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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO Novembro/ 2013 - REPRODUÇÃO PROIBIDA – www.educapsico.com.br 2 Elaboradoras: Rafaela Gabani Trindade, Roberta Alessandra Bernardino e Domitila Shizue Kawakami Gonzaga. Revisoras: Viviane Akemi Uemura / Alla Lettera Serviços Editoriais e Denise R. Camargo. Apresentação: Você adquiriu a apostila temática “Psicologia do Desenvolvimento”. As apostilas temáticas da Educa Psico abordam conteúdos cobrados frequentemente nos concursos da área de Psicologia. Estes conteúdos foram didaticamente separados por temas, facilitando a leitura e a apropriação pelo candidato. A seleção dos conteúdos foi feita a partir da análise de diversos editais e provas, sendo assim, constitui-se material de base para o estudo, não sendo aconselhável utilizá-lo como única fonte de estudo. Indicamos esta modalidade de material para estudos planejados, ou seja, que se antecipam à publicação do edital, potencializando o desempenho do candidato nas provas, de acordo, também, com sua dedicação aos estudos. As apostilas temáticas são constantemente atualizadas a partir de novas provas e editais, observando-se a recorrência dos conteúdos e das referências bibliográficas. Enfim, a proposta desse material é auxiliá-lo na organização dos seus estudos, possibilitando que você se dedique aos principais conteúdos e referências bibliográficas de Psicologia que vêm sendo sugeridos nos editais de concursos na área de psicologia referentes a essa temática. Reiteramos a importância de se buscar outras fontes de estudo para que possa potencializar seu desempenho na prova, além de realizar exercícios. Bons estudos! Equipe Educa Psico www.educapsico.com.br 3 SUMÁRIO 1. UNIDADE I: Introdução à Psicologia do Desenvolvimento ........................................ 5 1.1 Primeiras Palavras: ............................................................................................. 5 1.2 Texto Base .......................................................................................................... 5 1.2.1 Psicologia do Desenvolvimento: Histórico e Diferentes Concepções ........... 5 1.2.2 A Psicologia Histórico Cultural de Lev Semenovich Vygotsky ...................... 8 1.2.3 A Psicologia Genética de Jean Piaget ........................................................ 12 1.3 Atividades ......................................................................................................... 17 2. UNIDADE II: Abordagens Psicanalistas do Desenvolvimento ................................. 18 2.1 Primeiras Palavras: ........................................................................................... 18 2.2 Texto Base ........................................................................................................ 18 2.2.1 A Psicanálise Kleiniana .............................................................................. 18 2.2.2 Winnicott: O Ambiente Suficientemente Bom ............................................. 22 2.2.3 A Teoria do Apego de John Bowlby ........................................................... 25 2.2.4 Erik Erikson: As Crises Psicossociais ......................................................... 28 2.3 Atividades ......................................................................................................... 33 3. UNIDADE III: Abordagens Psicanalistas do Desenvolvimento e Psicomotricidade . 34 3.1 Primeiras Palavras: ........................................................................................... 34 3.2 Texto Base ........................................................................................................ 34 3.2.1 Os “Elementos de Psicanálise” de Bion ...................................................... 34 3.2.2 Spitz: Efeitos Nocivos da Privação Materna ............................................... 37 3.2.3 O Adolescente Segundo Calligaris ............................................................. 40 3.2.4 Kohlberg e o Desenvolvimento Moral ......................................................... 44 3.2.5 Princípios Gerais da Psicomotricidade ....................................................... 47 3.3 Atividades ......................................................................................................... 49 4. UNIDADE IV: o processo de envelhecimento ......................................................... 51 4.1 Primeiras Palavras: ........................................................................................... 51 www.educapsico.com.br 4 4.2 Texto Base ........................................................................................................ 51 4.2.1 O Envelhecer: Uma Breve Introdução ........................................................ 51 4.2.2 Alterações Físicas no Envelhecimento ....................................................... 52 4.2.3 Alterações Cognitivas no Envelhecimento .................................................. 54 4.2.4 Alterações dos Papéis Sociais no Envelhecimento .................................... 54 4.2.5 Hipótese Acerca das Diferenças Individuais no Processo de Envelhecer ... 54 4.2.6 Algumas Teorias Sobre o Envelhecimento ................................................. 55 4.2.7 Prevalência de Depressão entre os Idosos ................................................ 57 4.2.8 Demência e Doenças Degenerativas ......................................................... 57 4.2.9 Relacionamentos na Vida Adulta Tardia ..................................................... 60 4.2.10 Aposentadoria .......................................................................................... 60 4.3 Atividades ......................................................................................................... 61 5. UNIDADE V: Distúrbios do Desenvolvimento .......................................................... 62 5.1 Primeiras Palavras: ........................................................................................... 62 5.2 Texto Base ........................................................................................................ 62 5.2.1 Transtornos de Aprendizagem ou Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares ...................................................... 62 5.2.2 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento ............................................... 65 5.3 Atividades ......................................................................................................... 76 6. UNIDADE VI: EXERCÍCIOS E GABARITOS ........................................................... 77 6.1 Testes Retirados de Provas de Concursos ....................................................... 77 6.3 Gabarito das Questões Dissertativas ................................................................ 84 Atividades da Unidade I .......................................................................................... 84 Atividades da Unidade II ......................................................................................... 86 Atividades da Unidade III ........................................................................................ 89 Atividades da Unidade IV ........................................................................................ 91 Atividades da Unidade V ............................................................................................. 92 7. Referências Bibliográficas .......................................................................................93 www.educapsico.com.br 5 1. UNIDADE I: INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO1 1.1 Primeiras Palavras Nesta unidade definiremos o objeto de estudo da Psicologia do Desenvolvimento, abordando de forma sintética suas principais formas de conceber as relações entre os fatores intervenientes neste processo. Trataremos, em seguida, dos pressupostos mais representativos da Psicologia Histórico-Cultural de Lev Semenovich Vygotsky e da Psicologia Genética de Jean Piaget. 1.2 Texto Base 1.2.1 Psicologia do Desenvolvimento: Histórico e Diferentes Concepções De acordo com Rappaport (1981), a Psicologia do Desenvolvimento pretende observar, descrever e explicar as mudanças mais significativas no decorrer do desenvolvimento da criança, entendendo-o como um processo que se inicia na gestação e termina com a morte do indivíduo. Assim, as teorias do desenvolvimento lançam mão de pesquisas e teorizações como subsídios ao entendimento do processo de desenvolvimento em determinada cultura, bem como os possíveis desvios e distúrbios que podem decorrer em problemas emocionais, sociais, escolares, profissionais etc. Em linhas gerais, esta ciência é voltada ao estudo do desenvolvimento humano em todos os seus aspectos: físico-motor, cognitivo, afetivo-emocional e social. O aspecto físico-motor refere-se ao crescimento orgânico e à maturação neurofisiológica. A cognição integra a capacidade de pensar, raciocinar, abstrair. A afetividade indica o modo particular de o indivíduo integrar e reagir às suas vivências. O aspecto social nos mostra como o desenvolvimento do indivíduo se dá em sua relação aos outros e ao mundo em que vive. É importante salientar que todos esses aspectos se inter- relacionam mutuamente ao longo do desenvolvimento (SANTANA, 2008). 1 Elaborado por Rafaela Gabani Trindade, psicóloga formada pela Unesp – Bauru/SP. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo/SP – Linha de Pesquisa: Psicologia e Educação. Texto adaptado para esta apostila por Domitila Shizue Kawakami Gonzaga. www.educapsico.com.br 6 Os limites ainda encontrados nesta área de conhecimento remetem muitas vezes ao seu recente surgimento, datado do século XIX, início do século XX, momento em que começa a despontar uma preocupação mais ampla e sistemática em relação à condição da criança na sociedade, a partir do estudo da criança e da necessidade de uma educação formal (RAPPAPORT, 1981). Em tempos precedentes, as crianças eram vistas e tratadas como pequenos adultos: a partir dos 3 a 4 anos já exerciam as atividades dos adultos, trabalhando, participando de orgias, enforcamentos públicos, sendo alvo de atrocidades pelos mais velhos. Somente em meados do século XVII há a tentativa da Igreja de afastar as crianças de assuntos ligados ao sexo, preocupada com a formação moral dos indivíduos. Essa iniciativa, contudo, apresentou limites em seus intuitos educativos, métodos utilizados, no escasso número de crianças atendidas. Ainda assim, despertou de alguma forma uma reflexão inicial a respeito da especificidade do mundo infantil, que se expressou no pensamento de grandes filósofos dos séculos XVII e XVIII (RAPPAPORT, 1981). Mas é somente no século XIX que se evidencia uma mudança na atitude a partir do estudo científico da infância, cujo reconhecimento enfrentou a duras penas a longa história de desconhecimento total acerca da criança. Dessa forma, a então recente ciência do comportamento infantil passou a descrever os comportamentos típicos de cada faixa etária e organizar extensas escalas de desenvolvimento, fundamentadas no que era considerado “normal” na conduta do indivíduo. As posteriores contribuições de Freud, a partir da análise psicanalítica de adultos, constataram a existência da sexualidade infantil e de processos inconscientes em todas as fases da vida, ampliando ainda mais o alcance científico da Psicologia do Desenvolvimento. Destaca-se também a perspectiva etológica, que considera a conduta de outras espécies para a compreensão do desenvolvimento humano. Outras abordagens, como a de Piaget e sua proposição de estágios de desenvolvimento, bem como a de Vygotsky e outros autores russos, preocupados com a consolidação de uma Psicologia mais objetiva e concreta, também contribuíram para a compreensão da infância em suas peculiaridades (RAPPAPORT, 1981). É importante ressaltar a necessária consideração de outras variáveis intervenientes no desenvolvimento além das especificamente psicológicas, como os fatores externos à própria criança e à dinâmica familiar estabelecida, numa busca de não fragmentação da conduta humana, sob pena de uma visão inadequada do www.educapsico.com.br 7 processo como um todo, dos encadeamentos e influências biológicas e sociais que ocorrem a todo o momento (RAPPAPORT, 1981). Sabe-se hoje que o desenvolvimento humano transcorre na base de condições, tanto biológicas como sociais, caracterizando-se, assim, uma compreensão interacionista entre ambos os aspectos. Contudo, ao longo da história, estiveram também presentes modelos teóricos que ora privilegiaram as condições biológicas, indicando uma concepção inatista do desenvolvimento, ora as condições sociais, representando as concepções ditas ambientalistas (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). As concepções inatistas pressupõem que as propriedades básicas do ser humano já se encontram garantidas no nascimento, dependendo de fatores hereditários e maturacionais. Dessa forma, o processo de aquisição dos conhecimentos encontra-se na dependência da prontidão espontaneamente alcançada pela criança, de onde se entende que o desenvolvimento seria então pré-requisito para a aprendizagem (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Ou seja, nesta visão, o desenvolvimento cria possibilidades que serão realizadas no processo de aprendizagem, a qual se edifica, então, sobre a maturação. Entende-se, assim, que há uma dependência puramente externa e unilateral da aprendizagem sobre o desenvolvimento, pois este não se modifica sob influência do ensino e, portanto, não há interpenetração, entrelaçamento interno entre ambos os processos (VYGOTSKY, 2001). Já em relação às concepções ambientalistas, a constituição das características humanas depende, prioritariamente, do ambiente. As experiências pelas quais o indivíduo passa seriam as únicas fontes de seu desenvolvimento, então condicionado pelos elementos que constituem o universo social, dentre eles a família e o contexto socioeconômico do indivíduo (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Pode-se dizer que, a partir desta compreensão, propõe-se uma fusão entre desenvolvimento e aprendizagem, na medida em que a formação de associações e habilidades é a base única e essencial de ambos os processos. A acumulação gradual de reflexos condicionados é o que define desenvolvimento, bem como a aprendizagem. Assim, conclui-se que desenvolvimento e aprendizagem são sinônimos, não havendo mais fundamentos para continuar distinguindo um do outro ou relacionar um ao outro. A criança se desenvolve na medida em que aprende, em que é ilustrada. Desenvolvimento é aprendizagem, aprendizagem é desenvolvimento (VYGOTSKY, 2001). www.educapsico.com.br 8 Em contraposição às concepções que privilegiam ao extremo ora os aspectos inatos, ora os ambientais, as teorias de Piaget e Vygotsky são consideradas em seu caráter interacionista, pois seus pressupostosindicam que a construção do conhecimento e das características pessoais dos indivíduos se dá por meio da interação com outras pessoas e das suas ações sobre o mundo. Suas teorias influenciam fortemente grande parte dos educadores de nosso tempo, entretanto é importante salientar que os referidos autores partem de matrizes distintas, posto que os pressupostos biológicos preponderam na Psicologia Genética de Piaget (e por isso muitos entendem que, para ele, o desenvolvimento é pré-requisito para a aprendizagem), e os aspectos sociais preponderam na Psicologia Histórico-Cultural (ou Sócio-Histórica) de Vygotsky (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). 1.2.2 A Psicologia Histórico Cultural de Lev Semenovich Vygotsky Vygotsky (1896-1934) preocupou-se em investigar o processo de construção das funções psíquicas superiores (como a atenção voluntária, a memória mediada, o pensamento etc.) a partir do princípio do desenvolvimento histórico da sociedade como eixo norteador da Psicologia. Considerado como principal referência na construção de uma Psicologia de bases objetivas, ele introduz a ideia de historicidade da natureza do psiquismo humano, fundamentando-se nos preceitos filosóficos do materialismo histórico-dialético, como proposto por Marx e Engels. Assim, todos os fenômenos humanos, incluindo aí o próprio homem e suas capacidades, são produzidos pela atividade humana, a partir de condições objetivas (materiais) existentes. Entende-se, portanto, que a existência humana é histórica e social enquanto produto dessas ações coletivas ao longo dos tempos (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Em contraposição à Psicologia tradicional de sua época, Vygotsky defende uma análise psicológica explicativa, e não meramente descritiva, buscando revelar os nexos dinâmico-causais que determinam os fenômenos. Este pressuposto se evidencia em sua postura em relação à periodização das idades no desenvolvimento infantil. O autor afirma que os fundamentos para tal periodização não devem ser buscados em seus indícios externos, como procedem diversos investigadores. Pelo contrário, propõe-se ater à essência do processo do desenvolvimento psicológico, procurando o que se oculta sob os aspectos externos, isto é, focando o que os condiciona: as próprias leis internas do desenvolvimento infantil (PASQUALINI, 2006). www.educapsico.com.br 9 Vygotsky considera que a multiplicidade de aspectos parciais da personalidade da criança constitui um todo único, com determinada estrutura que se modifica ao longo do processo de desenvolvimento. Assim, não se verificam mudanças isoladas nos diferentes aspectos da personalidade, mas há a modificação interna dessa estrutura em sua totalidade. Os aspectos parciais não são compreendidos em si, mas como parte da estrutura psicológica que caracteriza cada momento do desenvolvimento infantil. Neste sentido, o autor procura estabelecer uma análise não atomística dos fenômenos psíquicos, substituindo o estudo de objetos/partes pelo estudo de processos na reconstrução dos momentos fundamentais de seu desenvolvimento (PASQUALINI, 2006). A partir de suas investigações acerca de como os processos cognitivos superiores (tipicamente humanos) são constituídos nas condições histórico-sociais e nas interações humanas, postulou que tais processos são estabelecidos, inicialmente, no plano social – na interação com pessoas mais experientes – e posteriormente são internalizadas no plano psicológico, possibilitando à criança a regulação de seus pensamentos e ações (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). O conceito de internalização pressupõe, assim, que a criança impõe a si própria as mesmas formas de comportamento que outros impunham a ela a princípio, dessa maneira assimilando formas sociais de conduta. Neste sentido, todas as funções psíquicas superiores aparecem primeiramente no plano social, nas inter-relações entre os homens (interpsiquicamente), e posteriormente no plano psicológico, como categoria intrapsíquica (VYGOTSKY, 1998). Dessa forma, a internalização de formas culturais de conduta consiste numa série de transformações: uma operação inicialmente dada de forma externa é reconstruída e passa a ocorrer internamente; um processo interpessoal transforma-se em um processo intrapessoal, como resultado de uma série de eventos transcorridos ao longo do desenvolvimento (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Por exemplo: quando a criança descobre não ser capaz de resolver um problema por si mesma e, verbalmente, pede a ajuda de um adulto, ela descreve o procedimento que sozinha não pôde colocar em ação. Posteriormente, em seu desenvolvimento, ao invés de apelar para o adulto, ela apela a si mesma, de forma que a linguagem passa a adquirir uma função intrapessoal, além do seu uso interpessoal. Ao desenvolver um método de comportamento para guiar a si mesma, o qual tinha sido antes usado em relação a outra pessoa, a criança passa a organizar a própria atividade de acordo com uma www.educapsico.com.br 10 forma social de comportamento: a fala socializada é então internalizada (VYGOTSKY, 1998). Vygotsky (1998) afirma que as funções psíquicas superiores, como produtos do desenvolvimento social da conduta, requerem a introdução de estímulos-meios artificiais, que passam a mediar a relação do homem com o que o cerca, por meio de sua internalização. Os signos, como estímulos artificiais introduzidos pelo homem na situação psicológica, cumprem a função de autoestimulação como meio para o controle e o domínio da conduta própria e alheia. Sendo assim, a conduta humana passa então a ser regida pelo princípio regulador da significação (criação e utilização de signos). Este princípio é traço característico da operação psíquica superior e marca distintivamente o agir humano por presumir a relação essencialmente ativa do homem para com o meio, através do qual estabelece o domínio sobre seu próprio comportamento, regulando sua atividade interna, reestruturando a operação psíquica. Considerando então que o processo de formação do pensamento é construído a partir das interações sociais e da internalização de signos, a linguagem é de fundamental importância na compreensão do desenvolvimento humano. Vygotsky observou a importância da fala externa como condição para o planejamento e a execução da ação, identificando modificações nas relações entre a fala externa (falar para si em voz alta) e o pensamento, ao longo do desenvolvimento. Em um primeiro momento (até aproximadamente os 3 anos de idade) a fala acompanha a ação, de forma dispersa e caótica. Em seguida (de 3 a 6 anos), a fala precede a ação e auxilia o planejamento da ação. Surge, assim, a função planejadora da fala, em que esta domina o curso da ação, além das funções já existentes da linguagem, de refletir o mundo exterior. Por fim (6 anos em diante), a fala vai se tornando constitutiva do pensamento, ou seja, interna (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). No que se refere à relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento, Vygotsky afirma que todo planejamento da aprendizagem deve considerar (deve ser combinada com) o nível de desenvolvimento da criança. Para a avaliação das relações entre o processo de desenvolvimento e as possibilidades de aprendizagem, o autor propõe que se devem determinar dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real, que constitui as capacidades mentais da criança de solucionar problemas sem ajuda do outro, e o nível de desenvolvimento potencial, o qual inclui capacidades mentais da criança de solucionar problemas com a ajuda de outras crianças ou do educador. A diferença existente entreestes dois níveis de desenvolvimento (o real e o potencial) foi chamada de zona de desenvolvimento www.educapsico.com.br 11 proximal porque inclui funções que se encontram em processo de desenvolvimento (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Vygotsky (1998), ao apresentar este conceito, exemplifica com a seguinte situação: duas crianças apresentam a idade mental de 8 anos, o que corresponde dizer que se encontram no mesmo nível de desenvolvimento real, isto é, em relação ao que sabem fazer por si mesmas, sem ajuda. No entanto, no que se refere aos problemas resolvidos com a ajuda de um adulto, uma das crianças conseguia resolver problemas que atingiam a idade mental de 9 anos, enquanto a outra conseguia resolver problemas até a idade mental de 12 anos. Essa divergência entre a idade mental, ou desenvolvimento real, e o nível que alcança a criança ao resolver as tarefas em colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento próximo. No caso considerado, esta zona se expressa para uma criança com a cifra 1 e para outra, com a cifra 4. Portanto, não se pode considerar que ambas as crianças se encontram no mesmo estado de desenvolvimento ou que tenham o mesmo nível de desenvolvimento mental. Em sendo assim, a ação educativa deve incidir na zona de desenvolvimento proximal (também denominada zona de desenvolvimento próximo, potencial, ou imediato) (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Nas palavras de Vygotsky (2001): “[...] a aprendizagem se apoia em processos psíquicos imaturos, que apenas estão iniciando o seu círculo primeiro e básico de desenvolvimento. [...] a imaturidade das funções no momento em que se inicia o aprendizado é a lei geral e fundamental a que levam unanimemente as investigações em todos os campos do ensino escolar.” (p. 318-319, grifo nosso) Mais adiante: “Descobrimos que a aprendizagem está sempre adiante do desenvolvimento [...]. Um resumo geral da segunda série das nossas investigações pode ser formulado da seguinte maneira: no momento da assimilação de alguma operação aritmética, de algum conceito científico, o desenvolvimento dessa operação e desse conceito não termina, mas apenas começa, a curva do desenvolvimento não coincide com a curva do aprendizado do programa escolar; no fundamental a aprendizagem está a frente do desenvolvimento.” (ibid, p. 322-324, grifo nosso) Para Vygotsky (2003), a correta organização da aprendizagem da criança orienta e estimula processos internos de desenvolvimento que não poderiam ser produzidos sem a aprendizagem, de forma que esta se faz essencialmente necessária www.educapsico.com.br 12 e universal para que haja o desenvolvimento das características humanas não naturais, mas formadas histórica e socialmente. O estabelecimento da zona de desenvolvimento potencial nos mostra que o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração, conseguirá fazer amanhã sozinha. A questão da necessidade de que haja determinadas funções já amadurecidas para que ocorra a aprendizagem permanece em vigor. Trata-se de definir o limiar inferior da aprendizagem, em que esta se oriente nos ciclos já percorridos do desenvolvimento. Entretanto, o problema não termina aí, pois a aprendizagem não se apoia na maturação, mas sempre começa daquilo que ainda não está maduro na criança. Assim, deve-se também definir o limiar superior da aprendizagem. É somente entre seus limiares inferior e superior que se pode estabelecer o período ótimo de ensino de determinada matéria (VYGOTSKY, 2001). Para Vygotsky, os fatores biológicos e sociais exercem influências mútuas, sendo que as características biológicas sustentam a interação da criança com seu mundo físico e social, modificando-o e, por sua vez, esta relação também influencia a construção de suas características biológicas próprias, num processo de inter-relação progressiva e contínua. O desenvolvimento pressupõe então um vínculo ativo entre a criança e o mundo social, caracterizado por seu caráter prático e objetivo no contato com a realidade, por meio da atividade da criança (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Em síntese, a explicitação da dimensão histórica do psiquismo humano por Vygotsky refuta explicações universais e naturalizantes a respeito do desenvolvimento, situando a apropriação da cultura (um processo eminentemente educativo), como fator determinante do desenvolvimento psicológico dos indivíduos (PASQUALINI, 2006). 1.2.3 A Psicologia Genética de Jean Piaget Jean Piaget (1896–1980), biólogo de formação, buscou investigar o processo de construção de conhecimento pela criança, compreendendo-o por intermédio da interação entre o sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Para ele, a adaptação à realidade externa depende do conhecimento, que se dá pela interação ente o mundo material e exercício da razão, e desse modo constrói sua teoria sobre as bases do interacionismo (BARDUCHI, 2004). Seus pressupostos teóricos integram a investigação da estrutura e gênese do conhecimento, daí a denominação “Psicogênese”, ou mesmo “epistemologia genética”, www.educapsico.com.br 13 marcando o estudo da passagem de formas inferiores do conhecimento a formas mais complexas (MARTINS; CAVALVANTI, 2005; BARDUCHI, 2004). De acordo com a teoria da Psicogênese, o desenvolvimento da inteligência se dá de forma organizada, tendo como base a estrutura mental. Tal estrutura é constituída pela inter-relação entre diversos esquemas, estes definidos como a organização das ações de modo que seja possível sua generalização quando a ação se repete em condições semelhantes. Os esquemas, quando modificados, promovem a transformação da estrutura mental, permitindo que ocorra a complexificação do pensamento (BARDUCHI, 2004). Os fatores que determinam o processo de construção do conhecimento/desenvolvimento são: a maturação biológica do organismo, estimulada pelo meio ambiente e necessária ao surgimento de estruturas mentais; a interação social e a experiência física com os objetos; e o processo de equilibração. Sendo assim, o desenvolvimento é visto como um processo de contínua equilibração com o meio, processo este direcionado à conquista de um pensamento lógico mais avançado que o anterior. Para Piaget, a inteligência (capacidade para conhecer) é adaptação. Assim, todo organismo tende à adaptação ao meio, isto é, a um estado de equilíbrio constante que, no entanto, é rompido continuamente por desequilíbrios provocados pelo meio social e físico, em que modificações no ambiente ou mesmo novas possibilidades orgânicas produzem desafios que alteram o processo de adaptação. E deste estado de desequilíbrio surge consequentemente um estado superior de equilíbrio com o meio, isto é, novas formas mais eficientes de resolução de problemas (MARTINS; CAVALVANTI, 2005; BARDUCHI, 2004). Em decorrência desse novo processo adaptativo iniciado pelos desequilíbrios, o organismo busca meios necessários à adaptação intelectual à nova realidade, acionando os mecanismos de assimilação e acomodação. A assimilação ocorre quando o sujeito se utiliza de estruturas mentais já formadas, para solução de determinada situação. Ou seja, o novo elemento circunstancial é incorporado a um sistema já pronto. Em outras palavras, a assimilação constitui a: “[...] integração de elementos novos em estruturas ou esquemas já existentes. A noção de assimilação, por um lado, implica a noção de significação e por outro, expressa o fato fundamental de que todo conhecimento está ligado a uma ação e de que conhecer um objeto ou um acontecimentoé assimilá-lo a www.educapsico.com.br 14 esquemas de ação.” (PIAGET2, 1983 apud MARTINS; CAVACANTI, 2005) Já o mecanismo de acomodação pressupõe estruturas antigas inadequadas ou insuficientes para solucionar a nova situação e, assim, as estruturas então existentes devem ser modificadas para a integração de elementos novos (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Tanto o processo de assimilação como o de acomodação se complementam e estão presentes ao longo da vida do sujeito. Consideremos como exemplo uma criança que está aprendendo a reconhecer animais, sendo o cachorro o único animal que ela conhece. Ela tem, portanto, em sua estrutura cognitiva, um esquema de cachorro. Se apresentarmos a esta criança outro animal semelhante, como o cavalo, ela o terá como um cachorro (marrom, quadrúpede, com rabo etc.). Apesar das diferenças, a similaridade entre o cachorro e o cavalo prevalece em função das relações próximas dos estímulos, além de ainda terem poucos esquemas que também são incipientes em sua qualidade até o momento. Mas, quando o adulto intervém e corrige a criança, dizendo tratar-se de um cavalo, provocando assim um desequilíbrio, ela acomodará aquela nova informação, que se trata de um estímulo a uma nova estrutura cognitiva, ou seja, a criança é capaz de criar um novo esquema. Dessa forma, há uma discriminação entre os dois estímulos que ocorre pelo processo de acomodação, e a criança passa a ter um esquema para o conceito de cachorro e outro para o conceito de cavalo (TAFNER, 2008). Em suas investigações, Piaget observou então diferentes formas de interação com o ambiente em cada etapa do desenvolvimento. Estabeleceu, assim, alguns estágios ou períodos do desenvolvimento humano, que correspondem a uma sequência universal, em diferentes faixas etárias. Hoje se entende que estas faixas etárias podem variar, nos diferentes estágios, em dependência das interações ambientais disponibilizadas à criança. Essa noção de estágio foi utilizada para a descrição da organização da atividade mental (inteligência) do nascimento até a adolescência, momento este em que a ação lógica conquistada respaldará a ação adulta na resolução de problemas (BARDUCHI, 2004). Essa sequência de estágios do desenvolvimento pressupõe que ele ocorre em sucessão constante; que as estruturas construídas em determinado estágio integrarão as novas estruturas do estágio posterior; que cada estágio é constituído por 2 PIAGET, J. A epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores). www.educapsico.com.br 15 “estruturas de conjunto” e não por características justapostas; que em todo estágio há um nível de preparação para um estágio posterior e um nível de acabamento que o diferencia do estágio anterior; e que o nível de acabamento deve diferenciar-se das aquisições anteriores e ser preparatório para as aquisições futuras (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Os estágios apresentados para a compreensão do processo de desenvolvimento das estruturas da inteligência são: o estágio sensório-motor (até 2 anos); o estágio de operações mentais, que se divide nos subestágios pré-operatório (2 a 7 anos) e operatório concreto (7 anos até a adolescência); e o estágio da lógica formal (a partir da adolescência). O estágio sensório-motor é marcado pela ausência da relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, e assim o bebê ainda não manifesta reconhecimento da existência de seu “eu”. Há o estabelecimento de relações entre as ações e as modificações que elas provocam no ambiente físico, por meio da manipulação do mundo por meio da ação. Neste momento inicial do desenvolvimento, o exercício dos reflexos sensoriais e motores vão tornando-se cada vez mais complexos, sendo muito importante oferecer um rico e diversificado mundo de experiências para a criança, para que ela possa se inserir no meio social, com outras crianças e adultos, bem como interagir com os objetos a sua volta. Assim, o trabalho educativo nesse sentido pode promover a complexificação das estruturas mentais, contribuindo para a formação dos esquemas sensório-motores e a inteligência prática (solução imediata de problemas práticos pela criança), e também para a gradual diferenciação entre sujeito e objeto. No estágio das operações mentais, a criança desenvolve a capacidade de representar suas ações e algumas relações de seu meio social por meio da utilização de símbolos, de imagens mentais e da linguagem. No entanto, no subestágio pré- operatório, o pensamento ainda depende das ações externas, sendo que as representações simbólicas são repetições idênticas da realidade, já que não há ainda a capacidade de reelaborar, reorganizar os acontecimentos. Esta etapa é caracterizada pelo pensamento egocêntrico, em que a criança não é capaz de pensar a partir do ponto de vista de outra pessoa. Além disso, é muito comum a criança conferir o caráter de animismo às coisas a sua volta, isto é, há “a tendência a conceber as coisas como vivas e dotadas de intenção” (PIAGET3, 1989 apud MARTINS; CAVALVANTI, 2005), como quando ela atribui comportamentos e 3 PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. www.educapsico.com.br 16 sentimentos humanos à boneca, por exemplo. Outra característica própria desse subestágio é o artificialismo, ou seja, “a crença [de] que as coisas foram construídas pelo homem ou por uma atividade divina operando do mesmo modo que a fabricação humana” (PIAGET, 1989 apud MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Por exemplo, a criança pode dizer que o homem fez o mar. A interação com outros adultos por meio de processos educativos é de suma importância, pois é a partir de brincadeiras e de jogos simbólicos que a criança poderá reorganizar/reelaborar suas experiências em família, na escola etc., para compreendê-las e assim desenvolver suas estruturas cognitivas. No subestágio seguinte, o operatório-concreto, as operações mentais ainda se restringem a objetos e situações da realidade concreta, mas já ocorre a diferenciação entre sujeito e objeto, o que possibilita uma compreensão mais adequada da realidade. Assim, já se inicia a capacidade de formação de conceitos, motivo pelo qual neste momento há a preponderância do pensamento lógico e objetivo. O sujeito já é capaz de entender e realizar operações com classes (inclusão); operações com relações (igualar diferenças, reversibilidade); e operações de conservação de quantidade de substância, peso e volume. A criança conserva inicialmente a substância, seguida da conservação do peso, e por fim, do volume. Por fim, o estágio da lógica formal é caracterizado pelo pensamento hipotético- dedutivo (levantamento de hipóteses, realização de deduções) e pela formação plena da capacidade de formar ideias e construções abstratas. Há, portanto, independência em relação ao recurso concreto, constituindo, assim, o ápice do desenvolvimento intelectual da vida do indivíduo (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Para além dessas questões, Piaget estudou também o desenvolvimento do juízo moral nas crianças, apontando a existência de duas tendências nessa evolução: a heteronomia e a autonomia. A heteronomia seria o seguimento de regras determinadas externamente por uma autoridade (como pais, professores etc.). Por outro lado, a autonomia se caracteriza pelo princípio da reciprocidade, em que as regras deixam de ser cumpridas por submissão a outrem e passam a ser elaboradase seguidas para manter a convivência grupal. Podemos então concluir que, para Piaget, os processos e as operações mentais são os fatores determinantes da conduta individual. Embora seja construída a partir da interação social, a estrutura cognitiva é considerada elemento básico na constituição do indivíduo para que ele possa responder às demandas sociais (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). www.educapsico.com.br 17 1.3 Atividades 1.3.1 – Cite e explique quais são as principais concepções gerais sobre o desenvolvimento humano. 1.3.2 – Defina o conceito de internalização de acordo com Vygotsky. 1.3.3 – O que é a “zona de desenvolvimento potencial”? 1.3.4 – Para Piaget, quais são os fatores determinantes do desenvolvimento humano? 1.3.5 – Explique brevemente o conceito de equilibração, segundo Piaget, relacionando-o aos mecanismos de assimilação e acomodação. Dê um exemplo prático que ilustre essa dinâmica. 1.3.6 – “Essa concepção [...] foi levada ao extremo lógico na teoria de Piaget. Para este, o pensamento da criança passa necessariamente por determinadas fases e estágios independentemente de estar essa criança em processo de aprendizagem ou não. [...] Quando na criança desabrocharem outras potencialidades do pensamento, será possível também outra aprendizagem. Para Piaget, o indicador do nível do pensamento infantil não é o que a criança sabe, não é o que ela é capaz de apreender, mas a maneira como essa criança pensa em um campo em que ela não tem nenhum conhecimento. Aqui se contrapõem da forma mais acentuada a aprendizagem e o desenvolvimento, o conhecimento e o pensamento. Partindo daí, Piaget faz perguntas à criança, já precavido de que a criança pode ter algum conhecimento do que lhe estão perguntando. E se fizermos esse tipo de pergunta à criança, não obtemos resultados do pensamento, mas resultados do conhecimento” (VYGOTSKY, 2001, p. 300). A partir do trecho acima, explicite sucintamente quais as principais discordâncias e proximidades teóricas entre Piaget e Vygotsky no que se refere aos fatores influentes no desenvolvimento, bem como à relação desenvolvimento/aprendizagem. www.educapsico.com.br 18 2. UNIDADE II: ABORDAGENS PSICANALISTAS DO DESENVOLVIMENTO4 2.1 Primeiras Palavras Nesta unidade veremos os principais pressupostos teóricos de diferentes autores que versam sobre o desenvolvimento humano, erigindo suas bases conceituais a partir do campo de influência psicanalítico, como Melanie Klein, Donald W. Winnicott, John Bowlby e Erik Erikson. 2.2 Texto Base A partir do início do século XX, a Psicanálise passou a se estabelecer sob novas propostas de compreensão teórica, entre as quais se destaca a escola kleiniana, em Londres, cujos fundamentos possibilitaram posteriormente o surgimento da escola de Winnicott, inicialmente seguidor de Klein, mas que divergiu ideologicamente dessa doutrina. John Bowlby foi também um divergente da teoria puramente kleiniana. Outra importante derivação da Psicanálise freudiana é a escola da Psicologia do Ego, surgida nos Estados Unidos, que tem em Erik Erikson um de seus importantes representantes (ZIMERMAN, 1999, 2001). A seguir, procuraremos abordar de forma sintética e didática alguns construtos teóricos considerados representativos dos trabalhos dos referidos autores. Ressaltamos, contudo, a complexidade e a amplitude dessas construções, bem como a característica subjetivista peculiar ao olhar psicanalítico, que possibilita diferentes apreciações sobre um mesmo autor, isto é, diferentes enfoques sobre seu arcabouço conceitual. Portanto, constitui-se aqui uma tentativa de análise desses autores dentro das requisições comuns aos concursos em Psicologia. 2.2.1 A Psicanálise Kleiniana Melanie Klein (1882–1960) nasceu em Viena, em uma família judia pobre. Formou-se em Arte e História, mas assim que iniciou sua incursão nas ideias de Freud, delegou suas atividades à Psicanálise de crianças. Protagonista das ditas Grandes Controvérsias internas à Sociedade Britânica de Psicanálise, em que estabeleceu grande rivalidade em relação às ideias de Anna Freud sobre a análise 4 Elaborado por Rafaela Gabani Trindade, psicóloga formada pela Unesp – Bauru/SP. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP – Linha de Pesquisa: Psicologia e Educação. www.educapsico.com.br 19 com crianças, organizou em torno de si uma verdadeira escola de Psicanálise, contribuindo para o surgimento de reconhecidos autores pós e neo-kleinianos (ZIMERMAN, 2001). Entre os postulados advindos de um princípio próprio de Psicanálise com crianças, Klein afirma ser possível a transferência na análise infantil, tornando então desnecessária qualquer atitude pedagógica em relação aos pais (FUNDAMENTOS, 2008). Essa questão foi o alvo do embate teórico travado entre Klein e Anna Freud. Contudo, o reconhecimento do trabalho de Klein advém da criação da Psicanálise da criança por meio da técnica do brincar. Ela o considerou como processo equivalente à associação livre do adulto, sendo o conteúdo emocional do brincar correspondente ao sonho do adulto. É deste modo que a compreensão da estrutura emocional do bebê possibilitou a investigação das atividades mentais primitivas de psicóticos e pacientes regressivos (ZIMERMAN, 1999; BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Klein postula que as fantasias estão presentes desde muito cedo na vida do bebê e se constituem enquanto representantes mentais das pulsões instintivas, tomando forma em representações figurativas que evocam estados e significados afetivos, os quais organizam as emoções enquanto a vivemos. Todo impulso instintivo é dirigido a um objeto interno (representação figurativa capaz de evocar afetos), que nada mais é que uma imagem distorcida dos objetos reais, mas que se instalam não só no mundo externo, como também internamente incorporando-se ao ego (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). O primeiro objeto interno do bebê é a mãe, ou sua representação parcial como seio alimentador, e pode adquirir qualidades boas e más. A fome, por exemplo, é vivida pelo bebê como a presença de um objeto que frustra como fruto de uma ação de algo existente dentro dele, e que provoca sentimentos bons, quando alimentado, e sentimentos maus, quando não satisfeitos. Com a progressiva associação de moções pulsionais com os objetos internos representantes do mundo externo são gerados os significados para as experiências vividas, dando sentido às ações, crenças e percepções, bem como uma tonalidade afetiva às relações com o mundo externo e interno (expressos em fantasias inconscientes) (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Concomitante ao nascimento, já se inicia o embate permanente entre o instinto de vida e o de morte: “[...] diante da pressão exercida no nível mental pelas necessidades físicas ligadas à sobrevivência, o bebê é colocado diante de duas www.educapsico.com.br 20 possibilidades: ou se organiza para satisfazê-las (pulsão de vida) ou para negá-las (pulsão de morte)” (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). A pulsão de morte se expressa por meio de ataques invejosos (inveja primária) e sádico-destrutivos contra o seio materno. Essas pulsões provocam internamente a “angústia de aniquilamento” ou “ansiedade de morte”. É neste contexto que o ego rudimentar do recém-nascido assume a posiçãode defesa contra a angústia por meio de mecanismos primitivos, como a negação onipotente, a dissociação, a identificação projetiva, a introjeção e a idealização (como veremos em alguns destes conceitos mais adiante) (ZIMERMAN, 1999, 2001). Inaugurando, dessa forma, um modo particular de conceber o desenvolvimento humano, Klein considera não somente o passado histórico de repressões inconscientes acumuladas como fatores intervenientes no desenvolvimento (normal ou patológico). Ela amplia o conceito de instinto de morte como principal fonte de ansiedade, relacionando-o com o medo de não sobreviver, e esta ansiedade de morte se torna o motor do desenvolvimento (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Essas pulsões provocam um intenso intercâmbio entre o mundo externo e interno, por meio de um movimento permanente de projeção e introjeção de estados de espírito. É neste cenário de processos projetivos e introjetivos, intrínsecos ao modo de operar da mente humana, que são gerados os significados das experiências emocionais e os afetos envolvidos nas relações humanas em geral (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Assim, o ego se desenvolve mediante a introjeção de objetos que são sentidos como pertencentes a ele. Simultaneamente, os objetos externos se constituem por meio da projeção, no mundo externo, de objetos provenientes da fantasia inconsciente e de experiências anteriores de objeto, o que indica a combinação de aspectos do self com características reais dos objetos presentes e passados (GEVERTS, 2006). Estes mecanismos de projeção e introjeção possibilitam a defesa (contra a ansiedade) do ego incipiente do bebê, de modo que as estruturas precursoras do ego podem dividir-se ou cindir-se e serem projetadas para fora. Deste modo, não são apenas projetados os estados perturbadores, mas também partes do próprio self, da própria personalidade. Dessa dinâmica decorre que podemos viver parte de nossas vidas projetados (em fantasia) no mundo interno de outra pessoa, ou podemos ter parte de nossas vidas vividas em identificação com aspectos da vida de outrem. Esse mecanismo é denominado por Klein de identificação projetiva, um de seus mais importantes legados conceituais. Assim, o que é projetado para fora, isto é, para www.educapsico.com.br 21 dentro de um objeto, não só é perdido como também confere nova identidade a esse objeto (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Esse mecanismo se faz presente desde o nascimento e, em síntese, se baseia na fantasia de que determinados aspectos do self estão situados fora dele, dentro do objeto, de forma que tenha a sensação de controlar o objeto desde dentro e que o projetor vivencie o objeto como parte dele mesmo (GEVERTS, 2006). Atribui-se ao conceito de identificação projetiva a profunda modificação da técnica psicanalítica, da concepção das relações humanas e do desenvolvimento, indicando áreas ainda não consideradas pela Psicanálise em seu foco central (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Por fim, para Klein, a qualidade da natureza da ansiedade pode ser paranoide ou depressiva, determinando assim a natureza do conjunto de defesas estruturantes do ego. Às integrações possíveis entre o tipo de ansiedade e os modos de defesa ativados pelo ego, Klein dá o nome de posição, que caracteriza o modo de o indivíduo ver a si mesmo e ao mundo à sua volta. A ansiedade paranoide, ou posição esquizoparanoide, é vivida como uma ameaça à integridade do ego, mas a sobrevivência do objeto não está em jogo, pois é tido somente como fonte de ameaça e não de amor. Esse tipo de ansiedade mobiliza uma defesa para sobrevivência do ego, principalmente pelo mecanismo de dissociação (divisão do self ou do objeto) e a identificação projetiva (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Há a necessidade de preservar a experiência prazerosa e rechaçar a experiência dolorosa, o que leva à primeira dissociação de forma que o psiquismo gira em torno do estruturante (“seio bom”) e de um desestruturante (“seio mau”). Nos primeiros meses da vida do bebê, as defesas características da posição esquizoparanoide são necessárias, mas a persistência exagerada das mesmas a outros períodos da evolução psíquica pode determinar condições para uma psicopatologia (ZIMERMAN, 1999). Por outro lado, a posição depressiva é definida por uma ansiedade de perda do objeto de seu amor e se organiza a fim de se proteger dessa experiência dolorosa, mobilizando defesas de natureza diferente da de caráter paranoide (BARROS, E. M. R.; BARROS E. L. R., 2006). Ao contrário da posição esquizoparanoide, caracterizada pela dissociação do todo em partes, a posição depressiva consiste na integração das partes do sujeito que estão dispersas. A criancinha pode então reconhecer e integrar os aspectos clivados da mãe, agora como objeto total. Essa posição é fundamental para o desenvolvimento psíquico da criança pequena, possibilitando a criação de www.educapsico.com.br 22 núcleos básicos de confiança pela introjeção do “seio bom”, e a progressiva aceitação de perdas parciais, como um afastamento temporário da mãe (ZIMERMAN, 1999). A partir do seu conceito de posição, Klein realizou uma mudança significativa na forma de entender os movimentos evolutivos do psiquismo, a despeito da concepção de “fases” como descrita por Freud, então vigente entre os psicanalistas (ZIMERMAN, 1999). 2.2.2 Winnicott: O Ambiente Suficientemente Bom Donald Woods Winnicott (1896–1971) nasceu na Inglaterra, onde viveu num lar estruturado econômica e afetivamente. Formou-se em Medicina, atuando na área de Pediatria por 40 anos. Em 1935, tornou-se psicanalista habilitado na Sociedade Britânica de Psicanálise, quando se aproximou de Melanie Klein, ainda que houvesse divergências teóricas e técnicas entre eles (ZIMERMAN, 2001; NASIO, 1995). Dentro do campo psicanalítico, seu interesse voltou-se para a vida dos recém- nascidos e para os distúrbios cuja etiologia era anterior à fase edipiana. Seu estudo enfatizou a influência dos fatores ambientais no desenvolvimento psíquico, ampliando o campo de reflexão e atuação da Psicanálise. Em detrimento do estudo dos conflitos intrapsíquicos, Winnicott passa ao estudo dos conflitos interpsíquicos, como distorções psíquicas provocadas por um ambiente patogênico. Ele propôs, deste modo, alterações na técnica terapêutica clássica, visando os pacientes que se depararam com um ambiente falho na adaptação às necessidades da primeira infância (NASIO, 1995). Para Winnicott, o ser humano apresenta uma tendência inata a se desenvolver, que se realiza pelos processos maturacionais, isto é, a formação do ego, do id e do superego, bem como das defesas do ego num indivíduo sadio. No entanto, são os aspectos ambientais, inicialmente representados pela mãe ou por seus substitutos, que se relacionam com os processos maturacionais, seja auxiliando-os ou dificultando- os (NASIO, 1995). A fase inicial da vida, que compreende o nascimento aos 6 meses, caracteriza- se pela condição de dependência absoluta do bebê em relação ao meio, aos cuidados maternos. Mas, ainda que dependa inteiramente do que lhe é oferecido pela mãe, é importante considerar o desconhecimento do bebê em relação ao seu estado de dependência, já que em sua mente ele e o meio são uma coisa só. Em condições www.educapsico.com.br 23 ideais, a mãe permite que haja os processos de maturação apenas se a mesma se adaptar perfeitamente às necessidades do bebê (NASIO, 1995). As necessidades do bebê não se constituemsomente daquelas de ordem fisiológica, mas há também as necessidades psíquicas. É para a satisfação destas necessidades ligadas ao desenvolvimento psíquico que a mãe exerce três funções básicas, exercidas em simultaneidade: a apresentação do objeto, o holding e o handling (NASIO, 1995). A apresentação do objeto começa com a primeira refeição do bebê (apresentação do seio ou da mamadeira), que simbolicamente, pela soma das experiências precoces de muitas refeições na vida real, constitui-se a primeira refeição teórica, de acordo com Winnicott. A mãe, ao oferecer o seio ao bebê mais ou menos no momento ideal, isto é, quando a criança está à espera de algo, pronto para imaginá-lo, para encontrá-lo, dá a seu filho a ilusão de que ele mesmo criou o objeto do qual sente confusamente a necessidade. A criança tem então uma experiência de onipotência, já que o objeto adquire existência real no momento em que é esperado pelo bebê. É neste momento que se desenvolve a capacidade de experimentar sentimentos como amor e ódio de forma necessariamente angustiante, insuportável (NASIO, 1995). A segunda função materna corresponde ao holding, ou seja, à sustentação. Por meio dos cuidados cotidianos, com sequências repetitivas, a mãe segura o bebê não somente física, mas psiquicamente, dando apoio ao eu do bebê em seu desenvolvimento. Assim, a criança encontra uma realidade externa simplificada, rotineira e estável, sobre a qual pode integrar-se no tempo e no espaço (NASIO, 1995). O handling é a manipulação do bebê enquanto ele é cuidado, necessária ao seu bem-estar físico e, assim, aos poucos, ele se experimenta como vivendo dentro de um corpo, unindo-o à sua vida psíquica. Este processo é denominado personalização (NASIO, 1995). É identificando-se estreitamente com o bebê, adaptando-se às suas necessidades, que a mãe representa, assim, o ambiente suficientemente bom e permite à criança desenvolver uma vida psíquica e física fundamentada em suas tendências inatas. A esta mãe Winnicott denomina mãe suficientemente boa. É ela que permite à criança o desenvolvimento das principais funções do eu: integração no tempo e no espaço, o encontro com os objetos do mundo externo e a unificação entre a vida psíquica e o corpo. A relação assim estabelecida provê um sentimento de www.educapsico.com.br 24 continuidade da vida, e indica a emergência de um verdadeiro eu, um verdadeiro self (NASIO, 1995). Em proporções variadas, todos os seres humanos apresentam dois aspectos do self: um verdadeiro e um falso. O verdadeiro é fruto de uma ligação espontânea entre a mãe e o bebê, assim o que o bebê tem por inato é aceito pela mãe. Entretanto, quando há ameaças à integridade do bebê, por conta de falhas ambientais, ele deforma o seu verdadeiro self submetendo-se às exigências ambientais, o que leva à construção de um falso self. Assim, em outras palavras, o falso self é uma das principais consequências e ocorrências acometidas no bebê de uma falha de adaptação da mãe. A criança se submete às pressões de uma mãe que lhe impõe uma maneira inadequada de exprimir suas tendências inatas e que, consequentemente, obriga-o a adotar um modo de ser falso e artificial (coloca o seu próprio gesto) (ZIMERMAN, 2001; NASIO, 1995). Desse modo, a mãe incapaz de se identificar com as necessidades do bebê é denominada mãe insuficientemente boa, que pode ser representada por uma mãe real ou uma situação, por exemplo, quando os cuidados são exercidos por diversas pessoas. A criança se depara então com uma mãe dividida em partes e passa por cuidados complexos por parte dessa mãe, que deveria prover cuidados caracterizados pela simplicidade (NASIO, 1995). Na segunda fase do desenvolvimento da criança, que se estende do 6º mês aos 2 anos, ela se encontra num estado de dependência relativa em relação ao meio. Nesse momento, a criança se conscientiza de sua condição enquanto sujeito e, por conta disso, consegue se adaptar melhor às falhas da mãe, e com essa tolerância mais madura se aproveita das falhas da mãe para se desenvolver. A criança já é capaz de se situar no tempo e no espaço, o que permite reconhecer as pessoas e os objetos como parte da realidade externa e perceber a mãe como separada dela, como também realizar uma união entre sua vida psíquica e seu corpo. Por parte da mãe, passa a haver uma identificação com o filho menos intensa, reintroduzindo então “falhas de adaptação” moderadas (NASIO, 1995). Apesar destes avanços em seu desenvolvimento, surge nesta fase um novo desafio: lidar com a constante tensão da realidade de dentro (povoada de fantasias pessoais) com a realidade de fora (povoada de coisas e pessoas) (NASIO, 1995). Entre outras coisas, é nesta fase que a criança deve entender que a mãe dos momentos de tranquilidade, que zela, cuida e brinca com o bebê, é a mesma mãe dos momentos de tensão pulsional em que a agressividade está implicada, como na hora www.educapsico.com.br 25 das refeições, quando a criança fantasia que a satisfação da fome traz consequências danosas à mãe, como a deterioração de seu corpo. Com isso, a criança se sente depressiva e há nela uma angústia que traz culpa pela destruição que ocasiona na mãe, da qual reconhece depender para o seu bem-estar. Este conflito tende à resolução por meio dos atos da mãe suficientemente boa, que assim se mostra capaz de sobreviver à possibilidade de destruição (NASIO, 1995). Posteriormente a isso, quando percebe que a fantasia desobedece à realidade, há uma desilusão e a criança procura por atividades que sejam satisfatórias e eliminem a sensação de angústia, como colocar objetos na boca, manusear pedações de tecido, fazer balbucios etc. Esses comportamentos são chamados de fenômenos transicionais, enquanto os objetos são os objetos transicionais (NASIO, 1995). O termo “transicional” indica que essa atitude da criança ocupa um lugar intermediário entre as realidades externa e interna, numa tentativa de amortecer o choque provocado pela conscientização da tensão entre ambos os aspectos de sua vida. Este espaço existente entre o mundo interior e mundo externo é chamado de espaço transicional, que persiste ao longo de toda a vida, sendo ocupado por atividades lúdicas e criativas diversificadas por intermédio das quais o ser humano busca aliviar a permanente tensão (NASIO, 1995). Para Winnicott, assim como nos outros campos do desenvolvimento psíquico, o ambiente desempenha papel fundamental no aparecimento e na evolução dos fenômenos transicionais, tendo a missão de respeitar e proteger a expressão destes. Antes de tudo, o surgimento dessa dimensão no desenvolvimento da criança é sinal de que a mãe da primeira fase foi suficientemente boa. Dessa forma, não se pode esquecer que o ambiente ainda é capaz de influenciar diretamente a criança em desenvolvimento, bem como o adolescente e o adulto (NASIO, 1995). 2.2.3 A Teoria do Apego de John Bowlby Nascido numa família aristocrática inglesa, John Bowlby (1907–1990) iniciou sua formação em Medicina. Interrompeu seus estudos, mas, ao constatar os efeitos prejudiciais das experiências interpessoais negativas em crianças, retomou suas atividades acadêmicas. Formou-se em Psiquiatria e especializou-se em Psicanálise (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008). Investigando as consequências negativas das separações na formação da personalidade em jovens delinquentes e em crianças hospitalizadas, Bowlby observou www.educapsico.com.br 26 que os efeitos das separações permaneciam para além do período desua ocorrência, verificando-se dificuldades comportamentais como agressividade e imaturidade, bem como efeitos mais permanentes sobre a capacidade de estabelecimento de vínculos afetivos significativos e estáveis no futuro (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008). Assim, suas observações acerca dos cuidados inadequados dispensados às crianças na primeira infância, e do desconforto e ansiedade acarretados pela separação dos cuidadores, o levaram à análise dos efeitos adversos desse rompimento no desenvolvimento infantil (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Bowlby estabelece então três fases pelas quais passam as crianças privadas precocemente das mães: na fase de protesto, o bebê chora e esperneia, voltando-se a qualquer som que possa indicar a presença da mãe; a desesperança caracteriza a criança apática, cansada de esperar, que sente tudo como perda; e o retraimento indica o desapego emocional e a indiferença (ZIMERMAN, 2001). Juntamente com a colaboração da norte-americana Mary Ainsworth no início dos anos 1950, novos trabalhos vieram confirmar as ideias de Bowlby, culminando no aprofundamento de sua teoria em obras de fundamental importância: Cuidados maternos e saúde mental (1951) e Apego, perda, separação, em três volumes (1969, 1973, 1980) (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008; ZIMERMAN, 2001). Dessa forma, suas investigações, além dos estudos de outros pesquisadores proeminentes, originaram as formulações e os pressupostos iniciais da Teoria do Apego. Sua obra apresenta referências aos campos da Psicanálise, da Biologia Evolucionária, da Etologia, das Ciências Cognitivas, entre outras (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Indo além de uma compreensão meramente fisiológica das ações da criança para satisfação de suas necessidades vitais, Bowlby defende a prevalência do fenômeno de vinculação afetiva entre tais necessidades. Dessa forma, reforçou a importância da criação de um vínculo afetivo baseado na confiança em relação à figura de vinculação. Entendido como um instinto voltado à proximidade recíproca entre os indivíduos, a vinculação é um importante elemento organizador da atividade socioemocional da criança (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008). De acordo com Bowlby5 (apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005), o mecanismo de apego se refere a um comportamento biologicamente programado, agindo conforme um sistema de controle homeostático, e que funciona em consonância com outros sistemas de controle comportamentais. Este vínculo afetivo 5 BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. www.educapsico.com.br 27 primário, isto é, as primeiras relações de apego estabelecidas pela criança, afetarão o caráter de seu comportamento de apego ao longo de sua vida. Assim, a relação entre o bebê e seus cuidadores é permeada pelas respostas inatas da criança, que demandam proximidade, desenvolvendo-se pouco a pouco um vínculo afetivo. Esse vínculo é então garantido pelas capacidades tanto cognitivas quanto emocionais da criança, sendo que podem ser influenciadas também pelo cuidado, pela sensibilidade e pela responsividade dos cuidadores. Em síntese, o papel do apego no desenvolvimento é definido em termos do reconhecimento de que uma figura de apego se faz presente e disponível, oferecendo um sentimento de segurança que fortifica a relação. O comportamento de apego, outro conceito fundamental, refere-se às ações de um indivíduo em vistas a obter proximidade com outro, claramente considerado como mais apto a lidar com o mundo. A função desse comportamento remete a uma necessidade (de caráter biológico) de proteção e segurança (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). No entanto, Bowlby considera também a interação complexa existente entre as condições físicas e temperamentais da criança e as condições do ambiente, uma vez que ambos os fatores interferem na ativação do sistema do comportamento de apego. E, em sua complexidade, essa interação depende de certa forma da estimulação do sistema de apego (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). O sistema de apego se relaciona diretamente com as respostas afetivas e também com o desenvolvimento cognitivo, pois envolve uma representação mental das figuras de apego, de si mesmo e do ambiente, condição relacionada à experiência. Essa capacidade de representação mental, que surge ao longo do desenvolvimento da criança, é denominada modelo interno de funcionamento. É assim que os primeiros contatos entre a criança e a figura de apego darão início ao que futuramente se generalizará em relação às expectativas sobre si mesmo, sobre os outros e o mundo, tendo importantes implicações para o desenvolvimento da personalidade (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Os working models (modelos de funcionamento) se relacionam então com os sentimentos de estar acessíveis pelas figuras de apego, com a possibilidade de receber suporte emocional em situações de estresse, ou seja, a maneira como interage com tais figuras. Sendo assim, serão estas representações e expectativas que guiarão a conduta individual, servindo como base de predição e interpretação do www.educapsico.com.br 28 comportamento de outras pessoas às quais se é apegado (BOWLBY6 apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Ou seja, ainda que essas representações constituam-se desde muito cedo no desenvolvimento da criança, elas permanecem em evolução, sob certa influência das experiências de apego precoces. Embora sejam menos evidentes nos adolescentes e adultos, ocorre essa tendência de recriação do padrão interno de apego primário nas relações atuais do indivíduo. Em outras palavras, a imagem interna construída inicialmente com os cuidadores primários se expressa nos padrões de apego e de vinculação também com outras pessoas desde cedo, e a partir daí será considerada a base para todos os relacionamentos significativos futuros (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Isso indica que a necessidade de uma base segura que as figuras de apego proporcionam não está, absolutamente, apenas ligada à criança (BOWLBY, 19897 apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Atualmente, as pesquisas relativas à Teoria do Apego caminham na direção do estudo do apego para além de sua expressão na infância. Contudo, admite-se haver controvérsias quanto à generalização dos padrões de interação primários para relações futuras. Permanecem, ademais, algumas dúvidas em relação às razões pelas quais há crianças que conseguem desenvolver apego seguro, mesmo quando não há a condição de cuidadores tão próximos. Questiona-se também o forte cunho naturalista/biologicista dessa teoria, por seu determinismo implícito na análise da influência das relações de apego precoce. De qualquer forma, tais indagações sugerem alguns limites dessa abordagem teórica, evidenciando, assim, a necessidade de maiores aprofundamentos e análises científicas, por meio de pesquisas que possam enriquecer seu arcabouço conceitual e sua aplicação prática de forma coerente (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). 2.2.4 Erik Erikson: As Crises Psicossociais Erikson (1902–1994) nasceu na Alemanha, numa família judaica de classe média, convertendo-se posteriormente ao protestantismo. Fez sua formação psicanalítica em Viena, com Anna Freud. No período da Segunda Guerra Mundial, exilou-se nos Estados Unidos, onde se dedicou à análise de crianças e adolescentes. 6 BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 7 BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1979.www.educapsico.com.br 29 Filiou-se à escola da Psicologia do Ego, aproximando-se depois da corrente do culturalismo, o que o levou a enfatizar a importância dos efeitos sociais na formação da personalidade (ZIMERMAN, 2001). Ao mesmo tempo em que manteve as bases centrais da teoria freudiana, Erikson apresentou significativas inovações ao destacar o ego como parte independente da personalidade, relegando as funções do id a segundo plano, ao aprimorar os estágios de desenvolvimento e ao reconhecer o impacto na personalidade das forças culturais e históricas. Para ele, embora os fatores biológicos inatos sejam importantes, não explicam completamente o processo de desenvolvimento, o qual é principalmente influenciado pelas interações sociais e a aprendizagem (SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002). Sua abordagem de estágios contínuos se concentra no desenvolvimento da personalidade durante toda a vida, formulando o crescimento humano em oito etapas, do nascimento à morte. Regido pelo princípio epigenético (epi = sobre), o desenvolvimento depende de forças genéticas, predeterminantes na evolução dos estágios. Entretanto, os fatores ambientais/sociais influenciam a forma com que as fases se realizam (SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002). Outro de seus pressupostos se baseia na ideia de que todos os aspectos da personalidade podem ser explicados em termos de momentos críticos ou crises, inevitáveis em cada fase do desenvolvimento. As crises se constituem por confrontos com o ambiente, envolvendo uma mudança de perspectiva, ou seja, exigindo a reconcentração da energia instintiva de acordo com as necessidades de cada estágio do ciclo vital, quando o nosso ambiente requer determinadas adaptações. É com a resolução dos conflitos próprios de cada fase que se torna possível a progressão normal do desenvolvimento (SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002). Dessa forma, um conflito em cada fase faz a pessoa se deparar com formas bem e mal adaptadas de reagir. Quando há uma resposta negativa à crise, isto é, se o conflito é mal resolvido, haverá menor possibilidade de uma adaptação adequada. Por outro lado, quando a crise é resolvida satisfatoriamente, surgem as forças básicas ou virtudes, oportunizadas pelos diferentes estágios. Essas forças são interdependentes: uma força básica só se desenvolve quando a força associada à fase anterior for confirmada. No entanto, para Erikson, o ego deve incorporar maneiras tanto positivas como negativas de lidar com as crises, de forma sempre equilibrada (SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002). www.educapsico.com.br 30 Erikson dividiu o desenvolvimento da personalidade em oito estágios psicossociais, sendo os quatro primeiros semelhantes às fases oral, anal, fálica e de latência propostas por Freud. Assim, temos: a fase oral-sensorial; a fase muscular- anal; a fase locomotora-genital; fase de latência; a adolescência; início da fase adulta; a idade adulta; e a maturidade (SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002). Em cada um desses períodos, vemos o estabelecimento de um “sentimento de” ou “sentido de”, como uma aquisição interior que marca uma etapa de conquista ou seu reverso patológico (FIORI, 1982). Assim, a cada estágio corresponde uma determinada forma positiva e negativa de reação: Estágio Idades aproximadas Formas positivas versus formas negativas de reagir Forças básicas Oral-sensorial Nascimento- 1 ano Confiança versus desconfiança Esperança Muscular-anal 1-3 anos Autonomia versus dúvida, vergonha Vontade Locomotora-genital 3-5 anos Iniciativa versus culpa Objetivo Latência 6-11 anos até puberdade Diligência versus inferioridade Competência Adolescência 12-18 anos Coesão da identidade versus confusão de papéis Fidelidade Idade jovem adulta 18-35 anos Intimidade versus isolamento Amor Adulto 35-55 anos Generatividade versus estagnação Cuidado Maturidade e velhice 55 + anos Integridade versus desespero Sabedoria Fonte: Adaptado de SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002, p. 208. Seguiremos com uma sucinta descrição das etapas psicossociais. www.educapsico.com.br 31 Confiança X desconfiança – Nesta fase inicial da infância, a criança aprende a receber e aceitar o que lhe é dado para conseguir doar. A confiança básica como força fundamental desta etapa nasce da certeza interior e da sensação de bem-estar físico e psíquico, que advém da uniformidade, fidelidade e qualidade no provimento da alimentação, atenção e afeto proporcionados principalmente pela mãe. A desconfiança básica se desenvolve na medida em que não encontra resposta às necessidades, dando à criança uma sensação de abandono, isolamento, separação e confusão existencial. Porém, alguma desconfiança é inevitável e significativa para a formação da prudência e da atitude crítica. Da resolução da antítese confiança/desconfiança surge a esperança como sentido e significado para a continuidade da vida, de acordo com a frase: “Eu sou a esperança de ter e dar” (BORDIGNON, 2005). Autonomia X vergonha e dúvida – Nesta etapa há a maturação muscular, do sistema retentivo e eliminatório (controle dos esfíncteres), e da capacidade de verbalização. Há o desenvolvimento da autonomia (autoexpressão da liberdade física, locomotora e verbal) e da heteronomia (capacidade de receber orientação e ajuda do outro). Contudo, quando há um excesso de sentimento de autoconfiança e a perda do autocontrole, pode fazer com que sentimentos como vergonha e dúvida surjam. Assim, pode haver impossibilidade de desenvolvimento psicomotor, higiênico e de verbalização, que acarreta sentimentos como incapacidade e insegurança de si mesmo e de suas qualidades. A virtude que pode nascer é a vontade de aprender, de discernir e decidir, de tal forma que o conteúdo dessa experiência pode ser expressa como: “Eu sou o que posso querer livremente” (BORDIGNON, 2005). Iniciativa X culpa – A dimensão psicossexual desta fase corresponde ao início (na realidade ou fantasia) da aprendizagem sexual (identidade de gênero e respectivas funções sociais, e Complexo de Édipo), no desenvolvimento cognitivo e afetivo. A culpa e o medo podem nascer do fracasso nessas aprendizagens. O justo equilíbrio estabelecido entre os sentimentos de iniciativa e a culpa tem influência na qualidade de propósito ou objetivo, o desejo de ser, de fazer e conviver, resumidos em: “Eu sou o que posso imaginar que serei” (BORDIGNON, 2005). Diligência X inferioridade – No período de latência diminuem os interesses pela sexualidade, e a infância se desenvolve em direção à diligência ou indústria, à aprendizagem cognitiva, para a formação do futuro profissional, da produtividade e da criatividade. É o inicio da aprendizagem escolar e sistemática. A força antagônica é o sentimento de inferioridade, de inadequação e incapacidade para a aprendizagem. Da www.educapsico.com.br 32 resolução dessa crise nasce a competência pessoal e profissional, expressa na frase: “Eu sou o que posso aprender para realizar um trabalho” (BORDIGNON, 2005). Identidade X confusão de papéis – É nesta fase que se resolve a crise da identidade básica do ego, quando se forma a autoimagem, a integração das ideias sobre nós mesmos e o que outros pensam sobre nós (SHULTZ, D. P.; SHULTZ, S. E., 2002). Do contrário, há a confusão de papéis, a insegurança e incerteza na formação da identidade. A relação social significativa é a formação de grupo de iguais, pelo qual o adolescente
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