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Turma e Ano: Flex A (2014) Matéria / Aula: Direito Penal / Aula 12 Professora: Ana Paula Vieira de Carvalho Monitora: Mariana Simas de Oliveira AULA 12 CONTEÚDO DA AULA: Tipicidade (cont.). Crime doloso. TIPICIDADE (cont.) Como visto na ultima aula, a ideia de tipicidade sofreu evolução ao longo do tempo; começou com a concepção de tipicidade formal (mera adequação da conduta ao tipo) e depois foram inseridos juízos valorativos – concepção material com a ideia de adequação social da conduta (princípio ultrapassado) e insignificância. Tipicidade conglobante (Zaffaroni) O que pode ser considerada uma terceira etapa do estudo é a tipicidade conglobante, de Zaffaroni: investiga a afetação do bem jurídico e o contraste entre o tipo e as demais normas constantes do ordenamento jurídico. Tipicidade Afetação do bem jurídico conglobante Antinormatividade A afetação do bem jurídico (lesividade sendo importante para a tipicidade) também existe na teoria da imputação e na concepção material da tipicidade, quando trabalha o princípio da insignificância. Só é típica a conduta que importar uma lesão ou risco de lesão significativa do bem jurídico. Dentro da afetação do bem jurídico, Zaffaroni trabalha o princípio da insignificância e o consentimento do ofendido, que, segundo ele, será sempre excludente de tipicidade, pois se a pessoa consente e o bem jurídico é disponível a situação de lesão importante para o Direito Penal desaparece (Roxin faz a mesma assertiva). Na doutrina pátria e na jurisprudência o consentimento ora exclui a tipicidade, ora a ilicitude. A outra premissa da tipicidade conglobante é a antinormatividade – ideia própria do Zaffaroni: não é possível que um determinado comportamento seja contrário a uma norma penal e permitido por uma norma extrapenal, devendo ser observado o comportamento e a proibição como um todo. Para Zaffaroni, seria contraditório dizer que uma determinada conduta é típica, mas exigida por outro ramo do Direito, como, por exemplo, o funcionário que é obrigado a cumprir um mandado de busca e apreensão domiciliar e ingressa na casa de alguém. Essa conduta não pode ser típica penalmente por violação de domicilio, porém lícita porque amparada pelo estrito cumprimento de dever legal. O autor entende que essa ideia deve ser trazida para dentro do juízo de tipicidade. Por essa razão ele arrasta para dentro da tipicidade o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de um direito, que tradicionalmente são causas de exclusão da ilicitude. Atenção, pois ele não traz para a tipicidade a legítima defesa nem o estado de necessidade, que continuam sendo causa ilicitude. Casos de atipicidade conglobante: Cumprimento de um dever jurídico. (O CP traz como causa de exclusão de ilicitude). Consentimento do ofendido. Com outro fundamento, essa também é a posição de Roxin. Lesões desportivas se dentro das normas. Atividades perigosas fomentadas. Insignificância. Elementos do tipo Objetivo descritivos e normativos. Tipo Elementos Subjetivo dolo + elemento subjetivo especial do tipo O tipo, como dito, é a descrição da conduta proibida, tendo um aspecto objetivo (externo), ou seja, aquilo que acontece no mundo (ação que será praticada e eventual resultado que o tipo pode exigir), e um subjetivo. Quando o legislador descreve o que precisa acontecer no mundo ele utiliza conceitos, que podem ser classificado em descritos e normativos. O legislador sempre utiliza um verbo (núcleo do tipo – matar, subtrair, etc.) e depois utiliza outros conceitos, que podem descritivos ou normativos. Os elementos descritivos são aqueles que podem ser detectados utilizando apenas os sentidos (“coisa” em coisa alheia móvel, “alguém” pessoa viva no homicídio, etc.). Os normativos, por sua vez, precisam de juízo de valor para que sejam compreendidos, sendo insuficientes apenas os sentidos. Os elementos normativos podem ser: (i) De valoração jurídica: conceitos jurídicos ou referentes a normas jurídicas (cheque, documento, casamento, etc.). (ii) De valoração extrajurídica ou empíricocultural: juízos de valor fundados na experiência, na sociedade ou na cultura (ato obsceno, mulher honesta, etc.). Obs.: o erro, quando envolver qualquer elemento do tipo, será erro de tipo. Se o agente não sabe que está diante de um documento e o rasura, isso pode ser erro de tipo. Porém, existem alguns elementos do tipo que, na verdade, remetem a causas de exclusão de ilicitude. Exemplo: art.151 do CP “devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem”. Imagine-se que uma esposa abra a carta do marido supondo que tem esse direito. Na verdade, o elemento “indevidamente” (ou outras expressões amplas) remete o intérprete a eventuais permissões para a conduta que possam existir em outros ramos do Direito. O erro sobre tais permissões não é de tipo, mas de proibição. Esses elementos são chamados de elementos de valoração global do fato. Para Luiz Regis Prado e Roxin, alguns elementos, como “indevidamente” ou “sem justa causa”, dizem respeito à possível presença de causas de justificação, não sendo elementos normativos – o que tem relevância para o estudo do erro, como visto. Até o finalismo não existia tipo subjetivo, pois dolo era elemento da culpabilidade. Tipos congruentes e incongruentes Tipos congruentes art.121 No tipo congruente há exata correspondência entre o tipo objetivo e o subjetivo, ou seja, aquilo que precisa acontecer no mundo é exatamente o que o agente precisa desejar. No homicídio simples precisa acontecer no mundo a morte de alguém e o agente precisa desejar a morte desse alguém. Tipo incongruente art.129, §3º (objetivo maior do que o subjetivo) Matar alguém Consciência e vontade de matar alguém. Lesão. Consciência e vontade de causar lesão Morte. No tipo incongruente ou o tipo objetivo é maior do que o subjetivo, como no exemplo acima, ou o contrário. Na lesão corporal seguida de morte, precisa acontecer no mundo a lesão e depois a morte, mas o agente precisa desejar só a lesão. A morte ocorre a título de culpa. Pode acontecer o contrário, o tipo subjetivo ser menor do que o objetivo: Tipo incongruente art.159 (subjetivo maior do que o objetivo) Objetivamente, a extorsão mediante sequestro é a mesma coisa do que o sequestro do art.148 do CP. A diferença entre os dois crimes está no tipo subjetivo, pois na extorsão mediante sequestro o sujeito tem que ter vontade de sequestrar a pessoa (dolo – vontade de realizar o tipo objetivo) e de obter resgate no futuro. Ele não precisa obter o resgate para que haja crime consumado, mas o agente precisa desejar. Tipos básicos e derivados O tipo básico é aquele fundamental, previsto inicialmente no caput. No furto é o furto simples. O tipo derivados, por seu turno, são eventuais qualificadoras previstas no tipo penal. No furto é o qualificado. Tipos simples e mistos O tipo simples prevê um verbo (um núcleo), enquanto o misto prevê vários núcleos (receptação, por exemplo). Art. 180, caput, CP - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (...) Os tipos mistos, em sua maioria, são alternativos,ou seja, se o agente realizar vários verbos em um único contexto o crime é um só. No caso da receptação, se ele adquirir e transportar, o crime é um só. Excepcionalmente, alguns são tipos cumulativos. Exemplo: antigamente o estupro e o atentado violento ao puder eram crimes previstos em artigos diferentes; este último ocorria quando o agente praticava qualquer ato libidinoso diferente da conjunção carnal. Se o agente Sequestrar pessoa Consciência e vontade de sequestrar pessoa Obter um resgate no futuro. praticava a conjunção carnal do estupro e outros demais atos libidinosos, a jurisprudência entendia pela existência de concurso de crimes. Atualmente, com a nova redação do art.213 do CP 1 , há discussão acerca da natureza do tipo, se alternativo ou cumulativo. Existe acórdão do STJ dizendo que há concurso de crime, pois o tipo é misto cumulativo. Todavia, é importante ficar atento. Tipos normais e anormais Os tipos normais só preveem elementos descritivos, como no caso do homicídio. Os anormais, por sua vez, preveem elementos normativos. Tipos fechados e abertos A regra é que o tipo seja fechado, em respeito ao princípio da taxatividade, ou seja, os tipos penais devem conter descrição exaustiva da conduta. Excepcionalmente, essa descrição pode não ser exaurida; é o que acontece com os tipos culposos, omissivos impróprios (em que há cláusula de equivalência – será estudado) e de forma geral nos tipos que tenham elementos normativos, pois sempre há certa carga de imprecisão neles. CRIME DOLOSO O dolo é a consciência e a vontade de se realizar o tipo objetivo. A consciência que faz parte do dolo significa simplesmente conhecer a presença dos elementos do tipo no caso concreto. Exemplo: no homicídio só age com dolo quem sabe\conhece que está matando pessoa viva. Essa faceta do dolo está diretamente relacionada ao erro de tipo: se o agente desconhece os elementos do tipo (qualquer um que seja), não agirá com dolo. Por isso, o erro de tipo sempre exclui o dolo. A consciência no dolo não tem relação com a consciência da proibição. Muitas vezes a pessoa conhece os elementos do tipo objetivo, mas acredita que a ação é permitida. O desconhecimento é da proibição. Exemplo: A Lei 7492 dispõe que sair do país com quantidade superior a X, em moeda, sem fazer declaração de porte de valores é crime. São elementos do tipo objetivo: sair do Brasil com mais de X em moeda. Para o dolo é preciso que pessoa saiba apenas isso. No 1 Art.213, caput, do CP: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. entanto, se o agente sabe se é permitido não faz parte do dolo, mas da culpabilidade (consciência da ilicitude). Antigamente, antes do finalismo, a consciência da ilicitude era acoplada ao dolo. Mas, a partir do finalismo ela foi dissociada do dolo. Hoje se fala em dolo natural, que não porta mais a consciência da ilicitude. Momento de verificação do dolo O momento decisivo para se verificar a existência do dolo do tipo é o cometimento do fato. Exemplo: crime introduzir moeda falsa em circulação. A pessoa recebe uma nota de R$ 50 e, de boa-fé, pagou com o dinheiro falso alguma coisa na padaria sem saber que ele era falso. Depois que a pessoa reintroduziu em circulação a nota, descobriu que era falsa e deu “graças” por ter repassado. Essa má-fé superveniente não basta para configurar o dolo, pois é posterior à realização da conduta. Diferença entre finalidade e motivo Todas as ações humanas são ações finais. Existem finalidades lícitas e ilícitas. Quando essa finalidade é penalmente ilícita e típica recebe o nome de dolo. O motivo é completamente diferente, ele está atrás da conduta e a finalidade na frente. Exemplo: por ter o marido traído a mulher (motivo – atrás da conduta), ela resolve matar o marido (finalidade – na frente). Na teoria do crime os motivos são elementos na culpabilidade (Nilo Batista, Regis Prado, Juarez Cirino), interferindo na menor ou maior reprovabilidade da conduta. Espécies de dolo Direito ou de 1º grau; Dolo De 2º grau ou de consequências necessárias; Eventual. Dispõe o art.18, I, do CP: “Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (...)”. Dentro da ideia de “quis o resultado” encaixam-se duas espécies do dolo: de 1º e 2º graus. O dolo direto ou de 1º grau é aquele em que a conduta ou o resultado são o objetivo principal a ser atingido pelo agente. Note-se que o objetivo principal do agente pode estar acoplado a consequências inafastáveis se o sujeito praticar a conduta. Exemplo: uma pessoa deseja matar o Presidente da República. Por questões de segurança, quem dirige o carro é o motorista, sempre. Se o agente colocar uma bomba no automóvel ele sabe que o motorista será atingido. Esse é o dolo de consequência necessária. Em relação ao Presidente o dolo é direto, de 1º grau, e com relação ao motorista, há dolo de consequência necessária, de 2º grau. A diferença entre o dolo de 2º grau e o eventual é que no primeiro caso o resultado ocorrerá, enquanto no segundo ele é provável, podendo ocorrer ou não. Para o estudo do dolo eventual, considerando a sua semelhança com a culpa consciente, faz-se necessário o estudo, nesse momento, da culpa consciente e inconsciente: Culpa consciente e inconsciente Previsibilidade ≠ previsão: previsibilidade é a capacidade de prever segundo o homem médio (exemplo: é possível prever que uma criança de dois anos andando com um copo de vidro da caia, quebre o copo e se machuque). Previsão é a efetiva previsão no caso concreto. Inconsciente há previsibilidade, mas não há previsão. Culpa Consciente há previsibilidade e previsão, mas o agente acredita que conseguirá evitar o resultado. Tanto na culpa consciente quanto no dolo eventual, além do resultado ser provável ele é previsto (previsão). A diferença é explicada por três teorias: (i) Teoria do consentimento: predominante na doutrina pátria e na jurisprudência. No dolo eventual o agente prevê o resultado e consente com ele, ou seja, ele é indiferente em relação ao resultado. A culpa consciente seria o agente não consentir com o resultado, acreditando levianamente que conseguirá evita-lo. (ii) Teoria da probabilidade: quase não é adotada. Basicamente, a teoria diz que quanto mais provável a ocorrência do resultado, mais próximo se estaria do dolo eventual e quanto menos provável mais perto da culpa consciente. (iii) Teoria eclética: adotada por Juarez Cirino dos Santos e segundo a professora parece ser a mais correta. Predomina fora do país. Exemplo: um determinado terrorista espanhol quer colocar uma bomba no centro da cidade de Madrid, em um edifício comercial. Antes de explodir, ele fica sabendo que um amigo seu trabalha no prédio quatro vezes por semana em dias alternados. Se ele explodir a bomba existe uma grande probabilidade do resultado morte do seu amigo ocorrer. O terrorista opta por explodir a bomba mesmo assim porque a atividade perigosa é mais importante do que a eventual ocorrência do resultado morte do amigo, apesar dele não querer que o amigo esteja presente. Pode-se dizer que ele é indiferente ao resultado? Não. A teoria eclética diz que a postura interna com relaçãoao resultado não é propriamente de indiferença ou consentimento com resultado, mas de conformismo. Dolo geral 1º ato 2º ato O dolo geral se aplica às hipóteses de acontecimentos em mais de um ato. Exemplo: no primeiro ato, o agente tem dolo. No segundo, supõe que a vítima está morta e realiza a ação que efetivamente a matará. O problema é que, como visto, o dolo tem que estar presente no momento da realização da conduta. Nesse grupo de casos o agente age com dolo no primeiro ato, quando sabe que está matando pessoa viva e, no segundo ato, quando efetivamente mata a pessoa viva, o agente acha que ela está morta, agindo sem dolo, pois falta o conhecimento de um dos elementos do tipo (pessoa viva). As soluções para essa questão são apresentadas em três propostas: (i) Damásio de Jesus. Haverá sempre homicídio doloso consumado. (Essa proposta não enfrenta claramente o problema). (ii) Haverá sempre tentativa de homicídio e homicídio culposo. “A” atira em “B” Supondo “B” morto, “A” o joga no rio. “B” morre afogado. (iii) Roxin, Zaffaroni. Doutrina majoritária. Haverá em alguns casos homicídio doloso consumado e, em outros, tentativa e homicídio culposo. Uma conduta pode ser formada por um ato ou por vários atos. Exemplo: o homicídio pode ser causado com uma facada (um ato) ou várias facadas (mais de um ato). O que faz com que vários atos façam parte de uma conduta? R.: que eles estejam unidos por um planejamento delitivo unitário. No exemplo trazido, se os dois atos fizerem parte do planejamento unitário, pode-se considerar a existência de uma conduta. Observe-se: o agente planejava matar a vítima e se livrar do corpo (ato que causou a morte). Portanto, se esse fosse o planejamento haverá homicídio doloso. Se não houvesse planejamento delitivo unitário, ou seja, em ato de desespero o agente joga a vítima no rio, considera-se tentativa de homicídio e homicídio culposo.
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