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As Leis da Imitação - Gabriel de Tarde

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GABRIEL DE TARDE
Consultor científico 
Paulo Ferreira da Cunha
Título original 
«LES LOIS DE L 'IM ITATIO N»
Tradução de
Carlos Fernandes Maia 
com^ colaboração de 
Maria Manuela Maia
Reservados os direitos 
desta edição por 
RÉS-Editora, Lda.
Pr. Marquês de Pombal, 78 
4000 PORTO-PORTUGAL
PREFÁCIO
da segunda edição
Desde a primeira edição deste livro, já publiquei 
a sua continuação e o complemento, com título Lógica 
Social.
Por isso, creio ter já respondido implicitamente 
a certas objecções que a leitura - de Leis da Imitação 
pudesse te r . feito. nascer..,Não é, contudo, inútil dar a 
este respeito algumas breves explicações.
Censuraram-me aqui e acolá por "ter muitas vezes 
chamado imitação a factos aos quais este nome não con­
vém de forma alguma". Reparo que me admira por vir da 
pena de um filósofo. Com efeito ,. sempre que o filósofo 
tem necessidade de um termo para exprimir uma genera- „ 
lização nova só lhe resta.a escolha entre duas saídas: ou
o neologismo, se nãc pode fazer de outro modo, ou, o 
que vale incontestavelmente muito mais, a extensão de 
um antigo vocábulo. Toda a questão está em saber se eu 
estendi abusivamente .— não digo sob o ponto de vista 
das definições de dicionário, mas a partir de uma noção 
mais profunda das coisas _ o significado, da palavra imi­
tação.
Ora, eu sei perfeitamente que não está conforme 
ao uso corrente dizer.de um homem, quando ele sem dár 
conta e involuntariamente reflecte uma opinião de outro 
ou se deixa sujestionar por uma acçãó de outro, que ele 
imita essa ideia ou esse actó. Mas, se é consciente è
deliberadamente que ele recebe o seu. vizinho uma forma 
de pensar ou de agir, concorda-se que o emprego do
5
Comte aperfeiçoado, condensado, clarificado, pensou du­
rante toda a sua vida no homem e que nem mesmo depois 
da sua morte é muito conhecido, como ousaria eu quei­
xar-me por não ter tido mais sucesso?
20
CAPÍTULO I
A repetição universal
I '.í
H r í
Há lugar para uma ciência ou^ somente_para uma ■ 
história e ainda mais para uma filosofia dos factos so­
ciais? A questão é sempre pendente, ainda que, para fa ­
lar verdade, estes factos, se o.s olharmos de perto e sob 
um certo ângulo, sejam susceptíveis, tal como os outros,
--de se resolverem em séries de pequenos factas„.Jajrmlares 
e em fórmulas chamadas leis que resumem essas séries. 
Porquê, então, a ciência social ainda está a nascer ou a 
acabar de nascer no meio de todas as suas irmãs adultas 
e vigorosas? A principal razão, a meu ver, é que se dei­
xou . aqui a presa pela sombra, |as realidades. pelas._pal.a-. 
vrasl- Ninguém acreditou poder dar à sociologia uma feição 
cientrfica._.seDãO-.,d.ando-jhe..um ar biológico, ou, melhor 
ainda, urn_ar macâniçn. Éra procurar esclarecer o conhe­
cido pelo desconhecido, era transformar um sistema so­
lar em nebulosa não resolúvel para melhor o compreender.
Em matéria -social tem-se à mão, por um.~esps.cial. privi.- 
lêgio, as causas verdadeiras, os actos individuais de .que 
õs factos são feitos, o que está absolutamente „fora—dos 
nossos, oÍhos-ern_qualquer_ouir.a .roa.téria..iEstá-sè, portan-j. \ \ j 
tõ, dispensado, parece, de ter de recorrer, para a expli-l ^ , 
cação dos fenómenos da sociedade, a estas causas, ditas: 
gerais, que os 'físicos e os naturalistas são obrigados a 
criar com o nome de forças, de energias, de condições ^ 
de existência e de outros paliativos verbais da sua igno-,. 
rância sobre o fundo ni'tido das coisas.''}
21
AS LEIS DA IMITAÇÃO
Mas considerar os actos humanos como os únicos 
factores da história...! Isso é muito simples. Impôs-se a 
obrigação de forjar outras causas sobre o tipo destas ficções 
úteis que têm, por outro lado, um curso predeterminado; 
e felicitamo-nos por ter assim dado por vezes aos factos 
humanos, vistos de muito alto, perdidos de vista, por assim 
dizer, uma cor completamente impessoal. Acautelemo-nos 
deste idealismo vago; acautelemo-nos também do individua­
lismo banal que consiste em explicar as transformações so­
ciais pelo capricho de alguns grandes homens. Digamos an­
tes de mais que elas se explicam pela aparição, acidental 
em certa medida, quanto ao seu lugar e ao seu momento, de 
algumas grandes ideias, ou antes, de um número conside­
rável de ideias pequenas ou grandes, fáceis ou difíceis, o 
mais das vezes imperceptíveis à nascença, raramente glo­
riosas, em geral anónimas, mas ideias sempre novas, e 
que em razão desta novidade eu me permitirei de bapti­
zar colectivamente de invenções ou descobertas. Por estes 
dois termos entendo uma inovação qualquer ou um aperfei­
çoamento, por mais ténue que seja, acrescentado a uma 
inovação anterior, em qualquer ordem de fenómenos so­
ciais (linguagem, religião, política, direito, indústria, arte).
I^ Nio morilento em que esta novidade, pequena ou grande, é 
concebida ou resolvida por um homem, nada mudou apa­
rentemente no corpo social, como nada mudou no aspecto 
físico de um organismo em que üm mfcróbío, quer nefas­
to, quer benéfico, entroujr e as mutações graduais que 
acarreta a introdução deste elemento novo no corpo so­
cial parecem dar continuação, sem descontinuidade visí­
vel, às mutações anteriores na corrente das quais elas 
se inserem. Daí uma enganadora ilusão que leva os filó-, 
sofos historiadores a afirmar a continuidade real e funda­
mental. das metamorfoses históricas.' As suas verdadeiras 
càusas, contudo, resolvem-se numa série de ideias muito 
numerosas na verdade, mas distintas e descontínuas, ain­
da qüe unidas entre èlas pelos actos de imitação, muito- 
màis numerosos ainda, que as tomam por modelos./
É preciso partir daqui, isto é, de iniciativas reno­
vadoras, que, trazendo ao mundo ao mesmo tempo necessi­
22
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
dades novas e novas satisfações,fnele se propagam em se­
guida ou tendem a propagar-se por imitação forçada ou 
espontânea, electiva ou inconsciente, mais ou menos ra­
pidamente, mas em passo regul.ajL^A maneira duma onda 
luminosa ou de umaffãmTlia de formiga^.} A regularidade 
dê" que fà[õ~f\'âõ~~ê~ cTeTõ rm a nenhuma evidente nos factos 
sociais, mas descobrir-se-a se os decompusermos em tan­
tos elementos quanto neles haja, até ao mais simples 
dentre eles, às invenções distintas combinadas, aos clarões 
de génios acumulados e tornados luzes banais: análise, é 
verdade, bem difícil. Socialmente, não passa tudo de in­
venções e imitações, e estas são os rios de que aquelas 
são as montanhas; nada menos subtil, de certeza absoluta, 
que esta visão; mas, seguindo-a ousadamente, sem reser­
va, desdobrando-a desde o mais pequeno detalhe até ao 
mais completo conjunto dos factos, talvez se observe co­
mo ela é apta a pôr em rei evo. todo o pitoresco e, por 
sua vez, toda a simplicidade da história, para revelar pers­
pectivas ou tão bizarras como uma paisagem de rochedos 
ou tão regulares como um planalto, l isto é_ ainda idealis­
mo, se se quiser mas idealismo,.que..:consiste em expjjj.ar. 
a j?istória_pejas idejas dos seus autores e não__pelas do 
filsto.riadori .^
Antes de mais, ao considerar sob este ângulo a ciência 
social, vê-se a sociologia humana atrelar-se às sociolo- 
gias animais (por assim dizer) como a espécie ao género: 
espécie singular e infinitamente superior às outras, quer 
dizer, fraterna. No seu belo livro sobre as Sociedades 
anim ais, que é muito anterior à primeira edição da 'pres­
sente obra, M. Espinas diz expressamente que os traba­
lhos das formigas se explicam muitíssimo bem pelo prin­
cípio "da iniciativa individual seguida da im itação". Esta 
iniciativa é sempre uma inovação, uma invenção igual às 
nossas em arrojo de espírito. Para ter a ideia de cons­
truir um arco, um túnel aqui ou acolá, antes aqui do 
que acolá, uma formiga deve ser dotada de uma inclina­
ção inovadora que iguala ou ultrapassaa dos nossos en­
genheiros construtores de ístmos ou de montanhas. Entre 
parêntesis, segue-se daqui que a imitação destas iniciáti-
23
AS LEIS DA IMITAÇÃO
vas tão novas pela massa das formigas desmente de uma 
maneira evidente o pretenso misoneismo dos animais (1 ). 
Muitas vezes M. Espinas, nestas observações sobre..ps__nos- 
sos irmãos inferiores, ficõu impressionado com o papel 
importante que neles desempenha a iniciativa individual. 
Cada manada de bois selvagens tem os seus leaders, as 
suas cabeças influentes. Os aperfeiçoamentos do instinto 
dos pássaros, segundo o mesmo autor, explicam-se por 
"uma invenção parcial, transmitida em seguida de geração 
em geração por ensinamento directo". Se se pensa que 
as modificações do instinto se ligam provavelmente ao 
mesmo principio que as modificações da espécie e da 
génese de novas espécies, talvez se seja tentado a pergun­
tar se o princípio da invenção imitada, ou de qualquer 
outra coisa análoga fisiologicamente, não seria a expli­
cação mais clara possível para o problema sempre pen­
dente das origens específicas. Mas deixemos esta questão 
e limitemo-nos a constatar que, animais ou humanas, as 
sociedades se deixam explicar por esta maneira de ver.
,f Em segundo lugar, e é a tese especial do presente 
xapítulo, sob este ponto de vista nota-se que o objecto 
da ciência social apresenta uma analogia considerável com 
outros domínios da ciência geraJ e se reincorpora tam­
bém, por assim dizer, no resto do universo no seio do qual 
ífazia efeito de um corpo estranho.
• Em qualquer domtnlõ-*-ée estudos, as constatações 
puras e simples excedem prodigiosamente as explicações. 
E por tudo o qué é simplesmente constatado entende-se os
(1) Nas espécies superiores de formigas, segundo M. Espinas, "0 IN­
DIVÍDUO DESENVOLVE UMA INICIATIVA ESPANTOSA". Como iniciam os tra­
balhos, as migrações de formigueiros? E por um impulso comum, ins­
tintivo, espontâneo, partido de todos os associados ao mesmo tempo, 
sob a pressão das circunstâncias exteriores suportadas ao mesmo 
tempo por todas as formigas? Não; um indivíduo isola-se, mete-se ao 
trabalho era primeiro, e bate nos seus vizinhos com as sua antenas 
para os advertir que têm de lhe dar a sua mão forte. 0 contágio 
imitativo faz o resto.
24
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
primeiros dados, acidentais e bizarros, premissas e origens 
donde deriva tudo o que é explicado. Há ou houve certas 
nebulosas, certos globos celestes, de certa massa, de 
certo volume, a certa distância; há certas substâncias 
químicas; há certos tipos de vibrações etéreas, chamadas 
luz, electricidade, magnetismo; há certos tipos orgânicos 
principais, e, antes de mais, há animais, há plantas; há 
certas cadeias de montanhas, chamadas os Alpes ou os 
Andes, -etc. Quando nos ensinam estes factos capitais 
donde se deduz tudo o rasto, o astrónomo, o qufmico, 
o físico, o naturalista, o geógrafo têm papel de cien­
tistas propriamente ditos? Não, fazem uma simples cons­
tatação e não diferem em nada do cronista que relata 
a expedição de Alexandre ou a descoberta da imprensa. 
Se há uma diferença, vê-lo-emos, é antes de mais do his­
toriador. Que sabemos nós, portanto, no’ sentido erudito 
da palavra? Alguém responderá., sem dúvida: as causas e 
os fins; e quando nós conseguimos ver que dois factos 
diferentes são produzidos um pejo outro ou colaboram 
^para o mesm« #lm, chamamos a isso tê-los explicado. 
[^Entretanto, suponhamos um mundo em que nada se asse- 
í melha e nada se repete, hipótese estranha, mas inteligf- 
\ vel em rigor; um mundo todo de imprevisto e de novidade,
! no qual, sem memória de qualquer espécie, a imaginação 
J criadora fizesse carreira, em que os movimentos dos as- 
\ tros não tenham ciclo, as agitações do éter não tenham
I ritmo vibratório, as gerações sucessivas não tenham ca-
i racteres comuns nemi tipo hereditário. Nada impede, ape- 
| sar disso, que cada aparição nesta fantasmagoria seja 
produzida e determinada por uma outra, que ela trabalhe 
; mesmo para conduzir a uma outra. Poderia a í haver ainda 
fins e causas. Mas haveria lugar para uma ciência qual- 
quer nesse mundo? Não; eporquê?...Porque, uma vez mgjs,. 
não haveria á f nem semelharicas^nám. repeiíçqesj
Aqui está o essencial. Conhecer as causas, isso per­
mite prever, por vezes; mas conhecer as semelhanças, isso 
permite numerar e medir sempre, e a ciência, antes de 
mais, vive de número e de medida. De resto, essencial não, 
significa suficiente. Uma vez encontrado o seu campo dé
. V '. '}■!. <-V t " *1 “ V i, '« r «í> ' * ' ' j
25
AS LEIS DA IMITAÇÃO
semelhanças e de repetições próprias, uma. ciência nova 
deve compará-las entre si e observar o laço de solidarie­
dade que une as suas variações concomitantes. Mas, para 
dizer a verdade, o espírito não compreende bem, não _ad- 
mite a título definitivo o laço entre causa e efeito, a não 
ser na medida em que o efeito se assemelha à causa, re­
pete a causa, quando, por exemplo, uma ondulação sonora 
gera outra ondulação sonora, ou uma célula outra célula 
semelhante. Nada de mais misterioso, dir-se-á, do que 
essas reproduções. É verdade; mas, aceite este mistério, 
nada de mais claro do que tais sér.ies. E cada vez que pro­
duzir não significa reproduzir-se, tudo se torna escuridão 
para nós (1).
Quando as coisas semelhantes são as partes de um 
todo ou julgadas tais, como as moléculas de um mesmo 
volume de hidrogénio, ou as células lenhosas duma mesma 
árvore, ou os soldados de um mesmo regimento, a seme­
lhança recebe o nome de quantidade e não simplesmente 
de grupo. Quando, dito de outra maneira, as coisa que se 
repetem permanecem unidas umas às outras ao multipli­
carem-se, como as vibrações calóricas ou eléctricas, que, 
ao acumularem-se no interior de um corpo, o aquecem 
ou electrizam cada vez mais, ou como as formações de 
células similares que se multiplicam no corpo duma crian­
ça em vias de crescimento, ou como as adesões a uma 
mesma religião pela conversão dos infiéis, a repetição, 
então chama-se crescimento, e não simplesmente série. 
Em tudo isto não vejo nada que singularize o objecto da 
ciência social.
(1) "0 conhecimento científico não deve partir necessariamente das 
mais pequenas coisas hipotéticas e desconhecidas. Ele encontra o 
seu começo em qualquer lado onde a matéria formou unidades de ordem 
semelhante, que podem comparar-se entre elas e medirem-se umas pe­
las outras; emqualquer lado onde estas unidades se reunem em uni- 
dadès compostas de ordem mais elevada, fornecendo elas mesmas a 
medida de comparação destas últimas". (Von Naegeli, DISCURSO NO 
CONGRESSO DOS NATURALISTAS. ALEMÃES, em 1877).
26
A REPETIÇÃO. UNIVERSAL
Interiores ou exteriores, aliás, quantidades ou gru­
pos, crescimentos ou séries, as semelhanças, as repetições 
fenomenais são os temas necessários das diferenças e das 
variações universais, as tramas destes bordados, as pautas 
desta música. O mundo fantasmagórico que eu supunha há 
pouco seria, no fundo, o menos ricamente diferenciado dos 
mundos possíveis. Como nas nossas sociedades o trabalho, 
acumulação de acções decalcadas umas sobre as outras, 
não é mais renovador que as revoluções! E que há de mais 
monótono do que a vida emancipada do selvagem compa­
rada com a vida subjugada do homem civilizado? Sem a 
hereditariedade haveria um progresso orgânico possível? 
Sem a periodicidade dos movimentos celestes, sem o ritmo 
ondulatório dos movimentos terrestres, a exuberante varie­
dade das idades geológicas e das criações vivas teria des­
pontado?
As repetições existem pelas variações. Se se admi­
tisse o contrário, a necessidade da'morte — problema con­
siderado quase insolúvel por M. Delboeuf no seu livro so­
bre a matéria bruta e a matéria viva — não se compreen­
deria; pois porque é que o pião da vida, uma vez lançado, 
não rodariaeternamente? Mas se as repetições só têm 
uma razão de existir, a de mostrar sob todas as suas faces 
uma originalidade única que procura tornar-se clara, nesta 
hipótese a morte deve fatalmente sobrevir com o esgota­
mento das modulações expressas. Observemos de passa­
gem, a este propósito, que a relação do universal com o 
particular, alimento de toda a controvérsia filosófica da 
Idade Média sobre o nominalismo e o realismo, é precisa­
mente o da repetição na variação. O nominalismo é a 
doutrina .segundo a qual os indivíduos são as únicas rea­
lidades que contam; e por indivíduos é preciso entender 
os seres encarados pelo seu lado diferencial. O realism o, 
pelo contrário, não considera como dignas de atenção e 
do nome de realidade, num dado indivíduo, a não ser os 
caracteres pelos quais ele se assemelha a outros indiví­
duos e tende a reproduzir-se em outros indivíduos seme­
lhantes. O interesse deste género de especulação aparece 
quando se pensa que o liberalismo individualista em polí/r
27
AS LEIS DA IMITAÇÃO
tica é uma espécie particular de nominalismo, e que o 
socialismo é uma espécie particular de realismo.
Qualquer repetição, social, orgânica ou física, não 
importa, isto é, im itativa, hereditária ou vibratória (para 
ligarmos unicamente às formas mais impressionantes e 
mais típicas da Repetição universal), procede de uma ino­
vação, como toda a luz procede de um fogo; e assim o 
normal, em toda a ordem do conhecimento, parece deri­
var do acidental. Porque, assim como a propagação de 
uma força atractiva ou duma vibração luminosa a partir 
de um astro, ou a de uma raça animal a partir de um
primeiro casal, ou a de uma ideia, de uma necessidade, 
de um rito religioso, numa nação inteira, a partir de um 
cientista, de um inventor, de um missionário, são aos nos­
sos olhos fenómenos naturais e regularmente ordenados, 
também a ordem em parte informal na qual apareceram 
ou se justapuseram os focos de todas estas irradiações, 
por exemplo, as diversas indústrias, religiões, instituições 
sociais, os diversos tipos orgânicos, as diversas substâncias 
químicas ou massas celestes, nos surpreendem sempre pe­
la sua estranheza. Todas estas belas uniformidades ou 
estas belas séries — o hidrogénio idêntico a si mesmo na
infinita multidão dos seus átomos dispersos por todos os
astros do céu, ou a expansão da luz de uma estrela ha
imensidade do espaço; o protoplasma idêntico a si mesmo 
de um extremo ao oütro da escala viva, ou a continua­
ção invariável de incalculáveis gerações de espécies ma­
rinhas desde os tempos biológicos; as raízes verbais das 
línguas indo-europeias idênticas em quase todas a huma­
nidade civilizada, ou a transmissão notoriamente fiel das 
palavras, da língua copta dos antigos Egípcios até nós, 
etc. — todas estas multidões incontestáveis de coisas se­
melhantes e semelhantemente ligadas, de que admiramos 
a coexistência ou a sucessão igualmente harmoniosas, re­
lacionam-se com acidentes físicos, biológicos, sociais, 
cuja ligação nos confunde:
Ainda aqui a analogia prossegue entre os factos 
sociais e os Outros fenómenos da natureza. Se, contudo, os 
primeiros, considerados a partir dos historiadores e mesmo
28
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
dos sociólogos, nos dão a impressão de um caos, enquanto 
que os outros, encarados a partir dos físicos, dos quími­
cos, dos fisiologistas, deixam a impressão de mundos mui­
to bem ordenados, não há que ficar surpreendido com isso. 
Estes últimos cientistas só nos mostram o objecto da sua 
ciência pelo lado das semelhanças e das repetições que 
ihe são próprias, relegando para uma sombra prudente o 
lado das heterogeneidades e das transformações (ou trans- 
substanciações) correspondentes. Os historiadores e os so­
ciólogos, ao invés, lançam um véu sobre a face monótona 
e regular dos factos sociais, sobre os factos sociais na 
medida em que eles se assemelham e se repetem, e não 
apresentam aos nossos olhos a não ser o seu aspecto aci­
dentado e interessante, renovado e diversificado ao infini­
to. Se se trata dos Galo-Romanos, o historiador, mesmo 
filósofo, nunca terá ideia, imediatamente depois da con­
quista de César, de nos passear-passo a passo por toda a 
Gália para nos mostrar cada palavra latina, cada rito 
romano, cada ordem; cada manobra militar, em uso pelas 
legiões romanas, cada ofício, cada uso, cada serviço, cada 
lei, cada ideia especial, enfim e cada necessidade especial 
importadas de Roma, em vias de irradiar progressivamente 
dos Pirinéus ao Reno e de ganhar sucessivamente, após 
uma luta mais ou menos viva contra as antigas ideias e 
os antigos costumes celtas, todas as bocas, todos os bra­
ços, todos os corações e todos os espíritos gauleses, co­
pistas entusiastas de César e de Roma. Certamente se 
ele nos obrigasse a fazer uma vez esta longa caminhada, 
não no-la faria refazer tantas vezes quantas as palavras 
ou as formas gramaticais da língua romana, quantas as 
formalidades rituais da religião romana ou as manobras 
ensinadas aos legionários pelos seus oficiais de instrução, 
quantas as variedades de arquitectura romana, templos, 
basílicas, teatros, circos, aquedutos, casas de campo com 
o seu átrio, etc., quantos os versos de Vírgilio ou de 
Horácio ensinados nas escolas a milhares de alunos, quan­
tas as léis da legislação romana, quantos os processos 
industriais e artísticos transmitidos fielmente e indefini­
damente de operário a aprendiz e de mestre a aluno na
29
AS LEIS DA IMITAÇÀO
civilizaçao romana. Contudo, e só por este preço que se 
pode ter uma ideia exacta da dose enorme de regulari­
dade que as mais agitadas sociedades cont ê r r i ' / -'v
Depois, quando o cristianismo tiver aparecido, pp 
mesmo historiador terá muito cuidado, sem duvida algu­
ma, em nos fazer recomeçar esta cansativa peregrinação 
a propósito de cada rito cristão que se propague na Gália 
pagã, não sem resistência, à maneira de uma onda sonora 
num ar já vibrante. — Em contrapartida, ensinar-nos-á 
que, em tal data, Júlio César conquistou a Gália, e que 
em tal outra data certos santos vieram pregar a doutrina 
cristã nesta região. Enumerar-nos-á talvez também os di­
versos elementos de que se compõem a civilização romana 
ou a fé e a moral cristãs, introduzidas no mundo gaulês.
O problema, então, pôr-se-á para ele em compreender, 
em apresentar com uma feição racional, lógica, científi­
ca esta sobreposição bizarra do cristianismo ao romanis- 
mo, ou melhor, da cristianização gradual à romani.zação 
gradual; e â dificuldade não será menor em explicar ra- -
- cionalmente, no romanismó e no cristianismo tomados 
à parte, a justaposição estranha de fragmentos etruscos, 
gregos, orientais e outros, muito heterogéneos entre si, 
que constituem um, e de ideias judias, egípcias, bizanti­
nas, muito p óúco coe rentes tâm bém, mesmo em cada gru­
po'"distinto| qué òònstitúem o outro. É, contudo, esta ár­
dua tarefa que o filósofo'da história se proporá; nãò acre­
ditará poder iludi-la se quiser fazer obra de cientista,; è 
cansará a cabeça a pôr ordem nesta' desordem, a procurar • 
a lei destes acasos ’ e à razão destes encontros. Seria 
melhor procurar como e porquê ele sai por vezes dèstes 
encontros dé harmonias e em que é que estas consistem. 
Tentá-lo-emos mais adiante.
; ' Em suma, é còmo se um botânico pensasse erri ne- 
gligenciàr-túdo o'qüe diz respeito à geração dos vegetais 
dê umà'- mèshiá espécie ou de uma mesma variedade, e 
também' o sèu crescimento e a sua nutrição, espécie de 
geração celular ou de regeneração dos tecidos; ou ainda 
é còmo sé um físico desdenhasse do estudo das ondula­
ções sonoras, luminosas, calóricas, e do seu modo de pro-
30
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
pagação através dos diferentes meios, eles próprios ondu­
latórios. Apresenta-se-nos um persuadido de que o objec­
to próprio e exclusivo da sua ciência é oencadeamento 
dos tipos específicos dissemelhantes, desde a primeira 
alga até à última orquídea, e a justificação profunda des­
te encadeamento; e outro convencido de que os seus es­
tudos têm por fim único procurar por que razão há pre­
cisamente os sete modos de ondulação luminosa que nós 
conhecemos, assim como a electricidade e o magnetismo, 
e não outras espécies de vibração etérea? Questões inte­
ressantes seguramente e que o filósofo pode agitar, mas 
não o cientista, porque a sua solução não parece nunca 
susceptível de comportar o alto grau de probabilidade 
exigido por este último. É claro que a primeira condição 
para ser anatomista ou fisiologista é o estudo dos tec i­
dos, agregados de células, de fibras, de vasos semelhan­
tes, ou o estudo das funções, acumulações de pequenas 
contracções, de pequenas enervações, de pequenas oxida­
ções ou desoxidações semelhantes, enfim, e antes de tu­
do, a fé na hereditariedade, esta grande obreira da vida. 
E não é menos claro qüe, para ser químico ou físico, an­
tes de tudo é preciso examinar muitos volumes gasosos 
líquidos e sólidos, feitos de corpúsculos muito parecidos, 
ou as chamadas forças físicas que são massas prodigiosas 
de pequenas vibrações similares acumuladas. Tudo se res­
tabelece, com efeito, ou está em vias de se restabelecer, 
no mundo físico, na ondulação; a í tudo se reveste cada 
vez mais de um carácter essencialmente ondulatório, do 
mesmo modo que no mundo vivo a faculdade geradora, a 
propriedade de transmitir hereditariamente as mais peque­
nas particularidades (nascidas a maior parte das vezes, 
não se sabe como) está cada vez mais considerada ine­
rente à mais pequena célula.
Por conseguinte, reconhecer-se-á talvez, ao ler es­
te trabalho, que o ser social, na medida em que é social, 
é imitador por essência, e que a imitação desempenha 
nas sociedades um papel análogo ao da hereditariedade 
nos organismos ou da ondulação nos corpos brutos. Se as­
sim é, dever-se-á admitir por conseguinte, que uma in­
31
AS LEIS DA IMITAÇÍO
venção humana, pela qual um novo género de imitação é 
inaugurado (uma nova série aberta, por exemplo, a in­
venção da pólvora de canhão (1), ou dos moinhos de ven­
to, ou do telégrafo de Morse), está para a cjência social 
como a formulação duma nova espécie vegetal ou mineral 
(ou ainda, na hipótese da evolução lenta,, cada uma das 
modificações lentas que a introduziram) está para a bio­
logia e como estará para a física o aparecimento de um 
novo modo de movimento vindo tomar lugar ao lado da 
electricidade, da luz, etc., ou como está para a quí­
mica a formação de um novo corpo. Ao filósofo historia­
dor que se esforça por encontrar uma lei de invenções 
científicas, industriais, artísticas, políticas sucessivamente 
aparecidas ou bizarramente agrupadas, seria preciso com­
parar, para fazer uma justa comparação, não o fisiolo- 
gista ou o físico tal como nós o conhecemos (Claude 
Bernard ou Tyndall especialmente) mas um filósofo da na­
tureza como Schelling o foi, tal como Haeckel parecia 
sê-lo nas suas horas de embriaguês imaginativa..
Apercebia-se então que a incoerência indigesta dos 
factos da história, todos resolúveis em correntes de exem­
plos diferentes de que eles são o encontro (este mesmo 
destinado a ser copiado mais ou menos exactamente), na­
da prova contra a regularjdade fundamental do mundo so­
cial e contra a possibilidade de uma ciência social; que, 
para falar verdade, esta ciência existe, em estado disper­
so, na pequena experiência de cada um e que basta reu­
nir-lhe os fragmentos. Quanto ao resto, a recolha dos fac­
tos históricos estará longe de parecer mais incoerente, 
de certeza, do que a colecção dos tipos vivos e das subs­
tâncias químicas; e porque se exigiria do filósofo da his­
tória a bela ordem simétrica e racional que nem sequer se
(1) Quando digo . invenção da pólvora de canhão,, ou telégrafo, ou 
caminhos de' ferro, etc., é bera entendido que quero dizer o grupo 
de invenções acumuladas (distintas portanto e numerosas) que foram 
necessárias para produzir, a pólvora do canhão, o telégrafo, os 
caminhos de ferro.
32
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
sonha em pedir ao filósofo da natureza? Mas há qui. uma 
diferença totalmente a favor do primeiro: é que enquanto 
os naturalistas só conseguiram recentemente com alguma 
clareza ver que as espécies vivas procedem umas das ou­
tras, os historiadores não esperavam um tempo tão longo 
para saber que os factos da história se encadeiam.. Quanto 
aos químicos e aos físicos, não falemos disso. Não ousam 
ainda prever a época em que lhes será permitido organi­
zar, por sua vez, a árvore genéalógica das substâncias 
simples e em que um deles publicará sobre a Origem dos 
átomos um livro destinado a tanto sucesso como a Origem 
das espécies de Darwin. É verdade que M. Lecoq de Bois- 
baudran e M. Mendeleef acreditaram entrever uma série 
natural de corpos simples e que as especulações totalmen­
te filosóficas do primeiro a este respeito não são estra­
nhas à descoberta do Gallium . Mas se repararmos de per­
to nisso, talvsz não se encontre nestes notáveis ensaios, 
e também nos diversos sistemas dos nossos evolucionistas 
sobre a ramificação genealógica dos tipos vivos, mais pre­
cisão e certeza do que se vê brilhar nas ideias de Herbert 
Spencer e mesmo de Vico sobre as evoluções sociais di­
tas periódicas e fatais. A origem dos átomos é bem mais 
misteriosa que a das espécies. A qual o é bem mais que 
a das diversas civilizações-. Podemos comparar as espécies, 
vivas, actuais, às espécies que as precederam e de que 
nós encontramos os vestígios nas camadas do solo; mas 
não nos resta o menor traço das substâncias químicas que 
deveram preceder, na pré-história astronómica, por assim 
dizer, em insondáveis e inimagináveis passados, as subs­
tâncias químicas actualmente existentes sobre a terra ou 
nas estrelas. Por conseguinte, a química, pára a qual não 
pode mesmo pôr-se o problema das origens, está menos 
avançada, neste sentido essencial, do que a biologia; e é 
pela mesma razão que a biologia o está, no fundo, menos 
do que a sociologia.
Do que precede, ressalta que uma coisa é a ciên­
cia, outra coisa é a filosofia social; que a ciência social 
deve orientar-sé exclusivamente, como outra qualquer, sobre
33
factos similares1 mdltiplos, cui 
los historiadores, e que os factos novos e dissemelhantes, 
os factos: históricos propriamente ditos, são o domínio re­
servado para a filosofia social; que sob este ponto de vis­
ta a ciência social poderia muito bem estar tão avançada 
como as outras ciências e que a filosofia social o está 
mais do que as outras filosofias.
No presente volume, é da ciência social somente 
que nos ocupamos; assim, não haverá aqui outra questão 
para além da imitação e das suas leis. Para além disso, 
e mais tarde, iremos estudar as leis ou as pseudo-leis 
da invenção, o que é uma questão diferente, embora não 
inteiramente separável da primeira (1).
I I
Terminados estes longos preliminares, devo retirar 
uma tese importante que a í se encontra envolvida e obs­
cura. Não existe ciência, disse eu, a não sér das quanti­
dades e dos crescimentos, ou, em termos mais gerais, das 
semelhanças e das repetições fenomenais.
Mas, para dizer a verdade, esta distinção é supér­
flua e superficial. Câda progresso do saber, com efeito, 
tendei a fortalecer-rios. na convicção de que todas as se­
melhanças^ :sãodevidas i às repetições. Haveria, creio eu, 
que désenvolvèr está proposição nas três leis seguintes:
:^12 Tõdas 'as semelhançàs qúe se observam rió rriurido 
químico, f ísiçç>,‘ ;ásíronómico (átomos de um mesmo cor­
po, ondas de um mesmo raio luminoso', carfiadas concên­
tricas de atracção de que cada globo celeste é o centro, 
etc.) têm ;com o. Cínica explicação e causa possível movi­
mentos periódicos e principalmente vibratórios.: v 22 Todàs-as-semelhanças, dé origem viva, do mundo 
fayò, 'hereditária, da geração seja
intrá^sejà^extrà1 orgânica; É péló parentesco dás células
AS LEIS OA IMAGINAÇÃO
(.1) Depois destas linhas terem sido escritas, esboçamos uma teoria 
da Invenção na nossa Lógica social (F. Alcan, 1895).
SSsS a
dadosamente guardados pe-
34
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
e pelo parentesco das espécies que se explicam hoje as 
analogias ou homologias de todas as espécies reveladas 
pela anatomia comparada entre as espécies; e pela his­
tologia, entre os elementos corporais.
32 Todas as semelhanças de origem social que se 
observam no mundo social são o fruto directo ou indirec­
to da imitação sob todas as suas formas: imitação-cos- 
tume ou imitação-moda, imitação-simpatia ou imitação- 
-obediência, imitação-instrução ou imitação-educação, imi- 
tação-espontânea ou imitação-reflectida, etc.. Daí a ex­
celência do método contemporâneo que explica as dou­
trinas ou as instituições peia sua história. Esta tendên­
cia só pode generalizar-se. Diz-se que os grandes génios, 
os grandes inventores se encontram; mas, antes de mais, 
estas coincidências são muito raras. Depois, quando são 
provadas, elas têm sempre a sua origem num fundo da 
instrução comum onde beberam 'independentemente um 
e outro os autores da mesma invenção; e este fundo con­
siste num amontoado de tradições do passado,^de expe­
riências brutas ou mais ou menos organizadas, e trans­
mitidas imitativamente pelo grande veiculo de todas as 
imitações, a linguagem.
Foi notemo-lo, baseando-se implicitamente sobre 
a nossa terceira proposição que os filólogos do nosso sé­
culo, pela comparação analógica do sânscrito com o la­
tim, o grego, o alemão, o russo e outras línguas da mes­
ma família foram levados a admitir que existe a í uma 
fámília, e que ela tem como primeirò antepassado umá 
mesma linguagem tradicionalmente transmitida com mo­
dificações próximas, das quais cada uma foi uma verda­
deira invenção lingüística anónima, ela própria perpetuada 
por imitação. Mas voltaremos a esta terceira tese para 
a desenvolver e a rectificar, no capítulo seguinte.
Não existe senão uma única grandé categoria de 
semelhanças universais que não parece à primeira vista 
poder ter. sido produzida por uma repetição qualquer: é a 
semelhança das partes consideradas justapostas e imóveis 
do espaço imenso, condições de todo o movimento quer 
vibratório, quer gerador, quer propagador e conquistador.
35
AS LEIS DA IMITAÇÃO
Mas não paremos nesta excepção aparente, que nos basta 
indicar. A sua discussão !evar-no-ia muito longe.
Deixando, portanto, de lado esta anomalia, talvez 
ilusória, tomemos por verdadeira a nossa proposição geral, 
e assinalemos uma consequência que daí deriva directa­
mente. Se quantidade significa semelhança, se toda a se­
melhança provém de uma repetição, e se toda a repeti­
ção é uma vibração, (ou outro movimento periódico qual­
quer), uma geração ou uma imitação, segue-se dar que, 
na hipótese de nenhum movimento ser ou ter sido vibra­
tório, nenhuma função hereditária, nenhuma acção ou ideia 
aprendida e copiada, não haveria absolutamente nenhuma 
quantidade no universo, e as matemáticas não teriam a í 
emprego possfvei, nem aplicação concebível. Segue-se 
também que, na hipótese inversa, se o nosso universo f í ­
sico, vivo, social, desdobrasse mais vastamente ainda as 
suas actividades vibratórias, genitais, propagadoras, o cam­
po do cálculo seria a í ainda mais estendido e profundo. 
Isso é visível nas nossas sociedades europeias em que os 
progressos extraordinários da moda sob todas as formas 
(da moda aplicada às roupas, aos alimentos, às habita­
ções, às necessidades, às ideias, às instituições, às artes) 
estão em viás de fazer da Europa a edição de um mesmo 
tipo de homem com tiragens de várias centenas de mi­
lhares, de exemplares. Não se vê, desde os seus inícios, 
este prodigioso nivelamento tornar possível o nascimento 
e o desenvolvimento da estatística e do que tão bem se 
chamou a física social, a economia política? Sem a moda 
e o costume,.,não haveria quantidade social, especialmen­
te valor, dinheiro, e, portanto, ciência dás riquezas e das 
finanças. (Como é, portanto, possível que os economistas 
tenham pensado em dar. teorias do valor em que a ideia 
de imitação nunca, interyém?). Mas esta aplicação do nú­
mero e da medida às sociedades, que se tenta no presen­
te, não. poderia ser ainda senão tímida e parcial, o futu­
ro reserva-nos sobre este assunto muitas surpresas!
36
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
I I I
Seria aqui o momento de desenvolver as analogjas 
flagrantes, as diferenças não menos instrutivas e as re­
lações mútuas que apresentam as três principais formas 
da repetição universal. Achar íamos bem procurar a razão 
destes ritmos grandiosos escalonados e entrelaçados, per­
guntamo-nos se a matéria destas espécies se lhes asse­
melha ou não, se o substracto activo e substancial destes 
fenómenos bem ordenados participa da sua sábia unifor­
midade, ou se não contrastaria talvez com eles pela sua 
heterogeneidade essencial, tal como um povo em que 
nada apresenta, à superfície administrativa e militar, 
originalidade tumultuosas que o constituem e que fazem 
andar essa máquina.
Este duplo assunto seria muito vasto. Todavia, sobre 
o primeiro ponto, há analogias manifestas que nós deve­
mos assinalar. E, primeiramente, estas repetições são ao 
mesmo tempo multiplicações, transmissões que se espa-»- 
Iham. Uma pedra cai na água, e a primeira onda produ­
zida repete-se alargando-se até aos limites do charcó; 
acendo um fósforo., e a primeira ondulação que imprimo 
ao éter propaga-se num instante num vasto espaço. Basta 
um par de formigas brancas ou de filoxeras transportado 
para um continente para .0 devastar em alguns anos; 0 
Erigeron do Canadá,. erva daninha importada pela Euro­
pa muito recentemente, abunda já pòr toda a parte nos 
campos incultos. Conhecem-se as leis de • Malthus e de 
Dárwin sobre a tendência dos indivíduos de uma espécie 
para progredir geometricamente; verdadeira lei da irra­
diação geradora dos indivíduos vivos. Do mesmo modo, um 
dialecto local, em uso por algumas famílias, torna-se pou­
co a pouco, por imitação, um idioma nacional. No início 
das sociedade, a arte de talhar 0 sílex, de domesticar o 
cão, de fabricar um arco, mais tarde de fazer levedar o 
pão, de trabalhar o bronze, de extraír 0 ferro, etc., prò- 
pagou-se contagiosamente, sendo cada flecha, cada bocado 
de pão, cada fivela de bronze, cada sílex talhado ao mes­
mo tempo cópia e modelo. Assim se opera em nossos dias
37
AS LEIS DA IMITAÇÃO
a difusão irradiante das boas receitas de toda a espécie, 
com a pequena diferença de que a densidade crescente 
da população e os progressos conseguidos aceleram prodi­
giosamente esta extensão, como a rapidez do som se faz 
em razão da densidade do meio. Cada coisa social, isto é, 
cada invenção ou cada descoberta, teride a estender-se no 
seu meio social, meio que, ele próprio, acrescentarei eu, 
tende a estender-se, dado que se compõe essencialmente 
de. coisas semelhantes, todas ambiciosas ao infinito.
Mas esta tendência, aqui como na natureza exte­
rior, é insucedida o mais das vezes por efeito da concor­
rência das tendências rivais, o que importa pouco em teo­
ria. Por outro lado, ela é metafórica; não mais à onda e 
à espécie do que à ideia se poderia atribuir um desejo 
próprio, e é preciso entender por isso que as forças dis­
persas, individuais, inerentes aos inumeráveis seres de que 
se compõe o meio onde estas forças se propagam se atri­
buíram uma direcção comum. Assim entendida, esta ten­
dência supõe que o meio. em questão seja homogéneo, 
condição que o meio étereo ou aéreo da onda parece 
realizar numa boa medida, o meio geográfico e químico 
da espécie muito menos, e o meio socialda ideia num 
grau: infinitamente mais fraco ainda. Mas não se tem o 
direito, creio eu, de exprimir esta diferença dizendo que 
o meio soclaj è m§is .complexo que os outros. É ao con­
trário, talyez porque - ale^é .numericamente bem mais sim­
ples,, que ele está mais longe de apresentar a homogenei- 
dade _requerida, porque .uma . homogeneidade superficial­
mente real basta. Também, à medida que as aglomerações 
hwtnanas se estendem, a difusão das ideias, seguindo uma 
progressão geométrica regular, é mais vincada. Levemos 
até ào,.fim esta argumentação numérica: suponhamos que 
a. esferaysocjfelonde uma ideia se pode espalhar seja com- 
ppstar;n|o,;.somêpfe- por um...grupo bastante numeroso para 
f azéx0d^ab,r_p^hàr as ^ principais variedades morais da es­
pécie humana, mas ainda de colecções completas dessa 
espécie repetidas uniformemente milhares de vezes, de 
tal modo que a uniformidade destas repetições torne o 
todo homogéneo à superfície, apesar da complexidade inter-^
38
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
terna de cada uma das suas partes. Não temos algumas 
razões para pensar que está a í o género de homogeneida­
de próprio de tudo o que a natureza exterior nos apre^ 
senta de realidades simples e uniformes em aspecto? ■ Nes­
ta hipótese, éciaroque o sucesso mais ou menos grande, 
a velocidade de propagação maior ou menor de uma ideia, 
o dia da sua aparição, daria a razão matemática em qual­
quer espécie da sua progressão ulterior* Desde agora, os 
produtores de artigos que respondem a necessidades de 
primeira ordem e por conseguinte destinados a um con­
sumo universal, podem predizer, a partir da procura de 
um ano a tal preço, qual será a procura do ano seguinte 
ao mesmo preço, se pelo menos nenhum entrave proibi- 
cionista ou outro intervier, ou se nenhum artigo similar 
e mais aperfeiçoado for descoberto.
Diz-se: sem capacidade de previsão, nada de ciên­
cia. Rectifiquemos: sim, sem faculdade de previsão con­
dicional. Ao ver uma ffor, o botânico pode dizer de ime­
diato qual será a forma, a cor do fruto que ela produ­
zirá, a menos que a seca a nrate ou que uma variedade 
individual nova e inesperada (espécie de invenção bioló­
gica secundária) apareça. O físico pode anunciar que es­
te tiro de espingarda saído neste mesmo instante será ou­
vido num certo número de segundos, a tal distância, con­
tando que nada intercepte o som sobre o trajecto ou que, 
neste intervalo de tempo', um barulho mais forte, um ti rõ 
"de .canhão, por exemplo, não se faça ouvir. Pois bem, é pre­
cisamente a este mesmo tftulo que o sociólogo merece o 
nome de sábio propriamente falando; sendo dado que há 
hoje certos focos de irradiação imitativos e que eles ten­
dem a caminhar separadamente ou concorren tem ente com 
velocidades aproximadas, ele está em condições de pre­
dizer qual será o estado social em dez, em vinte anos, 
çom a condição de que nenhuma reforma ou revolução 
PQlítiça venha a entravar esta expansão e de que não süf- 
jam focos rivais.
Sem dúvida o acontecimento condicional é aqui mui- 
t.q provável, talvez mais provável que lá. Mas só é uma di­
ferença de grau. Reparemos, por outro lado, que numa cer-
39
AS LEIS DA IMITAÇÃO
ta medida (que é a tarefa da filosofia e não da ciência da 
história), as descobertas, as iniciativas já feitas e propa­
gadas com sucesso determinam vagamente o sentido no 
qual terão lugar as descobertas e as iniciativas bem su­
cedidas do futuro. Depois, as forças sociais que agem com 
uma importância real numa dada época compõem-se não 
de irradiações imitativas necessariamente ainda fracas, 
emanadas de invenções recentes, mas sim de irradiações 
imitativas emanadas de invenções antigas, ao mesmo tem­
po mais estendidas e mais intensas porque tiveram o tem­
po necessário para se desdobrarem e se estabelecerem 
em hábitos, em costumes, em "instintos de raças" ditos 
fisiológicos (1). Portanto, a ignorância em que estamos 
àcerca das descobertas inatingidas que se realizarão den­
tro de dez, vinte, cinquenta anos, àcerca das obras-primas 
renovadoras da arte que a í aparecerão, àcerca das bata­
lhas e dos golpes de estado ou de força que a í farão o 
seu barulho não nos impedirá de predizer quase de cer­
teza absoluta, na hipótese em que me coloquei mais aci- 
maj segundo que direcção e a que profundidade correrá 
o rio das aspirações e das ideias que os engenheiros po­
líticos, os grandes generais, os grandes poetas, os gran­
des músicos terão de descer ou de subir, de canalizar 
ou de combater.1- i
Como exemplos em apoio da progressão geométrica 
das imitações; poderia invocar as estatísticas relativas ao 
consumo-do café, do tabaco etc., desde a sua primeira 
importação 'até^à época em que o mercado começou a 
estar inundado dele; oü ainda relativas ao número de lo­
comotivas construídas desde a primeira, etc. (2). Citarei
(1) Ninguém se dignará atribuir-me a ideia absurda de negar em 
tudo isto a influência da raça nos factos sociais. Mas ei) creio que, 
pelo número dos seus traços adquiridos, a raça é filha e não mãe 
destes factos, e é somente por este aspecto esquecido que ela roe 
parece entrar no domínio próprio do sociólogo.
(2) Alguém me objectará que as progressões crescentes ou decrescen­
tes reveladas por estatísticas contínua num certo número de anos
40
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
uma descoberta menos favorável na aparência à minha te­
se, a descoberta da América. Ela foi imitada no sentido 
em que a primeira viagem da Europa à América, imagina­
da e executada por Colombo, foi repetida um número sem­
pre crescente de vezes por outros navios com variantes de 
que cada uma foi uma pequena descoberta, enxertada so­
bre a do grande Genovês, e teve, por seu turno, imitadores.
Aproveito deste exemplo para abrir um parêntesis. 
A América poderia ter sido aportada dois séculos mais 
cedo ou dois séculos mais tarde por um navegador de ima­
ginação. Dois séculos mais cedo, em 1292, no reinado de 
Filipe, o Belo, durante as desavenças deste monarca com 
Roma e a sua tentativa audaciosa da laicização e de cen­
tralização administrativa; uma tal saída dum mundo novo 
oferecida à sua ambição não poderia ter deixado de a so- 
brexcitar e de precipitar o advento do mundo moderno. 
Dois séculos mais tarde, em 1692, eJa teria aproveitado à 
França de Henrique IV, mais do que à Espanha, segura­
mente, que, não tendo tido esta rica presa para devorar 
durante duzentos anos ficou menos rica e menos próspera 
então. Quem sabe se, na primeira hipótese, a guerra dos 
Cem Anos não teria sido evitada, e, na segunda, o Impé­
rio de Carlos V ? Em todos os casos, a necessidade de 
ter colónias, necessidade criada e satisfeita ao mesmo 
tempo pela descoberta de Cristóvão Colombo, e que de­
sempenhou um papel tão capital na vida política da Europa
(cont.) nunca são regulares e são frequentemente cortadas por pa­
ragens ou por movimentos inversos. Sera entrar neste detalhe, devo 
dizer que na minha maneira de ver estas paragens ou estes recuos 
são sempre o indício da intervenção de qualquer nova intervenção 
que se torna, por sua vez, contagiosa. Explico da mesma maneira 
as progressões decrescentes, donde seria preciso evitar de in­
duzir que ao fim de algum tempo, depois de ter sido imitada cada 
vez mais uma coisa social tende a ser DESIMITADA. Não; a sua ten­
dência para invadir o mundo permanece sempre a mesma; e se ela 
não é desimitada, mas sim cáda vez menos imitada, o mal deve-se 
aos seus rivais.
41
A^iEI^PA, IMITAÇÍO
desdfciip .século XV , nasceu no século XVI I somente; nes­
sa altura,!, aAmér i ca do Sul seria francesa, a América 
do . Norte não contaria politicamente. Que diferença para 
hds! E não. faltou tanto como um cabelo para que Cristóvão 
Coíombo fracassasse no seu empreendimento! — Mas aca­
bemos com estas especulações sobre os passados contin­
gentes, não menos importantes,contudo, a meu ver e não 
menos fundados que os futuros contingentes.
Outro exemplo, e o mais elucidativo de todos. O 
império romano cafu; mas, já foi dito muito bem, a con­
quista romana vive e prolonga-se sempre. Por Carlos Magno, 
ela estendeu-se aos Germanos que, ao cristianizarem-se, 
se romanizaram; por Guilherme, o Conquistador, aos Anglo- 
-Saxões; por Colombo, à América; pelos Russos e os In­
gleses, à Âsia, à Austrália, e em breve à Oceania in­
teira. O Japão, por seu lado, já quer ser invadido; somen­
te a China parece dever oferecer uma séria resistência. 
Admitamos que ela também se assimila um dia. Poder-se- 
-á dizer, então, que Atenas e Roma, e Jerusalém incluí­
da, fsto é, o tipo de civilização formado pelo facho 
das suas inciciativas e das suas ideias de génio, coorde­
nadas e combinadas, conquistaram todo o mundo. Todas 
as raças, todas as nacionalidades terão concorrido para 
este contágio imitativo ilimitado da civilização greco-ro- 
mana., Não teria acontecido o mesmo certamente se Dario 
ou Xerxes tivessem vencido .e reduzido a Grécia a provín­
cia persa, ou se o Islamismo tivesse triunfado sobre Carlos 
Martel e invadido a Europa ou se a China, depois de três 
mil anosj‘ tiyesse sido tão guerreira quanto industrial e 
virado para as armas tão bem como para as artes da paz
o seu espírito de invenção, ou se, no momento da desco­
berta da América, os europeus não tivesse ainda inventado 
a pólyora..g_,a? imprensa e se se tivesse encontrado num es­
tado de inferioridade militar face aos Aztecas e aos Incas. 
Mas o acasp iquis? que de todos os tipos de civilização, 
de todos, ps- jfeixes ligados de invenções irradiantes que 
tinham espontaneamente brotado em diversos pontos do 
globo, o tipo ao qual nós pertencemos os tenha, superado. 
Se ele não tivesse prevalecido, todavia, um outro teria
42
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
acabado por triunfar, porque o que era certo e inevitá­
vel era que a longo prazo um qualquer de' entre eles se 
tornaria universal, dado que todos pretendiam a universa­
lidade, isto é, todos tendiam a propagar-se imitativamente 
segundo uma progressão geométrica como qualquer onda 
luminosa ou sonora, como quqlquer espécie animal ou ve­
getal.
IV
Indiquemos agora uma nova ordem de analogias. As 
imitações (palavras de uma língua, mitos de uma religião, 
segredos de uma arte militar, formas literárias, etc.) mo­
dificam-se ao passarem de uma raça ou de uma nação 
para outra, dos Hindus aos Germanos, por exemplo, ou 
dos Latinos aos Gauleses, como as ondas físicas ou os 
tipos vivos ao passarem de um meio para outro. Em cer­
tos, casos, as modificações da espécie constatadas foram 
bastante numerosas para permitir observar o sentido ge­
ral e uniforme segundo o qual elas se operam. Ê o caso 
das línguas em especial: também se pode dizer das leis 
de Grimm e melhor ainda de Raynouard em filologia que 
são leis de refracção em linguística.
Ensinam-nos estas que, ao passar do meio romano 
para o meio espanhol ou gaulês, as palavras latinas di­
versas foram transformadás de uma maneira idêntica e 
característica, tornando-se cada letra uma outra letra 
determinada; e aquelas que tal consoante do alemão ou 
do inglês equivale a uma tal outra consoante do sânscrito 
ou do grego, o que significa no fundo que ao passar do 
meio ariano primitivo para o meio germânico, heleno ou 
hindu, a língua-mãe permutou as suas consoantes no sen­
tido indicado, aqui substituindo o aspirado pela forte, 
acolá a forte pela aspirada, etc.
i Se as religiões fossem tão numerosas como as lín­
guas (que elas próprias não o são demasiado para dar uma 
base de comparação suficiente para observações gerais 
formuláveis em leis) e sobretudo se, em cada religião, as 
ideias religiosas fossem tão numerosas como o são as pa­
43
AS LEIS OA IMITAÇXO
lavras em cada língua, poderia haver em mitologia com­
parada leis de refracçio mitológica análogas às preceden­
tes. Ora, podemos muito bem seguir um dado mito, o de 
Ceres ou de Apoio através das modificações que lhe im­
primiu o génio dos diversos povos que o adoptaram. Mas 
há tão poucos mitos da espécie a comparar que não se 
poderia ver nas marcas que eles receberam em separado 
de um povo traços comuns palpáveis e outra coisa para 
além de um ar familiar. Apesar de tudo, no estudo das 
formas de que as mesmas ideias religiosas se revestiram 
ao passarem do vedismo (1) para o bramanismo ou para 
Zoroastro, do moseísmo para Cristo ou para Maomé, ou 
ao circularem através das seitas cristãs dissidentes e das 
diversas Igrejas, grega, romana, anglicana, galicana, não 
há muitas observações a fazer? Ou, então, tudo o que é 
possível observar foi dito em matéria semelhante e não 
há mais nada a fazer do que seleccionar.
Os críticos de arte também não falharam ao pres­
sentirem confusamente o que se poderia chamar as leis 
da refracção artística própria de cada povo, de cada um 
dos seus momentos, de cada região artística determinada, 
holandesa, italiana, francesa, em pintura, em música, em 
arquitectura, em poesia. Não insisto mais. Contudo, será 
uma pura metáfora ou uma infantilidade dizer que Teócrito 
se refractou em Virgílio, Menandro em Terêncio, Platão 
em Cícerò’, Eúrípides erri Ràcine?
Outra analogia. Há interferências de imitações, de 
coisas sociais,- tal como interferências de ondàs e de ti­
pos vivos. Quando duás ondas, duas coisas físicas mais ou 
menos semelhantes, depois de se terem propagado sepa­
radamente a partir de dois centros distintos, se vêm a 
encontrar num mesmo ser físico, numa mesma partícula 
da matéria, as suas impulsões fortalecem-se ou neutra­
lizam-se, conforme têm lugar no mesmo sentido ou em 
. dois sentidos precisamente contrários sobre a mesma linha 
direita; No primeiro cásò, uma onde nova, complexa e mais
(1) Nome europeu da religião Hindu primitiva. (N. T.).
44
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
forte surge, a qual tende ela própria a propagar-se. No 
segundo caso, há luta e destruição parcial até que uma 
das duas rivais leve a melhor sobre a outra. Do mesmo 
modo, quando, após se terem reproduzido separadamente 
de geração em geração dois tipos específicos bastante 
vizinhos, duas coisas vitais, se vêm a reencontrar, não sim­
plesmente num mesmo lugar (animais diferentes que se 
digladiam ou se comem), o que seria um encontro pura­
mente físico, mas além disso, num mesmo ser vital, numa 
mesma célula ovular fecundada por uma união híbrida, 
único género de encontro e de interferência verdadeiramen­
te vital, sabe-se o que acontece então. Ou o produto, de 
uma vitalidade superior à dos seus pais, e ao mesmo 
tempo mais fecundo e mais prolífero, transmite a uma 
posteridade sempre mais numerosa as suas característi­
cas distintivas, verdadeira descoberta da vida; ou então, 
muito mais fraco, dá origem a alguns descendentes dege­
nerados em que caracteres incompatíveis dos progenitores, 
violentamente aproximados, não tardam em operar o seu 
divórcio pelo triunfo definitivo de um e a expulsão do 
outro. — Do mesmo modo, ainda, quando duas crenças e 
dois desejos ou um desejo e uma crença, quando duas coi­
sas sociais, numa palavra (porque não existe senão isto 
em última análise nos factos sociais, sob os nomes diver­
sos de dogmas, de sentimpntos, de leis, de necessidades, 
de. hábitos, de costumes, etc.), fizeram durante um cer­
to tempo e separadamente o seu caminho no mundo, em 
virtude da educação ou do exemplo, quer dizer da imi­
tação, elas acabam muitas vezes por se encontrar. É pre­
ciso, para que o seu encontro e a sua interferência ver­
dadeiramente psicológica e social tenha lugar, não somen­
te que elas coexistam num mesmo cérabro*e façam ao 
mesmo tempo parte de um mesmo estado de espírito ou 
de coração, mas, por outro lado, que uma se apresente, 
quer como um meio, ou um obstáculo em face da outra, 
quer como um princípiode que a outra é consequência 
ou uma afirmação de que a outra é a negação. Quanto 
àquelas que parecem nem se ajudar, nem se prejudicar, 
nem se confirmar, nem se contradizer, elas não saberiam
45
AS LEIS OA IMITAÇÍO
interferir mais do que duas ondas heterogéneas ou dois 
tipos vivos muito distanciados para se poderem unir. Se 
elas parecem ajudar-se ou confirmar-se, combinam-se só 
pelo facto desta aparência, desta percepção, numa des­
coberta nova, prática ou teórica, destinada a espalhar-se 
por sua vez como as suas componentes num contágio imi- 
tativo. Houve, neste caso, aumento de força de desejo ou 
de força de fé; como nos casos correspondentes de in­
terferências físicas ou biológicas felizes, houve aumento 
de força motriz e de vitalidade. Se, pelo contrário, as 
coisas sociais interferentes, teses ou projectos, dogmas 
ou interesses, convicções ou paixões, se estorvam ou se 
contradizem numa alma ou nas almas de um povo, há es­
tagnação moral dessa alma, desse povo, na indecisão e 
na dúvida, até que, por um esforço brusco ou lento, essa 
alma ou esse povo se separa em dois e sacrifica a sua 
crença ou a sua paixão menos querida. Assim faz a vida 
a sua opção entre dois tipos mal acoplados. Um caso 
ligeiramente distinto do precedente e particularmente im­
portante é aquele em que as duas crenças, os dois dese­
jos ou ainda a crença e o dèsejo que interferem de uma 
maneira favorável ou desfavorável no espíçito do indivíduo, 
pertencem não somente a esse homem mas em parte a 
ele, em parte a qualquer um dos seus semelhantes. A 
interferência consiste então em que o indivíduo de que 
se trata percebe a confirmação ou o desmentido dados 
pela ideia de outlró, a vantagem ou o prejuízo causados 
pela vontade:de outro à suá: jdèia e à sua vontade pró­
prias. Daí uma simpatia é um contrato, ou então uma 
antipatia e uma guerra (1).
(1) A semelhança que êu estabeleci entre a hereditariedade e a imi­
tação verifica-se-até na relação de cada uma destas duas formas 
da Repetiçaò-urii versai com a forma de Criação, de. Invenção, qüe 
lhé é espfciàl. Quanto mais tempo uma sociedade é jovem, ascenden­
te, transbordante: de vida, mais nós aí vemos as invenções, os pro­
jectos novos, as iniciativas conseguidas, sucederem-se com rapidez 
é acélerâr aá frariformações sociais; depois, quando a seiva inven-
46
A REPETIÇÃO.'UNIVEKS*!
Mas tudo isto tem necessidade, eu sinto-o, deílès- 
clarecimento. Distinguimos três hipótese: irtterferência’; fe ­
liz de duas crenças, de dois desejos, de uma crença e de 
um desejo; e subdividimos cada uma destas divisões con­
forme as coisas interferentes pertençam ou não ao mes­
mo indivíduo. Depois diremos uma palavra àcerca das in­
terferências desfavoráveis.
12 Quando uma conjectura que eu olhava como bas­
tante provável vem a coexistir em mim, no mesmo estado 
de espírito, com a leitura ou a reminiscência de um fac­
to que eu tenho por quase certo, se eu m§ aperceber de 
repente que este facto confirma essa conjectura, que daí 
deriva (quer dizer que a proposição particular exprimindo 
este facto está incluída na proposição geral que exprime 
essa hipótese), em breve essa hipótese se torna muito mais 
provável a meus olhos, e ao mesmo tempo este facto me
'(cont.) tiva se esgota, a imitação, contudo, prossegue o seu curso, 
como na Índia, como na China, como nos últimos séculos do Império 
Romano. Ora, no'mundo vivo, é a mesma coisa. E por exemplo, nos 
. ENCADEAMENTOS 00 MUNDO ANIMAL (período secundário) M. Gaudry diz 
incidentemente a propósito dos CRINOIDES (equinodermes): "eles 
perderam esta maravilhosa diversidade de formas que foi um dos lu- 
:xos dos tempos primitivos; NÃO TENDO JS A FORÇA' PARA SE TRANSFOR­
MAR MUITO, GUARDARAM AINDA A DE REPRODUZIR INDIVÍDUOS SEMELHANTES 
■■■ELES". Mas nem sempre e assim. Certas famílias, certos generos 
^de"animais desaparecem nos tempos geológicos depois do seu período 
de maior fragmentação. Assim foi com a amonite, este maravilhoso fós­
s il que nos tempos secundários se expandiu na exuberante diversida­
de das suas mutações e depois desapareceu para sempre. Assim foi 
também com essas brilhantes e breves cit/TliMçfes que se acende­
ram ura dia e que bruscamente se extinguiram como estrelas efémeras 
;no/céú da história: a Pérsia de Ciro, cértas repúblicas gregas, 
Çõ^mêfidiOnal da França no momento da guerra dos Albigenses^ as 
repúblicas italianas, etc. Quando estas civilizações ficaram can­
sadas de produzir, não lhes restou mais força para se reproduzi- 
rem. E verdade que, o mais das vezes, elas foram nisso impedidas 
[pelá sua destruição violenta.
47
» AS LEIS DA IMITAÇÃO
parece inteiramente certo. De tal sorte que houve ganho 
de fé em todo o processo. E o resultado é uma descober­
ta. Porque não se trata de outra coisa para além da 
percepção dessa inclusão lógica. Newton não descobriu 
outra coisa quando, depois de ter conjecturado a lei da 
atracção, a confrontou com o cálculo da distância da 
luz à terra e percebeu a confirmação dessa hipótese por 
este facto. Supondo que todo um povo, todo um século, 
na continuação de um dos seus doutores, de S. Tomás 
de Aquino, por exemplo, ou Arnaud, ou Bossuet, constata 
ou crê constatar um acordo semelhante entre os seus dog­
mas e o estado momentâneo das suas ciências, e vereis 
espalhar-se este rio transbordante de fé que fecunda o 
século XIII, argumentador, inventivo e guerreiro, e tam­
bém o século XVII, jansenista e galilaico. Essa harmonia, 
também ela, não passa de uma descoberta de que a sú­
mula, o catecismo de Port-Royal e do clero de França, 
e em diversos graus todos os sistemas filosóficos da mes­
ma época desde Descartes até Leibniz, são a expressão 
diversa. Modificamos um pouco a nossa hipótese geral 
agora. Inclino-me a admitir um princípio que um dos meus 
amigos, com quem eu converso, não admite de forma ne­
nhuma. Mas. eu aprendo por ele factos que ele tem por 
verdadeiros e cuja prova, no meu pensar, não foi feita. 
Depois* parece-me, o.u melhor mostrava-se-me, que es­
tes factos, se. fossem provados, confirmariam plenamente o 
meu princípio. Desde então, inclino-me também a aceitá- 
-los; mas. não houve aumento de fé a não ser relativamen­
te ao que lhes diz respeito, não relativamente ao princí­
pio. Também esta espécie de descoberta está incompleta 
e não terá nenhum efeito social antes que o meu amigo 
tenha conseguido comunicar-me a sua crença, superior à 
minha, na realidade destes factos, fo.rnecendo-me as pro­
vas, ou que eu tenha conseguido eu próprio demonstrar- 
-Ihe a verdade, .do meu princípio. Mas trata-se justamen­
te da primazia de um comércio intelectual mais livre e 
mais. vasto.
~ ® primeiro comerciante da Idade Média, ao
mesmo tempo ávido e vaidoso, desejoso de enriquecer pelo
48
A REPETIÇÃO UNIVERSAL
comércio e aflito por não ser nobre, que previu a possi­
bilidade de fazer servir a sua avidez aos fins da sua vai­
dade e de adquirir mais tarde para si e para os seus a 
nobreza a preço de dinheiro, julgou fazer uma bela des­
coberta. E de facto teve muitos imitadores. Não é ver­
dade que a partir dessa perspectiva inesperada ele sen­
tiu redobrar ao mesmo tempo as suas duas paixões, uma 
porque o ouro tomava um novo válor a .seus olhos, e ou­
tra porque o objecto do seu sonho ambicioso e desmorali­
zado se tornava acessível? Sem ir tão longe talvez no passa­
do, também não foi uma muito má ideia nem uma inicia­
tiva pouco seguida a do primeiro advogado que teve a 
ideia contrária de fazer política para fazer a sua fortu­
na. — Outros exemplos: estou apaixonado e tenho a ins­
piração de versificar, e faço servir o meu amor, que se 
exalta, para inspirar a minha veia versejadora, que se tor­
na acentuada. Quantas obras poéticas nasceram de uma 
interferência semelhante! Sou filantropo- e gosto de fazer 
falar de mim, e procuro esclarecer-mepara fazer melhor 
aos-meus semelhantes ou para lhes ser útil para me da- 
rèni um nome, etc., etc. Encarado historicamente, o mes­
mo facto exprime-se especialmente pelo espírito das cru­
zadas, devido ao mútuo apoio que se prestava à paixão 
das expedições guerreiras e ao fervor cristão, depois de 
terem sido muito tempo opostos, ou ainda pela invasão 
do;. Islão, pelas revoltas de 85} e dos anos seguintes e por 
todas as revoluções, em que tantas paixões vis se atrelam 
a^paixões nobres. — Mas, por acaso, mais contagioso ain­
da, indo à origem das spciedades, foi o exemplo do pri­
meiro homem que disse: eu tenho fome e o meu vizinho 
:tèm frio, ofereçamos-lhe esta roupa que me é inútil em 
troca daquele alimento que ele tem a mais, e assim a 
minha necessidade de comer serve para satisfazer a sua 
necessidade de se vestir, e reciprocamente. Excelente 
ideia, bem simples hoje, bem original no começo da his­
toria, e donde o trabalho, o comércio, a moda, o direito 
todas as artes nasceram (não digo de onde nasceu a 
sociedade, porque ela existia já sem dúvida, antes da tro­
ca-,'desde o dia em que um homem qualquer copiou um 
outfo).
49
AS LEIS DA IMITAÇÃO
.. . Note-se que cada novo género -de trabalho profis­
sional, cada novo oficio nasceu na continuação de uma 
descoberta análoga à precedente, o mais das vezes anó­
nima, mas não menos certa, não menos importante por 
isso.
32 Como importância histórica, contudo, nenhuma 
interferência mental iguala a de um desejo e de uma 
crença. Mas não é preciso fazer entrar nesta categoria os 
casos numerosos em que uma convicção, uma opinião que 
se vem enxertar numa tendência só age sobre ela susci­
tando um desejo diferente. Eliminados estes casos, resta 
ainda um número considerável em que a ideia surgida age 
enquanto proposição sobre ò desejo encontrado e redobra­
do por ela. Eu queria muito ser orador no Parlamento, e 
um cumprimento de amigo me persuade de que eu acabo 
de revelar de repente um verdadeiro talento oratório; es­
ta persuasão aumenta a minha ambição, que contribui, 
dé resto, para me deixar persuadir. Pela mesmà razão 
não é com erro histórico, com calúnia atroz ou extrava­
gante, com loucura que se acredita facilmentè a favor 
de uma paixão política, que ela concorre precisamente 
para.avivar. Uma crença, aliás, aviva um desejo, tanto por­
que elá faz julgar mais realizável 0 objecto deste, como 
pòrqúe ela é a aprovação dele. Sucede também, para con­
tinuar até áóf í rh^o riòsso paralelismo, que um homem 
percèbe cfprovéitò qüe éle jsodè tirar para os seus desíg­
nios próprios de unia òrènça ‘ própria de outro ainda que 
não pártilhe dela e que "b oütro não partilhe do seu de­
sígnio. Esta descoberta é üm achado, que muitos impos­
tores exploraram ou exploram ainda.
7 : Estè género especial de interferências e as desco-
bérta"s inumeráveis é maiores que são frutò delas contam 
nó^méio' dás^fórçãs cápitàis que governam ò mundo. Que 
ê-o patriotismo dó dregd e do Romano senão uma pai- 
^ãò^^Yimén^da^ de. uma1 íiüsaó; e‘ vice-versa: urna 'paixão, 
à aitibição^-a avidez,'o amior dá glória; uma ilusão, a fé 
èxàgérãdá^ná sua superioridade, o preconceito antropo- 
cêncr»cò;; o erro dé se imaginar qUe este pequeno ponto 
no espaço, a terra, era o universo, e que sobre este pe-
50
A R E K f f t K O V f l U n
glièno ponto só Roma ou Atenas seriam dignas. db^fflti^T 
dós deuses? E qüe é em’ grande parte o fanatismo 
A"rabe, o proselitismo cristão, a propaganda' jacóbinà Ce 
íêvõlucionária senão tais crescimentos prodigiosos' de jsafc 
Soes, sobre ilusões, ilusões sobre paixões, umas alimehtàrtr- 
'àò as outras? E é sempre a partir de um homem, de úm 
centro, que estas forças nascem (muito antes, é verdade, 
do momento em que elas rebentam e formam corrente 
historicamente). Um homem apaixonado, roído pelo de­
sejo. impotente de conquista, de imortalidade, de regene­
ração humana, encontra uma ideia que abre às suas as­
pirações uma saída inesperada: a ideia da ressurreição, 
do milénio, o dogma da soberania do povo e as outras 
fórmulas do Contrato social. Ele abraça-a, ela exalta-o; 
e ei-lo que se faz apóstolo. Assim se espalha um contágio 
político ou religioso. Assim se opera a conversão de todo 
um povo ao cristianismo, ao islamismo,. ao socialismo, tal­
vez amanhã.
No que precede só foi assunto as interferênciás- 
-combinações de que resulta uma descoberta, uma adição, 
um , crescimento, de desejo e de fé, as duas quantidades 
psicológicas. Contudo, a história, essa longa sequência de 
operações de aritmética moral ■, faz despontar pelo menos 
tantas interferências-lutas, tantos antagonismos internos 
xjuiffjíquando se produzem entre desejos* ou crenças pró­
prias dé um mesmo indivíduo, mas não fora deste caso-, 
sãq: acompanhadas de lima baixa de maré, de uma sub- 
■traçção destas quantidades. Quando estas interferências 
|êmí lugar aqui e acolá, obscuramente, em indivíduos' iso- 
íados, são fenómenos pouco reparados, a não ser pelo psi­
cólogo; temos então: 12, por um lado, as decepções e a 
dijvida gradual dos teóricos temerários, dos profetas po­
liticos, que vêm os factos desmentir as suas teorias, rir 
dasr; suas previsões; a frustração intelectual dos crentes 
sinceros e instruídos, que sentem a sua ciência éiti còn- 
pTfSr com a sua religião ou com os seus sistemas; pór 
outro lado, as discussões privadas, judiciais, parlamentares; 
enfj que a fé se reanima, pelo contrário, em vez de se 
esfriar. Temos ainda: 22, por um lado, a inacção forçada,
51
AS LEIS OA IMITAÇÃO
pungente, o suicídio lento de um homem que se bate en­
tre duas aptidões ou duas correntes incompatíveis, entre 
os seus apetites de ciência e as suas aspirações literá­
rias, entre o seu amor e a sua ambição, entre a sua pre­
guiça e o seu orgulho; por outro lado, as competições de 
toda a espécie que põem em actividade todos os esforços, 
o que se chama nos nossos dias a luta pela vida. Temos, 
enfim: 32, por um lado, a doença do desencorajamento, 
estado de uma alma que quer muito forte e crê muito for­
te não poder, abismo em que caem os amorosos e os par­
tidos cansados de esperar tanto a angústia do escrúpulo 
como a do remorso,, estado de uma alma que julga mau 
o objecto dos seus desejos ou que julga bom o objecto 
das suas repulsões; por outro lado, as resistências feitas 
aos empreendimentos e às paixões das crianças, que que­
rem muito fortemente qualquer coisa, pelos seus pais que 
crêem firmemente que ela é impossível ou perigosa, ou 
ainda aos empreendimentos e às paixões de quaisquer ino­
vadores pelas pessoas prudentes e experimentadas: resis- 
têncjas de forma nenhuma acalmantes, sabe-se bem.
, .. Realizados em 'grande escala, multiplicados pela
virtude de uma larga corrente social, de um potente ar­
rebatamento imitativo, estes mesmos fenómenos, sempre 
os m.esmos; no fundo,, obtêm com outros nomes as honras 
da histórià- Eles tornam-se::T2, por um lado, o cepticismo 
ene.rvan.te deWum povo preso entre duas religiões ou duas 
igrejas opostas,^ ou entre os seus sacerdotes e os seus 
sábios que. se contradizem; por outro lado, as guerras re­
ligiosas de . um povo com outro quando elas têm o desa­
cordo das crenças por único e principal motivo; — 22, por 
um ladò, a inércia e o fracasso de um povo ou de uma 
classe, que';r.: criou necessidades novas opostas aos seus 
interesses.: permanentes (a necessidade do conforto e da 
paz,v pór a.exernpldj. quando.‘.'um redobramento do espírito 
militar, lhe seria indispensável, ou . paixões factícias con­
trárias aòs-seus instintos naturais (quer dizer, no fundo, a 
paixões, que .começaram também por ser factícias, impor­
tadas e adoptadas, mas que são muito mais antigas); por 
outro lado, a maior parte das guerras políticas exteriores;
52
AS LEIS DA REPETIÇÃO
— 3 2 , por um lado, o desespero amargo de um povo ou 
deuma classe que entra por degraus no nada histórico, 
de onde um fmpeto de entusiasmo ou de fé o tinha fe i­
to sair, ou ainda o mal-estar e a opressão penosa de uma 
sociedade cujas velhas máximas tradicionais, cristãs e ca­
valheirescas não condizem com as suas aspirações novas, 
laboriosas e utilitárias; por outro, lado, as oposições pro­
priamente ditas, as lutas dos conservadores e dos revolu­
cionários, e as guerras civis.
Ora, quer se trate de indivfduos ou de povos, es­
tes estados dolorosos, cepticismo, inércia, desespero, e 
ainda mais os estados violentos, disputas, combates, opo­
sições, pressionam o homem a transpô-los. Mas como os 
últimos, embora mais penosos, são até certo ponto e mo­
mentaneamente, fontes de fé e de desejo, são precisa^- 
mente esses que ele nunca transpõe ou de que ele não 
sai. senão para neles em breve entrar, enquanto que, mui­
tas vezes e por longos períodos, consegue libertar-se dos 
primeiros, que são enfraquecimentos imediatos das suas 
duas forças mestras. Daí estas intermináveis dissidências, ri­
validades, contrariedades, entre homens de que cada um se 
pôs finalmente de acordo consigo mesmo pela adopção 
de um sistema lógico de ideias e de uma conduta conse­
quente. Daí a impossibilidade ou a quase impossibilidade, 
parece, de eliminar a guerra e os processos de que toda 
a gente sofre, apesar da batalha interna dos desejos e das 
opiniões de que alguns sofrem conduzir o mais das vezes 
rijBIes a tratados de paz definitivos. Daí o renascimento 
infinito dessa hidra de cem cabeças, dessa eterna ques­
tão social, que não é própria da nossa época mas de to­
dos os tempos, porque não consiste em perguntar como 
términarão os estados debilitantes, mas como terminarão 
os-; estados violentos. Noutras palavras, não consiste em 
perguntar: da ciência ou da religião, qual prevalecerá ou 
deverá prevalecer na maioridade dos espíritos? É a neces­
sidade de disciplina social ou os ímpetos de inveja, de 
orgulho e de raiva em revolta que prevalecerão e devem 
prevalecer finalmente nos corações? É por uma resignação 
corajosa, activa, e uma abdicação das suas pretensões pas­
53
AS LEIS DA IMITAÇÃO
sadas, ou,- ao contrário, por uma nova explosão de espe­
rança e de fé no sucesso, que as classes antigamente 
dijigentes sairão, por sua honra, do seu torpor actual? E a 
nova sociedade refundirá legitimamente a moral e o ponto 
de honra da sua imagem, ou a velha moral terá a força e 
o direito de ferir de novo a sociedade? Problemas que 
certamente não tardarão muito a ser resolvidos e de que 
ê fácil desde já pressentir a solução. Mas, pelo contrário, 
árduos e difíceis de exterminar são os problemas seguin­
tes, que constituem verdadeiramente a questão social: é 
um bem, é um mal, que a unanimidade completa dos es­
píritos se estabeleça um dia para a expulsão ou a con­
versão mais ou menos forçada de uma minoria dissidente, 
e vê-la-emos alguma vez estabelecer-se? É um bem, é um 
mal, que a concorrência comercial, profissional, ambiciosa 
dos indivíduos e também a concorrência política e militar 
dos povos venham a ser suprimidas pela organização tão 
sonhada do trabalho ou pelo menos pelo socialismo de Es­
tado, por uma vasta confederação universal ou pelo menos 
por um novo equilíbrio europeu, primeiro passo para os 
Estados Unidos da Europa; e o futuro reserva-nos isso? É 
um bem, ou será um mal que, libertando-se de todo o 
controlo e de toda a resistência, uma autoridade social 
forte e livre, absolutamente;, soberana e susceptível de 
muito grandes coisas, se mostre enfim, pelo poder aberto 
ou convencional de um partido ou de um povo, o mais 
filantrópica aliás e, o mais inteligente que se possa ima­
ginar, e é preciso, esperarmos por esta perspectiva?
Eis a questão e é porque ela é assim colocada que 
é temível. Porque não existe humanidade, nem homem 
que se sacrifique sempre no sentido da maior verdade e 
do ,maior poder,, da maior soma de convicção e de con- 
j-ílançã^.-d^lè^numa. palavra, a obter;, e pode-se duvidar 
se, é pelo .desenvolvimento da discussão, da concorrência 
i^^a^cr.Mça/ ou, ao, invés, pelo seu abafamento, pela ex- 
p.ansJi.Q;J.rriitativa ilimitada de um pensamento único, de 
umá: vontade única, consolidada ao expandir-se, que este 
maximum pode ser atingido.
54
A REPETIÇÍO UNjyíRS^L
V
Mas a digressão que precede fez-nos antecipar al­
gumas das questões que serão melhor tratadas algures. 
Voitemos ao assunto deste capítulo e, depois de ter pas­
sado em revista as principais analogias das três formas 
da Repetição, digamos uma palavra sobre as suas diferen­
ças, que não são menos instrutivas. Primeiro, a solidarie­
dade destas três formas é unilateral, não recíproca. A 
geração não saberia passar da ondulação, que não tem 
necessidade dela, e a imitação depende das outras duas, 
que não dependem dela. Após dois mil anos, o manuscrito 
da República de Cícero é encontrado, imprimem-no e 
inspiram-se nele: imitação póstuma que não teria tido 
lugar se as moléculas do pergaminho não tivessem durado 
e certamente vibrado (e isto a não ser por efeito da tem­
peratura ambiente) e se, por outro lado, a geração hu­
mana não tivesse funcionado sem interrupção desde Cícero 
,atè nós. É notável, aqui .como em qualquer parte, que o 
|ermo mais complexo, mais livre, é servido pelos que o 
são menos. A desigualdade dos três termos a este res­
peito é, com efeito, manifesta. Enquanto que as ondas 
sé encadeiam, insócronas e contíguas, os seres vivos, de 
uma duração bastante variável, destacam-se e separaram- 
{-sè, cada vez mais independentes quanto mais são eleva-? 
Hg?*. A geração é uma onduíação jivre cujas ondas fazem 
TnÇfndo à parte. A imitação faz ainda mais, exerce-sè, 
nao. só de muito longe, mas com grandes intervalos de 
terripo. Ela estabelece uma relação fecunda entre um 
inventor e um copista separados por milhões de anos, en­
tre. Li curgo e um convencional de Paris, entre o pintor 
rpmãno que pintou um fresco de Pompeia e o desenhador 
.moderno que se inspira nele. A imitação é uma geração 
à distância (1). Dir-se-á que éstas três formas da Repeti-
como acredita Ribot, a memória não é senão a forma cere- 
firal da nutrição; se, por outro lado, a nutrição não passa de uma, 
geração interna; se, enfio, a Imitação não é mais do que uma ner:
55

Outros materiais