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A-Importância-da-Medicina-Veterinária-Intensiva

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A importância da Medicina Veterinária Intensiva 
(publicado no Jornal da AMIB) 
 
 
Em agosto de 2003, em Belo Horizonte/MG, um grupo de médicos veterinários fundou a 
BVECCS (Brazilian Veterinary Emergency and Critical Care Society) - Academia 
Brasileira de Medicina Intensiva Veterinária – uma ramificação da entidade norte-
americana que deu origem à sigla (VECCS – Veterinary Emergency and Critical Care 
Society). 
 
A data é considerada um marco para a medicina veterinária brasileira, já que pela 
primeira vez se torna realidade a preocupação em cuidar de animais gravemente 
enfermos, agora de forma organizada e reconhecida. 
 
Desde então, a BVECCS foi responsável por traçar os caminhos que direcionariam a 
especialidade conhecida como Medicina Veterinária Intensiva, oficialmente reconhecida 
pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) por meio de resolução, em 
2006. Também partiu do grupo brasileiro a criação da LAVECCS (Latin American 
Veterinary Emergency and Critical Care Society) em 2007, atualmente responsável pela 
gestão da especialidade em nível latino americano. 
 
Durante os últimos nove anos de trabalho, muitas barreiras foram rompidas e muitas 
dificuldades foram ultrapassadas, mesmo dentro da própria medicina veterinária. O 
conceito de que o doente grave é aquele que necessita titulação de sua terapia por falha da 
manutenção de funções básicas, é um conceito ainda difícil de implantar no meio 
veterinário; mas a realidade da sociedade demonstrou que já era passado o momento da 
criação de condições para que proprietários de animais tivessem acesso às condições de 
saúde e tratamento como as oferecidas aos seus entes queridos. 
 
Muitos estranham, outros abominam a idéia de que um animal de companhia possa 
usufruir de condições de vida comparáveis às de um ser humano. O fato é que a 
sociedade evoluída se diferencia da não civilizada pelo modo com o qual cuida dos seus 
protetores e de quem é responsável por gerar o alimento de cada dia. 
 
O papel dos animais na vida do homem é vasto, amplo e indispensável. Seja com um 
produtor de alimentos (leite, ovos, carne, etc.), fonte de sustento de familias, guardião de 
bens e propriedades, companheiro ímpar na arte dos esportes ou, neste caso em 
específico, membro de uma família. 
 
Isso mesmo, um animal como parte integrante de um conjunto familiar. Aqueles com a 
sensibilidade ideal não teriam a menor dificuldade de entender o papel que um animal de 
companhia exerce em um lar, o contrário dos que pensam um absurdo sobre os gastos 
financeiros ou emocionais dispensados por um ser humano ao seu companheiro do dia a 
dia, para nós o que realmente diferencia o ser humano correto e civilizado daquele 
egoísta e inculto, não consciente da importância de cada peça dentro de uma sociedade. 
 
Poucos se recordam do fato de que sem os animais, praticamente não haveria medicina. 
Supérfulo, mentira, exagero ? De forma alguma, os animais foram motores propulsores 
da medicina exercida na atualidade. Que não me deixe mentir William Harvey, médico e 
fisiologista inglês pioneiro, em seus “Estudos anatômicos sobre o movimento do coração 
e do sangue”, que somente pôde provar sua teoria por meio do uso de animais. 
 
Obs.: Obviamente não poderia esquecer do espanhol Miguel Servet, que decreveu a 
circulação pulmonar um quarto de século antes que Harvey nascera, mas o fez em um 
livro de Teologia (Christianismi Restitutio, publicado em 1553) o qual foi considerado 
hereje… assim como aqueles que hoje deixam um doente séptico esperar pacientemente 
por uma senha de atendimento para uma consulta nos próximos 2 dias… 
 
 
Outro pequeno detalhe, a teoria de Harvey foi proposta em 1616, mas só foi aceita e 
difundida quando René Descartes, filósofo, matemático e científico francês, publicou o 
famoso “Discurso sobre o Método”, em 1637. 
 
Depois dele, a medicina realmente iniciou sua evolução, e diria que este foi o berço da 
medicina intensiva da atualidade, já que sem os resultados encontrados por Harvey, 
provavelmente não estaríamos discutindo hoje a importância do cateter de artéria 
pulmonar em nossas vidas… 
 
Colóides ou Cristalóides ? Sepse e sua Campanha de Sobrevida, a Microcirculação versus 
Disfunções Mitocondriais, o melhor meio de se medir a volemia; Transplantes; Trauma… 
Seria possível que estes temas fossem discutidos a cada dia, se não soubéssemos que o 
coração é a bomba responsável por enviar sangue ao resto do corpo e que o pulmão 
permite as trocas gasosas ? 
 
Acredito, dentro de toda minha ignorância histórica, que um grande erro foi cometido 
durante a história da medicina ao utilizar modelos experimentais para determinar a 
viabilidade ou a importância de procedimentos, terapias ou substâncias. E foi o fato 
negligenciado ou incompreendido de que os animais possuem sentimentos e são capazes 
de estabelecer uma relação emocional com o ser humano, quem sabe o mal legado 
mecanicista deixado por Descartes de que os animais não-humanos eram somente 
grandes máquinas complexas… 
 
Será possível acreditar ou mesmo reproduzir uma técnica desenvolvida em animais, onde 
o modelo experimental não foi submetido ao correto controle de dor ? A metodologia 
aplicada previu o modo com o qual aquele animal foi acomodado e cuidado durante o 
período pré-experimental ? Como ele foi contido ? Se o período anestésico brindou este 
animal de uma analgesia eficiente ? E como ele foi despertado do procedimento ? Existe 
estresse, depressão, choque pós-traumático em animais ? 
 
Todos estes questionamentos nunca foram colocados em prática ou em discussão, e quem 
sabe, por isso o papel do médico veterinário foi deixado à margem por tantos anos. Mas 
graças ao bom senso e ao brilhante pensamento da multidisciplinariedade, a Diretoria da 
AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) nas pessoas dos Drs. Álvaro Rea 
Neto e Ederlon Rezende, aceitaram escutar e se propuseram a entender um pouco mais 
sobre este novo mundo. 
 
Este foi o marco de criação do Departamento de Medicina Veterinária Intensiva dentro da 
AMIB, uma ramificação da BVECCS para melhorar as condições de cuidado e garantir 
os melhores resultados desta relação proposta por Harvey em 1616. 
 
Nosso maior desafio é fazer com que os animais sejam devidamente utilizados para o 
bem maior da saúde, mas nunca sofrendo para gerar resultados. Nossa proposta é fazer 
com que estudos clínicos, relatos de caso e trials sejam criados no ambiente clínico 
veterinário, e publicados na rede científica humana, pois esta é a única maneira de 
produzirmos resultados reais considerando um animal como uma vida, e proporcionando 
o bem para as familias que tanto cuidam aos seus companheiros de estimação. 
 
Há de se rever com cuidado, responsabilidade e sensibilidade tudo que foi feito nos 
últimos anos, e repensar a medicina experimental, de forma que possamos realmente 
acreditar e aplicar os resultados na rotina humana com total segurança e respeito. Quem 
sabe devemos resgatar um pouco do sugerido por Descartes em 1637: 
 
1. Receber escrupulosamente as informações, examinando sua racionalidade e sua 
justificação. Verificar a verdade, a boa procedência daquilo que se investiga – 
aceitar o que seja indubitável, apenas. 
2. Análise, ou divisão do assunto em tantas partes quanto possível e necessário. 
3. Síntese, ou elaboração progressiva de conclusões abrangentes e ordenadas a partir 
de objetos mais simples e fáceis até os mais complexos e difíceis. 
4. Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja 
omitido e que a coerência geral exista. 
 
 
O Dr. Rodrigo C. Rabelo é Médico Veterinário formado pela UFMG(1997), com Mestrado pela UFMG 
(2003). É Doutor Cum Laude pela Universidad Complutense de Madrid, Espanha (2008) e Técnico em 
Emergencias Médicas pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (2005). Atualmente é Chefe do serviço de 
Emergências e Cuidados intensivos do Intensivet Núcleo de Medicina Veterinária Avançada e Presidente 
do Departamento de Medicina Veterinária Intensiva da Associação de Medicina Intensiva Brasileira 
(AMIB) 
 
Contato: intensivet@gmail.com

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