Buscar

Aula 01 - Visão Histórica da Pesquisa

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 6 páginas

Prévia do material em texto

1 
 
Visão Histórica da Pesquisa1 
 
A ciência enquanto fruto do desejo ou necessidade de conhecer apresenta-se como um 
dos elementos mais essenciais do ser humano. 
Já nos mitos cosmogônicos mais importantes das grandes civilizações, a ciência ou 
conhecimento aparece como elemento definidor por excelência do Homem. Criado à imagem e 
semelhança do seu Criador, o homem carrega a centelha do fogo ou da luz do conhecimento 
divino. Conhecimento este não apenas dado, mas também roubado, arrancado por força da 
transgressão, tal como encontramos no mito de Prometeu ou no livro do Gênesis. 
Em ambas tradições, a judaico-cristã e a greco-romana, a ciência dada por Deus parece 
insuficiente para o homem que busca ir além. Já não basta ser imagem e semelhança, mas 
deseja ser a matriz mesma, a fonte. Não mais criatura, mas criador. 
Estas imagens míticas primordiais são uma boa pista para pensarmos o 
desenvolvimento da ciência e da pesquisa científica ao longo da história ocidental. 
Dentro destas concepções, o conhecimento ou ciência, era, a princípio, um dom, um 
presente de Deus - na perspectiva judaico-cristã fala-se de dons preternaturais, ou seja, além 
da natureza. A transgressão dos limites impostos pela divindade, entretanto, levou a uma 
desfiguração desta condição original, fazendo do conhecimento não mais um dom mas uma 
conquista, fruto do trabalho e do sacrifício. 
É aí que se inicia a ciência como categoria histórica: fruto da observação, da indagação, 
do esforço, da pesquisa. O homem agora destituído dos dons preternaturais, expulso do 
paraíso, acorrentado ou preso na caverna, inicia uma nova relação com o mundo, consigo 
mesmo e com seu criador, fadado a suprir esta ontológica necessidade de conhecer através de 
suas limitadas faculdades: os sentidos, a inteligência e a vontade. 
O universo agora se apresenta como um enigma avassalador, ora magnífico - nas suas 
maravilhas e encantos - ora terrível - na sua implacabilidade destruidora. E a sede de 
conhecimento aliada à escassez de respostas, determina a eclosão de um processo que, mais 
que a necessidade de se alimentar, proteger ou reproduzir, representará uma força 
incomparável na história. 
Já nos relatos mais antigos, como na Bíblia e nos livros mesopotâmicos, nos poemas 
épicos e gestas das mais diversas civilizações, identifica-se a distinção entre o conhecimento 
 
1 Texto de Dante Marcello Claramonte Gallian, disponível no seguinte site: 
http://www.hottopos.com/videtur15/dante.htm 
* Artigo redigido originalmente para ser apresentado em aula para o Curso Avançado de Metodologia 
Científica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP, destinado à 
formação continuada e atualização dos orientadores de pós-graduação da FM-USP. 
** Doutor em História Social pela FFLCH-USP e Diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da 
Saúde da UNIFESP/EPM. 
 
2 
revelado e o adquirido, a ciência humana. Este movimento compreensivo do espírito, 
envolvendo questionamento e trabalho intelectivo pode ser considerado o início da pesquisa 
científica propriamente dita. São as descobertas que se fazem por meio da observação, da 
análise e classificação dos fenômenos, onde mais tarde se acrescentará a experimentação. 
No campo da história da medicina, por exemplo, é comum encontrarmos nos 
documentos da antiguidade - assim como nos relatos etnográficos sobre outros povos 
chamados "primitivos" - descrição de conhecimentos revelados por divindades ao lado de 
outros transmitidos por tradição histórica e justificados apenas pela observação empírica e o 
bom senso. [i] É o caso de remédios e poções extraídas de certas plantas para curar 
determinadas doenças comuns, como desarranjo intestinal ou dor de barriga, descobertas por 
lógica dedução ou acaso. [ii] 
É certo, entretanto, que a coexistência entre estas duas formas de conhecimento ou 
ciência não se davam de maneira equilibrada ou equivalente nas sociedades antigas. Sem 
dúvida, durante muito tempo, a ciência revelada ou divina gozou de um prestígio e uma 
importância infinitamente maior nestas civilizações, pelo menos no plano ideológico. 
Foi apenas com o desencadeamento do processo de desmistificação do cosmos do 
homem antigo, levado a cabo, a partir do século VI AC, pelos filósofos helênicos, que essa 
situação começou a mudar. 
Nascidos num contexto histórico muito peculiar, no entrecruzamento de diversas etnias, 
culturas e sociedades, os pensadores gregos foram talvez os primeiros homens a 
empreenderem uma confrontação sistemática de saberes e tradições cosmogônicas que 
acabou por gerar, um método de análise e, ao mesmo tempo - com conseqüências mais 
revolucionárias - uma perspectiva fundamentalmente nova de olhar o universo: a crítica. 
Diante de tantas versões e explicações, mitos e histórias sobre a origem e o desenvolvimento 
do cosmos, qual delas encerrava efetivamente a verdade? Estando todas elas devidamente 
avalizadas por divindades e autoridades míticas, como podiam divergir e até contradizer umas 
às outras? A conclusão, pelo menos a princípio, é que, por detrás desta aparente contradição, 
a verdade subjazia latente, a espera de ser descoberta, desvelada. E neste sentido, esta nova 
condição da verdade exige sem dúvida uma mudança de atitude por parte do espírito humano: 
não mais passiva, de quem acolhe, re-cebe, mas ativa, de quem busca, des-cobre, des-vela. A 
inquirição, a dúvida cinde, rompe o véu que envolve os fenômenos e daí esta nova atitude 
receber o nome de crítica, palavra etimologicamente relacionada com crise, quer dizer quebra, 
cisão. 
Com os filósofos gregos, portanto, a ciência humana, fruto da investigação e da 
pesquisa adquire um novo status na cosmovisão ocidental. Tudo agora é passível de exame, 
de crítica e, portanto, o conhecimento, a ciência, mesmo das coisas mais profundas e 
essenciais, não é visto como algo que se acolhe e se recebe, mas como algo que se arranca e 
se conquista. 
 
3 
A revolução cosmogônica operada pelos filósofos abriu campo para o surgimento da 
ciência que, em termos essenciais, conhecemos até hoje. 
Os primeiros grandes beneficiários desta nova perspectiva foram os cientistas do 
mundo helenístico e latino. [iii] Encabeçados por Aristóteles, grande sistematizador do método 
científico clássico, os sábios deste período encontraram no contexto das conquistas 
alexandrinas e depois romanas uma demanda e, ao mesmo tempo, uma abertura 
incomparável no campo da pesquisa e, principalmente, da pesquisa aplicada. Esboça-se aí a 
aliança entranhável entre ciência e tecnologia, tão característica da civilização ocidental. 
A descoberta e conquista de novos mundos fez-se acompanhar de um crescimento 
considerável do interesse pelos fenômenos físicos, naturais e humanos. Ciências como a 
história, a geografia e a etnografia se sistematizaram, ao mesmo tempo em que a física, a 
matemática e a biologia apresentaram um grande desenvolvimento. Nas grandes cidades, 
como Alexandria e, mais tarde, Roma, passam a existir novos “templos”, os das ciências: 
bibliotecas, jardins, zoológicos e até protolaboratórios onde se desenvolviam e testavam novas 
máquinas e aparatos indispensáveis para a manutenção dos poderes imperiais. Figuras como 
Arquimedes, Euclides e Galeno demarcam este período. 
O legado greco-romano estabeleceu-se como um portentoso paradigma para as 
civilizações que emergiram após este período: a européia-cristã e a árabe-muçulmana. 
Nascida da recombinação das ruínas da cultura greco-latina com elementos das culturas 
germânicas, e animada pelo espírito e ideal do cristianismo, a Civilização Cristã Ocidental,depois de uma conturbada "infância", marcada por guerras e invasões, chega à maturidade 
resgatando e re-valorizando o conhecimento científico clássico. E o faz de uma forma quase 
religiosa, canônica. 
Coisa semelhante se deu também na porção muçulmana do mundo medieval e ainda de 
forma mais rápida e contundente, já que o contato com as fontes clássicas se deu ali de forma 
mais direta e imediata do que no mundo cristão. 
Tal fato se deve, fundamentalmente, às condições históricas que marcaram a 
emergência destas civilizações: seus inícios conturbados, protagonizados por povos sem 
tradição intelectual e científica (germânicos e árabes), que frente ao peso e prestígio cultural e 
intelectual da civilização vencida, passada a fase de imposição e absorção política, se vêm 
obrigadas a recorrerem ao passado para recriar o seu presente e isto em todas as esferas. 
Os grandes tratados científicos da Alta Idade Média são, em sua maioria, sumárias 
compilações do conhecimento antigo, sem nenhuma pretensão crítica. [iv] 
A dinâmica de desenvolvimento destas civilizações, entretanto, se encarregou, ela 
mesma, de gerar o movimento dialético de crítica e superação desse paradigma clássico-
escolástico de ciência. Por um lado contaram fatores exógenos, como a expansão geográfica e 
comercial – tal como antes havia ocorrido no período helenístico e romano – e, por outro, 
fatores endógenos, como o avanço da análise crítica das fontes a partir da confrontação das 
 
4 
diversas versões e traduções, assim como da confrontação destas com a própria realidade. [v] 
E no mundo cristão, se num primeiro momento, a influência da patrística tendeu a condicionar 
a perspectiva científica aos moldes da dogmática teológica, logo em seguida, a própria 
teologia, fundamentalmente a de São Tomás de Aquino, apresentou-se como um dos fatores 
mais importantes, senão o crucial, neste movimento de descanonização e desdogmatização do 
pensamento científico. [vi] Movimento este que lançou as bases para o surgimento do 
pensamento científico moderno. 
A partir da abertura tomista, a especulação científica começou a ganhar grande força 
através de pensadores importantes como Occam e Bacon, este último associado com o 
surgimento do empirismo. 
Dentro desta nova perspectiva, o universo, de uma forma semelhante ao ocorrido na 
época do surgimento da filosofia da natureza, apresentava-se como um enigma a ser decifrado 
e não mais como um dado definido pela autoridade dos sábios antigos. Porém, desta feita, 
com um arcabouço teórico e técnico muito mais sofisticado que os primeiros filósofos da 
Antiguidade, os cientistas modernos realizaram uma revolução de proporções 
consideravelmente maiores, do ponto de vista de suas conseqüências históricas. Isto porque a 
revolução científica, tal como é chamada pelos historiadores, foi elemento essencial na 
construção da civilização moderna. Ao negar ou pelo menos questionar a priori todo o 
conhecimento antigo, a nova ciência inaugura a tradição moderna, fundamentada na idéia da 
crítica, na investigação sistemática e no critério da razão matemática. 
O período inicial desta revolução foi traumático e exigiu um certo tempo para que o 
pensamento científico se desvinculasse do pensamento teológico escolástico. Os casos de 
Copérnico, Galileu e Giordano Bruno são exemplos característicos desta época. 
Mais tarde, entretanto, principalmente depois de Descartes, a ciência moderna começou 
a firmar sua autonomia, reivindicando a tarefa de redefinir o cosmos a partir de uma 
metodologia própria, inteiramente assentada na lógica racional. Entramos assim na aurora do 
Iluminismo, momento em que se começa a acreditar na possibilidade de alcançar a verdadeira 
verdade através das luzes da razão científica, banindo para sempre as trevas do misticismo 
religioso e mítico. 
O projeto que se esboça ao longo do século XVIII torna-se programa para os novos 
cientistas do século seguinte. O XIX, como se sabe, se apresenta como o Século da Ciência, 
momento em que, entusiasticamente, começa a se definir a verdadeira arquitetura e 
funcionamento do universo e da natureza, trazendo como conseqüência não apenas o 
conhecimento definitivo como também a própria redenção do gênero humano e das 
sociedades. O positivismo de Auguste Comte de um lado e o evolucionismo de Spencer por 
outro, são testemunhos emblemáticos desta crença inabalável na ciência que caracterizou o 
século das grandes descobertas. 
 
5 
Iniciado sob o signo do entusiasmo e da esperança, o Século da Ciência termina 
entretanto sob o signo da dúvida e da perplexidade. O trabalho ingente levado a cabo por 
inúmeros cientistas devotados, mais do que ultimar a obra de definição do universo, estimada 
como iminente, determinou a necessidade de uma grande e urgente revisão, colocando em 
cheque todo o projeto anterior. Mais uma vez, a própria lógica da pesquisa científica acabou 
por provocar a redefinição dos pressupostos teóricos e dos paradigmas estabelecidos. 
A matemática não-euclidiana ou a física não-newtoniana, que vão eclodir no 
fechamento do século XIX e início do século XX, determinam uma mudança de mentalidade, 
tanto em nível filosófico - abalando a crença religiosa na ciência - quanto em nível 
metodológico - relativizando o império do quantitativo, do empírico e do mensurável. 
O advento das crises e guerras deste período - convergindo na primeira grande guerra 
mundial como evento emblemático - coincidindo com o surgimento da psicologia de Freud e 
seus seguidores, contribuíram de maneira fundamental para, enfim, colocar em cheque o 
próprio conceito paradigmático de razão. Reconhece-se então que nem todas as forças e 
dinâmicas existentes no universo, na natureza e no homem operam segundo uma lógica 
mecânica previsível. O mistério volta a ocupar espaço na concepção humana do cosmos. 
O século XX se encarregaria, portanto, do difícil trabalho de desconstrução e 
reconstrução da herança do XIX, trilhando novos caminhos, encontrando novas 
encruzilhadas... Às vezes de maneira cética ou niilista, às vezes de maneira esperançosa e 
entusiasta. De qualquer forma, os novos problemas colocados pela ciência na passagem do 
século se apresentaram como um vasto programa que, gradativamente, vai sendo assumido 
por todas as ciências, tanto as novas como as mais antigas. 
O problema fundamental que se apresenta na pesquisa científica, ao despontar o século 
XXI, é, sem dúvida, a necessidade de se redefinir o conceito de razão que herdamos do 
iluminismo e do positivismo dos séculos XVIII e XIX. Passadas e esgotadas as tentativas 
resistematizadoras do século passado - os neo empirismo, positivismo, racionalismo, etc – 
cabe agora o desafio de resgatar outras tradições, para além da herança cientificista. A 
consideração de outras percepções da inteligência humana, além do universo racional 
matemático, na construção da nova teoria do conhecimento tem sido um dos dados mais 
significativos deste processo de transformação que já estamos vivendo. 
Sem dúvida que os métodos tradicionais nos proporcionaram e ainda continuam 
proporcionando dados e conhecimentos válidos e efetivos sobre a realidade, porém os 
resultados e conquistas obtidos depois de mais de dois séculos de ciência positiva, têm nos 
colocado atualmente, nos mais diversos campos, em situações limite que a própria ciência 
reconhece-se incapaz de solucionar. O recurso a estas outras dimensões do conhecimento, 
tradicionalmente associadas em nossa civilização às artes e às humanidades, apresentam-se 
agora como uma alternativa cada vez mais considerada e valorizada. O apelo à intuição, à 
criatividade e à afetividade emerge como meio necessário para o desenvolvimento da pesquisa6 
científica no presente e no futuro, servindo não apenas como instrumento de progresso mas 
também de humanização, na medida em que reclama, de forma inalienável, o resgate da sua 
dimensão ética. 
Filha da rebeldia do homem, a ciência parece estar agora querendo levá-lo de volta à 
casa paterna. 
 
[i] Cf. PORTER, Roy, The Greatest Benefit to Mankind; a medical history of humanity. 
New York/London: WW. Norton & Company, 1999. 
[ii] Idem 
[iii] Certamente que já no período helênico clássico pode-se observar o 
desenvolvimento de diversos campos de "investigação científica", mormente na medicina, com 
Hipócrates e a escola hipocrática. Entretanto, o florescimento da filosofia sofista e platônica 
neste período polarizou de maneira muito forte a atenção dos homens gregos. Somente as 
transformações sociais e políticas do período seguinte determinariam o deslocamento do foco 
das questões antropológicas para as questões do mundo físico e natural. Cf. JAEGER, W., 
Paidéia; a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 
[iv] Exemplo bem característico são as sumas ou etimologias, como as de Santo Isidoro 
de Sevilha, escrita no século VII. 
[v] Bruckhardt, Jacob, A Civilização do Renascimento Italiano. São Paulo, Cia das 
Letras, 1990 
[vi] Sobre a importância do pensamento de São Tomás para o surgimento do 
pensamento científico moderno ver MORSE, Richard M., O Espelho de Próspero. São Paulo, Cia 
das Letras, 1988, pp. 28 e ss. Quanto ao mundo árabe-muçulmano, não me sinto autorizado a 
especular sobre a existência ou não de um fenômeno semelhante a este ocorrido na 
Cristandade. De qualquer forma, a história mostra que ciência moderna veio a se desenvolver 
no Ocidente e não por acaso. Muito provavelmente, a característica própria do pensamento 
islâmico não teria permitido o surgimento de um Santo Tomás muçulmano.

Outros materiais