstica quanto a pública, é também uma formação política” (RIBEIRO, 2010, p. 18). Émile Durkheim em As Regras do Método Sociológico descreve a educação como um processo político e não natural: […] toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente. […] Se com o tempo essa coerção deixa de ser sentida, é porque, pouco a pouco, engendrou hábitos e tendências internas que a tornam inútil, mas que só a substituem porque derivam dela (DURKHEIM, 2004, p. 35). Uma das principais funções do Estado, afirma Durkheim, consiste em construir escolas e treinar professores que difundam em seus alunos certo número de princípios que, implícita ou explicitamente, são comuns a todos. E o conjunto dos cidadãos inscritos no interior de um Estado simplesmente não pode fugir a essa regra. No caso brasileiro, por exemplo, aqueles pais que optam por não levar seus filhos à escola estão sujeitos à perda da guarda dos mesmos. Assim que nascemos, nossos pais ou responsáveis devem registrar nosso nascimento e assim nos tornamos parte do Estado, sendo reconhecidos oficialmente como membros dessa organização e sujeitos às suas leis. Ou seja, desde o nosso nascimento, a política está presente em nossas vidas. Política, natureza humana e conflito Ao falar sobre a “ciência da política”, Gramsci (1976) afirma que a inovação fundamental trazida pela filosofia da práxis na Ciência Política e na história foi a demonstração da inexistência de uma “natureza humana” abstrata, fixa e imutável (conceito que derivaria do pensamento religioso). Para o autor, a filosofia da práxis, que na realidade é o sinônimo que ele escolheu para o marxismo ou materialismo histórico, defende a inexistência de uma “natureza humana” abstrata, fixa ou imutável, mas sim o conjunto de relações sociais historicamente determinadas, ou seja, um fato histórico comprovável. Gramsci (1976), fala da importância de se pensar a Política como ciência autônoma, ou seja, refletir sobre o lugar que a ciência política ocupa. Em sua opinião, autores como Maquiavel, em seu clássico livro O Príncipe (2000), teriam mostrado que a ciência política pode ser útil tanto aos governantes como aos governados para entenderem-se reciprocamente. Marx, em seu famoso conceito de luta de classes, defendeu o caráter conflitivo da sociedade e da política. O antagonismo de interesses entre as classes estaria diretamente relacionado à mudança social, à superação dialética das contradições existentes. A política teria então papel preponderante, nesse contexto, para ambos os lados. Para as classes dominantes, a busca pela perpetuação da exploração do trabalho daqueles que não são proprietários nem possuidores dos meios de produção. Já para as classes exploradas, a necessária “tomada de consciência de classe” da condição de oprimido, que possibilitaria a formação de associações políticas (sindicatos, partidos, entre outros) com vistas à defesa dos seus interesses e ao combate aos opressores (QUINTANEIRO; OLIVEIRA BARBOSA; OLIVEIRA, 2001, p. 43). Ainda falando sobre a relação conflitiva entre grupos que buscam o poder, Bobbio (2000) afirma que os fins da política seriam os fins do grupo (ou classe) que estiver no comando; o grupo que exercer o poder político, justamente em virtude do monopólio do uso da força, podendo ser: em tempo de conflito, a unidade do Estado, a concórdia, a paz, a ordem pública; em tempos de paz, o bem-estar social, a prosperidade, entre outros. Unindo as reflexões dos autores discutidos acima, chegamos à conclusão de que a política não tem uma finalidade perpetuamente estabelecida, e muito menos um objetivo que compreenda a todos e possa ser considerado como o seu verdadeiro propósito. Os fins da política são tantos quanto as metas que um grupo organizado se propõe, de acordo com seus momentos e táticas. Desse modo, segundo Weber (2004), uma das melhores maneiras de distinguir um grupo político não é o seu alvo, mas o meio que utiliza para alcançá-lo. Bobbio (2000, p. 956) afirma que não pode existir uma ordem instantânea e imutável, como pensaram muitos, porque isso seria exatamente o término da política. Conclusão O objetivo deste breve texto foi apresentar ao leitor alguns dos conceitos mais básicos sobre o entendimento acadêmico acerca do que é a Política. Em nossa trajetória, mostramos a dificuldade de discutir um tema que vem sendo um dos principais assuntos de debate público dos últimos 25 séculos. Identificamos o nascimento da reflexão ocidental sobre a Política na Grécia antiga e sua relação com a Pólis, cidade-estado grega, bem como às obras de dois grandes filósofos: Platão e Aristóteles. Esse último já dizia que o homem era um “animal político” por definição, isto é, um ser que vive naturalmente em comunidades políticas e que não pode ser feliz senão nessa vida com seus semelhantes (WOLFF, 2003, p. 26). Contudo, com o passar do tempo, vimos que a Política é algo muito mais complexo do que apenas viver em comunidade. João Ubaldo Ribeiro nos ensina que a Política deve ser entendida com o exercício de alguma forma de poder e às múltiplas consequências desse exercício. Assim, seguimos nosso caminho debatendo a tipologia moderna das formas de poder formulada por Bobbio (2000) e as especificidades do Poder Político, tarefa fundamental para entender a formação do Estado e qual sua relação com a Política – tema discutido na seção seguinte, intitulada “Política, Poder e Estado”. Nela, aprendemos que o Estado possui o monopólio do uso legítimo da força em relação a todos os outros grupos sociais em determinado contexto social, exercendo o controle político dapopulação pelo uso da violência, quando necessário. Contudo, percebemos que a Política não se relaciona apenas com a violência, mas com o conceito de interesse público. Para alguns autores utilizados nesse artigo, devemos compreender a política como a tomada de decisões através de meios públicos, em contraste com a tomada de decisões pessoais – em outras palavras, o processo de formulação e tomada de decisões. Notamos também que é impossível fugir da política. Em todos os fenômenos sociais a nossa volta, desde a organização de nossas cidades, a educação de nossos filhos, passando pela escolha dos representantes eleitos via sufrágio universal, percebemos a influência da Política. Finalmente, entendemos que muitos autores possuem uma noção de natureza humana conflitiva, que também se expressaria na política, seja na luta de classes imaginada por Marx, seja na percepção da Política pela chave do realismo defendido por Maquiavel. Vimos ainda que a Política não tem uma finalidade perpetuamente estabelecida, e muito menos um objetivo que compreenda a todos e possa ser considerado como o seu verdadeiro propósito, mas que seus fins são tantos quanto as metas a que um grupo organizado se propõe, de acordo com o contexto histórico em que se situa. Ideias básicas do capítulo • A invenção da Política na Grécia Antiga. • A relação entre a Política, o Poder e o controle estatal. • A totalidade da Política. • A relação necessária entre a Política e o interesse público, em um possível contexto de conflitividade. Sugestões de leitura • BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, v. 1, p. 382, 2000. • RIBEIRO, João Ubaldo. Política. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2010. Perguntas para discussão: • Sobre os diversos conceitos de Política debatidos nesse artigo, escolha ao menos três deles e discuta suas semelhanças e diferenças; • Podemos falar de política sem o uso da violência e sem a presença do Estado? Justifique sua resposta com base no texto. Proposta de exercício O objetivo do exercício será mostrar a complexidade da política, bem como a grande dificuldade em transformar ideias, desejos, crenças e interesses em leis efetivas que sejam capazes de regular o conflito da sociedade pela via política. O exercício contará obrigatoriamente com a discussão, redação, votação e promulgação de uma lei sobre dois temas polêmicos e correlatos da política brasileira (por exemplo, a redução da maioridade penal e a aprovação da pena de morte, que serão utilizados como modelo nesse exercício). Primeira parte: um grupo defenderá a aplicação da pena de morte e da redução da maioridade penal, enquanto o outro sustentará o direito à vida como um princípio constitucional e o limite de 18 anos para ações penais contra cidadãos brasileiros. Ambos os grupos devem redigir miniprojetos de lei relacionando seus principais argumentos (ao menos cinco itens por miniprojeto devem ser elencados, tipificando os possíveis crimes e quais as penas cabíveis para cada um, para serem votados em separado). Enquanto isso, um terceiro grupo ficará responsável por planejar como será realizado o debate e a votação das propostas, tentando considerar ao máximo a necessidade de igualdade de condições para que os dois primeiros grupos exponham suas propostas. Esse grupo será responsável ainda por determinar como será realizada a votação das propostas. Segunda parte: Finalmente o debate terá lugar em sala de aula, sendo mediado pelo terceiro grupo, que irá se dividir para regular todos os aspectos do debate. Terminada a discussão, todos os membros dos três grupos votarão, obrigatoriamente, dessa vez de acordo com suas crenças pessoais e influenciados pelo resultado do debate (é importante aqui ressaltar a necessidade de que os membros dos dois primeiros grupos votem dessa maneira). Terceira parte: Encerrada a votação, será realizada a apuração dos resultados e a redação final da proposta de lei, de acordo com a vontade expressa nas urnas. Ao final, cada aluno receberá uma cópia impressa da lei que ajudou a criar. Bibliografia BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, v. 1, p. 382, 2000. DEUTSCH, Karl; PLÖGER, Ingo. Política e governo. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983. ÉMILE, DURKHEIM. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2004. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, o Príncipe e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. LIXA, Ivone F. Morcilo. O sentido da política em Platão e Aristóteles. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Introdução à história do pensamento político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 2000. Coleção “Os Pensadores”. QUINTANEIRO, Tania; OLIVEIRA BARBOSA, Maria Lígia de; OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. RIBEIRO, João Ubaldo. Política. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2004. WOLFF, Francis. A invenção da política. A crise do Estado-nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 23-54. CAPÍTULO 2 TEORIA POLÍTICA Marcia Ribeiro Dias A tarefa deste capítulo é desafiadora. Começa por procurar definir o que é Teoria Política como disciplina acadêmica. O principal obstáculo encontra- se no fato de que não há um consenso entre os especialistas no tema sobre a abrangência do seu conteúdo. Desde a antiguidade, a teoria política abrange uma vasta tradição. As reflexões clássicas sobre o mundo político e a variedade de temas contemporâneos que a disciplina abarca não nos permitem sintetizar sua envergadura em um número muito restrito de páginas. A Teoria Política abrange desde a história do pensamento político até a definição, articulação e análise de conceitos políticos como liberdade, igualdade, justiça, democracia, entre tantos outros. As tradições do liberalismo, socialismo, institucionalismo, multiculturalismo, feminismo, e muitas outras, podem ser entendidas dentro da grande chave de leitura da Teoria Política. As áreas de investigação exploradas pelos teóricos políticos ampliam-se constantemente e, por consequência, transformam nossa percepção do que se qualifica como Teoria Política. A teoria política é um campo de conhecimento interdisciplinar essencialmente plural; não apresenta metodologia ou abordagem dominante. Transita entre a ciência política, a história e a filosofia. Por essa razão, com frequência, aparenta não possuir um núcleo de identidade que a caracterize. Entretanto, seu caráter fragmentado traduz a própria segmentação de seu objeto de estudo, a universalidade e atemporalidade das questões que investiga. Na teoria política contemporânea, o pluralismo temático do campo tornou-se ainda mais acentuado, evidenciando a própria diversidade de conflitos que o mundo político comporta e a cada nova geração se amplia. O que à primeira vista pode parecer sua fragilidade, o pluralismo, é, na verdade, seu principal recurso analítico, a base de sustentação do conhecimento que produz. Mesmo diante da diversidade de tradições e estilos analíticos, abordagens conceituais e temáticas, em toda teoria política há um propósito comum: teorizar, criticar e diagnosticar as normas, práticas e a organização da ação política que traduzem as dinâmicas da vida coletivae da ação governamental. Desse modo, a ideia de ordem é crucial para o pensamento político, assim como o exercício do poder coercitivo. A identidade tradicional da teoria política, sua própria orientação constitutiva, é investigar como é e como deve ser a ordem coletiva, como é e como deveria ser exercida a autoridade. Sem algum tipo de ordenamento, a vida política é inconcebível. Qualquer sistema político possui leis para regular o comportamento de seus membros e estabelece regras para o exercício do poder. Mesmo os defensores de um processo revolucionário que ponha fim à ordem vigente, movem-se pela perspectiva de uma nova ordem que consideram mais justa ou desejável. Na maior parte da história do pensamento político, a questão de como surge a ordem política tem sido respondida com referência a mitos, lendas ou religiões (antiguidade grega – Platão e Aristóteles e Idade Média – Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino), ou mencionando as vantagens da cooperação humana e as certezas criadas pela ordem política (século XVII – David Hume, Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau). Ao buscar explicar instituições e práticas políticas, os pensadores defendiam valores e princípios ou tinham como objetivo criticar a dinâmica política de seu tempo e lugar. O modo pelo qual se compreende o relacionamento entre a ordem política e outras formas de ordem dependerá da concepção acerca das origens, fundamentos e propósitos aos quais se espera que a ordem política deva servir. Sendo assim, no dever ser da teoria política reside seu caráter normativo, sua mais característica e polêmica faceta. Esse componente normativo está presente na teoria política a despeito de seu modelo de abordagem, de seu enfoque, método ou estrutura. A Normatividade da Teoria Política A teoria política é, sobretudo, uma disciplina normativa, ou seja, primariamente preocupada com o modo como a vida política deveria ser – o desenho do bom governo, a organização política mais justa – em lugar de ocupar-se em descrever como ela realmente é. Mesmo quando a abordagem da teoria é essencialmente sistêmica, supostamente descritiva em seu método, é possível reconhecer algum tipo de qualificação de desempenho ou recomendação de aprimoramento. Em geral, os textos políticos têm como objetivo persuadir seus leitores de algo: a obedecer ou rebelar-se; a defender a propriedade ou a torná-la comunitária; a assegurar algum direito a outrem ou justificar sua negação. A tarefa do convencimento exige que haja algum compartilhamento de ideias entre emissor e receptor, de modo que o primeiro esteja em condições de ressignificar as convicções do segundo. Nesse sentido, como um processo de identificação e ressignificação da linguagem e das ideias, a teoria política constitui-se em uma parte importante da nossa herança coletiva intelectual. Isso não significa dizer que os teóricos políticos não considerem a realidade dos regimes político e social nos quais estão inseridos. A fim de determinar o que aspirar, o que considerar como um ideal a ser perseguido, há que se compreender as vantagens e desvantagens da dinâmica política vigente e esta é, em geral, o ponto de partida da teoria política. Mas, diferente dos cientistas políticos, os teóricos políticos não se envolvem em projetos descritivos ou explicativos, dedicando-se a formatar as lentes analíticas que servirão aos propósitos de tais projetos. Importa registrar, portanto, que há muitas associações produtivas entre as análises de cientistas políticos e teóricos políticos, na medida em que estes últimos baseiam suas reflexões no trabalho empírico realizado pelos primeiros que, por sua vez, operam as lentes analíticas fornecidas pelos segundos. Segundo Dryzek, Honig e Phillips (2006), o relacionamento entre a Teoria Política e a Ciência Política pode ser traduzido pelo termo “coabitação”, utilizado a fim de demonstrar que ambas estão profundamente envolvidas em seus propósitos e análises. Conforme a passagem a seguir, o termo coabitação denota, entre outras coisas, variedade, cooperação, antagonismo, mas, sobretudo, um senso de empreendimento comum: Embora resistam aos pressupostos epistêmicos do empirismo2, muitos (teóricos) também salientam que boa parte do que se considera como teoria política está profundamente envolvido com a política empírica: o que, afinal, poderia ser mais ‘real’, vital e importante do que os símbolos e categorias que organizam nossas vidas e os enquadramentos de nossa compreensão? Os franceses têm uma palavra para descrever o que resulta quando aqueles que são eleitos presidente e primeiro ministro são representantes de dois partidos políticos diferentes: coabitação. A palavra significa, diversamente, cooperação, tolerância, condescendência, antagonismo, e um senso de empreendimento comum. Coabitação, nesse sentido, é uma boa maneira de traduzir a relação entre teoria política e ciência política. (DRYZEK HONIG; PHILLIPS, 2006, p. 7)3 As ideias políticas, geralmente, são avançadas com relação ao modo de pensar de um tempo e parte de sua capacidade de persuasão reside nessa sua característica. Tal capacidade encontra-se em sua força retórica, mas também no conteúdo intrínseco das ideias. A ação política só é possível a partir da motivação de ideias e suposições derivadas, voluntariamente ou não, da herança intelectual de um povo. O estudo do pensamento político é uma ferramenta essencial para ensinar a esclarecer as ideias, avaliar e debater, tornar os agentes políticos conscientes de sua ação no mundo e qualificar a interação coletiva. Entretanto, as possibilidades de interlocução entre a teoria e a ação políticas são limitadas, muitas vezes, pelo caráter utópico da primeira. Teóricos políticos tornam-se vulneráveis às críticas de outras disciplinas quando suas conclusões, derivadas de explorações normativas, não podem ser plausivelmente implementadas. Dessa forma, avaliam-na como alienada da política, na medida em que não se articula com a realidade. Parte da teoria política não considera relevantes tais críticas e sente-se confortável sob o rótulo da utopia, na medida em que atribui a si mesma uma capacidade de pensar para além dos limites do realismo. Outra parte valoriza justamente o contrário: a habilidade de pensar a política dentro dos parâmetros do possível, da realidade que a cerca. O que aparenta um conflito epistemológico4 dentro da própria disciplina de teoria política revela, por sua vez, a grande diversidade e riqueza analítica que comporta. Se, por um lado, a teoria política caminha pelas trilhas do “dever ser”, idealizando cenários nem sempre factíveis, por outro existem inúmeros estudos que resultam no teste empírico de algumas proposições teóricas. Estes últimos são capazes de iluminar perspectivas reais de aplicação de alguns modelos teóricos oriundos, por exemplo, das teorias da democracia ou da justiça, que são capazes de criar novos mecanismos que as potencializem ou uma melhor compreensão do funcionamento das mesmas. Mantendo sua característica de engajamento político e potencial transformador, que é sua identidade mais marcante como um campo de conhecimento, a teoria política contemporânea tem elaborado reflexões a partir de uma ampla gama de eventos políticos que a cercam. Suas discussões abarcam problemáticas contemporâneas como a ecologia e a ação humana sobre o meio ambiente,as novas tecnologias e seus efeitos nas relações sociais, as migrações e o multiculturalismo, as desigualdades em seus mais variados aspectos, além do impacto desses eventos na reavaliação de seus temas clássicos: liberdade, igualdade, justiça, democracia, soberania, hegemonia, entre outros. O Mundo das Ideias Políticas O campo da teoria política é habitado por uma profusão de ideias, conceitos, valores e princípios que nos auxiliam na investigação e compreensão do mundo político. As ideias políticas são os meios pelos quais afirmamos nossa adesão a comunidades ou nações, assumimos uma posição dentro delas, definimos seus propósitos e ideais. No sentido oposto, são essas mesmas ideias que fundamentarão nossa discordância com os outros, servindo, muitas vezes, como justificativa para o uso da violência contra aqueles que possuem ideias dissonantes. Elas são capazes de ser decisivas no curso da história, e muitas vezes o foram. Muitas das grandes transformações sociais, políticas e culturais que marcaram a humanidade foram capitaneadas por um conjunto de ideias-força ou conceitos, que visavam um mundo melhor. Assim ocorreu com a Revolução Francesa e seu consequente abandono de uma lógica distintiva e hierárquica de organização política em nome de um Estado de direito igualitário entre seus membros, alastrando-se por grande parte do mundo ocidental. O papel das ideias e conceitos políticos nos processos revolucionários está, sobretudo, em sua capacidade de subverter mentalidades e constituir, ou dar vida, a novas formas de enxergar o mundo que possibilitarão modificações significativas no universo ao seu redor. Os conceitos políticos – como, por exemplo, liberdade, democracia e justiça – são frequentemente utilizados na linguagem corriqueira, sem que haja maior reflexão sobre os conteúdos que carregam em si. Ao utilizá-los, estamos apenas parcialmente conscientes dos pressupostos, propósitos e implicações subjacentes a cada um deles. A origem de tais conceitos raramente é conhecida pelos que os utilizam. A agenda positiva que geralmente é associada à ideia de democracia, por exemplo, costuma desconhecer que tal conceito já foi considerado sinônimo de anarquia e ingovernabilidade. Um democrata, em um passado remoto, era considerado uma ameaça à ordem estabelecida, enquanto vigoravam as noções de hierarquia, obediência, autoridade e subordinação como condições para a tranquilidade social. Da mesma forma, a exploração da mão de obra escrava foi considerada justa, seja na antiguidade pela derrota em guerras, seja a africana durante a colonização do Novo Mundo. O papel da teoria política é, portanto, retirar-nos do senso comum e tornar-nos conscientes das ambiguidades imbuídas nas ideias políticas, demonstrando que sua interpretação usual não é a única possível, mas apenas uma chave de leitura que depende do contexto político ao qual se aplica. Karl Marx afirmou, por exemplo, não haver concepção de justiça que não seja relativista, isto é, que os critérios que distinguem o justo e o injusto baseiam- se, invariavelmente, em princípios de moralidade correspondentes à forma de organização social vigente. Desse modo, as noções de justiça em vigor no mundo capitalista serviriam apenas para legitimar o modo de produção burguês. A teoria promove um distanciamento analítico que permite estabelecer um diagnóstico, senão isento, mais próximo da realidade. As Questões Clássicas, Seus Autores e Correntes Contemporâneas da Teoria Política Antiguidade e Idade Média A tradição da teoria política ocidental, composta por reflexões textuais paradigmáticas do estudo da política, interdisciplinar e plural em sua natureza, tem sua origem na antiguidade grega. Nos Sofistas5 se reconhece a mais antiga teoria política na referida tradição, contra a qual se insurgiram Sócrates e seu discípulo, Platão6. Aristóteles é também uma fonte primorosa para a identificação de uma teoria política clássica, entretanto em uma perspectiva fundamentalmente diferente da de Platão. Enquanto Platão dedicou-se a projeções utópicas acerca da boa sociedade e do bom governo, em uma perspectiva idealista e doutrinária7, Aristóteles ocupou-se da análise dos sistemas políticos existentes em sua época, inclinando-se mais ao realismo e à ciência. Sua definição do homem como um “animal político”, ou seja, naturalmente propenso à vida em sociedade, vai exercer influência sobre e inspirar a filosofia política cristã, cujos principais expoentes são Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, assim como na teoria política moderna de Thomas Hobbes, por contradição, e John Locke, por adesão. Entre os escritos políticos mais famosos da antiguidade grega estão A República, de Platão, e A Política, de Aristóteles. O período que se estende desde o início do cristianismo até a Idade Média foi marcado pelas caracterizações cristãs da política, cujos principais representantes foram Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. O pensamento político deste período foi marcado pelas relações entre política, direito e moralidade. Santo Agostinho rejeitava a concepção clássica de política, enfatizando sua limitação a partir do reconhecimento da imperfeição humana e o impacto desta sobre as relações políticas. Aquino discutiu a política sob a ótica do cristianismo de forma menos pessimista; formulou os conceitos de lei natural e direitos naturais que iriam influenciar toda a teoria política moderna do contratualismo. Segundo ele, a atividade política seria um dos componentes necessários à boa vida, embora considere os limites da política assim como a condiciona à lei natural, limitando a autonomia política de seus agentes. Renascimento e Idade Moderna Na antessala da modernidade, início do século XVI, vivenciando as guerras do renascimento italiano, encontramos aquele que viria a ser considerado o fundador da Ciência Política, Nicolau Maquiavel. Sua obra rompe com o enquadramento cristão na abordagem política, característica de seus predecessores, ao defender a política como um território autônomo da ação humana, distinguindo a virtude política da virtude cristã. Para Maquiavel, o bom governante é aquele capaz de manter a ordem, a estabilidade política, e para tanto não seria necessário ser um bom cristão, quando não se tornasse mesmo um empecilho. A virtù política, para o autor, reside na capacidade do governante de agir conforme as circunstâncias, ter flexibilidade para mudar o curso da ação assim que a necessidade se imponha. Ao comparar a ação política ao comportamento bestial da raposa (esperteza) e do leão (força) confrontou-se com a perspectiva humanista dominante na análise política de seu tempo, designando ao universo político uma concepção moral própria, vinculada aos fins de sua atividade. A reflexão política do período compreendido entre os séculos XVII e XIX definiu a engenharia política moderna e o conflito intelectual entre distintos formatos institucionais. As teorias contratualistas moldaram o Estado jurídico moderno, como contraponto ao Estado teocrático, forneceram matrizes analíticas que discutiam seu surgimento e justificavam sua supremacia sobre outras formas de organização política. O racionalismo, que serviu de substrato para tais teorias, rejeitava as formas tradicionais de justificar a autoridade e o poder político, especialmente a teoria do direito divino dos reis, contrapondoà autoridade da igreja a autoridade do indivíduo. Em substituição ao argumento de que o poder emana de deus e só por ele pode ser atribuído aos homens, o racionalismo iluminista atribui o fundamento do poder ao indivíduo, devendo a obediência se justificar exclusivamente pela razão humana. Dessa forma, a transferência do fundamento da autoridade de deus para os homens, serviu para justificar um mundo mais pluralista com base no exercício da razão e do julgamento individuais, promovendo uma comunidade política igualitária, submetida a normas universais. Thomas Hobbes e John Locke, no século XVII, e Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII, foram os principais expoentes do contratualismo moderno. Hobbes (2003) elaborou alguns conceitos – como os de soberania, direito, vontade e representação política – que se tornariam fundamentais para a noção de Estado Moderno. Segundo ele, o fundamento para a autoridade política, sua legitimidade, portanto, seria a celebração de um contrato social entre homens livres e iguais. Vivendo em um hipotético Estado de Natureza, pré-social e pré-político, tais homens chegariam a uma situação de caos generalizado cuja única solução seria a subordinação de todos à representação absoluta de sua vontade pelo poder soberano do Estado. John Locke (2001), em contrapartida, rejeita a defesa hobbesiana do absolutismo político e elabora um modelo de contrato social onde a teoria do consentimento substitui a da subordinação, tornando-se porta-voz da defesa do Parlamento como forma de representação. Locke, empirista radical, retoma a concepção aristotélica de homem como animal político, naturalmente sociável, e descreve um Estado de Natureza relativamente pacífico, cujo desequilíbrio se deve à ausência de um juiz imparcial. A organização política da vida coletiva resultante do contrato social seria fruto, portanto, do consentimento humano. Enquanto Hobbes argumentava que os homens transferiam seus direitos naturais ao soberano, subordinando-se a ele, Locke defendia que o contrato social serviria para consolidar os direitos que já possuíam no Estado de Natureza, os quais passariam a ser defendidos pelo corpo político. Jean-Jacques Rousseau (1999; 2001) considerava a ordem absolutista ilegítima, na medida em que se fundava na desigualdade moral entre os homens. O pacto que teria fundado a ordem de seu tempo legitimaria a exploração dos pobres pelos ricos e deveria ser substituído por um novo contrato capaz de resgatar a igualdade política entre os homens. Segundo Rousseau, tal igualdade seria possível em um Estado onde a lei fosse generalizada a todos e ninguém pudesse estar acima dela, consagrando-se como um apaixonado defensor do republicanismo e da soberania popular. O Estado ideal para Rousseau, único verdadeiramente legítimo, possuía como chave de compreensão a noção de “vontade geral”, cujo pressuposto básico seria a igualdade jurídica. A “vontade geral” não corresponderia à vontade de todos ou da maioria, mas à interseção de todas as vontades, onde predominaria o interesse comum acima dos interesses particulares. O discurso revolucionário de Rousseau, onde a subversão da ordem vigente seria condição para a emancipação humana, viria a ser uma das principais influências a conduzir a Revolução Francesa e retornaria, com ênfase acentuada, no pensamento de Karl Marx (século XIX). As teorias contratualistas não passaram incólumes à crítica, ainda no século XVII, portanto, antes mesmo da obra rousseauniana, influenciando-a. David Hume (2009) rompeu com as teorias filosóficas mais abstratas acerca do contrato social ou dos direitos naturais, tornando-se um dos precursores da sociologia histórica especulativa ao identificar na emergente sociedade comercial as condições para um governo constitucional. Hume seria também o precursor das teorias utilitaristas que se consagraram nas obras de Jeremy Benthan e John Stuart Mill, entre os séculos XVIII e XIX. Montesquieu foi outro crítico sutil do contratualismo e foi um precursor da moderna sociologia política e da história social. Em sua teoria política, Montesquieu enfatizou a influência de componentes não racionais no desenvolvimento de instituições políticas e formas constitucionais, estudando-as de forma independente de concepções morais e rejeitando as tradicionais teorias da lei natural. Sua obra O Espírito das Leis consagrou-se por sua teoria acerca das formas de governo e da separação de Poderes, que viriam a influenciar os escritos Federalistas, como os de James Madison (final do século XVIII). Século XIX: Liberdade e Igualdade em Marx e Tocqueville O mundo pós-revolução francesa, que inaugurou um novo formato de governo baseado na igualdade jurídica, pondo fim à lógica social hierárquica do Antigo Regime, marcou as reflexões políticas do século XIX. Alexis de Tocqueville e Karl Marx são importantes expoentes da teoria social e política produzida nesse período, realizando, entretanto, análises antagônicas. Na comparação entre esses dois autores, importa ressaltar a interpretação dos conceitos de liberdade e igualdade em cada um. Na estrutura geral do modelo analítico tocquevilliano, seu foco recaiu sobre o fato democrático a partir do estudo de suas instituições políticas. O principal problema da investigação de Tocqueville (2000) foi descobrir como preservar a liberdade na modernidade igualitária. Segundo Tocqueville, a sociedade democrática seria igualitária por natureza e a expansão da democracia pelo globo seria um destino inexorável. De acordo com este raciocínio, as condições de igualdade entre os homens vivendo em sociedade tenderiam a se aprofundar e teriam como principais evidências o acesso universal às profissões e honrarias sociais, assim como a uniformidade no modo de vida dos povos. Tocqueville temia que a democracia moderna trouxesse como consequência a perda da liberdade através da “tirania da maioria”, fruto do poder da maioria e opressão às minorias, e do “despotismo democrático”, fruto de um centralismo político que isolaria o povo das decisões políticas. Segundo Marx (2006), a fundação das sociedades humanas teve como objetivo libertar o homem dos limites impostos pela natureza através da divisão do trabalho, entretanto, paradoxalmente, resultou no aprisionamento da humanidade em uma lógica de exploração, separando-os em duas classes: os opressores e os oprimidos. Marx vai dedicar-se ao estudo das relações de produção no que chamou de modo de produção burguês. Daí resultou sua crítica ao capitalismo, que seria injusto na medida em que opera uma distribuição de riquezas incompatível com a contribuição e necessidades de cada um. Em sua defesa da revolução proletária, Marx afirma que a emancipação humana seria possível apenas a partir da eliminação de toda forma de exploração do homem pelo homem. A noção de igualdade em Marx estabelece uma correspondência, antes, com a noção de bem-estar do que com a distribuição de riquezas. Ao considerar a diversidade humana, tanto em capacidades quanto em necessidades, Marx julga que um código irrestritamente igualitário seria injusto. A sociedade comunista por ele idealizada teria uma distribuição de riquezas qualitativamente igualitária ao invés de quantitativamente igualitária. A Teoria Política Contemporânea O século XX inicia com o confronto entre elitistas e socialistas, fruto da expansão do sufrágio e da democracia
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