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reflexões e contribuições acerca da formação do pensamento geográfico

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REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES À CERCA DA FORMAÇÃO DO 
PENSAMENTO GEOGRÁFICO 
 
SILVA, Francis Borges da 1, PEIXINHO, Dimas Moraes 2 
 
Resumo: Entre as necessidades colocadas para a formação do geógrafo está o de compreender os 
aspectos teórico-metodológicos que possibilitam a investigação do seu objeto de estudo, assim como, 
da sua fundamentação teórica, pois esses são os alicerces que estruturam a geografia como 
ciência. A leitura s is tematizada e analítica é a melhor forma para formar um profissional 
capaz de compreender e analisar a sociedade e ser reconhecido profissionalmente nela. Durante a 
formação acadêmica se estabelece as bases para a reflexão da informação e a formação continuada 
profissional, pois é nesse período que os indivíduos apreendem a aguçar e aprofundar seus 
conhecimentos, organizando as informações dentro do seu campo de formação. A pós-graduação 
no sentido de um grau a mais de ensino superior para aqueles que já concluíram o curso de 
graduação e que visa a formar e aperfeiçoar pessoalmente enquanto docentes para o ensino, uni 
aluno/ pesquisa e suas concepções teóricas num campo mais amplo, que o conduz a 
descobertas e novas reflexões à medida que enriquece seus conhecimentos. A partir de 
estudos e reflexões à cerca do pensamento geográfico, alguns dentre importantes autores (Paul Claval, Ruy Moreira, 
Paulo Cesar Gomes, Milton Santos e Olivier Dolfuss) da geografia tem contribuído há décadas com leituras que 
possibilite uma melhor compreensão da análise espacial, primordial às funções do geógrafo. 
 
 
Palavras-chave: Reflexões teóricas metodológicas, pós-graduação, análise espacial. 
 
1. INTRODUÇÃO 
A reflexão em meio à leitura é uma condição para apreender a informação e para a 
formação docente. Há uma relação direta entre a informação e a formação, pois ambas interagem 
entre si. Enquanto a informação é a porta de entrada para o acontecimento, a formação atua na 
seleção da informação, conseqüentemente pode- se depreender dessa relação que, é a formação que 
dá a qualidade a informação, logo pessoas com uma boa formação absorvem os acontecimentos de 
forma diferenciada. 
A chamada exclusão informacional é decorrente mais da carência de formação do que do 
acesso aos meios de circulação de informações, que nos últimos anos foram ampliados, especialmente 
através da rede mundial de computadores. Porém, há uma diferença entre ter o acesso à informação 
e saber decodificar o seu significado. Essa “dificuldade” acaba sendo “resolvidas”, na maioria das 
vezes, pelos próprios produtores das informações, através de comentários e análises feitas por seus 
especialistas, embutindo nelas o seu significado, deixando o individuo inerte, frente à tamanha 
alienação dos reais acontecimentos. 
 
1
 Mestrando de Geografia da Universidade Federal de Goiás CAJ/Riachuelo e-mail: francisdathiaya@hotmail.com. 
2
 Prof. Dr. do Departamento de Geografia, Universidade Federal de Goiás, Campus/ Jataí. dimas@yahooo.com.br. 
 
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O processo de alienação, comum no cotidiano das pessoas, se repete com maior intensidade na 
escola, que por essência deveria ser o lucus de formação. A alienação no âmbito escolar marca 
fundamentalmente o sujeito, o tornado um deformado estrutural. Dentro da relação professor/aluno, 
na perspectiva da informação/formação, enquanto o primeiro não desenvolve o hábito para a 
leitura, o segundo não desenvolve o hábito para decodificá-la, por sua formação deficiente, 
tornando-se um repetidor de informações livrescas e simplistas. Em muitos casos essa deficiência 
é transferida para os livros, através de um discurso devidamente reproduzido que o problema 
estaria nos livros, na qualidade dos livros. Mas há que se observar que para julgar a qualidade de 
um livro precisa de um mínimo de formação, fato que nem sempre é percebido na base desses 
discursos. Esse tipo de atitude contribui mais para criar uma antipatia do indivíduo aos livros, do 
que para aproximá-los. 
A Universidade enquanto instituição pluridisciplinar de formação dos quadros de profissionais 
de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, deveria ser o 
lucus da: formação, da produção de informações especializadas e qualificadas, do ambiente estimulo ao 
hábito da leitura, tem se perdido em meio à insuficiente é traumática tentativa de formar 
considerável parcela de seus alunos. Pois as leituras fragmentadas, feitas em sua grande maioria 
através de “pedaços” de livros “fotocopiados” servem mais para deformar do que para 
informar/formar. Mas se o processo de leituras informativas já é problemático, as leituras 
formativas são praticamente inexistentes, salvo as leituras individuais que fica acabo de cada um. 
Porém, essa constatação não é suficiente para alterar a realidade. Assim, é preciso buscar meios 
que possam apontar caminhos para intervir nessa realidade. 
Como parte processual da pós-graduação, as leituras individuais e as discussões 
colet ivas , servem de amadurecimento teórico ao tempo que estimulam aos que buscam 
uma melhor formação. Esse tipo de prática não tem somente por finalidade contribuir 
teoricamente para a formação continuada na pós-graduação, e sim, busca contribuir 
com uma ampla reflexão teórica do pensamento geográfico. 
 
 
2. METODOLOGIA 
 
Para realização do trabalho foram necessários leituras e pesquisas em livros, revistas, 
periódicos e ainda trabalhos relacionados aos temas e métodos de ensino da geografia, utilizando da 
edição deste em programas operacionais de computador, como o microsoft word. 
 
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No decorrer da elaboração do artigo, as aulas de formação do pensamento geográfico com o 
prof. Dr. Dimas Moraes Peixinho, foi fundamental enquanto orientação de leitura e pesquisas 
relacionadas aos diversos materiais consultados, sendo realizadas de maneira gradativa. 
 
3. DESENVOLVIMENTO 
 
3. 1 Considerações gerais 
No intuito de horizontalizar as leituras e verticalizar as reflexões da formação do pensamento 
geográfico, foram lidos e discutimos os seguintes livros: História da Geografia (Paul Claval); O 
pensamento geográfico brasileiro (Ruy Moreira); Geografia e Modernidade (Paulo Cesar Gomes); 
A natureza do Espaço: técnica e tempo – razão e emoção, A metamorfose do espaço habitado, 
Espaço e Método (ambos de Milton Santos) e A análise geográfica (Olivier Dolfuss) e como 
contribuição à reflexão geográfica, o professor Eguimar Felício Chaveiro fez uma participação 
conduzindo uma reflexão em Sartre, ou seja: A ABORDAGEM DO SUJEITO EM GEOGRAFIA: um 
diálogo com Jean Paul Sartre com base no texto “O Existencialismo é um Humanismo”. 
 
3.2 Autores – obras e suas contribuições 
 
Paul Claval (História da Geografia) – nos apresenta uma historização de uma geografia que 
evoluiu dos aspectos descritivos das clássicas teorias geográficas a uma geografia preocupada com 
os contornos do real, ou seja, uma geografia com abordagem humanista que dê conta de perceber as 
diferentes dinâmicas em curso nas sociedades que partilham a Terra. Em detrimento de alguns 
acontecimentos pós década de 50, a sociedade já não pede aos geógrafos ensinamentos iguais aos 
do início do século. Com o desenvolvimento tecnológico e a aptidão para novas ferramentas de uso 
geográfico, muito se pensou sobre o conhecimento de geografia articulado ao imperialismo norte-
americano. Porém em detrimento da Guerra do Vietnam, dos movimentos populares e dos 
movimentos ambientalistas e ecológicos ocorridos na década de sessenta, difundiu-se a necessidade 
da relevância social e expandiram-se propostas de análise visando substituir as normas 
metodológicas do neopositivismoda geografia física, representadas pelo “materialismo dialético, 
fenomenologia e abordagem humanística”. Tais proposições repercutiram em muitos estudos sobre 
os acontecimentos sociais e econômicos, no campo das questões relacionadas com a Geografia 
Humana. Com isso, o conhecimento científico apresentava nova dimensão a respeito da estrutura, 
funcionamento e dinâmica dos sistemas e à compreensão de como o mundo funciona. 
 
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Configurado o contexto da geografia desde seu surgimento na Grécia aos dias atuais, pensar a 
geografia no mundo pós-moderno, é desvelar sua importância quanto ao conhecimento do mundo. 
Segundo Claval, “as transformações que a geografia conhece desde o início da década de 80 
refletem a amplitude das mutações que afetam o mundo: o crescimento das ameaças que pesam 
sobre o ambiente, a mundialização da economia, a metropolização acelerada, o desmoronamento do 
bloco socialista, a contestação das filosofias políticas de origem ocidental”. 
Pois para Claval, “atenta à diversidade dos sonhos e aspirações humanas, a geografia torna-se 
essencial como introdução a todas as ciências do homem. O universo pós-moderno acabou com o 
fetichismo do tempo. Concebe ao espaço uma atenção que lhe deveria ter sido dada há muito 
tempo”. Sendo para tanto, a geografia fornece elementos de cultura geral indispensável aos que se 
assumem como “cidadão do mundo”, em especial homens de negócios ou homens de Estado, que 
devem ter uma visão alargada da Terra, das suas realidades, dos seus problemas e dos riscos que faz 
correr aos que a habitam. Para tanto, a geografia é um convite a compreender e respeitar a 
diversidade dos meios naturais e das civilizações. 
 
Ruy Moreira – em “o pensamento geográfico brasileiro: as matrizes clássicas originais”, nos 
remetem à reflexão a grau de importância da leitura original dos clássicos. Pois, 
contemporaneamente, várias são as temáticas inerentes ao contexto geográfico do mundo. Onde 
temas como globalização, meio ambiente, arranjos espaciais, determinados da organização 
estrutural de nossas sociedades, conflitos de territorialidades, despertam a curiosidade do público 
leitor. Sejam eles, geógrafos, entre os quais principalmente os professores da rede escolar e 
universitária e os estudantes de graduação e pós-graduação fazendo dos clássicos da Geografia uma 
fonte segura quanto à originalidade das leituras. 
Neste sentido, Moreira (2008) dissertará sobre sete importantes obras de geógrafos que 
tiveram papel-chave na formação da Geografia brasileira. Que são eles: Elisée Reclus, Paul Vidal 
de La Blache, Jean Brunhes, Max Sorre, Pierre George, Jean Tricart e Richard Hartshorne – e uma 
obra de cada autor clássico para base de estudo, optando pelas obras disponíveis em língua 
portuguesa e espanhola e representativa do seu pensamento. Cujo objetivo e intenção são 
desembocar seu estudo na análise das matrizes geográficas brasileiras, a real fonte e influências 
desses pensadores. 
 
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No entanto, Moreira (2008) nos chama a atenção especial para o método de síntese utilizado 
na interpretação dos diversos autores. A síntese é, no fundo, uma leitura do livro feito a partir do 
que se entende por seu nexo discursivo (seu núcleo racional). Porém com ressalvas para que os 
conhecimentos postos nas obras não sejam distorcidos. Pois cada autor apresenta sua discussão 
pautada no seu conteúdo histórico de vida, sejam eles, sociais, políticos ideológicos. Uma 
observação importante que se faz, é que cada qual ao seu tempo, contribuiu de maneira significativa 
para a construção do pensamento geográfico. Pois são autores que narram as mudanças e 
transformações espaciais contemporâneas no tempo. Porém cada qual subsidiado por suas matrizes 
teóricas conceituais. 
Assim, na obra “o pensamento geográfico brasileiro: as matrizes clássicas originais”, 
segundo autor, nos convida a descobrir que muitos conceitos e teorias atuais, se encontram neles, 
autores importantes de vários campos do saber, a exemplo da teoria da complexidade de Edgar 
Morin, Henri Atlan, Isabelle Stengers e Ilya Prigogine, já presente em Max Sorre; da construção 
técnica do espaço de Milton Santos, já presente em Pierre George; do meio técnico e científico, 
também de Milton Santos, já presente no conceito de gênero e modo de vida de Vidal de La Blache; 
do movimento do real como instituição da diferença de Jules Deleuze e Jacques Derrida, já presente 
na teoria da diferenciação de áreas de Alfred Hettner e Richard Hartshorne; da Terra como produto 
da interação dos seres vivos com o meio físico no planeta da teoria de Gaia de James Lovelock, já 
presente no conceito de meio geográfico de Jean Tricart; da superfície terrestre como morada do 
homem dos ambientalistas, já presente em Vidal de La Blache, Jean Brunhes, Marx Sorre e Richard 
Hartshorne; dos conflitos sociais entre os povos de vida comunitária (a exemplo de comunidades 
indígenas, camponesas e quilombolas) e o modo de vida e produção do capitalismo que hoje 
domina a teoria social brasileira, já presente em Elisée Reclus. 
 Acostumado, porém, a indagar o mundo que o cerca a partir da própria experiência sensível 
da paisagem que lhe serve de leitura e referência, onde tudo sugere um todo articulado como mundo 
do homem, o geógrafo sabe que o mundo real não é o do paradigma de pensamento dominante. 
Preso a essa cultura parametrada num discurso de racionalidade científico-técnica e ao mesmo 
tempo a essa categoria do olhar sensível por excelência que é a paisagem, aqui e ali ensaia uma 
explicação diferente, mesmo que no geral não rompa com a cadeia do condicionamento cultural 
hegemônico, e daí nascem as exceções das matrizes, como no exemplo dos clássicos. 
 
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 Portanto, segundo Moreira (2008, pág. 188), é importante nos atentarmos para originalidade 
dos clássicos, pois, 
aquilo que, quando dito pela boca de outro, ressoa como uma enorme renovação da 
verdade, capaz de uma reformulação e mesmo ruptura com a cultura do pensamento 
dominante, restando-lhe apenas repetir e dar eco a sua boca, mas pela dos outros de mais 
prestígio. (MOREIRA 2008, pág. 188) 
 
Paulo Cesar Gomes – em Geografia e Modernidade, o pensamento da geografia aparece 
condicionado pelo elemento da modernidade para sua constituição enquanto ciência. Para Gomes, a 
geografia explica o onde? E deve explicar o porquê do onde? Ou seja, onde acontece as 
transformações e a mudanças e o porquê? 
Em linhas gerais, o que o autor acentua no texto e traz para o debate geográfico, é a disputa 
entre duas posições, sempre baseada entre uma análise que se quer à totalidade e outra que buscar o 
singular, o particular. Um ideário centrado na razão (ciência) e no que não é da razão 
(subjetividade, locada no senso comum). 
A obra “Geografia e Modernidade” nos apresentam um ideário de modernidade baseado na 
razão, no método como instrumento para se chegar à verdade racional e na concepção de mundo 
como um grande corpo, o que se diferencia profundamente de um ortodoxismo espiritual. Para o 
autor, verificar como a Geografia, uma ciência que nasce na modernidade, se faz, caminha e se 
projeta no horizonte teórico, significa trilhar aspectos fundamentais para seu entendimento. 
Pois segundo autor, quando foi posto em questão a cientificidade da Geografia, o argumento 
foi justamente recorrer às idéias da modernidade. Neste sentido, “a resposta enfatizou, portanto, os 
aspectos relacionados à modernização de seus métodos, a nova perspectiva prospectiva e, 
sobretudo, a ruptura que foi operada com aquilo que se identifica como sendo a “velha geografia”. 
O prestígio e a legitimidade se justificariam, assim, pela conformidade ao modelo normativo da 
ciência, e sua modernidade se exprimirianas técnicas sofisticadas (imagens de satélite, tratamento 
informático de dados, sistemas de informações geográficas, etc.) e nos métodos que ela emprega.” 
O esforço intelectual concomitante com a reflexão de Gomes (2000) em “Geografia e 
Modernidade” percorre momentos fundamentais da relação entre o projeto da modernidade e a 
construção de uma ciência geográfica. Seu objetivo é, antes de mais nada, mostrar que o moderno 
se fundamenta através de um discurso, e que sua estrutura é recorrente não só na interpretação dos 
fatos, como também na forma como a geografia apresenta seus principais debates epistemológicos. 
 
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A identidade geral da modernidade é vista sob um novo ângulo, e diversos autores clássicos da 
geografia são reexaminados à luz dessa nova interpretação, assim, passa a existir uma dualidade na 
discussão. 
Portanto, segundo autor, o artifício que consiste em ver a dualidade por intermédio do 
discurso particular de cada corrente do pensamento geográfico permitiu identificar uma estrutura 
recorrente nestes movimentos, que se comportam de forma semelhante em diversos pontos. Esta 
dinâmica é constante nas correntes da geografia moderna e representa de certa maneira o 
movimento mesmo da modernidade em suas formas mais míticas. 
Neste, os elementos da estrutura do mito da modernidade – traz consigo três elementos 
fundamentais que são recorrentes no discurso que apresenta o fato moderno: o caráter de ruptura, a 
imposição do novo e a pretensão de alcançar a totalidade. 
Todo fenômeno, quando se apresenta como moderno, parte de uma referência negativa àquilo 
que existia antes e que a partir de então se transforma no antigo ou no tradicional. O moderno 
possui uma ligação intrínseca com a contemporaneidade: substitui alguma coisa do passado, 
defasada ou simplesmente, alguma coisa que não encontra mais justificativa no tempo presente. Daí 
vem à concepção de uma estrutura em progressão, segundo a qual o avanço e a mudança são sempre 
elemento necessário. O resultado e uma cadeia de derivações na quais substituições consecutivas e 
progressivas são regularmente estabelecidas. O “novo” torna-se sinônimo de legítimo e, em seu 
nome, busca-se toda gama de justificativas. 
Portanto, segundo Gomes (2000), a modernidade se movimenta via campo de idéias força, 
que se impõe e constrói a todo o momento a concepção do moderno. E assim, movido pelo novo, as 
mudanças, transformações faz com que a geografia vai vendo seu objeto de estudo se encorpar em 
essência e aparência. 
Milton Santos - é, reconhecidamente, um dos mais importantes autores que contribuíram para a 
construção do pensamento geográfico no século XX. O seu esforço e o movimento de seu 
pensamento se concentram na busca permanente da construção teórico-metodológica da ciência 
geográfica, nesse sentido a sua leitura torna-se fundamental a todos que se interessam pela geografia 
e a abordagem espacial. Pois antes de qualquer leitura geográfica, uma das primeiras preocupações 
nos estudos de geografia é saber “o que é a própria geografia”. O que para Santos (1996), mais 
importante do que responder o que é a geografia e saber qual é o seu objeto de estudo é 
 
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especialmente como ela faz os seus estudos, conforme afirma o autor: 
 
 
Discorrer, ainda que exaustivamente, sobre uma disciplina, não substitui o essencial, que é a 
discussão sobre o seu objeto. Na realidade, o corpus de uma disciplina é subordinado ao 
objeto e não ao contrário. Desse modo, a discussão é sobre o espaço e não sobre a 
geografia; e isto supõe o domínio do método. Falar em objeto sem falar em método pode 
ser apenas o anúncio de um problema, sem, todavia, enunciá-lo (SANTOS, 1996, p 16). 
 
 Santos em suas três obras nos apresentam uma rica discussão teórica, o que pontualmente 
pode se constatar em pequeno dado recorte de suas reflexões à cerca de categorias importantes na 
discussão geográfica. A sua principal contribuição é a busca incessante pelo método geográfico de 
entender o espaço e conseqüentemente desvelar a materialização das relações no meio, um retrato 
complexo da realidade que se configura na paisagem, ou seja, uma junção do inerte e do 
movimento, compreendido na sua forma/ conteúdo do particular ao global e vice versa. 
 SANTOS (1988, 1996, 1997) em suas obras nos apresentam várias categorias geográficas, 
porém, convém destacar em meio a muitas, duas que representa a parte complexidade que é 
entender os diversos objetos de estudo em meio à geografia. Sendo o “espaço” como uma categoria 
abrangente e a “paisagem” como campo do visível, da materialização das relações homem/ meio. 
ESPAÇO, a tempo vem sendo nomeados pelos geógrafos, como o objeto de estudo da geografia, 
segundo Santos (1997, p. 71), o espaço pode ser compreendido como um “sistema de objetos e de 
ações” que se realizam sobre estes objetos; não entre estes especificamente, mas para as quais eles 
servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é 
resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e 
artificiais. 
O termo espaço guarda muitas definições e até certas confusões são feitas, por exemplo: 
tomar a “paisagem” como sinônimo de mesmo pode ser o um erro, como mostra Santos (1997 p 72). 
 
 
A paisagem é diferente do espaço. A primeira é a materialização de um instante da 
sociedade. Seria numa comparação ousada, a realidade de homens fixos, parados como 
numa fotografia. O espaço resulta do casamento da sociedade com a paisagem. O espaço 
contém o movimento. Por isso, paisagem e espaço é um par dialético. 
 
Como afirma o autor, a paisagem é o instante materializado, portanto é um elemento do 
espaço e não o espaço em si. Assim, o espaço é a junção da paisagem, da configuração territorial e 
da sociedade, sendo o espaço algo variável. Isso porque as formas podem, durante muito tempo, 
permanecer as mesmas, mas como a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a 
 
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mesma configuração territorial, nos oferecem, no transcurso histórico, espaços diferentes. Dessa 
forma o espaço deve ser compreendido como processo. 
O espaço pode ser abordado por diferentes aspectos como: espaços socia i s , 
geográf i cos , cu l tura i s , cada um com suas particularidades e formas de análises 
diferenciadas. Segundo Santos (2004, p. 55) a interpretação de um espaço ou de sua evolução só é 
possível através de uma análise global que possa combinar simultaneamente quatros categorias 
analíticas – forma, estrutura, função e processo, pois a relação é não só funcional e também 
estrutural. Essas categorias deve ser compreendidas nas seguintes perspectivas: a forma é o aspecto 
visível do objeto, como por exemplo, casas, bairros, redes urbanas, lavouras, etc; são os 
elementos presentes nas paisagens; a função são as atividades desempenhadas pelo objeto criado, 
ou seja, quando se cria um objeto cria-se com uma finalidade, com uma intencionalidade; a estrutura 
é processo maior que envolve a produção do espaço. 
Assim, por exemplo, a produção de grãos na nossa região está inserida em uma estrutura 
produtiva que se liga a vários lugares do Brasil e mesmo no mundo; e por último, o processo é 
o que permite a observação da produção do espaço no curso da história. Quando se observa que 
as formas vão mudando para atender as demandas (funções) das estruturas produtivas, podem-se 
perceber as transformações espaciais no seu processo produtivo. 
Outros aspectos em que se pode analisar a organização do espaço e sua dinâmica são 
através dos seus fixos e fluxos. O primeiro é constituído pelos elementos que são fixados no 
processo de produçãocomo: as casas, as indústrias, as cidades, as rodovias, etc.; e o segundo é 
constituído pelos elementos de circulação, como as pessoas, o capital, etc. Portanto, através dos 
tipos de fixos e os fluxos de um determinado espaço pode-se compreender a sua organização. 
 
 A PAISAGEM – uma das elementares categorias da geografia, depende da capacidade de visão 
individual de perceber o que é observado. Para Santos, “a paisagem é tudo o que o sentido da 
visão abarca, contendo as formas, cores, movimentos, odores, sons etc”. (Santos, 1997, p.61). 
Então a dimensão da paisagem engloba a percepção do que chega aos sentidos. Por depender da 
percepção individual, a paisagem vai apresentar diferentes versões para cada pessoa de cada fato. 
Pois, 
a paisagem depende da escala, onde estamos, e ampliando-se com altura. “A 
dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, onde o aparelho cognitivo é 
fundamental para a percepção da paisagem, e indivíduos distintos têm percepções 
singulares, dependendo do grau de formação, cultura, etnias etc”. (Santos, 1997, p.62) 
 
 
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A percepção faz parte da apreensão da realidade, porém não basta para o geógrafo limitar à 
visão diferenciada do homem na paisagem. É importante ultrapassar a aparência para se chegar ao 
significado, pois a percepção não é o conhecimento e sim um dos caminhos para se chegar a este. 
Neste sentido, o esforço de Santos concentrou-se no método coerente para entender o objeto de 
estudo da geografia, método que acompanhe o movimento das transformações e mudanças 
espaciais, não compreendido somente pela emergência quantitativa e sim qualitativa, que busque no 
cerne do movimento a vida, o cotidiano, a identidade, as especificidades dos lugares, que numa 
escala global nos possibilite visualizar as complexidades do mundo real. 
 
Olivier Dolfuss – segundo autor em sua obra “A análise geográfica”, o geógrafo estuda as 
modalidades de organização do espaço terrestre, assim como a distribuição das formas e das 
populações (no sentido de coleções de indivíduos) sobre a epiderme da Terra. Seu procedimento 
deriva de uma dialética entre a descrição e a explicação; ele propõe permanentemente questões que 
se vão encadeando e que começam por: onde, como e por quê. 
Com estas palavras, o autor abre a discussão em sua obra, nos apontando à importância do 
estudo e de definições quanto: O estudo da paisagem; Localização e escala de observação e, 
sobretudo a análise como possibilidade de compreensão das modalidades de organização no espaço 
constituído pela superfície terrestre e pela biosfera que a molda. 
Assim sendo, o geógrafo deve poder tocar em vários teclados aos quais correspondem as 
claves que comandam as partições. Não existe uma geografia qualitativa que se oponha a uma 
geografia dita quantitativa; aliás, a matemática não é a ciência da quantidade. A expressão mais 
adequada poderia ser “geografia lógica”. Para a compreensão dos espaços organizados e para o 
conhecimento das distribuições na superfície da Terra, existe apenas um único tipo de pesquisa que 
pode ser aprofundada por análise não necessariamente quantificáveis, mas que trarão resultados 
susceptíveis por vezes de serem obtidos com maior rapidez e expostos de maneira mais clara graças 
a um raciocínio lógico e a uma formulação matemática. Para Dolfuss, o geógrafo segue o conselho 
dado pelo pintor Kleer a um de seus alunos, “aprendendo a olhar para além das aparências a fim de 
alcançar a raiz das coisas”. Endossa igualmente a observação de Paul Valéry, a propósito da 
História: “É preciso livrar-se do infinito dos fatos pela avaliação de sua utilidade ulterior relativa.” 
 
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 Portanto, refletindo em Dolfuss, a análise geográfica deve nos possibilitar ir da raiz à 
complexidade do objeto de estudo, não ficando no superficial e desvelando a essência do aparente 
materializado. Sendo necessário à vezes, desconstruir e reconstruir o objeto para entendermo-nos. 
 
4. Considerações finais 
 
 Considerando a relevância, o aprofundamento e esforço teórico apresentado nas obras dos 
autores mencionados, (Paul Clava, Ruy Moreira, Paulo Cesar Gomes, Milton Santos e Olivier Dolfuss), 
pretensiosos seriamos, acreditar que a formação do pensamento geográfico se limita a algumas 
obras estudadas. No entanto, a discussão das obras contribui de maneira significativa para um 
apreender teórico-metodológico a cerca da formação do pensamento geográfico. 
 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
CLAVAL, Paul. História da Geografia. Editora 70, Lisboa: 2006. 
 
DOLFUSS, Olivier. A Análise geográfica. Difusão Européia d livro, São Paulo: 1973. 
 
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia e Modernidade. Editora Bertrand Brasil, Rio De Janeiro: 
2000. 
 
MOREIRA, Ruy. O pensamento geográfico brasileiro: as matrizes clássicas originárias. Editora 
Contexto, São Paulo: 2008. 
 
SANTOS, Milton. Espaço e método. – 4. Ed. – São Paulo: Nobel, 1997. – (Coleção espaços) 
 
______________. METAMORFOSE DO ESPAÇO HABITADO, fundamentos teóricos e 
metodológicos da geografia. Hucitec. São Paulo 1988. 
 
______________. A Natureza do Espaço técnica e tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Editora 
HUCITEC, 1996.

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