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Anatomia e Fisiologia do Sistema Respiratório Márcia Koja Breigeiron Este capítulo aborda alguns aspectos anatômicos e fisiológicos rele- vantes do sistema respiratório, salientando as particularidades encon- tradas na pediatria. INTRODUÇÃO A respiração é o conjunto de eventos envolvidos no transporte de oxi- gênio (O2) desde o ambiente até a célula e de dióxido de carbono (CO2) em sentido contrário. A finalidade da respiração é proporcionar o aporte de quantidades adequadas de O2 à célula e remover quantidades adequa- das de CO2 desta, a fim de manter a homeostase do meio (González, 2004; Tortora, 2004). Assim, a respiração pode ser dividida em quatro processos principais: a) ventilação pulmonar, processo no qual o O2 contido no ar inspirado é transportado para o interior do pulmão, enquanto o CO2 é eliminado com o ar expirado (mecanismo de convecção); b) difusão alveolocapilar, no qual as moléculas de O2 são transportadas em sentido oposto ao das mo- léculas de CO2 (mecanismo de difusão), através das membranas que se- param o ar alveolar do sangue capilar; c) transporte de O2 e de CO2 pelo sangue, no qual, via hemoglobina, o O2 é transportado para os tecidos, enquanto o CO2 difunde-se das células para o sangue até os pulmões; d) difusão no tecido, em que o consumo contínuo de O2 e a produção contínua de CO2 pelas células geram gradientes de pressão parcial entre o sangue capilar e o líquido intracelular, fazendo com que o O2 se difunda para a célula, e o CO2, para o sangue capilar (González, 2004). Os proces- sos envolvidos no transporte de O2 e de CO2 entre o ambiente e a célula estão inter-relacionados; por conseguinte, qualquer eventual alteração em 1 18 Souto, Lima, Breigeiron e cols. um deles pode modificar a eficácia dos mecanismos de transporte subse- qüentes. O sistema e o aparelho respiratórios diferem entre si quanto às suas estruturas anatômicas. O sistema respiratório é constituído por áreas ce- rebrais, nervos que conectam as áreas cerebrais com os músculos respira- tórios, caixa torácica e pulmões. Já o aparelho respiratório corresponde ao conjunto das seguintes estruturas: fossas nasais, cavidade nasal, boca, naso-orofaringe, laringo-faringe, laringe, traquéia, brônquios, bronquío- los e alvéolos (González, 2004). As estruturas das vias aéreas superiores até a traquéia são responsá- veis pela condução, filtração, aquecimento e umidificação do ar. A faringe é constituída por um tubo muscular, a laringe e a traquéia possuem uma estrutura cartilaginosa, e os brônquios são constituídos de tecido conjun- tivo elástico. A faringe possui três áreas: a nasofaringe, localizada seguin- do a cavidade nasal; a orofaringe, que é comum aos sistemas respiratório e digestivo; e a laringo-faringe, posicionada acima da laringe (Tortora, 2004). O processo respiratório e ventilatório é automático, geralmente rítmi- co e controlado por mecanismos centrais. O pulmão direito tem três lo- bos, e o esquerdo, apenas dois, cujos brônquios, vasos pulmonares e linfá- ticos estão posicionados no hilo, situado na face medial de cada pulmão. A traquéia bifurca-se em dois brônquios primários, que entram nos lo- bos pulmonares e, em seguida, subdividem-se em seguimentos progressi- vamente menores (bronquíolos, ductos e sacos alveolares) (Hansen; Koeppen, 2003). As principais vias aéreas condutoras para os pulmões incluem a tra- quéia cartilaginosa, os brônquios principais (direito e esquerdo) e os brôn- quios intrapulmonares. A cada ramificação subseqüente, o diâmetro das vias aéreas condutoras diminui, perdendo, eventualmente, suas placas cartilaginosas. À medida que o ar entra na traquéia, este passa por 10 a 23 gerações (ou ramificações) em seu percurso até os alvéolos. Os brôn- quios iniciais constituem a zona condutora e são incapazes de realizar trocas gasosas. Os bronquíolos representam a zona de transição com al- guns alvéolos, e os bronquíolos terminais são dotados de dúctulos e sácu- los alveolares, representando a zona respiratória (Hansen; Koeppen, 2003). A mecânica da ventilação acontece em dois momentos distintos: a inspiração e a expiração. No processo respiratório, a inspiração, causa- da por influências neurais coordenadas, situadas no tronco cerebral, é a fase ativa da ventilação. Nessa fase, o diafragma e os músculos inter- Reanimação cardiorrespiratória pediátrica 19 costais externos se contraem, fazendo com que a caixa torácica se ex- panda, o que diminui a pressão no espaço pleural que circunda cada pulmão. Com a redução da pressão no espaço pleural, os pulmões, que são distensíveis, expandem-se passivamente, diminuindo a pressão nos espaços aéreos terminais (ductos alveolares e alvéolos). À medida que essa pressão diminui, o ar ambiente flui pela árvore brônquica, em direção aos espaços aéreos terminais, até que as pressões se igualem, o que assinala o término da inspiração. Durante a expiração (fase predo- minantemente passiva) o processo se inverte; as pressões pleural e alveolar aumentam e o gás flui para fora dos pulmões. (Fig. 1.1) A concentração sérica de CO2 determinará o tempo de inspiração e de expiração (Staub, 1996). A existência de um fator tensoativo, a substância surfactante produzi- da pelos pneumócitos tipo II, cumpre uma função primordial no processo respiratório. Suas funções específicas concentram-se em: 1) reduzir a ten- são superficial na interface ar-líquido do alvéolo, o que aumenta a disten- sibilidade pulmonar; 2) manter a estabilidade alveolar, evitando o colap- so pulmonar; 3) manter o equilíbrio de fluidos através da membrana ca- pilar, o que impede o extravasamento de fluidos ao espaço intersticial e eventualmente aos alvéolos (González, 2004). FIGURA 1.1 Mecânica ventilatória salientando a inspiração (processo ativo) e a expiração (processo passivo). Inspiração Expansão torácica Esterno Costelas Diafragma Pulmão Contração do diafragma Contração torácica Relaxamento do diafragma Expiração 20 Souto, Lima, Breigeiron e cols. É importante salientar que as estruturas que compõem o aparelho respirató- rio são diferenciadas no recém-nascido, no lactente, na criança e no adulto e, portanto, essas diferenças alteram a mecânica ventilatória, considerando a faixa etária. Com relação às diferenças observadas nas diferentes faixas etárias, as seguintes considerações devem ser destacadas (Salazar, 1999): a) até o quarto ou sexto mês de vida da criança, a respiração é predo- minantemente nasal, devido ao fato de a língua ser discretamente grande em relação à cavidade bucal, e a mandíbula, relativamente pequena, re- duzindo o espaço da orofaringe e impossibilitando a respiração bucal, de modo que a obstrução nasal nessa faixa etária poderá tornar-se um even- to crítico; b) na laringe, destaca-se a cartilagem epiglote, responsável pelo con- trole da entrada de ar nas vias aéreas, cuja função é impedir a aspiração de corpos estranhos. No lactente, a epiglote é mais larga e rígida, forman- do um ângulo de 45o em relação à parede anterior da faringe, provocando seu estreitamento, podendo dificultar a entubação e apresentar maior re- sistência ao fluxo de ar; c) a traquéia compõe-se de músculos lisos sustentados por 16 a 18 anéis cartilaginosos, dispostos regularmente, mantendo aberta a passa- gem para o fluxo de ar. Na extremidade inferior (carina), a traquéia se divide, formando os brônquios direito e esquerdo, que se ramificam em bronquíolos, e estes, em ductos alveolares. Na criança, o brônquio direito possui uma assimetria em relação ao brônquio esquerdo, localizando-se um pouco mais acima, o que predispõe à entubação seletiva; d) os alvéolos são responsáveis pelas trocas gasosas e possuem forma de saco ricamente vascularizados. Quanto mais jovem for a criança, me- nor será o número de alvéolos. Assim, a criança possui uma área de troca gasosa menor do quea do adulto, proporcional à área corporal. Como o metabolismo da criança é maior, sua reserva pulmonar é muito limitada e há tendência ao colapso dessas pequenas estruturas; e) o diafragma é o músculo responsável por 75% dos movimentos respiratórios. Os demais esforços são realizados pelos músculos torácicos que deslocam as costelas. A pressão dentro da cavidade torácica é negati- va, o que favorece a entrada de ar do meio externo para as vias aéreas. Na criança (em especial no recém-nascido e no lactente jovem), a resistência das vias aéreas é maior em razão do aumento da pressão do abdome e da Reanimação cardiorrespiratória pediátrica 21 direção de contração do diafragma, fatos que estão relacionados à maior permanência na posição deitada e menor na posição ereta; f) na criança, a caixa torácica também é mais complacente, porque o esterno é mais flexível, as costelas são mais horizontalizadas e os múscu- los intercostais estão pouco desenvolvidos. Esses fatores, associados ao predomínio da respiração abdominal, podem produzir insuficiência respi- ratória com mais facilidade em crianças com agressão respiratória ou pro- blemas abdominais (peritonite, ascite, distensão abdominal); g) no recém-nascido prematuro, o tórax é muito deformável, e a pro- dução da substância surfactante pode ser insuficiente, aumentando, des- se modo, o risco de colapso alveolar com conseqüente extravasamento de fluidos para o interior do alvéolo. CONSIDERAÇÕES FINAIS O conhecimento das particularidades da criança quanto à anatomia e à fisiologia respiratórias facilita uma melhor abordagem semiológica, pro- piciando, desse modo, uma conduta direcionada e precisa para o paciente pediátrico por parte dos profissionais da área da saúde. REFERÊNCIAS GONZÁLEZ, N.C. Introdução à fisiologia respiratória: aspectos mecânicos da ventila- ção pulmonar. In: CINGOLANI, H.E.; HOUSSAY, A.B. (Ed.). Fisiologia humana de Houssay. 7.ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p.398-413. HANSEN, J.T.; KOEPPEN, B.M. Fisiologia respiratória. In: HANSEN, J.T.; KOEPPEN, B.M. (Ed.). Atlas de fisiologia humana de Netter. Porto Alegre: Artmed, 2003. Cap. 5, p.106-110. SALAZAR, M.B. Semiologia e semiótica de Enfermagem. São Paulo: Atheneu, 1999. STAUB, N.C. Estrutura e função do sistema respiratório. In: BERNE, R.M.; LEVY, M.N. Fisiologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. p.511-526. TORTORA, G.J. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p.596.
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