para provar o que querı´amos: “Se n2 e´ par, enta˜o n e´ par”. Portanto, na verdade, inserido naquela demonstrac¸a˜o, o que fizemos foi provar a seguinte implicac¸a˜o entre duas sentenc¸as implicativas: (*) (n e´ ı´mpar ⇒ n2 e´ ı´mpar) ⇒ (n2 e´ par ⇒ n e´ par). Se chamarmos as proposic¸o˜es P : n2 e´ par e Q: n e´ par, as negac¸o˜es dessas sentenc¸as sa˜o, respectivamente, ˜P : n2 e´ ı´mpar e ˜Q: n e´ ı´mpar. Dessa forma, a implicac¸a˜o (*) torna-se (∗∗)(˜Q⇒ ˜P )⇒ (P ⇒ Q). E´ simples provar que, tanto a implicac¸a˜o (**), como sua recı´proca, tambe´m sa˜o va´lidas, e que esse fato e´ verdadeiro em geral, para quaisquer sentenc¸as P e Q (Exercı´cio 7). Ou seja, vale o PRINCI´PIO DA CONTRAPOSITIVIDADE: (P ⇒ Q)⇔ (˜Q⇒ ˜P ). 155 Capı´tulo 12. Mais te´cnicas de demonstrac¸a˜o A sentenc¸a ˜Q ⇒ ˜P e´ chamada contrapositiva1da sentenc¸a P ⇒ Q. Pelo Princı´pio da Contrapo- sitividade, como uma sentenc¸a implicativa e´ equivalente a` sua contrapositiva, a implicac¸a˜o P ⇒ Q sera´ verdadeira se, e somente se, sua contrapositiva ˜Q⇒ ˜P for verdadeira . Semelhantemente, definimos “Se ˜T , enta˜o ˜H” como a contrapositiva da sentenc¸a condicional “Se H , enta˜o T”, e seque-se a equivaleˆncia (Se H enta˜o T )⇔( Se ˜T , enta˜o ˜H). Conve´m observar que, a`s vezes, e´ mais fa´cil provar que a contrapositiva de uma sentenc¸a e´ ver- dadeira, do que provar que a pro´pria sentenc¸a e´ verdadeira (vamos dar um exemplo desses a seguir). Ao demonstrar uma sentenc¸a provando sua contrapositiva, estamos utilizando o que chamaremos me´todo de demonstrac¸a˜o usando a contrapositiva. Este e´ um outro me´todo de demonstrac¸a˜o indireta, ja´ que provar P ⇒ Q, reduz-se a provar a implicac¸a˜o ˜Q⇒ ˜P . EXEMPLO 1: Um caso no qual provar a contrapositiva e´ mais conveniente do que provar a pro´pria sentenc¸a Provemos o seguinte resultado sobre nu´meros reais, bastante usado na Ana´lise Real: “Se a ≥ 0 e a < ε, ∀ε > 0, enta˜o a = 0.” Ora, a contrapositiva dessa proposic¸a˜o e´ “Se a 6= 0, enta˜o a < 0 ou existe um nu´mero ε0 tal que a ≥ ε0” e prova´-la e´ muito simples: De fato, como a 6= 0, temos a < 0 ou a > 0. Caso a < 0, chegamos a` tese, e portanto, a demonstrac¸a˜o esta´ encerrada. Caso a > 0, basta considerar ε0 = a 2 , que temos a ≥ ε0, como querı´amos demonstrar. Pertinentemente, algue´m poderia perguntar: “Por que em vez de apresentar a sentenc¸a, na˜o se apre- senta sua contrapositiva, ja´ que e´ ela que vai ser demonstrada?” Nesse caso, a apresentac¸a˜o da sentenc¸a da maneira em que esta´ formulada e´ mais u´til e, muitas vezes, tem uma forma mais “agrada´vel” de ser apresentada do que a da sua contrapositiva. OBSERVAC¸A˜O: Note que o me´todo de demonstrac¸a˜o de uma sentenc¸a implicativa H ⇒ T , usando a contrapositiva, e´ um me´todo de reduc¸a˜o a um absurdo, onde o absurdo que se chega e´ H ∧ ˜H . Com o me´todo de demonstrac¸a˜o utilizando a contrapositiva, encerra-se o estudo das te´cnicas de demonstrac¸a˜o. A seguir apresentaremos um quadro resumo muito importante. 1A palavra contrapositiva e suas variantes na˜o se escrevem usando hı´fen. 156 12.1. A contrapositiva de uma sentenc¸a RESUMO DOS ME´TODOS DE DEMONSTRAC¸A˜O Pelo que vimos nos capı´tulos anteriores, ha´ treˆs maneiras de provar uma sentenc¸a condicional da forma “Se H , enta˜o T , onde H representa a hipo´tese e T a tese: 1. Demonstrac¸a˜o direta: Considera-se H verdadeira e, por meio de um processo lo´gico-dedutivo, se deduz que T vale; 2. Demonstrac¸a˜o indireta por contradic¸a˜o ou por (reduc¸a˜o a um) absurdo: Considera-se H verdadeira e, por meio de um processo lo´gico-dedutivo, supondo-se T falsa, se deduz alguma contradic¸a˜o; 3. Demonstrac¸a˜o da Contrapositiva de H ⇒ T (uma maneira indireta, tambe´m por reduc¸a˜o a um absurdo, de se provar uma implicac¸a˜o): Considera-se T falsa e, por meio de um processo lo´gico-dedutivo, se deduz que H e´ falsa . E´ possı´vel demonstrar um mesmo resultado utilizando-se cada uma dessas te´cnicas de demonstrac¸a˜o. Recomenda-se que as demonstrac¸o˜es indiretas so´ sejam usadas como u´ltimo recurso. Como ilustrac¸a˜o, vamos provar o seguinte resultado, bastante simples, usando cada um desses treˆs me´todos: Se 2x2 + x− 1 = 0, enta˜o x < 1. Demonstrac¸a˜o 1 (Demonstrac¸a˜o direta): Usando a fo´rmula de resoluc¸a˜o de uma equac¸a˜o do segundo grau, encontra-se diretamente que x1 = −1 e x2 = 1 2 sa˜o as duas raı´zes dessa equac¸a˜o. Portanto, ambas sa˜o menores do que 1. C.Q.D. Demonstrac¸a˜o 2 (Demonstrac¸a˜o indireta usando contradic¸a˜o, onde a contradic¸a˜o na˜o e´ a ne- gac¸a˜o da hipo´tese): Suponha que 2x2 + x− 1 = 0 e que x ≥ 1. Logo, se x ≥ 1, enta˜o 1− x ≤ 0 e 2x2 > 0. Mas dessa forma, usando novamente a hipo´tese, terı´amos 0 < 2x2 = 1−x ≤ 0, o que e´ uma contradic¸a˜o. Portanto, x < 1. C.Q.D. Demonstrac¸a˜o 3 (Demonstrac¸a˜o da contrapositiva): Demonstraremos que se x ≥ 1, enta˜o 2x2+x−1 6= 0. De fato, se x ≥ 1, temos x−1 ≥ 0 e 2x2 > 0. Somando essas duas desigualdades, encontramos 2x2 + x − 1 > 0, o que significa 2x2 + x − 1 6= 0. C.Q.D. Os exercı´cios a seguir garantem material para voceˆ treinar com demonstrac¸o˜es utilizando a contra- positiva. 157 Capı´tulo 12. Mais te´cnicas de demonstrac¸a˜o EXERCI´CIOS: 1. Escreva a contrapositiva das seguintes sentenc¸as: (a) H1 ∧ . . . ∧Hk → T . (b) H → T1 ∨ T2 ∨ . . . ∨ Tr. 2. Determine as contrapositivas das seguintes sentenc¸as abaixo. Empregue os mesmos modelos de apresentac¸a˜o para escrever cada contrapositiva. (a) Se xy = 0, enta˜o x = 0 ou y = 0. (b) n ∈ N; −2 > n > −4⇒ n = −3. (c) A condic¸a˜o xy > 0 e´ suficiente para que x > 0 e y > 0 ou x < 0 e y < 0. (d) Se x < y e z < 0, enta˜o xz > yz. (e) Uma condic¸a˜o necessa´ria para que a− ε < b, ∀ε > 0, e´ que a ≤ b. (f) Se cos θ e´ racional enta˜o cos 3θ e´ racional. (g) Se n ∈ N e −3 ≤ n ≤ −5, temos {−3,−4,−5}. 3. Provando a contrapositiva, demonstre cada sentenc¸a a seguir: (a) Se a e b sa˜o nu´meros reais tais que a4 + b6 = 0, enta˜o a = b = 0. (b) Uma condic¸a˜o suficiente para que nk seja par (n ∈ N) e´ que n seja par. (c) Sejam a, b e ε nu´meros reais. Tem-se: a < b+ ε, ∀ε > 0⇒ a ≤ b. (d) Se o nu´mero de Mersenne Mn = 2n − 1 e´ primo, enta˜o necessariamente n deve ser primo. Dica: Nos argumentos voceˆ deve usar a decomposic¸a˜o Ar − 1 = (A− 1)(Ar−1 + Ar−2 + . . .+ A+ 1) 4. No exercı´cio a seguir, apresentaremos um teorema e seis sentenc¸as. Voceˆ deve detectar entre as sentenc¸as apresentadas, aquela que e´ a recı´proca, outra que e´ a negac¸a˜o, outra que e´ a contrapos- itiva do teorema, outra que e´ a negac¸a˜o da contrapositiva, como tambe´m aquela que e´ o teorema apresentado de uma forma diferente e, finalmente, aquela que nada tem a ver com o teorema. “Todo nu´mero inteiro positivo pode ser escrito como uma soma de quatro quadrados perfeitos” (O resultado anterior e´ chamado Teorema de Lagrange, cuja demonstrac¸a˜o requer noc¸o˜es da Teo- ria dos Nu´meros e pode ser vista em [de Oliveira Santos, 2000] p.131.) (a) Existe um nu´mero inteiro positivo que na˜o e´ a soma de quatro quadrados perfeitos. (b) Um nu´mero formado pela soma de quatro quadrados perfeitos e´ um nu´mero inteiro positivo. (c) Um nu´mero que na˜o e´ um inteiro positivo na˜o pode ser escrito como a soma de quatro quadra- dos perfeitos. (d) Seja r ∈ Z. Enta˜o r = r12 + r22 + r32 + r42 para certos r1, r2, r3, r4 ∈ Z. (e) Se um nu´mero na˜o pode ser escrito como a soma de quatro quadrados perfeitos enta˜o esse nu´mero na˜o e´ um nu´mero inteiro positivo. 158 12.2. Curiosidade: Algumas coˆmicas “demonstrac¸o˜es” Figura 12.1: Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) (f) Uma condic¸a˜o necessa´ria para que um nu´mero de quatro quadrados seja uma soma de inteiros e´ que ele seja um nu´mero inteiro. 5. No exercı´cio abaixo apresentaremos duas sentenc¸as