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101 * Professor de ciências econômicas na Universidade de Campinas. O desafio da competitividade sistêmica no Brasil Luciano Coutinho* I. Introdução O presente texto visa examinar os difíceis desafios e obstáculos à cons- trução de condições sistêmicas para o avanço da competitividade e da atrativi- dade da economia brasileira, vis-à-vis as decisões locacionais dos investidores diretos estrangeiros. Embora não seja exaustivo da ampla gama de reformas e políticas neces- sárias, pretendeu-se expor um panorama abrangente dos desafios hoje coloca- dos. O artigo começa com uma caracterização da política de competitividade praticada contemporaneamente nos países desenvolvidos, com o objetivo de traçar um quadro mais nítido do novo paradigma de fomento à competitividade na OECD. A seguir procurou-se mapear os obstáculos que se antepõem à com- petitividade brasileira, sublinhando-se tanto os fatores conjunturais (associados à arquitetura do programa de estabilização) quanto os fatores estruturais que exigem reformas de profundidade (e.g. requalificação do Estado, melhoria da distribuição de renda, novas bases para a política social e de emprego, o desafio da educação). As novas capacitações necessárias para o Estado foram ilumina- das na seção seguinte, incluindo a questão federativa e de articulação de uma nova política de descentralização, coordenada por um urgente e necessário pro- grama federal de desenvolvimento regional. Nas seções subseqüentes foram analisados os novos determinantes dos investimentos diretos nos anos 80 e 90, sublinhando-se o papel das novas exter- 102 nalidades e a importância de uma base de parceiros nacionais aptos e tecnologi- camente habilitados. A seguir buscou-se refletir a respeito da complexidade e dos requisitos para a criação dessas novas externalidades tecnológicas, ressal- tando as exigências de cooperação e de formação de networks. Finalmente, o presente artigo examina de forma panorâmica o papel dos fatores clássicos da competitividade sistêmica, a saber: infra-estruturas, tratamento fiscal e condi- ções de financiamento. No final são arroladas conclusões a respeito do novo papel do Estado, do novo estilo de relacionamento deste com os principais atores sociais e da natu- reza das difíceis reformas pendentes para que as condições sistêmicas da com- petitividade possam avançar no Brasil. II. A política de competitividade nos países desenvolvidos A pretensa necessidade de retração completa do Estado no domínio in- dustrial não encontra correspondência nas políticas efetivamente implementa- das nos países mais avançados. Segundo documento oficial da OECD (1992a), em praticamente todos os países membros os governos têm considerado impe- rativo contrabalançar a intensificação da concorrência e o grau elevado de aber- tura ao exterior, mobilizando um conjunto de instrumentos visando melhorar a competitividade de suas empresas/regiões, tanto no que se refere às exporta- ções quanto em relação aos mercados internos. O principal constrangimento aos investimentos públicos de fomento às condições sistêmicas da competitividade e aos outros programas de natureza tec- nológica, setorial ou regional decorreu da crise fiscal do Estado. Mas não se deve confundir estas restrições advindas da crise fiscal - reais e sérias - com uma desis- tência de intervenção do Estado no campo da competitividade. Com efeito, no Japão, na Alemanha, na França e, hoje, nos EUA, os estados nacionais agem pragmaticamente na defesa ou no reforço da competitividade industrial. Mas é mister observar que as políticas de competitividade hoje prati- cadas nos países da OECD diferem substantivamente das políticas industri- ais do pós-guerra. Estas se orientaram inicialmente para a reconstrução do sistema produtivo e para a restauração do setor privado (Europa e Japão) e para a reconversão industrial para fins civis (EUA). Nos anos 50 e 60, essas políticas (na Europa e no Japão) apoiaram o desdobramento e a intensifica- ção do desenvolvimento industrial e o fortalecimento das suas grandes em- presas e bancos. Nos anos 70, ganhou peso a questão do ajustamento ener- 103 gético (em face dos dois choques de preços do petróleo) e iniciaram-se vá- rios programas setoriais de reestruturação. Começou a ganhar força, ainda no fim dos anos 70, a preocupação em fomentar o desenvolvimento das novas tecnologias de uso genérico. No caso americano, o fomento industri- al esteve associado ao esforço permanente de sustentação da sua liderança tecnológica no campo militar. Na primeira metade da década de 80, sob a hegemonia do neoliberalis- mo, verifica-se significativo recuo das políticas industriais tais como vinham sendo praticadas. Programas setoriais foram desativados e os orçamentos de fomento reduzidos. Mas, pressionados pela concorrência externa e influencia- dos pelo exemplo japonês, os governos nacionais começam a redefinir suas políticas na segunda metade dos 80. As políticas industriais convencionais fo- ram substituídas por políticas de competitividade, mais abrangentes e caracteri- zadas por novos ingredientes. As novas políticas de competitividade incluem alguns dos instrumentos tradicionais da política industrial e também um número maior e mais complexo de novos mecanismos. Na prática, as possíveis combinações desses instrumen- tos dá um caráter ad hoc muito pronunciado às políticas. A pressão da concorrência externa sobre os oligopólios locais e a atração de investimentos de risco continua sendo considerada positiva na maior parte dos países. Porém, uma série de fatores justifica intervenção dos governos. Entre estes, destaca-se a preservação dos componentes principais da soberania nacio- nal, particularmente quanto ao domínio e algum grau de autonomia em “tecno- logias críticas”. A “racionalidade” neste caso combina considerações militares e industriais, cujo mix varia de acordo com o país. Outros fatores importantes incluem a questão do emprego, a balança comercial, a questão ambiental e o desenvolvimento tecnológico, particularmente através de projetos cooperativos envolvendo parceria entre empresas e instituições de pesquisa. Este último, apesar de ainda incipiente, está presente em vários países da OECD, particularmente nos países nórdicos e na França (OECD, 1992a). É importante, ademais, reconhecer que as políticas comerciais, de inves- timento, tecnológicas e de regulação da concorrência devem ser consideradas de maneira integrada, conjuntamente, e não separadamente. A interface entre tais políticas é particularmente visível nas políticas de apoio à exportação e no erguimento das barreiras não-tarifárias. Estas, ao oferecer a alguns setores pro- teção efetiva, compensam aquela que foi perdida como resultado da eliminação das tarifas e são, de fato, instrumentos setoriais de política de competitividade. Em casos mais sofisticados, elas se dirigem a melhorar o desempenho e permi- 104 tir o aprendizado nos mercados domésticos para satisfazer novos requisitos de segurança, qualidade e padrões ambientais. Tendo em vista pressões no âmbito da OMC e de outros organismos in- ternacionais, a crise fiscal dos governos centrais, o reconhecimento do caráter interativo e localizado dos processos de aquisição de competência tecnológica (especialmente no caso das novas tecnologias), tem sido observada clara ten- dência de deslocamento das políticas e do respectivo apoio financeiro do nível federal ou central para o âmbito local ou regional (os estados, no caso dos EUA). Tendo em vista que esta descentralização ou regionalização das políticas pode- ria se constituir em fator desagregador da coesão nacional em face da competi- ção entre diversas regiões, aos governos centrais tem cabido o importante papel de coordenação dos diferentes esforços regionais. Ao lado da regionalização, as novas políticas valorizam e promovem sistematicamente a cooperaçãoentre os agentes econômicos (e entre estes e o Estado) e levam em conta a necessidade de mobilização simultânea e de for- ma coordenada das diversas instâncias governamentais responsáveis por políticas específicas. Tendo em vista que a cooperação e outras formas de captura de externa- lidades adquirem importância crescente, pode-se classificar o fomento à com- petitividade de acordo com as relações entre os agentes envolvidos, públicos e privados. Elas representam a oferta de externalidades e de oportunidades de cooperação. Referem-se a: a. infra-estruturas e serviços públicos; b. investimentos imateriais em educação, treinamento e P&D; c. articulação de nexos cooperativos entre agentes através de programas, proje- tos mobilizadores, incentivos, etc. Significa articular empresas, instituições de pesquisa pura e aplicada, infra-estruturas tecnológicas, etc, em torno a sistemas locais ou regionais de inovação; d. promoção da parceria entre o sistema financeiro e as empresas inovadoras. Trata-se da criação de condições fiscais, financeiras e institucionais que in- centivem os bancos e agentes financeiros a apoiar a inovação, alargando o horizonte temporal e absorvendo parte dos riscos. Considerado o tripé descentralização das políticas, cooperação entre os diversos agentes e mobilização coordenada das diversas instâncias responsá- veis, os instrumentos utilizados pelos países industrializados podem ser classi- ficados em quatro categorias: 105 - poder de compra do setor público; - intervenção direta para a reestruturação de setores, sob leis ou regulamentos temporários; - requisitos de desempenho para o investimento de risco estrangeiro em geral estabelecidos por instâncias locais; - subvenções, incentivos e auxílios fiscais-financeiros, diretos e indiretos. Os dois primeiros instrumentos (poder de compra e intervenções reorgani- zadoras) são utilizados de maneira seletiva, visando regiões/setores específicos. O terceiro refere-se a regulamentações e requisitos informais estabelecidos para filiais de empresas estrangeiras e dizem respeito ao seu desempenho em certos quesitos, tais como compra de insumos e componentes locais, obtenção de um equilíbrio entre importações e exportações nas trocas intrafirma (entre matrizes e filiais) e de um desempenho mínimo de exportações fora das relações intrafirma. Tais medidas, tradicionalmente associadas aos países em desenvolvimento, têm sido crescentemente utilizadas a partir dos anos 80 por países da OECD, inclusi- ve pelos EUA (neste caso não em nível federal mas, sim, em nível estadual). Finalmente, as subvenções e os auxílios fiscais-financeiros diretos ou indiretos à indústria constituem, hoje em dia, o instrumento de política industri- al mais utilizado pelos países da OECD. Tais subvenções e auxílios incluem instrumentos de financiamento direto, que transferem recursos a determinadas categorias especiais de empresas e setores, e incentivos fiscais, que conferem privilégios temporários às empresas que se qualifiquem para atividades de P&D ou cumpram outros requisitos. O banco de dados da OECD sobre os programas de apoio à indústria que envolvem auxílio financeiro contabilizou 879 programas em vigor no período 1986-89. Para 739 destes programas, foi possível estimar o custo líquido para o governo que, para o período em análise, alcançou aproximadamente US$ 262,7 bilhões (Tabela 6). Tal montante representou cerca de 2% a 3% do valor adici- onado do setor manufatureiro dos países membros. Os dados permitem constatar que, ao longo dos anos 80, o fomento ao investimento industrial, de caráter genérico diminuiu, principalmente em razão de reformas fiscais que reduziram incentivos generalizados. Tal tipo de apoio, que em 1986 era responsável por 55% do montante de recursos públicos aloca- dos aos programas de apoio à indústria, respondia por apenas 28% em 1989. A era do auxílio indiscriminado cedeu lugar a políticas com foco bem definido, onde o critério da eficiência e da avaliação dos resultados (custos versus benefícios) tornou-se regra imperiosa. Assim, como contrapartida, medidas 106 focalizadas de fomento à competitividade aumentaram significativamente. Estas podem ser classificadas em três grandes blocos: 1) aquelas visando especificamen- te a concorrência externa; 2) as de apoio às atividades de P&D e à difusão tecnoló- gica; 3) as que se direcionam a salvaguardar o tecido industrial dos países da OECD, freqüentemente sob a forma de programas de desenvolvimento regional (Tabela 1). À guisa de conclusão é relevante sublinhar que as políticas de competitivi- dade são complexas. Combinam descentralização, cooperação e mobilização de instâncias administrativas e agências diversas. Não são factíveis sem uma elevada capacidade de coordenação e exigem que as políticas industriais, tecnológicas, de comércio exterior e de regulação de concorrência estejam afinadas entre si. A simples enunciação destas características expressa o grau de desafio envolvido na tarefa de articular, no Brasil, uma política de competitividade. III. O desafio da política de competitividade no Brasil atual: coordenação e superação de fragilidades Duas grandes dificuldades obstaculizam hoje a articulação de uma polí- tica moderna de competitividade: Tabela 1: OECD - programa de apoio ao setor industrial * Número de programas para os quais a OECD dispõe de informações sobre o custo líquido para o Estado. Fonte: OECD (1992a). A) Aumentar a Concorrência Externa 258 227 16,7 27,3 26,1 28,9 - auxílio à exportação 91 80 8,4 15,2 16,4 19,9 - medidas setoriais 130 118 5,9 9,2 8,6 7,7 - apoio a empresas em dificuldade 37 29 2,4 2,9 1,1 1,3 B) P&D e Difusão Tecnológica 159 144 9,0 10,9 9,4 11,5 C) Salvaguarda do Tecido Industrial 339 277 19,6 24,7 28,0 31,2 - políticas industriais regionais 162 136 13,7 17,2 17,8 22,2 - apoio a pequenas e médias empresas 117 87 3,3 4,6 4,8 5,2 - apoio ao emprego e form. profissional 60 54 2,6 2,9 5,4 3,8 SUBTOTAL (A+B+C) 756 648 45,3 62,9 63,5 71,6 D) Apoio Geral ao Investimento 123 91 54,7 37,1 36,5 28,4 TOTAL 879 739 100,0 100,0 100,0 100,0 CUSTO LÍQUIDO PARA O ESTADO (US$ bi) Subtotal (A+B+C) 35,5 42,9 42,5 38,1 Total (A+B+C+D) 74,6 68,1 66,9 53,1 Nº Nº * 1986 1987 1988 1989 OBJETIVOS DE POLÍTICA PROGRAMA % DO CUSTO ESTIMADO PARA O ESTADO 107 1. A arquitetura do Plano Real repousa, ainda, numa combinação desfa- vorável das taxas de câmbio e de juros. O câmbio sobreapreciado e os juros elevados criaram um forte viés anti-manufatura no País, tornando muito difícil a obtenção de rentabilidade nas atividades de exportação (ainda que as escalas e processos produtivos sejam adequados e eficientes) e incentivaram extraordi- nariamente as importações, tanto de bens finais quanto de partes, componentes e matérias primas; 2. Para compensar satisfatoriamente as distorções supracitadas seria ne- cessário dispor de um Estado superequipado e munido de recursos fiscais sufi- cientes para exercer políticas incisivas de fomento. Nenhuma das duas condições está presente: a) o déficit fiscal, que cres- ceu explosivamente após a estabilização, maiormente por conta da exorbitante taxa de juros, inviabiliza o aumento dos subsídios fiscais e financeiros e da renúncia fiscal; b) o desmantelamento e degradação de partes importantes dos recursos humanos, técnicos e instrumentais do Estado, está longe de ter sido superada, tornando muito difícil a prática de uma coordenação eficiente das diversas políticas necessárias à alavancagem da competitividade. Mais grave, talvez, o atual governo brasileiro parece padecer de uma deficiência de visão quanto às condições e objetivos que poderiam assegurar uma trajetória de crescimento competitivo, acelerado e sustentável. Não se tra- ta apenas de encontrar um caminho para superar a sobrevalorização da taxacambial e reduzir a taxa de juros. A sustentabilidade do desenvolvimento re- quer, entre outras condições, a busca permanente da capacitação tecnológica do sistema industrial brasileiro. Assim como nos países desenvolvidos, as políticas públicas precisariam estar coordenadas e articuladas para assegurar condições sistêmicas estimulantes. Dentro desta ótica, o desenvolvimento competitivo deveria assentar-se em três pilares: 1. Em ação coordenadora no mais alto nível do executivo que compatibili- ze e articule: ordenamento macroeconômico; desenvolvimento de infra-estrutu- ra, política regional, educação, sistema de ciência e tecnologia; política de comér- cio exterior; programas setoriais de reestruturação produtiva e tecnológica; im- plementação de regulações que induzam comportamentos competitivos; e ações de fomento e estímulo à modernização das empresas e das relações de trabalho; 2. Num novo estilo de desenvolvimento fundado em novas relações entre Estado, Setor Privado e Sociedade; para isto é necessário ampliar espaços e renovar pautas de negociação entre os agentes econômicos, orientados para o desenvolvimento competitivo da indústria; 108 3. Na legitimação e busca de coesão social em torno aos objetivos da competitividade, de tal forma que o comportamento dos atores sociais funda- mentais (empresários e trabalhadores) se oriente para a distribuição eqüitativa dos ganhos e benefícios deste processo. Novas relações deveriam substituir a ação unilateral do Estado por uma parceria efetiva entre Estado, Setor Privado e Sociedade. O Estado deveria coordenar e suprir falhas de mercado, planejar e sinalizar, minimizando as funções de controle, especialmente aquelas baseadas na prática discricionária da burocracia e ampliando seletivamente seu papel de regulação e indução de comportamentos virtuosos. Já foi comentado que as exigências da rápida mudança tecnológica e do ambiente competitivo internacional impõem uma nova agenda para a polí- tica de competitividade baseada no tripé cooperação, descentralização e mo- bilização coordenada dos agentes e das diversas instâncias responsáveis por sua execução. No caso brasileiro, esses desafios colocados pela terceira revo- lução industrial confrontam-se com sérias distorções e fragilidades, que não representaram empecilhos na etapa anterior de industrialização via substitui- ção de importações. Dentre tais fragilidades, ressalta a falta de educação e de qualificação de parcela significativa da força de trabalho. Diferentemente do período anterior, calcado em métodos tayloristas e fordistas de produção, o advento de novas tecnologias e práticas produtivas e concorrenciais colocou por terra a possibili- dade de o país continuar a se desenvolver sem um grau satisfatório de educação e de capacitação de seus trabalhadores, suficiente para levá-los a participar ati- vamente dos processos de produção. O desafio educacional é urgente e difícil. Urgente porque não é possível elevar substancialmente a escolaridade média da população em menos que uma década e meia. À medida que se postergam solu- ções efetivas para a crise do sistema educacional brasileiro, posterga-se tam- bém o horizonte temporal de superação do problema - adentrando já nas pri- meiras décadas do século XXI. Outra fragilidade histórica de grande magnitude é a profunda desigual- dade social, com exclusão de uma imensa massa populacional do padrão mo- derno de consumo. Mais grave ainda tem sido a continuada degradação da base do mercado de trabalho desde a eclosão da crise econômica no início dos 80. Sem uma política de melhoria progressiva da distribuição da renda e da rique- za, sem salários reais crescentes, sem compartilhamento dos ganhos de produ- tividade, fica difícil engajar os atores sociais na busca permanente da competi- 109 tividade e fica prejudicada a instauração de relações de trabalho modernas, ne- gociadas, sem conflitos estéreis. A busca da competitividade requer um mínimo de coesão social e de legitimação dos seus objetivos e isto requer o reconhecimento explícito das contradições e dos efeitos perversos - de forma a estabelecer políticas compen- satórias. Sem isso, o acúmulo dos efeitos deletérios tende a minar as bases da sustentação social e política da competitividade. É indispensável reconhecer a tensão existente entre emprego e competi- tividade. Com efeito, a partir do final da década de 70 há uma tendência carac- terizada pelos seguintes movimentos: em períodos de depressão, a queda no nível de emprego é consistentemente maior do que a queda no nível da ativida- de industrial; nos períodos de recuperação que se seguem, porém, o crescimen- to do nível de emprego mostra-se muito inferior àquele observado na produção industrial. Evidentemente, o resultado líquido de tais movimentos é uma ten- dência de diminuição no nível de emprego industrial. Conforme apontado ante- riormente, os países mais avançados têm respondido a este desafio através de uma bateria de programas visando retreinar a força de trabalho e prepará-la para buscar alternativas de emprego no setor serviços ou na formação de micro e pequenas empresas. Se esses programas não forem suficientes, ocorrerá uma intensa mobilidade social descendente, com acúmulo de mal-estar social. No Brasil, o dinamismo do mercado de trabalho urbano, movido pelo desdobramento do processo de industrialização, viabilizou durante quatro dé- cadas um forte movimento de urbanização/metropolização. O “êxodo rural” para as cidades criou condições para o avanço da mecanização da agricultura, reduziu a pressão sobre a posse da terra e proveu oferta de trabalho para o avanço das atividades urbanas. Nos anos oitenta, porém, com a estagnação do crescimento econômico este processo se tornou desfuncional: incharam as pe- riferias das cidades, especialmente das metrópoles e se acumularam bolsões de pobreza sem qualquer chance de mobilidade ascendente. Nos anos noventa o processo de reestruturação da indústria acima des- crito agravou o problema e em alguns casos o saldo migratório líquido das metrópoles tornou-se negativo - isto é, estas passaram a expulsar populações para o restante do sistema urbano de médio e pequeno porte e/ou de volta para o mundo rural. Este tem sido, por exemplo, o caso da região metropolitana de São Paulo nos anos recentes. Foi exatamente o acúmulo destas massas de desempregados e migrantes nas regiões rurais que fez emergir o Movimento dos Sem-Terra - MST como nova força política, recolocando a questão do acesso à terra no epicentro da 110 questão social brasileira. A profunda desigualdade social e de distribuição da riqueza de nossa sociedade começa a ser contestada pelo seu elo mais fraco. É crucial reconhecê-la e incluí-la explicitamente na nova agenda de questões re- levantes para o projeto nacional de desenvolvimento competitivo. IV. Novos temas e desafios O desenvolvimento competitivo nos moldes hoje praticados pelos países desenvolvidos, impõe uma nova agenda para as políticas públicas. Uma parte dela já ganhou reconhecimento e aceitação e, em vários casos, existem agên- cias e organismos públicos capacitados para executá-las. O Brasil possui ban- cos públicos poderosos, especialmente o BNDES, instrumento-chave para a política industrial. Possui também um sistema misto como o SEBRAE para o fomento às micro e pequenas empresas. Dispõe de uma burocracia experiente e de boa qualidade na área diplomática. Conta com sistema de ciência e tecnolo- gia (FINEP, CNPq e demais instituições do Ministério da Ciência e Tecnologia, de outros Ministérios e Estados da Federação) que, apesar de estar seriamente combalido pela crise fiscal, pode ser revigorado. Dispõe de estruturas como o INMETRO, o INPI e outras instituições no Ministério da Indústria, Comércio e Turismo. Dispõe, ademais, de poderosas empresas públicas e respectivos cen- tros de pesquisa (Petrobrás, SistemaEletrobrás, Sistema Telebrás) que podem ser reorganizadas, admitindo-se crescente parceria com o setor privado. Conta, ainda, com o sistema SENAI e outras instituições de ensino técnico, nas várias instâncias da administração. As políticas públicas já consagradas e as instituições existentes certa- mente necessitam de reformas e aperfeiçoamentos para atuarem coordenada- mente, articuladas por uma política de competitividade. Nesse sentido, interes- sa ressaltar os novos temas, funções e capacitações para os quais não existe tradição no País ou onde a capacidade pública e privada de implementação é muito incipiente ou insuficiente. São eles: a) Regulação e Promoção da Concorrência; b) Regulação de Monopólios Públicos; c) Descentralização Coordenada de Políticas; d) Implementação dos Mecanismos Modernos de Comércio Exterior (an- tidumping, salvaguardas); e) Regulação e Controle Ambiental; 111 f) Implementação dos Direitos do Consumidor; g) Atração de Investimentos Diretos Estrangeiros e Indução de Condutas “Virtuosas”; h) Utilização Eficiente do Poder de Compra do setor público; i) Indução de Atividades Privadas de P&D. A criação de capacidade de formular e implementar as políticas e a regu- lação necessária nos campos supracitados vai além de reformas convencionais. É indispensável que se promova o desenvolvimento institucional e organizaci- onal do Estado para torná-lo apto a enfrentar os novos temas e desafios. A valo- rização e capacitação dos quadros técnicos do setor público e a criação de capa- cidade de formulação de políticas, de coordenação e de descentralização, cons- tituem tarefas absolutamente necessárias. Estas são as áreas mais frágeis e incipientes que precisam ser desenvolvi- das para respaldar a dimensão sistêmica da política de competitividade. Mas não é só. A articulação das ações de competitividade no plano setorial depende, em vários casos, do funcionamento eficiente destas novas áreas de política. Em alguns setores, a inexistência de condições efetivas de regulação da concorrência por parte do poder público permite a prática incontestada de condu- tas anticompetitivas. Em outros setores, o rápido desenvolvimento de capacitação institucional de regulação e planejamento dos monopólios públicos é essencial para acompanhar a privatização destes, com introdução do princípio da concor- rência (dado que o monopólio público foi separado do monopólio das empresas estatais pelas reformas constitucionais de 1995). Dispensa maior comentário a urgência quanto ao aparelhamento efetivo do Estado para a operação das políti- cas de antidumping e de salvaguardas. O avanço da capacidade regulatória e de operacionalização da política ambiental é importante para que a indústria brasi- leira se ajuste velozmente aos novos padrões e não venha a ser vítima das novas barreiras “verdes” no comércio internacional. Convém lembrar a proteção ao con- sumidor, importante como elemento de garantia da cidadania mas também para impedir a degradação da pauta de produtos do mercado interno e para servir como elemento de alavancagem da competitividade externa. O uso e a capacidade de coordenação do poder de compra do setor público, em novas bases, que exijam eficiência e ao mesmo tempo estimulem a criativida- de e a capacitação dos fornecedores, constituem um grande desafio, assim como é desafiante a indução efetiva das atividades de P&D no setor privado, dado que estas precisariam ser introjetadas como estratégias permanentes das empresas. Sem o apoio de instrumentos de política eficazes nesta área, fica comprometida a 112 possibilidade de fomentar o desenvolvimento dos setores difusores do progresso técnico. Da mesma forma, coloca-se o desenvolvimento de parceiros nacionais aptos e capacitados, condição-chave para a atração do investimento direto estran- geiro e para a realização de acordos de cooperação tecnológica. A capacitação pública e privada para lidar com os novos determinantes dos investimentos es- trangeiros de risco precisa ser urgentemente desenvolvida e coordenada com ou- tras políticas, como será visto na próxima seção. Há, ainda, o desafio da descentralização, fundamental para a formação de polos, networks locais/regionais, que aglutinam e desenvolvem externalida- des positivas, para o desenvolvimento de novas especializações competitivas - essenciais para evitar que se agrave a já elevada concentração espacial das ati- vidades industriais e de serviços sofisticados. O governo federal deveria assu- mir a liderança de uma verdadeira política de desenvolvimento regional, coor- denando o processo de tomada de decisões locacionais de investimento através de iniciativas explícitas e bem planejadas de desenvolvimento de polos - basea- dos em estudos de custo/benefício e em análises abrangentes das cadeias de valor e respectivos sistemas logísticos. A omissão federal nesta esfera vem sen- do extremamente danosa na medida em que permite (e até incentiva) a monta- gem de esquemas altamente subsidiados pelos estados da federação, interessa- dos em atrair investimentos de grande porte, com poder multiplicador. Em vá- rios casos (senão a maioria) estes esquemas vêm induzindo investimentos ine- ficientes e baseados em fortes distorções das condições de mercado. Para concluir, deve ser novamente sublinhado o difícil desafio na área da educação. O fracasso reiterado, a ineficiência enraizada, as resistências corpo- rativas, o desperdício, a manipulação política, a desvalorização do docente, a centralização e a burocratização constituem um conjunto de obstáculos difíceis de remover. Embora seja um desafio antigo, a questão da educação se reveste agora de importância e urgência. Ela constitui, talvez, o mais importante e o mais difícil dos desafios de uma política de desenvolvimento competitivo. V. O novo perfil e os novos determinantes dos investimentos diretos A significativa aceleração do fluxo de investimento direto estrangei- ro (IDE), ao longo dos anos 80, marcou a emergência do Japão como princi- pal investidor internacional e a passagem dos EUA de investidor para a posi- ção de absorvedor líquido de capitais. De fato, no final dos anos 70, os inves- timentos diretos japoneses correspondiam a apenas 8% do total dos países da 113 OECD, ao passo que, no final dos 80, este índice alcançou 42%, dos quais aproximadamente 70% concentrados no setor de serviços. Outra característi- ca relevante do IDE nos anos 80 foi a sua concentração dentro da tríade dos países desenvolvidos. Entre 1983 e 1989, 80,3% das atividades de inversão direta estiveram concentradas nos países desenvolvidos (vide Stopford, J., 1994). Nos anos 90, porém, esta tendência se atenuou, aumentando significa- tivamente a parcela dos países em desenvolvimento no total do IDE, confor- me se pode ver na tabela abaixo. Duas observações devem ser feitas para qualificar a tabela acima: 1) gran- de parte do incremento observado se deveu à China, sendo que neste caso uma parcela substancial do investimento externo foi na verdade constituído de capi- tais internos que saíram e reentraram com os incentivos dados aos investidores estrangeiros; 2) o aumento para os demais países em desenvolvimento, exclusi- ve China, concentrou-se fortemente em apenas 10 economias, notadamente no leste e sudeste asiático, enquanto que na América Latina predominou o investi- mento de portfólio ou o ingresso de recursos para adquirir posições/ativos ofe- recidos pelos processos de privatização. Finalmente, é fundamental assinalar que uma percentagem elevada (en- tre 40% e 50%) dos investimentos diretos destinou-se à aquisição de empresas/ ativos existentes. Esta última característica reflete uma mudança nos parâme- tros das firmas transnacionais no tocante à decisão de investir no exterior. Até o início da década de 70, as empresas transnacionais optavam pelo controle acio- nário do empreendimento. Estabeleciam-seindependentemente do grau de de- senvolvimento do país hospedeiro, procurando maximizar a “quase-renda” re- sultante da posse de um “ativo único” (Vernon, 1977). Com o crescimento dos Total mundial 106,8 195,1 Países em Desenvolvimento 21,0 57,0 (19,7%) (29,2%) China 2,0 16,1 (1,9%) (8,2%) Países em Desenvolvimento 19,0 40,9 exclusive China (17,8%) (21,0%) Fonte: Calculado com dados da UNCTAD (World Investment Report, 1995) Tabela 2: Fluxo de IDE e participação dos países em desenvolvimento de 1983 e 1994 (bilhões de dólares, números entre parênteses são % sobre o total mundial) Média 1990-94 Média 1983-89 114 custos de P&D nos setores mais dinâmicos e a simultânea redução do ciclo de vida dos produtos, a partilha dos gastos e riscos tecnológicos, comerciais e financeiros através de novas formas associativas de investimento tornou-se um ingrediente importante das estratégias das firmas transnacionais (Oman, 1989). As novas modalidades de investimento direto, que podem assumir as formas de joint-ventures, contratos de turnkey, acordos de licenciamento, subcontratação, dentre outros, apresentam em comum a propriedade minoritária do empreendi- mento, tendendo a permanecer, como atribuição do investidor estrangeiro, o fornecimento do know-how e dos demais ativos intangíveis. A preferência por parcerias implica alteração da divisão de riscos e responsabilidades vis-à-vis as formas tradicionais de investimento direto estrangeiro. Doravante, cabem aos parceiros locais riscos e responsabilidades financeiras, produtivas e gerenciais. Neste sentido a existência de um empresariado nacional apto e qualificado, disposto a buscar e participar destas associações (societárias ou não) com os investidores estrangeiros, tornou-se um importante fator de atração destes. Para as firmas transnacionais, portanto, as novas formas de investimento associado representam uma diminuição da relação riscos/remuneração da aplica- ção realizada. A subcontratação, em particular, através da constituição de net- works tecnológicos e industriais, emerge como forma privilegiada de organizar as relações intra e interfirmas, evitando os custos mercantis de transação e a rigi- dez da excessiva integração vertical. Para os países hospedeiros, estas formas de empreendimento implicam maiores exigências: tanto no que se refere ao setor público, que além dos tradicionais requisitos de estabilidade macroeconômica e institucional deveria, ainda, tornar acessível infra-estrutura industrial, científica e tecnológica, quanto no que tange ao setor privado local, cuja capacitação compe- titiva torna-se essencial para atração do investidor estrangeiro, particularmente em setores manufatureiros de elevado valor agregado e sofisticação técnica. Deve-se ressaltar ainda que muito embora o protecionismo ainda funcio- ne como indutor do investimento direto das transnacionais, especialmente nas economias com grande mercado interno, é crescente a ênfase nas vantagens competitivas locais compreendidas sob dois aspectos: 1) externalidades positi- vas, já mencionadas e; 2) condições estimulantes ao comércio exterior: i.e. acesso a fontes de sourcing e rentabilidade das atividades de exportação. As externalidades positivas há muito deixaram de ser estáticas (dotação dos fatores) e cada vez mais são vantagens comparativas deliberadamente cons- truídas, de natureza dinâmica, decorrentes de políticas públicas, da configura- ção sócio-cultural (fatores sociais) e da aptidão dos parceiros locais (Dourrile, 1990). A atração de investimentos estrangeiros, especialmente os de maior con- 115 teúdo tecnológico, passou a ser objeto de intensa competição, através da oferta de condições e de vantagens competitivas “construídas”. Políticas industriais, políticas comerciais e fomento tecnológico passam a ser objeto de competição regulatória na concorrência locacional por “bons investimentos” (OECD, 1992b). Em segundo lugar, as decisões de investimento são hoje avaliadas no plano global/regional e não apenas consideram os mercados internos. Dada a necessidade de operar eficientemente sob padrões mundiais é indispensável praticar uma política de suprimento que minimize custos. Simultaneamente, é imperioso tirar proveito das oportunidades de exportação oferecidas pelo mer- cado mundial/regional. Neste sentido, os instrumentos clássicos de proteção tarifária, embora ainda tenham efeito indutor particularmente em economias com mercado interno amplo e promissor, vêm perdendo eficácia e adequação. O novo paradigma requer que se estruture uma política consistente de comércio exterior que combine uma proteção calibrada e seletiva da cadeia de suprimen- tos com firme incentivos à exportação. É dispensável assinalar que uma taxa de câmbio sobreapreciada tende a inviabilizar a articulação deste tipo de política, limitando o escopo e a qualidade dos investimentos diretos que podem ser atraí- dos, na medida em que o critério dominante seja apenas o mercado interno (vide Lall, S. 1993). No caso do Brasil na etapa pós-Real o marcante viés anti-exportação e a excessiva abertura às importações, exige que se lance mão de mecanismos “es- peciais” de proteção para induzir influxos significativos de IDE, sobretudo em determinados setores, como o automobilístico. Na ausência de condições de coordenar eficientemente outros instrumentos o Estado se vê obrigado a so- breutilizar pontualmente o velho instrumento da proteção tarifária - no caso de forma desequilibrada e distorcida contra o setor de auto-peças - além dos in- convenientes criados pelos atritos no âmbito da OMC. Essas constatações não podem deixar de ser tomadas em conta na formu- lação de uma política brasileira de atração do capital estrangeiro mais moderna e sintonizada com as novas tendências. VI. O desafio da criação das novas externalidades tecnológicas e de networking A dinâmica tecnológica mudou significativamente na década dos 80. Ao lado da grande variedade de inovações incrementais específicas em quase todos os setores industriais, ocorreu uma clara mudança de paradigma das tecnologi- 116 as intensivas em capital e energia e de produção inflexível e de massa (baseadas em energia e materiais baratos) dos anos 50 e 60 para as tecnologias intensivas em informação, flexíveis e computadorizadas dos anos 70 e 80. As indústrias tecnologicamente maduras foram rejuvenescidas, ao mesmo tempo em que emergiram outras novas (lideradas pelas tecnologias de informação e comuni- cação - TIC), as quais tornaram-se a base do rápido desenvolvimento tecnológi- co, da produção e do comércio internacionais. Esta revolução tecnológica está afetando, embora de forma desigual, to- dos os setores, envolvendo, além de importantes mudanças tecnológicas, várias mudanças organizacionais e institucionais. Dentre as características mais im- portantes do novo paradigma estão: - a intensificação da complexidade das novas tecnologias, as quais são baseadas ainda mais fortemente no conhecimento científico; como conseqüência, as inovações vêm dependendo de níveis crescentes de gastos em P&D; - aceleração dos novos desenvolvimentos, implicando uma taxa de mudança mais rápida nos processos e produtos. Como uma conseqüência, as empresas mais competitivas em nível mundial vêm buscando, não mais simplesmente a especialização em produtos e processos específicos, mas sim adquirir “com- petências nucleares” (core competences) nas chamadas tecnologias genéricas como forma de se manterem permanentemente aptas a acompanhar o intenso dinamismo destas novas áreas; - maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades de informação tornam econômica a utilização de redes eletrônicas de comunicação de dados abrangendo não ape- nas as transações intra-empresa mas, também, cadeias inteiras de suprimen- tos industriais e de serviços, bem comodos respectivos sistemas de distribui- ção/comercialização; - mudanças fundamentais na estrutura organizacional, particularmente de grandes empresas, gerando maior flexibilidade e maior integração das di- ferentes funções da empresa (pesquisa, produção, administração, marke- ting, etc.), assim como crescente integração entre empresas (destacando- se os casos de integração entre usuários, produtores, fornecedores e pres- tadores de serviços) e destas com outras instituições, conforme destacado no item acima; - papel central da fusão de tecnologias de natureza diversa como fator de cres- cimento de novas indústrias e de rejuvenescimento de outras. Ressalta-se, em particular, a característica já mencionada que as tecnologias de informação e 117 comunicação possuem de permear todo o conjunto das atividades econômi- cas (setor industrial, serviços, comércio, etc.); - novos métodos de P&D onde os sistemas e redes telemáticas cumprem impor- tantes papéis na aceleração da geração de novos conhecimentos, na aquisição de conhecimentos existentes e no desenvolvimento de novas configurações. Ressalta-se principalmente a utilização de inúmeras redes de informação, as- sim como de sistemas tais como CAD (computer-aided design) e CAE (com- puter-aided engineering); - mudanças nos processos de produção com a introdução de sistemas tipo: CAM (computer-aided manufacturing), FMS (flexible manufacturing systems) e CIM (computer integrated manufacturing), que permitem a automação, flexibili- zação, integração e otimização dos processos produtivos com o monitora- mento e controle on-line de quantidade e qualidade de produção; - mudanças no perfil dos bens de capital requeridos pelos sistemas de produção e também no perfil dos recursos humanos, passando-se a exigir um nível mui- to maior de qualificação da mão-de-obra; - aprofundamento do nível de conhecimentos tácitos, não codificáveis e específicos de cada unidade industrial e ampliação da necessidade de investir em intangíveis (software dedicado, treinamento e qualificação, organização e coordenação do processo de produção e sua interação com as atividades de P&D, marketing, etc.), tornando-se a atividade inovativa ainda mais “localizada” e específica (com im- portantes aspectos da tecnologia ligados ao aprendizado inovativo e à produção que não são nem comercializáveis nem passíveis de transferência); - novos requerimentos por regulação e desregulação. Neste processo, a capacidade de rapidamente gerar, introduzir e difundir inovações passou a exercer papel fundamental para a competitividade das em- presas. Como conseqüência assistiu-se ao significativo aumento dos gastos pri- vados de P&D nos países mais avançados e em países que, como a Coréia do Sul, incrementaram significativamente a sua competitividade nos últimos anos. Um importante contraste entre estas tendências observadas nos países mais avan- çados e o caso brasileiro refere-se ao fraco engajamento do nosso setor empre- sarial nos esforços de P&D. A capacitação para inovar não dispensa, é óbvio, a estruturação eficiente dos sistemas de gestão e de produção das empresas e das cadeias de valor em que estão inseridas. O networking eficiente é sem dúvida condição para susten- tar posições competitivas. Por esta razão, os investimentos na formação de re- des telemáticas vêm crescendo de forma muito acelerada nos últimos anos. 118 Uma vez que a inovação vem confrontando as empresas com a quebra de suas trajetórias anteriores, especialmente nos setores intensivos em tecnologia, a necessidade de informação sobre futuros desenvolvimentos tornou-se crucial. Por isso, a participação em alianças estratégicas ganhou importância crítica para prover um mais rápido acesso a capacitações tecnológicas que não estejam bem desenvolvidas dentro da empresa. Como conseqüência, o grau de compe- titividade de uma determinada empresa passou a refletir cada vez mais a efici- ência das redes ou sistemas nos quais ela se insere. Outra tendência internacional contrastante com o caso brasileiro diz res- peito à rápida proliferação de novos acordos, consórcios e programas de cola- boração tecnológica entre empresas; principalmente norte-americanas, euro- péias e japonesas, as quais foram responsáveis por 90% dos acordos de coope- ração registrados nos anos 80. Comparado com a década dos 70, o número de alianças tecnológicas mais do que sextuplicou na década subseqüente. Com a exceção dos chamados Tigres Asiáticos, a participação de empresas de países menos desenvolvidos (inclusive Brasil) nestes novos arranjos de cooperação científico-tecnológica tem sido apenas marginal. Adicionalmente, a maior par- te dos acordos envolvendo empresas dos países em desenvolvimento concen- tra-se em projetos relacionados a tecnologias maduras. A constituição de redes de inovação (e.g. para engenharia simultânea, co-desenho, co-desenvolvimento) tornou-se característica marcante dos anos 80 e 90 nos países avançados. Estas passaram a ser vistas como componentes fundamentais das estratégias competitivas, tendo-se concentrado nas novas áreas de tecnologia genérica (tecnologia de informação e comunicação, biotecnolo- gia e materiais avançados). A necessária reestruturação da indústria brasileira coloca-se hoje, por- tanto, num quadro no qual a base tecnológica e organizacional para a competi- tividade é totalmente diferente daquela dos anos 60 e 70. Num ambiente muito dinâmico, os níveis de competitividade são rapidamente erodidos. A base ini- cial para entrar em novos mercados torna-se rapidamente inadequada para se manter neles, se expandir dentro deles ou se diversificar além deles. Portanto, projetos de importação de tecnologia (assim como qualquer outra atividade pontual e estanque) podem contribuir apenas temporariamente às posições com- petitivas em trajetórias de mudanças tecnológicas aceleradas e contínuas, tor- nando indispensável o aumento persistente da capacitação tecnológica própria, não apenas para produzir eficientemente dentro das benchmarks globais, mas também para inovar incrementalmente, preparando o terreno para saltar, quan- do necessário, para outras trajetórias técnicas mais avançadas. 119 Outra característica do atual contexto internacional que tem também afe- tado as condições de acesso a novas tecnologias por parte dos países em desen- volvimento são as mudanças na estrutura de produção e comércio internacio- nal, com a formação de blocos regionais de comércio, onde, dentre outras coi- sas, se incentivam as parcerias produtivas, comerciais e tecnológicas. Conseqüentemente, a criação de condições de competitividade para atra- ção do IDE requer a formação de networks e de externalidades tecnológicas no País e exige uma política consistente de comércio exterior, estimulante para as atividades exportadoras. No nosso caso, não se trata apenas de reverter a tendên- cia de retração das atividades tecnológicas no País. O esforço necessário à supe- ração da atual fragilidade tecnológica nacional requer a indução de uma mudança fundamental nas estratégias industriais. No cerne de tal mudança estão obvia- mente os objetivos de buscar o aprendizado e a capacitação cumulativos e persis- tentes em engenharia de processos e produtos e a prática de P&D. Acima de tudo, ressalta-se que a internalização de atividades e objetivos tecnológicos precisa tor- nar-se uma dimensão significativa e permanente das estratégias do setor empre- sarial doméstico. Embora a consciência das empresas quanto ao papel-chave da capacitação tecnológica já venha crescendo, os riscos e as incertezas inerentes à inovação requerem a intervenção fomentadora do Estado. Os mecanismos atuais de incentivo são insuficientes, sendo evidente a necessidade de aprofunda-los. Além disso, como foi visto, sob condições desfavoráveis das taxas de câmbio (sobreapreciada) e de juros (muito elevada) torna-se difícil a articulação deuma política de competitividade em bases contemporâneas. VII. O papel de outros fatores sistêmicos relevantes: infra-estruturas, tratamento fiscal e custos de capital Como é evidente, as infra-estruturas e outros serviços essenciais às ativi- dades econômicas - transportes, energia, telecomunicações - têm em qualquer economia um papel muito importante para as condições sistêmicas da competi- tividade. A década e meia de crise, desde os anos 80, atingiu em cheio os nossos sistemas de infra-estrutura acarretando a desorganização dos seus mecanismos setoriais de financiamento, planejamento e inversão. Ao choque financeiro pro- vocado pela crise da dívida externa seguiu-se a deterioração das tarifas e preços reais, a desorganização institucional e, finalmente, a quase paralisação dos in- vestimentos, provocando uma grave deterioração da base física e da qualidade desses serviços no País. Ao invés de oferecerem um suporte positivo à compe- 120 titividade as infra-estruturas passaram a onerá-la, constituindo um fator de en- trave ao funcionamento eficiente de vários setores industriais. A expressão “custo Brasil” traduz claramente o sentido negativo (externalidades desfavoráveis) que as infra-estruturas ganharam nos anos 90. O programa de estabilização nos últimos 3 anos levou o governo brasi- leiro a centrar suas prioridades na fixação da estabilidade de preços e na con- tenção do déficit público, sem que se tenha dedicado energias à criação de con- dições para deslanchar investimentos infra-estruturais de grande envergadura. De forma gradual, a partir de 1995, ao longo de 1996 e no 1º trimestre de 1997 foram efetuados aumentos reais dos preços e tarifas, com o objetivo de melho- rar a geração de recursos internos das empresas públicas e recriar condições de retomada dos seus investimentos. Simultaneamente, o governo e o Congresso - adotando uma postura liberalizante - passaram a confiar na privatização e/ou na concessão ao setor privado, como solução fundamental para a questão das in- fra-estruturas. Logo no início da atual administração federal foi aprovada a nova lei de concessões e foram quebrados os monopólios estatais nas áreas de petró- leo, telecomunicações e energia. A aposta na concessão privada e/ou na privatização como solução para o “custo Brasil” vem, entretanto, sendo implementada de forma lenta e con- fusa. No setor de telecomunicações, por exemplo, não há uma estratégia clara para o futuro desses serviços. As concessões da Banda B da telefonia celular foram abertas a operadoras privadas e licitadas sem que se tivesse preparado o projeto da nova Lei que regulará o setor. Esta, presentemente em discussão no Congresso Nacional não propôs critérios nítidos para a forma de privatiza- ção do sistema Telebrás nem, tampouco, fixou condições definidas para a produção de equipamentos no País e nem para as atividades de P&D. Aparen- temente caminharemos para uma total privatização do sistema, de forma frag- mentada em empresas regionais, sob o controle efetivo de grandes operadores estrangeiras com estímulos muito fracos à produção e ao desenvolvimento no País. As atribuições e a capacidade operacional da Agência Nacional de Tele- comunicações - ANATEL a ser criada pela nova lei geral para o setor, com o objetivo de fiscalizar e regular os serviços e concessões, ainda não estão defi- nidas. É preocupante, contudo, a falta de tradição e de experiência regulató- ria. Com tarifas reais substancialmente corrigidas, o fluxo de caixa (e os lu- cros potenciais) das empresas do Sistema Telebrás é atualmente muito vigo- roso e já permitiu uma significativa elevação dos investimentos em 1996. O desempenho futuro das inversões necessárias para melhorar expressivamente a capacidade do sistema (10,7 linhas por 100 hab., 32º no ranking mundial) 121 dependerá muito da eficiência da nova Agência de regulação. Há, evidente- mente, o risco de que os futuros concessionários utilizem as empresas como cash-cows, investindo aquém do potencial. No setor de energia elétrica o ônus à competitividade começa a se tornar visível com o aumento do risco de blecautes nos horários de pico. A retração dos investimentos decorrente da deterioração das tarifas e da desorganização do setor manteve nos últimos anos a capacidade de geração praticamente con- gelada em torno a 56 GW. A retomada, ainda que moderada do crescimento industrial e o explosivo aumento da demanda residencial, decorrente da extra- ordinária expansão do consumo de bens duráveis, tende a agravar a situação, sendo extremamente urgente a retomada das inversões. O governo espera ate- nuar os problemas de curto prazo através da interligação nacional do Sistema Eletrobrás, concluindo velozmente a conexão dos subsistemas Norte e Nordes- te com o Centro-Sul. Isto permitirá a utilização dos excedentes daquelas re- giões enquanto os novos concessionários privados efetuam investimentos. En- tretanto, a definição das regras do novo modelo e as atribuições da nova Agên- cia Nacional de Energia Elétrica - ANEEL ainda não foram fixadas pela nova lei do setor. Corre-se também neste caso o risco de que os novos controladores privados não invistam na escala necessária à expansão econômica do País, se a regulação não vier a ser executada com proficiência e visão de longo prazo. No caso do petróleo a recuperação dos preços domésticos dos derivados, embora gradualista, vem permitindo uma importante retomada dos gastos de prospeção e de investimento da Petrobrás. Ao longo dos próximos dois anos a produção de óleo cru da Bacia de Campos aumentará expressivamente, alcançando-se final- mente a almejada meta de 1 milhão de barris por dia. A flexibilização das regras do monopólio deveria permitir à empresa estatal um desempenho satisfatório nos próximos anos, porém sob crescente concorrência de grandes rivais estran- geiras nas esferas do refino e da distribuição. A atuação da agência regulatória a ser criada para o setor (A.N.P.) será fundamental - pois dela dependerão as condições de operação e de desempenho da Petrobrás. As condições do sistema de transportes se deterioraram de forma gra- ve nos últimos 15 anos. A degradação das condições operacionais dos trans- portes e atividades conexas (armazenagem e terminais, portuários e outros), hoje oneram seriamente as exportações, assim como os preços domésticos. O colapso dos mecanismos de financiamento não apenas reduziu ao míni- mo os novos investimentos como, principalmente, tornou precária a conser- vação e operação dos sistemas de transportes já existentes. No caso das rodovias sob responsabilidade federal, destaca-se que cerca de 33% da ma- 122 lha viária encontrava-se em 1996 em mau ou péssimo estado, contra 37% em estado regular. Dada a inviabilidade econômica de se privatizar a realização de novos investimentos rodoviários relevantes à retomada das inversões depende da re- cuperação da capacidade financeira dos Tesouros estaduais e do Tesouro nacio- nal. Novos esquemas de financiamento de longo prazo deveriam ser estrutura- dos para viabilizar uma urgente retomada dos investimentos necessários à res- truturação/ampliação de vias criticamente congestionadas. As ferrovias, por sua vez, apresentam um quadro de estagnação na capacidade de transporte de car- ga; deterioração nas vias permanentes e sistemas de apoio, no material rodante e de tração, com envelhecimento crescente; e redução dos trabalhos de conser- vação e manutenção. Há agora uma expectativa positiva de que os novos con- troladores privados possam melhorar substancialmente a eficiência dos siste- mas num prazo de 2 anos. Os portos, elemento decisivo na criação de externa- lidades competitivas, têm apresentado deficiências sérias, menos na oferta de serviços - que não têm ocasionado grandes congestionamentos - do que na sua eficiência operacional, muito abaixo dos padrões internacionais e responsável por substancial elevaçãode custos, que chegam a atingir níveis de 3 a 6 vezes acima dos praticados em grandes portos estrangeiros. Por fim, a navegação de cabotagem permanece estagnada, enquanto a hidroviária tem apresentado algu- mas iniciativas bem-sucedidas e constitui importante alternativa, eficiente e moderna, para desafogar o transporte interno de cargas em face de uma recupe- ração do crescimento econômico. No que se refere ao sistema de transportes fica muito claro que as con- cessões ao setor privado têm potencial limitado. Este, sem dúvida, pode operar, manter e restaurar vias existentes mas dificilmente poderá obter rentabilidade para solver investimentos de grande envergadura em novos projetos. Isto signi- fica a necessidade de que o Estado participe e coordene o processo, aportando recursos e estruturando condições de financiamento de longo prazo. A capacidade pública de planejar e de impor uma racionalidade de lon- go prazo para as infra-estruturas precisará ser recuperada e exercitada com proficiência pelas novas agências de regulação, dentro do novo modelo libe- ralizante e privatizante. Não se deveria depositar cegamente no setor privado a esperança de que os investimentos serão retomados com o vigor necessário, sem atentar para o fato de que nas áreas de infra-estrutura ainda persistem características de “monopólios naturais” em muitos segmentos/regiões. Será indispensável, portanto, que se percorra com velocidade o processo de apren- dizado das práticas de regulação. 123 Não se poderia encerrar este breve texto a respeito da recuperação das condições sistêmicas da competitividade no Brasil de hoje sem uma referência - ainda que superficial - a dois outros fatores relevantes: 1) tratamento fiscal e 2) condições de financiamento. No que toca ao tratamento fiscal os progressos realizados foram pontuais e insuficientes. A reforma tributária não avançou e em função de sua complexidade e das múltiplas fricções políticas que poderia causar, foi na prática abandonada pelo governo. Outras prioridades foram selecionadas e a reforma tributária foi segmentada em pontos específicos, a serem preferencialmente abordados através de projetos de lei ordinária, que dispensam a maioria de 3/5 exigida para as mu- danças constitucionais. Até o momento, porém, a preocupação tem se limitado à desoneração fiscal das exportações. Em 1996 o governo empenhou-se em apro- var um projeto (Lei Kandir) que isenta os produtos semi-processados e em aper- feiçoar as isenções sobre os bens de capital. No entanto, muitos aspectos impor- tantes do ponto de vista da competitividade ainda aguardam aperfeiçoamento, sendo inevitável em certos casos modificar artigos da Constituição. Com efeito, a estrutura tributária brasileira ainda está muito distante do padrão dos países desenvolvidos, particularmente no que se refere às seguintes características: a) peso muito elevado dos impostos indiretos e relativamente reduzido dos impostos diretos e sobre a propriedade; b) incidência em cascata (sobre o faturamento) de “contribuições sociais” (PIS-PASEP, COFINS, Con- tribuição Social sobre o Lucro) que oneram o comércio exterior. Além destes desvios persistem outras mazelas que reclamam correção: e.g. elevada hetero- geneidade de incidência da tributação sobre a renda; defeitos na incidência dos impostos sobre o valor agregado (ICMS, IPI, ISS). A reforma tributária deveria ter como princípio geral uma aproximação ao padrão internacional, com ampliação das bases de incidência (i.e. ampliação da justiça fiscal horizontal) e melhoria de sua eqüidade distributiva (i.e. princí- pio de progressividade ou de justiça fiscal proporcional). As seguintes reco- mendações* deveriam ser inscritas nos objetivos da reforma: 1. Revisão geral da sistemática dos impostos sobre valor agregado; 2. Criação de Contribuição Social sobre o Valor Adicionado (CVA); 3. Revisão geral dos atuais incentivos fiscais; 4. Adoção de tratamento estimulante aos investimentos e à P&D; 5. Adoção de tratamento estimulante à formação de poupanças domésti- cas de longo prazo. * Vide Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira - ECIB “Diretrizes para a Reforma Tributária” pp. 123-125 e Dain, S. 124 Não é necessário sublinhar a importância para a competitividade de que se avance no caminho da racionalização do tratamento fiscal. Condições mais harmônicas com as prevalecentes nos países da OCDE contribuirão para atrair mais investimentos diretos. De outro lado, uma iniciativa federal de coordenar o processo de descentralização dos investimentos industriais, dentro de crité- rios de racionalidade econômica de longo prazo é urgente e necessária para eliminar a atual onerosa e predatória “guerra fiscal” entre estados da federação. A articulação de fontes de poupança e financiamento de longo prazo representa outra área de déficit em matéria de iniciativa federal. Os custos de capital são extremamente elevados no Brasil, especialmente para as pequenas e médias empresas que não têm condições de acesso ao mercado internacio- nal e são obrigadas a arcar com juros domésticos e condições de financiamen- to muito desfavoráveis - o que representa um ônus pesado à competitividade empresarial brasileira. Não tendo sequer desmontado as bases da “ciranda financeira” - apesar do processo de estabilização já ter completado 3 anos de sucesso - o governo tem feito muito pouco para elevar a taxa de poupança doméstica, alongar pra- zos e criar condições de crédito adequadas aos investimentos de longa matura- ção. Algumas iniciativas vêm sendo propostas (e.g. fundos para capitalização de empresas emergentes, fundos de investimento em infra-estruturas promovi- dos por bancos nacionais e estrangeiros, organização de operações de project- finance pelo BNDES) mas ainda de forma pontual e desarticulada. A criação de meios e instrumentos de financiamento de longo prazo requer um projeto abran- gente e articulado que compreende os ingredientes seguintes: - a indução pelo Banco Central de operações internas de crédito e capitalização de longo prazo com o suporte de um sistema de garantia e refinanciamento centralizado pelo BNDES; - o desenvolvimento de operações conjuntas (co-financiamentos) entre os ban- cos privados e os bancos públicos de desenvolvimento; - o rápido desdobramento de operações internas securitizadas de financiamen- to, sob diferentes modalidades, diretamente emitidas pelas empresas investi- doras e/ou intermediadas pelos bancos e demais instituições financeiras; - o firme estímulo ao desenvolvimento dos fundos de pensão e das companhias de seguro, como bases de poupança estável, de “custo” reduzido; Seja escusado reafirmar que sem condições de crédito, financiamento e capitalização minimamente compatíveis e isonômicas às condições internacio- nais, será uma tarefa de Sísifo a promoção da competitividade brasileira. 125 VIII. Conclusões São, como vimos, difíceis os desafios à promoção da competitividade sistêmica no Brasil, fator-chave para a atração de investimentos diretos em grande escala - proporcional à importância e potencial da nossa economia. De saída se coloca a questão da sustentabilidade do crescimento, dadas as condições e bases de apoio do programa de estabilização baseado na “âncora cambial”. O crescente e perigoso déficit em conta-corrente reclama uma modi- ficação da arquitetura do plano Real - que deveria ser efetuada antes que as condições do mercado internacional de capitais nos obrigue a um ajustamento implacável e penoso. Não são fáceis as tarefas a serem empreendidas para via- bilizar um ajuste organizado: a) redução do déficit público; b) restauração da capacidade doméstica de poupança e investimento; c) avanço do processo de reformas institucionais. Não obstante, dado o elevado grau de dificuldade des- tes desafios é crucial que o governo consiga enfrentá-lo enquanto as condições financeiras globais continuambenignas. Da eficiência e da capacidade ordenadora do Estado depende a transição da estabilidade para um processo de desenvolvimento sustentável e competiti- vo. A reconstrução do Estado, em novas bases, com recuperação de sua capaci- dade ordenadora, constitui condição essencial para sustentar o desenvolvimen- to competitivo. Não se trata, é preciso dizer com clareza, de reconstruir o velho Estado nacional-desenvolvimentista, autocrático, instrumentalizado pela buro- cracia e vulnerável ao corporativismo e ao particularismo plutocrático. Não tem sentido, também, enveredar por uma discussão ideológica, centrada no fal- so dilema Estado versus Mercado. Trata-se, sim, de delimitar claramente o novo papel do Estado e de dotá-lo da orientação e dos meios adequados para que possa enfrentar os atuais desafios. O principal papel do Estado no desenvolvimento competitivo, na atual etapa, é o de promotor da competitividade em suas dimensões sistêmica, em- presarial e setorial. Este papel não se limita apenas a preencher as lacunas pro- vocadas pelas inevitáveis “falhas de mercado”, que sempre exigiram que o Es- tado assumisse tarefas que não estão ao alcance ou na esfera de interesse dos agentes privados (e.g. regulação dos monopólios, prestação de serviços essen- ciais, proteção do meio ambiente, etc.). Trata-se, também, de induzir os agentes privados, empresários e trabalhadores, a adotar comportamentos inovadores e cooperativos, essenciais ao fortalecimento da competitividade. A indução eficaz de tais comportamentos exige que os instrumentos de atuação do Estado sejam calibrados de modo a atender às características pecu- 126 liares dos diversos setores da atividade industrial (setores com capacidade com- petitiva, setores com deficiências competitivas e setores difusores de progresso técnico) e às especificidades dos vários tipos de agentes que neles atuam. As- sim, esses instrumentos deveriam ser articulados em programas com diferentes níveis de abrangência: programas para o conjunto da indústria, programas seto- riais e programas para sub-setores ou para categorias especiais de empresas. Novas externalidades muito mais complexas (e.g. formação de pólos de excelência e de inovação, indução à cooperação e à formação de networks, de- senvolvimento da capacitação tecnológica e da introjeção das estratégias de inovação no setor empresarial) exigem, assim, criatividade, coordenação e um salto de qualidade no que diz respeito à capacitação do Estado. Na ausência da liderança organizadora do Estado os interesses particula- res tendem a leiloar suas decisões de localização de novos investimentos, indu- zindo uma indesejável concorrência predatória no plano sub-nacional. A ado- ção de uma política regional explícita e legitimada, sob coordenação federal, tornou-se portanto urgente. Além disso, o rápido desenvolvimento da capacida- de pública de regulação das áreas de monopólio público recém concedidas à iniciativa privada parece também urgente para evitar o previsível aparecimento de distorções e condutas microeconômicas maximizadoras que não atenderiam aos interesses sociais de longo prazo. A sólida recuperação dos investimentos em infra-estruturas constitui, sem dúvida, uma condição básica para a competi- tividade sistêmica. Além disso, é também indispensável o desenvolvimento de finanças industrializantes, para reduzir os custos de capital, alongar prazos e viabilizar a elevação da taxa agregada de formação de capital. Seja escusado reiterar que a restauração da capacidade de investimento e de planejamento do Estado (o que implica em quadros técnicos capacitados - reforma administrativa); o desenvolvimento de sua capacidade de regulação das novas áreas/tarefas entregues ao setor privado (i.e. meio-ambiente, regula- ção de monopólios, promoção da concorrência, propriedade intelectual etc.); a reorientação dos seus instrumentos de fomento (i.e. política comercial, desenvolvimento tecnológico, capitalização de pequenas empresas, formação de networks, indução à cooperação, políticas setoriais inovadoras etc.) são condições indispensáveis a um novo estilo de desenvolvimento alavancado pela competitividade sistêmica. O desenvolvimento competitivo exige parceria entre Estado e setor priva- do. A regulação, o planejamento e a implementação de mecanismos instituciona- lizados de coordenação são os principais canais para estimular os comportamen- tos inovadores e para articular as iniciativas dos agentes privados (empresas e 127 trabalhadores). Através destes canais, o Estado deve sinalizar as estratégias, prio- ridades e metas para o desenvolvimento competitivo da indústria brasileira. Os agentes privados devem participar ativamente no processo que leva à definição dos objetivos e formular suas estratégias individuais no contexto de iniciativas coletivas consistentes. Não se trata de restringir a capacidade decisória dos agen- tes privados, mas de dar suporte às suas iniciativas visando gerar sinergias e resul- tados de longo prazo na construção da capacitação e da solidariedade (coesão) social que constituem as bases da competitividade sistêmica. IX. Bibliografia CHANG, Ha-John, Globalization, Transnational Corporations and Economic Development, Cambridge University, Junho, 1996. COUTINHO, L. G. e FERRAZ, J. C. (Coords.), ECIB - Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira, Ed. Papirus, 1993. DAIN, S., Determinantes de Natureza Regulatória da Competitividade, Relató- rio Síntese do Bloco III do Estudo da Competitividade da Indústria Bra- sileira - ECIB, 1993. DOURRILLE, E., Le Systéme Productif Japonais Joue la Carte de la Globalisation, Economie et Statistique, (232), maio, INSEE, 1990. LALL, S. (ed.), Transnational Economic Development, Routledge, Londres, 1993. OECD, Industrial Policy Review 1992, Paris, OECD, 1992a. _____, Strategic Industries in a Global Economy: Policy Issues for the 1990s, Paris, OECD International Futures Programme, 1992b. OMAN, C., Globalization and Regionalization: the challenge for developing countries, OECD, Development Centre Studies, Paris, 1994. STOPFORD, J., The Growing Interdependence between Transnational Corporations and Governments, in: Transnational Corporations, vol. 3, nº 1, 1994. 129 Políticas sistêmicas para a inserção global do Estado de São Paulo Emerson Kapaz* I. Introdução Quando assumiu o governo de São Paulo, em janeiro de 1995, uma das metas do Programa do Governador Mário Covas dizia respeito à implantação de modelos mais modernos de relacionamento entre Estado e Sociedade. O objetivo era forjar um tipo de relação que preservasse o melhor das caracterís- ticas já existentes e, ao mesmo tempo, motivasse, através de ações coordenadas do governo, uma maior participação da população, através de suas instituições representativas, no processo de tomada de decisões, sempre com vistas ao de- senvolvimento econômico e social de todo o Estado de São Paulo. Nesse sentido, na área de Desenvolvimento Econômico, foram estabele- cidas duas diretrizes principais: • a desconcentração e descentralização das decisões, das ações, das responsa- bilidades e dos recursos; e • a mudança do papel do Estado de executor para coordenador e articulador dos processos de parceria. Especificamente para a área de Ciência e Tecnologia (C&T), como prin- cipais diretrizes, foram apontadas também: • o aumento do uso da capacidade instalada de C&T (via parcerias); • a busca por um maior vínculo do sistema de C&T com a sociedade. * Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Estado de São Paulo. 130 A decisão de mudar o papel do Estado, descrita acima, não foi apenas uma questão de fundo semântico. Ela tem uma importância fundamental, na medida em que visa uma mudança significativa no papel do Estado e estabelece novos limites para sua atuação e novas formas de intervenção. Assim,ao Estado é atribuído o papel de indutor do desenvolvimento e coordenador estratégico das ações, respeitando as peculiaridades locais, apon- tando caminhos e criando condições favoráveis à iniciativa dos agentes eco- nômicos, definindo metas, catalisando esforços e coordenando recursos para a promoção da atividade econômica. Aos municípios, às entidades não gover- namentais e à iniciativa privada é designada a responsabilidade de fazer aqui- lo que sabem “mais e melhor”, ou seja, organizarem-se entre si, regionalmen- te, pois conhecem melhor que ninguém suas necessidades, resguardado o inte- resse público e a promoção do bem-estar coletivo. Com isso, atendia-se a uma das prioridades do Programa de Governo, que é a busca da eficiência das políticas públicas, pois ela é associada à conju- gação da multiplicação das instâncias locais de decisão e ao controle direto dos usuários dos serviços prestados pelo Estado. Por outro lado, era necessária também a tomada de atitudes firmes para a retomada do desenvolvimento econômico do Estado, medida urgente principal- mente para aumentar a oferta de mão-de-obra não só na capital, mas em todo o interior do Estado. Nos dois primeiros anos de governo, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico dedicou-se quase que exclusivamente ao traba- lho de atração de novos investimentos para o Estado. Para fazer isso, porém, não utilizamos nenhum dos mecanismos que oferecem isenções e benefícios comprometedores para empresas e não nos alistamos no front dessa inútil guer- ra fiscal travada entre alguns estados brasileiros. O que fizemos foi implantar e aprimorar projetos que aumentassem a competitividade sistêmica do Estado e trabalhar com base nas vantagens comparativas de São Paulo, que não são poucas: excelente infra-estrutura já instalada, o maior mercado consumidor do país, grande número de univer- sidades e institutos de pesquisa reconhecidos internacionalmente, mão-de- obra qualificada e centenas de cidades com excelentes indicadores sociais e qualidade de vida. Os resultados foram mais que animadores. No final de 1996, já podía- mos contabilizar mais de US$ 15 bilhões de investimentos confirmados para o Estado, em empreendimentos que vão de montadoras de automóveis a indús- trias de tecnologia de ponta, passando pelo comércio e empresas prestadoras de 131 serviços. Estes novos negócios vão gerar, até sua implantação, em 1998, cerca de 320 mil novos postos de trabalho, diretos e indiretos (veja tabela de investi- mentos anexa), e estão espalhados pela capital, Grande São Paulo e, principal- mente, por todo o interior paulista. A escolha de cidades do interior para sediar tantos novos investimentos está provocando duas situações distintas, ambas positivas. A primeira delas tem uma repercussão óbvia real: um grande impacto na economia regional, pois leva para várias cidades o desenvolvimento econômico e social e promove uma melhor distribuição da arrecadação de impostos. Provoca também mudanças no mapa de empregos no Estado, pois a oferta de vagas na indústria começa a migrar para fora da região metropolitana de São Paulo, tradicional reduto deste mercado de trabalho. E é isso que nos leva à segunda situação, que exige uma reflexão um pouco mais profunda para que se possa ter o alcance real de sua importância e, por isso, vale a pena nos determos um pouco mais aqui. É que ela reflete um fenômeno que acontece atualmente na Grande São Paulo, formada principal- mente pelos municípios do ABCD paulista, cuja compreensão nem sempre é fácil, principalmente porque lida diretamente com a perda de vagas na indús- tria. Trata-se da transição do perfil produtivo de toda uma região, onde a econo- mia está se tornando mais especializada e mais voltada para áreas de tecnologia de ponta. Cidades como Santo André, São Caetano, São Bernardo, São Caeta- no, Diadema e Mauá terão cada vez mais exclusividade nas linhas de produção de maior conteúdo tecnológico e de mão-de-obra especializada. É verdade que algumas indústrias deixaram o ABCD paulista e a própria capital, motivadas principalmente pela supervalorização dos terrenos, do forte movimento sindical e pelas exigências da globalização. Na década passada, alguns investimentos migraram para outros estados com economias emergen- tes, como Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Isso representou uma queda de sete pontos no PIB paulista, baixando nossa participação no PIB brasileiro. Hoje, a participação paulista no PIB nacional já é de 38%, o que demonstra um consistente processo de recuperação da economia do Estado. Além disso, mui- tas empresas que pensam em sair da Grande São Paulo não pensam em mudar de Estado, mas sim em instalar-se em cidades do interior de São Paulo. Ao mesmo tempo, parece não restar mais dúvidas de que as empresas de serviços é que comandarão a economia de São Paulo dentro de alguns anos. É certo que o crescimento da indústria de serviços não acompanha, no mesmo passo, a oferta de empregos, mas está chegando perto. De 1990 até hoje, foram perdidos mais de 800 mil empregos na indústria de transformação na Grande 132 São Paulo. O setor de serviços, no mesmo período, passou por uma expansão na oferta de empregos, com mais de 700 mil novas vagas. A região do ABCD, que ainda é o mais importante pólo industrial da América Latina, sofre os im- pactos das grandes transformações que a indústria tem vivido nos últimos anos, com o surgimento de novos modelos de produção, cuja maior consequência é a diminuição expressiva das vagas de trabalho. Além disso, a região apresenta muitas carências sociais e de infra-estrutura. O que é importante destacar, no entanto, é que a busca das soluções para a retomada do crescimento daquela região reflete exatamente a nova postura de relacionamento adotada pelo governo. Sob orientação da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, os próprios municípios afetados por estes problemas estão se organizando, buscando alternativas em conjunto e lançando sua Câmara Setorial Regional. Formada pelas autoridades munici- pais, entidades de classe, associações empresariais e representantes dos traba- lhadores e da sociedade civil de todas as cidades envolvidas, em parceria com o Governo do Estado, a Câmara Setorial Regional do Grande ABC já está se organizando para se adequar ao novo perfil de produção e às mudanças força- das pela economia globalizada. A retomada do crescimento e a inserção definitiva do Estado de São Pau- lo na economia globalizada, porém, ainda nos apresentava diversos desafios, representados pela abertura das importações, a restruturação internacional de diversos setores, a difusão de novos processos tecnológicos e novas formas de administração e gerenciamento. Internamente, tornou-se cada vez mais acirra- da a disputa entre Estados pela atração de novos investimentos, assim como surgiram novos pólos de crescimento em outras regiões do país. Para sistematizar o desenvolvimento paulista e consolidar o dinamismo da nossa economia, duas iniciativas terão, daqui para a frente, importância fun- damental: o Programa de Incentivos a novos investimentos e o Plano de Estra- tégia Competitiva do Estado. 2. Programa de Incentivos O Programa de Incentivos do Estado de São Paulo nada tem a ver com ofertas de isenção de ICMS e financiamentos absurdos. A Lei 9363 criou o Programa Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social que, no fundo, começa a colocar em prática uma verdadeira Política Industrial para o Estado de São Paulo. 133 Em seu Artigo 1º ela é assim definida: “A política estadual de fomento ao desenvolvimento econômico e social, consistente no conjunto de medidas e providências governamentais no campo da ordem econômica, ligadas às ativi- dades industriais e agro-industriais no Estado, se orientará, predominantemen- te, no sentido da busca do pleno emprego, da
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