Relatório Etnográfico sobre celebrações evangélicas

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia 
Graduação em Sociologia 
Teoria Antropológica Clássica 
2015.1 
 
Professora: Olivia von der Weid 
Aluna: Monica Camacho de Oliveira 
 
Estudo etnográfico sobre as celebrações das igrejas evangélicas de denominação 
tradicional e pentecostal. 
Essa análise é decorrente da vontade de compreender as diferenças que tornam tão 
distintas as igrejas evangélicas mesmo compartilhando a mesma visão religiosa. É 
conhecido, ainda que de forma sensacionalista, que as igrejas evangélicas possuem 
grande apelo para uma experiência sensorial em suas celebrações e que os membros 
dessas igrejas são consideradas pessoas ignorantes, por vezes iletradas, ineptas ou 
fanáticas. Tal pensamento transcorre pela chamada “sociedade secular”, que não tem 
vinculo com a igreja protestante, assim como invade o senso de julgamento no meio 
cristão. Também é um objetivo, ainda que de forma rasa, relatar atitudes que envolvam 
alguns tabus das igrejas como dízimo e questões de gênero. 
A análise foi feita em duas semanas, nas celebrações de domingo no período da noite, 
com base em quatro pontos de observação sendo eles: Local, focando o espaço físico e 
as necessidades decorrentes de um espaço de convívio social e a estrutura básica da uma 
celebração cristã protestante dividida em três momentos: Louvor, Sermão e Dízimo. A 
partir disso estruturei esse relato de comparação em dois campos de pesquisa, Primeira 
Igreja Batista em Ramos, igreja tradicional e Igreja Ministerial ABA, igreja pentecostal. 
Sobre a história dessas igrejas pouca informação pode ser coletada. Fundada em 1946, 
a Primeira Igreja Batista em Ramos (PIB Ramos) é uma instituição religiosa que desde 
seu início tem como objetivo o aprofundamento dos estudos bíblicos e é uma das 
quarenta e uma igrejas vinculadas a ABL, Associação Batista Leopoldinense. Enquanto 
o Ministério ABA não é relacionado há nenhum grupo, sendo uma igreja independente, 
fundada em 2013. 
A primeira visita ocorreu no dia 31 de maio às 19h00min na PIB Ramos. 
Chegando ao local, os 69 anos da igreja se destacaram com a visão de um prédio 
restaurado. Em uma placa reluzente na entrada estavam todas as informações das 
reuniões realizadas nos demais dias da semana e das aulas e cursos bíblicos que 
oferecem para aqueles que se tornam membros. Ao lado uma logomarca simulando 
pessoas em uma fileira, e abaixo o slogan escolhido pelos membros para o ano de 2015: 
“PIB Ramos, uma igreja relacional”. 
Através da porta de vido da entrada para o templo1, pude notar que a celebração ainda 
não havia começado, já que poucas pessoas tinham chegado embora o horário da placa 
indicasse que faltavam penas alguns minutos, mas os músicos ainda ensaiavam. Fui 
recebida nas escadas da entrada por um casal de recepcionistas e assim como eu, outros 
visitantes foram abordados que de forma simpática a anotarem seus nomes e telefones 
caso se sentissem confortáveis em fazê-lo. Não havia distinção de gênero na abordagem 
do casal para com os visitantes, assim na chegada de duas mulheres o casal se dirigiu a 
elas sem a necessidade de chamar uma mulher para substituir o rapaz do casal. 
O templo era de porte médio cabendo aproximadamente 250 pessoas, recém-reformado 
com o teto que fazia lembra salas de cinema, porém as fileiras e fileiras de bancos eram 
tradicionalmente de madeira assim como o acabamento das paredes e do púlpito2e assim 
a porta de emergência que dava para o corredor que levava até a entrada de um lado e 
para um prédio de estudos do outro. O prédio de estudos possui quatro andares onde no 
térreo estão banheiros (masculino e feminino), uma porta com acesso direto da chamada 
sala de aconselhamento pastoral ao templo. Salas de estudo e lazer para crianças se 
instalavam nos andares acima. Mais ao fundo, seguindo o final do corredor, um espaço 
aberto onde um grupo de idosos ria alto e conversava despretensiosamente enquanto 
bebericavam uma xícara de café. 
Às 19h30min a celebração teve inicio. O ministro foi ao palco do templo e convidou 
todos a participar do chamado “momento de louvor”. Em resposta a maioria se levantou 
com exceção de alguns idosos e adolescentes. Canções foram cantadas em conjunto 
com os fiéis e entre uma musica e outra o ministro lia versículos e compartilhava seus 
pensamentos e situações do dia-a-dia, pedindo que as pessoas pensassem nas situações 
ocorridas naquela semana com o intuito de dizer que Deus esteve cuidando delas. As 
musicas eram de ritmo lento e melódicas em sua maioria, porém nas canções agitadas e 
de ritmo animado todos batiam palmas e cantavam alegremente a pedido do ministro, 
que insistia em uma interatividade. Dois telões estavam dispostos com a letra de cada 
canção para que toda a congregação pudesse acompanhar o momento de louvor. Os 
instrumentos e aparelhos de som eram de alta qualidade e tinham responsáveis para 
cada objeto utilizado. 
Assim que a música cessou o pastor subiu ao palco novamente a fim de saudar os 
membros e se apresentar aos visitantes assim com os demais pastores presentes. A PIB 
Ramos possui quatro pastores, sendo três atuantes e um aposentado. Vitor Nascimento, 
pastor presidente, deu inicio a vários momentos de orações sucessivas e a primeira delas 
destinava-se as crianças que seriam levadas para a área de lazer por uma jovem 
professora e um casal de pastores de crianças e ao final do culto os pais as buscavam. A 
oração foi realizada por um dos pais dessas crianças a pedido do pastor que se sentou 
com elas no meio do templo para orar. Logo após foram levadas para o ultimo andar do 
prédio de estudos onde encontram brinquedos, material audiovisual e lanche. As mães 
com crianças de colo, caso queiram, são levadas há um pequeno berçário com acesso ao 
áudio que vem do templo, onde podem ficar a vontade com seus filhos. 
Seguiram-se mais dois momentos de oração. Um deles, a oração de imposição de mãos, 
aparentemente muito aguardada pelos fiéis, onde os que sentirem o desejo levantam de 
seus bancos e se colocam de joelhos enfrente ao palco do templo e os pastores presentes 
andam ao redor deles colocando as mãos sobre suas cabeças e orando por cada um por 
alguns segundos. Nesse momento é permitido a um membro comum realizar uma 
oração de conclusão, no entanto tal dever pode ser cedido aos diáconos4 ou pastores de 
outras igrejas caso sejam conhecidos do pastor presidente. Esse momento se divide em 
orações cujo foco é um único objetivo caso um ou mais membros peçam, caso não, a 
oração de encerramento engloba situações como doenças, problemas jurídicos ou 
matrimoniais, alcance de realizações como casa própria ou financiamentos. Neste dia 
em particular a oração objetiva foi destinada a vestibulandos. O chamado “momento de 
dízimos e ofertas” foi introduzido assim que todos os fiéis retornam aos seus lugares. 
Novamente é um momento onde qualquer um seja pastor, membro ou diácono pode 
liderar. Assim, neste dia especificamente, o pastor presidente tomou a frente com o 
intuito de informar aos visitantes que não precisariam participar deste momento se não 
se sentissem a vontade. Utilizando-se de termos como: “essa não é a hora de roubar o 
seu dinheiro, fique tranquilo. Não queremos isso.” leu versículos e declarou que o 
dízimo, como ordem de Deus para os homens, era destinado para igreja de forma geral 
incluindo manutenção diária e despesas como luz elétrica, compra de material didático 
religioso, passeios realizados entre as famílias da igreja entre outros. E de forma jocosa 
terminou dizendo que “se as pessoas tem obrigação de pagar as suas contas em casa a 
igreja por si só tinha o dobro dessa obrigação.”O dizimo e a oferta foi depositada em um gazofilácio3 de madeira. Mais uma oração foi 
feita, desta vez, por um membro comum (sem cargos ou ministérios) encerrando um 
momento para começo de outro. O “momento da pregação” ou “sermão”. 
Luzes foram apagadas, e uma música suave começou a ser tocada. Entre um ocasião e 
outra as pessoas conversavam entre si, no entanto, a medida que a musica aumentava os 
fiéis sentados nos bancos se colocavam em silêncio e uma breve encenação foi 
realizada. No palco do templo uma cruz ornamentada com pequenos ramos de flores 
recebia um foco de luz e diversas malas eram levadas por pessoas de varias idades, que 
as depositavam ao redor da cruz. A apresentação terminou ao final da musica e alguns 
dos fiéis choravam enquanto a luz era acesa novamente. O pastor foi breve em seu 
sermão com uma palavra simples pedindo que as pessoas confiassem a Deus o seus 
problemas do passado e procurassem viver da melhor forma a partir daquele dia. Houve 
um apelo e algumas pessoas foram até ele. Com um gesto o pastor sinalizou para os 
seus auxiliares, pastores que trabalham em departamentos específicos, como o pastor de 
crianças. Dois homens se levantaram e caminharam até os homens que estavam em pé 
diante do pastor e oraram por eles e conforme mais pessoas se direcionavam até a frente 
da igreja recebiam orações. Novamente homens oravam tanto por homens quanto pelas 
mulheres, da mesma forma as esposas dos pastores oravam por todos. Minutos depois, 
uma longa oração encerrou aquele momento e iniciando o momento de avisos finalizado 
com uma ultima oração, a “oração de encerramento”, que foi feita pelo pastor 
aposentado. A medida que os fiéis se direcionavam para a porta, pequenos grupos se 
dividiam em orações e conversas, muitos jovens permaneceram nas escadas e portões de 
entrada enquanto os idosos voltaram para os fundos e para o café. 
A segunda visita ocorreu no dia 07 de junho às 19h00min na igreja Ministério ABA. 
 Igreja de porte pequeno, com uma máxima de 50 membros, contendo um banheiro e 
uma pequena sala nos fundos da igreja. Localizada entre dois estabelecimentos 
comerciais, na mesma rua a alguns metros depois da PIB Ramos. Possui uma faixa na 
entrada com apenas a abreviação do nome da igreja, sem nenhuma informação de 
horários ou cultos semanais. Assim que cheguei pude notar pela porta de vidro que a 
celebração estava começando e sem a assistência da recepção esperei até o final do 
momento de louvor, assistindo de longe, até que alguém notasse minha presença do lado 
de fora. Dessa forma observei pessoas pulando, e correndo em um templo minúsculo e 
claramente apertado, fazendo com que pessoas se chocassem com frequência umas nas 
outras, mas não pareciam se importar. Algumas mulheres estavam enroladas com 
tecidos coloridos que depois fui informada de que elas “precisavam dos véus para 
cobrir o corpo para se sentirem a vontade para pular ou dançar sem chamar atenção”. 
Bandeiras de países como EUA, Brasil, Chile, Níger e Israel estavam penduradas nas 
quatro paredes do pequeno templo e pessoas oravam com as mãos estendidas para elas 
enquanto algumas jovens com roupas coloridas criavam coreografias para as canções. 
Assim que a musica foi diminuindo algumas pessoas se sentaram. As crianças foram as 
primeiras a me perceberem, uma senhora me ajudou a entrar e me indicou um lugar. As 
jovens de roupas coloridas permaneciam em pé orando em circulo por uma mulher e a 
revestiram com as bandeiras ao mesmo tempo em que o pastor, o único pastor presente, 
pedia para que as pessoas abrissem as bíblias a fim de começar o sermão. 
Durante todo o sermão o pastor manteve uma conversa direta com os fiéis. Perguntas 
que poderiam ser de âmbito retórico eram respondidas em voz alta por todos ou apenas 
um único membro. A interação era ainda maior quando os fiéis concordavam com as 
palavras do pastor, gritavam em concordância frases como “É verdade!” “Amém!” 
“Fala mais Deus!” e outras. Do início até o fim do sermão os membros mantinham o 
mesmo ritmo de respostas, além de que, se o pastor percebesse que o nível de resposta 
estava prestes a cair aumentava as perguntas ou até mesmo o tom de voz de forma 
alegre e bastante eufórica. 
Enquanto isso as crianças, sem ter um local específico de lazer, brincavam no corredor 
entre os bancos de plástico, desenhando, cantando, conversando, até mesmo rastejando 
no chão como se estivesse nadando em mar aberto. Curioso que por nenhum momento o 
pastor orientou a retirada das crianças, muito menos os membros se sentiram 
incomodados. Durante o sermão a leitura dos textos bíblicos era feita pelos membros a 
pedido do pastor que lia os estudos de psicologia e psiquiatria que eram base de seu 
tema de pregação, onde atribuía a doenças mentais como a esquizofrenia e bipolaridade 
a condição de maldição oriunda de espíritos malignos decorrentes do pecado do homem 
pela falta de obediência. Ao final do sermão foi dada a oportunidade a um membro que 
disse ter sentido necessidade de complementar a palavra do pastor e leu mais versículos 
que a seu ver apontavam mais maldições como a criação do carnaval carioca. 
Assim que o rapaz terminou o pastor tomou a palavra novamente para alguns avisos e 
os membros, de forma automática, depositaram seu dizimo e ofertas no púlpito. Uma 
oração final foi realizada, e o pastor cumprimentou a todos os fiéis pessoalmente. 
Assim, minutos depois a igreja estava fechada e todos haviam partido para suas casas. 
Ao olhar de fora a igreja fechada qualquer um poderia dizer que não passava de mais 
uma loja vazia. 
 
Verbete: 
1. Edifício consagrado ao culto religioso; 
2. Arquitetura. Local elevado que, situado dentro de uma igreja, é composto por uma 
armação de madeira ou pedra, sendo utilizado pelo sacerdote durante a celebração. 
3. Lugar do templo em que se guardavam os vasos e se recolhiam as oferendas. 
4. Clérigo que tem a segunda das ordens sacras. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conclusão 
Nessa breve observação pude compreender que há mais diferenças do que aquelas que 
tinham estabelecido anteriormente e que possivelmente a base dessas diferenças está na 
interpretação da liturgia cristã e da própria bíblia, o que gera e de certa forma instiga 
novas perguntas como: o quão bíblica é a liturgia cristã em geral? A denominação 
chama o fiel ou o fiel chama a denominação? Quanto o nível educacional do fiel 
modifica sua fé? Isso se modificar. Talvez a partir dessas perguntas possamos 
compreender pelo menos um pouco dessas diferenças tão palpáveis desse grupo tão 
grade e ao mesmo tempo dispersado. 
É plausível entender que em denominações pentecostais a distinção de gêneros é tão 
fixada na liturgia que pode agravar certas questões como machismo, ou até mesmo 
reafirmar preconceitos sobre a inaptidão ou fanatismo do cristão protestante. E que 
pensamentos preconceituosos por parte da sociedade e de outras igrejas são como 
respostas para as denominações que possuem a liberdade de interpretar e associar 
conceitos religiosos com sociais e até da psicologia a luz do próprio entendimento, sem 
a necessidade de se embasar intelectualmente.