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A VERDADE SEGUNDO HABERMAS

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A VERDADE SEGUNDO HABERMAS
Marcos Rolim
A obra de Habermas não é, propriamente, acessível. Além da complexidade dos temas abordados pelo autor, seu estilo é, muitas vezes, pouco estimulante ao leitor não iniciado. Entre os especialistas no Brasil parece haver, também, urna crítica generalizada e algumas traduções. Tudo isso tem feito com que os novos paradigmas propostos pela “filosofia da comunicação” permaneçam objeto de estudo de alguns poucos. 
 
Os temas trabalhados pelo pensamento habermasiano, entretanto, são centrais e incontornáveis para a reflexão política contemporânea. O fato de que sejam normalmente tratados a partir de um diálogo com as principais vertentes filosóficas - incluindo o próprio marxismo - só acentuam a sua significação. Habermas é, independente dos acertos ou erros de suas principais teses, uma das alternativas mais interessantes entre aquelas reflexões capazes de estimular novos caminhos.
 
Esta apreciação é responsável pela decisão arriscada de publicar este texto. A pretensão evidente foi a de fazê-lo de tal forma que sua leitura pudesse estimular outros curiosos da “Razão Comunicativa”. Se, não obstante, este não for o resultado que, pelo menos, a responsabilidade me seja debitada integralmente. A preocupação fundamental em torno da qual estaremos discorrendo diz respeito à teoria da verdade. Selecionei este tema no conjunto da reflexão habermasiana por entender que dele é possível derivar notáveis repercussões políticas. Com efeito, não me parece possível a fundação de um novo “fazer político” sem que se proceda um rompimento - ao nível teórico - com as noções derivadas das teorias da verdade como “adequação” entre pensamento e mundo objetivo. Tanto quanto me for possível, estarei situando esta questão referindo-me aos principais conceitos empregados e/ou propostos pela teoria da ação comunicativa razão pela qual este artigo pode oferecer um panorama da temática de Habermas. Longe de qualquer pretensão, esta característica confere ao texto um conjunto de limitações evidentes que, espero, não deverão comprometê-lo.
 
1- O PARADIGMA DA COMUNICAÇÃO
 
Habermas sustenta que as modernas sociedades se caracterizam por uma estrutura institucional dualista. De um lado, as instituições que se vinculam, primordialmente, ao contexto das ações socialmente integradas e, de outro, aquelas que traduzem, basicamente, os nexos das ações sistemicamente integradas.
 
O contexto das ações socialmente integradas é aquele onde os diferentes agentes coordenam suas ações tendo como referência alguma forma de consenso intersubjetivo, implícito ou explícito. Já o contexto das ações sistemicamente integradas é aquele onde a ação dos diversos agentes é coordenada pelo entrelaçamento funcional de conseqüências intencionais; cada ação individual é determinada por cálculos pessoais de maximização de utilidade. HABERMAS (1981:241) considera o sistema econômico capitalista como um caso típico de “contexto de ação sistemicamente integrado” destacando-se, neste exemplo, a instituição “mercado”. Da mesma forma, o autor refere-se ao estado administrativo para concluir que nos “ambientes” do dinheiro e do Poder reduzem-se os espaços para que a ação se verifique segundo um consenso. Em contrapartida, Habermas entende que a família nuclear moderna e a “esfera pública” - tal como a compreendemos normalmente — tendem a constituir contextos de ação socialmente integrados. A diferença aqui, é evidente, não corresponde a “espécies naturais” �; ou seja: a diferenças absolutas. Habermas pretende separar para análise os contextos de reprodução simbólica daqueles de reprodução material. A distinção tem um sentido operacional que pretende enfocar, em cada caso, um aspecto de um fenômeno único onde a reprodução material e simbólica se interpenetram.
O contexto das ações socialmente integradas abre-se para duas possibilidades: a integração assegurada espontaneamente; ou seja: através de um consenso tradicional, pré-reflexivo, e a integração assegurada comunicativamente, através de “consensos fundados”, rigorosos, obtidos através de um “discurso argumentativo”.
 
De imediato, esta posição de Habermas irá propor uma redefinição entre os termos da relação “público x privado”. De um lado, teríamos o “Lebenswelt”, “mundo da vida”, onde a participação política conforma a esfera pública e a família a esfera privada; de outro, teríamos o “sistema”, onde o Estado administrativo corresponde á esfera pública e a economia capitalista á esfera privada.
 
As relações sociais do “mundo da vida” assumem a forma de ação comunicativa, processo de interação mediado pela linguagem. Pode-se afirmar que, para Habermas, este ponto de partida redefine o conceito de práxis em sua reflexão filosófica. Ao invés das “filosofias do sujeito” ou da “consciência”, lemos a “filosofia da comunicação”; ao invés do paradigma “sujeito x objeto” temos o paradigma da intersubjetividade. Esta mudança, por sua vez, trará uma nova compreensão a respeito da Razão. Herdeiro do patrimônio crítico de Frankfurt, Habermas não compartilha do pessimismo da “Dialética do Esclarecimento”� e preserva conceitualmente o potencial emancipatório da Razão - como “Razão Comunicativa” - distinguindo-o da possibilidade de dominação da própria Razão (“Razão instrumental”) tornado evidente pelo próprio processo de modernização.
 
Diferentemente da Lingüística que tem por objeto as sentenças, a Teoria Pragmática da Comunicação estuda os enunciados. A distinção é fundamental para que se tenha presente a estrutura dupla da comunicação lingüística que propõe conteúdos e, ao mesmo tempo, estabelece o tipo de intersubjetividade que acompanha a comunicação. A linguagem contém sentenças mas contém igualmente as condições metalingüísticas de aplicação destas sentenças, o que cria significados, modula a compreensão e condiciona o comportamento dos sujeitos. Denomina-se “ato lingüístico“ aquele responsável pela transformação de uma sentença em enunciado. Em todo ato lingüístico há sempre uma parte “performativa“ e outra “proposicional”. Assim, por exemplo, na frase: “Prometo que p” “p” corresponde à parte proposicional e “prometo que” expressa o elemento performativo. A mesma proposição “p” adquire sentidos diversos a depender das condições performativas do enunciado (promessa, ordem, afirmação, ameaça, etc) �
 
Os verbos performativos constituem a essência da ação comunicativa e, “segundo Habermas”, podem ser:
 
a) Constatativos - quando descrevem fatos
b) Regulativos - quando normatizam a ação
c) Representativos - quando manifestam intenções
Percebe-se que cada um destes “tipos” remete a uma realidade determinada. Assim, os verbos constatativos referem-se ao chamado “mundo objetivo”; os verbos regulativos ao “mundo social” e os verbos representativos ao “mundo subjetivo”.
 
O emprego destes verbos performativos envolve, sempre, pretensões de validade. Basicamente, são três as pretensões de validade que acompanham os atos lingüísticos: �
 
a) Verdade - pretensão de validade que vinculamos aos enunciados ao afirmá-los. Esta pretensão acompanha sempre os enunciados com verbos constatativos.
 
b) Justiça - � pretensão de validade que vinculamos aos enunciados mediante o uso de verbos regulativos.
 
c) Veracidade - pretensão de validade típica no uso de verbos representativos.
 
Quando a verdade de uma proposição se torna problemática, as perguntas típicas são respondidas por afirmações e explicações. Quando a justiça de uma prescrição é questionada, as perguntas típicas são respondidas com justificativas. Porém, quando a veracidade de um falante se torna questionável não lhe dirigimos perguntas, mas recorremos a depoimentos de terceiros. Há, aqui, uma importante diferença. Ao contrário das pretensões de verdade e justiça que permitem uma resolução no âmbito do discurso argumentativo, as pretensões de veracidade - que dizem respeito ao mundo subjetivo- só podem de desempenhar-se nos contextos de ação. A demonstração de veracidade só se torna possível como construção histórica que vincule ação e palavra e, mesmo assim, apenas para atestar a coerência. Já as pretensões de verdade e justiça exigem o abandono do contexto interativo e o ingresso num tipo de comunicação especial, o discurso argumentativo.
 
Para Habermas, a comunicação que se verifica nos contextos de ação serve para que os sujeitos troquem informações (experiências relativas ã ação) a partir de um reconhecimento tácito, pressuposto das pretensões de validades manifestas pelos falantes. Pelo contrário, o discurso só inicia no momento em que as pretensões de validade são problematizadas. Assim, Habermas exemplifica: Se afirmo que “o semáforo está amarelo” ou que “a maçã é amarela”, isto é - no contexto do trânsito de veículos ou no mercado de frutas - uma simples informação (comunicação de uma experiência referida à ação). Porém, se após um acidente automobilístico é necessário esclarecer se o sinal estava amarelo ou se, ao experimentar técnicas de cultivo, é necessário saber que a maçã já estava amarela em um determinado momento, então, estamos diante da mesma classe de expressões gramaticais e, não obstante, diante de significações distintas no âmbito da comunicação. “O mesmo ato de fala expressa no primeiro caso urna experiência.., e, no segundo, um pensamento que pode ser verdadeiro ou falso. Nos contextos da ação, posso me equivocar com as experiências com os objetos; nos discursos, tenho ou não razão no tocante à pretensão de validade que afirmo para meu enunciado.” (HABERMAS, 1989:119). No discurso, então, verifica-se outra comunicação onde os agentes apresentam argumentos. Denomina-se “discurso teórico” o processo argumentativo que tematiza as pretensões de verdade dos enunciados e “discurso prático” o processo argumentativo que tematiza as pretensões de justiça dos enunciados.
 
II - SOBRE A ÉTICA DISCURSIVA
 
Nos dois tipos de discurso é preciso usar princípios mediadores que permitam o trânsito do particular para o geral. No caso dos discursos teóricos, o princípio da indução pode caracterizar o tipo de debate que, por exemplo, acompanha as polêmicas da comunidade científica. Mas e quanto aos discursos práticos (morais)? Habermas propõe o “princípio universalização”, ou Princípio U que parte da premissa de que interesses não generalizáveis não podem servir de base para a justificação de normas. Ou, mais exatamente, que: ‘Toda a norma válida deve satisfazer a condição de que as conseqüências e efeitos colaterais, que (previsivelmente) resultarem para a satisfação dos interesses de cada um dos indivíduos do fato de ser ela universalmente seguida, possam ser aceitos por todos os concernidos (e preferidos a todas as conseqüências das possibilidades alternativas e conhecidas de regragem) “ (HABERMAS, 1989 b :86).
 
A Ética proposta por Habermas, assim, é uma ética formal, não centrada em valores, uma ética procedimental que propõe critérios para a validação de valores e que valida seus próprios critérios. Para a discussão que nos interessa, importa destacar que Habermas quer construir uma teoria consensual da verdade que abarque não apenas a verdade dos enunciados, mas também a justiça dos preceitos e valores morais.
 
Esta disposição demarca uma importante diferença do autor com a tradição do direito natural clássico cine afirma que os enunciados morais são suscetíveis de verdade no mesmo sentido que os enunciados teóricos, de um lado e, de outro, o afasta radicalmente das posições que desde o nominalismo e o empirismo até o positivismo afirma que os enunciados normativos não são suscetíveis de verdade.
 
Para Habermas, a epistemologia positivista confunde o caráter objetivo da experiência com a validade das afirmações (subjetivas) feitas sobre a experiência. Com estas afirmações, é preciso que se chegue a um consenso intersubjetivo mesmo sobre o caráter objetivo da experiência. Por não aceitar esta conclusão, aquela epistemologia tenta fundar um critério de validade dos atos lingüísticos fora da linguagem (metalingüística) o que redunda em uma empresa fracassada. Para Habermas, só se pode aclarar as pretensões de validade (de verdade e justiça) no âmbito da própria linguagem.
 
Há, porém, outro questionamento importante que Habermas deve responder e que lhe é endereçado pelo racionalismo crítico (Popper,etc..) A objeção pode ser sintetizada pelo argumento de B.H.Albert (apud ROUANET, 1989:32) que tenta mostrar que qualquer tentativa de fundamentação última leva a um impasse lógico caracterizado, por ele, come o “trilema de Münchausen”. Por este trilema ou a) a tentativa de fundamentação conduz a uma regressão infinita onde cada fundamento deve ser fundamentado, ou h) conduz a um círculo vicioso onde, de fundamentação em fundamentação, se retorna às premissas, ou e) leva à interrupção dogmática do processo de fundamentação pela seleção arbitrária de uma premissa que se toma conto ponto definitivo. (Este é o caso, por exemplo, do imperativo categórico de Kant que foi apresentado como um “fato da razão”).
 
Ocorre que está impossibilidade última de fundamentação só existe se aceitarmos apenas o paradigma lógico-formal no qual as proposições são deduzidas de proposições. A ética discursiva procura uma fundamentação pragmático-lingüística valendo-se, para isto, do conceito de “contradição performativa” esboçado por APEL (1985). Referindo-se a este ponto, ROUANET (1989:36) assinala: 
“Suponhamos que um crítico da teoria discursiva queira alegar que não existem pretensões de validade, por exemplo, a pretensão de verdade, ou da veracidade. Ele exprimiria esta opinião por um ato lingüístico da forma seguinte: “Afirmo que não tenho nenhuma pretensão de verdade”, ou “afirmo que não tenho nenhuma pretensão de veracidade”. 
 
Ora, no momento em que faz sua afirmação, o critico está invocando para ela uma pretensão de valida de. Ele está aceitando implicitamente um pressuposto necessário de toda a comunicação lingüística- o de que toda afirmação contém uma pretensão de verdade e de veracidade - o que contradiz sua própria afirmação. O que ele está dizendo é no fundo o seguinte: “afirmo, isto é, invoco a pretensão de que minha afirmação é verdadeira e de que estou sendo verídico, que não tenho nenhuma pretensão de verdade e de veracidade”. Surge uma contradição per formativa.
 
Por este caminho, Habermas pode fundamentar o princípio U pela simples razão de que esta premissa é necessária para que o próprio discurso prático seja possível. Para participar de um processo argumentativo é necessário pressupor que todos os participantes são verídicos, de que todos os interessados podem participar, de que ninguém será coagido, etc.. É evidente que estas condições serão, muitas vezes, contrafactuais; ou seja: não se verificarão concretamente. Não é este o ponto. O que Habermas sustenta é que, ao agirmos discursivamente, nós pressupomos a vigência desses princípios (mesmo que não o queiramos), pois são eles que garantem a própria possibilidade da argumentação. Caso contrário, só restariam as alternativas da conduta estratégica (de instrumentalização do outro), ou a ruptura de qualquer comunicação pela proposição da violência (estado de natureza).
 
O discurso prático - aquele que problematiza as pretensões de justiça - se comporta sempre criticamente frente a realidade simbólica da sociedade visto que nem todas as normas fáticas vigentes são razoáveis e que normas corretas podem não alcançar vigência fática. Já os discursos teóricos não podem dirigir-se criticamente frente à natureza (mundo objetivo) mas apenas contra afirmações falsas sobre a natureza. Outra distinção importante entre os dois discursos (prático e teórico) prende-se ao fato de que os atos de fala regulativos não podem ser imediatamente associados à pretensão de justiça porque a norma antecede sempre o ato de fala, Isto situa a razão pela qual a validade normativasó se expressa de forma impessoal em orações de dever. Assim, as pretensões de justiça se vinculam a atos de fala onde a razão para a ação é de tal forma que independe de quem fala e se expressa como princípio regulador.
 
III - A verdade como correspondência:
 
Habermas sustenta que é preciso distinguir fatos e objetos. Aquilo que justificadamente podemos afirmar o chamamos de fato; já os objetos da experiência constituem aquilo sobre o que fazemos afirmações. Aquilo que afirmamos dos objetos constitui um fato quando tal afirmação está fundamentada: “Com os objetos faço experiências, os fatos os afirmo; não posso experimentar fatos nem afirmar objetos. Ao afirmar um fato, posso me basear na experiência e me referir a objetos. E se os objetos de nossa experiência são “algo do mundo”, então não podemos dizer igualmente dos fatos que sejam “algo do mundo”. A teoria da verdade como correspondência deve, entretanto, pressupor esta afirmação. Afinal, não devem os enunciados corresponder aos fatos? E poderá ter esta expressão algum sentido se os fatos não representarem algo real com os objetos?
 
Por este caminho, a teoria da verdade como correspondência termina por revelar-se auto-contraditória como já o havia assinalado Peirce. Nas palavras de Habermas: 
“Se ao termo realidade não podemos dar-lhe nenhum outro sentido do que aquele que vinculamos com os enunciados sobre os fatos, e entendemos o mundo como a soma de todos os fatos, então a relação de correspondência entre enunciados e realidade só poderia determinar-se, por sua vez, mediante enunciados.” 
 
Trata-se da aporia (contradição) observada por APEL (1991:47) nos seguintes termos:
 “Se se pergunta pelo critério de existência da suposta coincidência ou adequação, a resposta deveria ser dada, propriamente, por um observador que pudesse colocar-se fora da relação sujeito-objeto de conhecimento e que pudesse julgá-la como uma relação entre objetos.” 
 Ainda que se pudesse supor ingenuamente tal julgamento externo, não seria possível fazê-lo de forma criteriosa pois todo o intento de realizar o exame da existência da relação de adequação seria feito mediante um juízo que, por sua vez, precisaria deste mesmo exame.
Mesmo assim, Habermas assinala que a teoria da verdade como “correspondência” parte de urna observação correta. Com efeito, os enunciados devem adaptar-se aos fatos e não os fatos aos enunciados. Ocorre que na visão habermasiana os fatos só advém na linguagem quando as pretensões de validade dos enunciados são problematizadas o que, como já assinalamos, abre o processo comunicativo para o terreno próprio do discurso. É evidente que no processo argumentativo pode-se referir a experiências tendo-se, todavia, em conta que isto pressupõe a interpretação das experiências o quê, por sua vez, desempenha-se no próprio discurso argumentativo. Por isso, uma pretensão de verdade alicerçada na experiência não é uma pretensão fundada (criteriosa).
A verdade é tratada, então, como categorialmente pertencente ao mundo do pensamento e não das percepções. Toda e qualquer pretensão de verdade, então, desempenha-se mediante argumentos e não mediante experiências. Não fosse assim, os progressos científicos, por exemplo, dependeriam historicamiente da produção de novas experiências e não, como ocorre freqüentemente, de novas interpretações sobre as mesmas experiências.
 
Na sua arquitetura conceitual, Habermas irá diferenciar as “pretensões de validade” daquilo que ele denomina “vivências de certeza". Não se pode, de fato, afirmar que um enunciado só seja verdadeiro para unia pessoa; entretanto,
 
a certeza de uma percepção só se dá para o sujeito que percebe e para mais ninguém. É evidente que várias pessoas podem compartilhar a certeza de que perceberam um mesmo fenômeno, mas, neste caso, chegam a esta convicção depois de compartilharem as mesmas afirmações. “Urna pretensão de validade eu a proponho; uma certeza, a tenho”. 
O ato de compreensão depende da percepção de signos e está permeado por vivências de certeza que Habermas chama de “certezas não sensíveis”. Este tipo de certeza acompanha, por exemplo, nossas intuições exemplares ou paradigmáticas como quando tratamos com proposições matemáticas simples. De outra parte, quando acreditamos na veracidade de alguém, nos vemos diante de urna “certeza de fé”, fruto das interações vividas com este alguém que nos fazem acreditar que ele diz o que realmente pensa. Por fim, para designar o tipo de certeza que acompanha os sentidos humanos temos as “certezas sensíveis”. Todas estas vivências de certeza estão diretamente ligadas à experiência. Entretanto, quando estamos diante de pretensões de verdade ou justiça, só podemos estar seguros de que sabemos algo ou convencidos de que tal regramento é justo se aduzimos razões que nos pareçam suficientemente fortes para contraditar as possíveis objeções. Este tipo de convicção se alicerça, portanto, em argumentos e não na experiência.
IV - Verdade e Consenso:
Vimos como, para Habermas, as questões de verdade só se colocam quando as pretensões de validade pressupostas ingenuamente nos contextos de ação são problematizadas. A própria idéia de verdade, então, só pode desenvolver-se (desempenhar-se) no discurso argumentativo. Denomina-se “verdadeiro”, desta forma, o enunciado que pode ser fundamentado. Neste sentido, o objetivo de uma “teoria consensual da verdade” é esclarecer o que significa o desempenho discursivo das pretensões de validade.
 
Nesta tentativa, HABERMAS (1989 a: 121) parte da seguinte proposição:
 “Só posso atribuir um predicado a um objeto se também qualquer um que entrasse em discussão comigo pudesse atribuir o mesmo predicado a este mesmo objeto; para distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, me refiro aos juízos dos outros e, por certo, ao juízo de todos aqueles com quem eu pudesse iniciar uma discussão (concluindo, contrafaticamente, todos os oponentes que fedes se encontrar se minha vida fosse coextensiva com a história da humanidade). A condição para a verdade dos enunciados é o potencial assentimento de todos os outros... A verdade de urna proposição significa a promessa de alcançar uni consenso racional sobre o dito”. 
Para que possamos discutir esta noção é preciso, antes de tudo, afastar a idéia de que a expressão “consenso” possa ser entendida como um acordo obtido contingentemente. Fosse assim, é evidente que o consenso jamais poderia servir como critério de verdade. Habermas fala em “consenso fundado”, vale dizer: consenso criterioso. Isto, entretanto, coloca novas questões. Em que consiste este consenso criterioso? Não estaríamos aqui diante de uma contradição? Como observou K. Lorenz: “Um consenso, para poder garantir a verdade de enunciados postos em questão, está submetido ainda a condições cujo cumprimento não pode orientar-se, por sua vez, por um consenso.
Habermas aceita esta objeção e assume a tarefa de demonstrar em que consiste a força geradora de consenso de um argumento. “A teoria consensual da verdade pretende explicar a peculiar coação sem coações cine exerce o melhor argumento pelas propriedades formais do discurso e não por algo que, como a consistência lógica das orações, esteja subjacente ao contexto da argumentação ou que, como a evidência das experiências, penetre, por assim dizer, na argumentação desde fora.” 
Trata-se de garantir que o desempenho discursivo afirme a força do melhor argumento e que não seja presa das coações lógicas ou empíricas. Esta “força”, Habermas denomina “motivação racional.”
 
No caso da fundamentação das afirmações, a indução serve como um “princípio ponte” para justificar o trânsito logicamente descontínuo de um número finito de enunciados singulares a um enunciado universal (hipótese); já no que se refere à fundamentação de normas e valorações é necessário o principio de universalização. A força geradora de consenso de um argumento está no trânsito justificado mediante induçãodas observações/constatações às regularidades empíricas e/ou hipóteses legaliforrnes (discurso teórico) e no trânsito justificado mediante universalização dos valores/conseqüências para as normas ou princípios de ação (discurso prático).
Ocorre que o próprio processo argumentativo exige a escolha de um sistema de linguagem compatível e de um nível de argumentação. O desempenho discursivo deve ser tal que permita a modificação constante dos níveis de argumentação e a adequação/superação do próprio sistema de linguagem escolhido inicialmente. Por este processo, Habermas assinala que o progresso do conhecimento se efetua na forma de uma crítica substancial da linguagem.
Tanto o discurso teórico quanto o discurso prático devem permitir uma progressiva radicalização, vale dizer: autoreflexão do sujeito congnoscente. Neste processo de radicalização as normas teóricas básicas revelam seu núcleo prático (moral) pois o conhecimento se mede tanto pela coisa da qual se sabe quanto pelo interesse que, em cada caso, motivou a investigação. Assim, por exemplo, a questão: “- Que tipo de informação queremos dar preferência no futuro?” Converte-se em uma questão prática (moral) que afetará o desenvolvimento da ciência. Neste ponto, coloca-se a questão: “- O que devemos querer conhecer?”. Esta questão prática (moral), por sua vez, entrelaça-se com uma questão teórica, a saber: “- Que conhecimento podemos querer?”
Desta maneira, num consenso alcançado argumentativamente é critério de validação das pretensões de verdade e justiça apenas se estiver assegurada a passagem entre os vários níveis do discurso. Habermas, então, enumera as propriedades formais que permitem esta condição:
1) Todos os participantes potenciais em um discurso tem que possuir a mesma oportunidade de realizar atos de fala comunicativos, de sorte que em todo momento tenham oportunidade tanto de abrir um discurso como de perpetuá-lo mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas.
2) Todos os participantes no discurso tem de possuir igual oportunidade de realizar interpretações, afirmações, recomendações, dar explicações e justificações e de problematizar, confirmar ou refutar as pretensões de validade, etc...
3) Para o discurso só se permitem falantes que como agentes, isto é: nos contextos da ação, tenham iguais oportunidades de realizar atos de fala representativos, ou seja: de expressar suas atitudes, sentimentos e desejos. Só a recíproca sintonização dos espaços de expressão individual pode garantir que os agentes, também como participantes do discurso, sejam verazes uns com os outros e façam transparentes sua natureza interna.
4) Para o discurso só se permitem falantes que como agentes tenham a mesma oportunidade de realizar atos de fala regulativos, ou seja: de mandar e opor-se, de permitir e proibir, de fazer e retirar promessas, de dar razões e exigi-las. Pois só a completa reciprocidade de expectativas de comportamento - o que exclui privilégios no sentido de normas de ação que só obriguem unilateralmente - pode garantir que a distribuição eqüitativa formal das oportunidades de abrir a discussão e prossegui-la se coloque também faticamente deixando em suspenso as coações da realidade...
O conjunto destas características introduz na estrutura conceitual habermasiana a noção crucial de “situação ideal de fala”. Numa situação ideal de fala excluem-se as distorções sistemáticas do processo de comunicação, servindo como um parâmetro para separar os consensos enganosos dos consensos fundados, no contexto da avaliação dos acordos cognitivos alcançados no âmbito fático. Mas, afinal, a “situação ideal de fala” é realmente possível faticamente? Não estaríamos diante de uma simples construção teórico-prática - de resto irrealizável - e cujo sentido, na melhor das hipóteses, cumpriria a função das “idéias reguladoras”? A resposta de Habermas é um pouco mais complexa. Em sua opinião, é evidente que a “fala empírica” está normalmente submetida a restrições tais que impedem o atendimento das exigências já mencionadas. As condições que estruturam uma situação ideal de fala são, assim, em larga medida, contrafáticas (que contrariam a realidade empírica – dos fatos). Não obstante, Habermas não considera a priori impossível cumprir aquelas exigências. O problema mais grave é outro: importa saber como é possível comprovar empiricamente se as condições de uma situação ideal de fala estão preenchidas.
Na ausência de um critério externo ao discurso jamais poderemos estar seguros de que, de fato, participamos de um processo argumentativo ou se permanecemos submetidos às coações da ação realizando um pseudo-discurso. Com esta constatação, Habermas entende que a “situação ideal de fala” é, concretamente, uma suposição inevitável que nos fazemos reciprocamente nos discursos. Não se trata, portanto, nem de um fenômeno empírico, nem de uma simples construção teórico-prática, mas de um pressuposto necessário ao processo argumentativo. “Esta suposição (a situação ideal de fala) pode ser contrafática; porém, não tem que necessariamente sê-lo; mas, mesmo quando se faça contrafaticamente, é uma ficção operante no processo de comunicação. Prefiro falar, portanto, de uma antecipação de uma situação ideal de fala.” 
É esta antecipação o que garante que um consenso faticamente alcançado possa ser tomado como racional. Em contrapartida, é em nome desta antecipação que podemos, racionalmente, questionar qualquer consenso e concebê-lo como não-fundado.
Por este caminho, a noção de “situação ideal de fala” adquire para o próprio processo argumentativo o significado de uma “aparência constitutiva” que é, ao mesmo tempo, previsão de uma forma de vida capaz de produzir concretamente as condições empíricas para a realização, ainda que aproximada, de uma comunicação livre e sem distorções. As próprias características do discurso argumentativo, assim, são perpassadas por uma hipótese ética.
 
 
 
 Referências:
APEL, K.O. (1985) La Transformación de la Filosofia, tomos I e II, Madrid, Ed. Taurus.
HABERMAS, J (1981) Teoría de la Acción Comunicativa, Tomo II, Madrid, Ed. Taurus.
_____________(1989a) Teoría de la Acción Comunicativa: complementos y estudios prévios”, Madrid, Cátedra.
_____________(1989 b) Consciência Moral e Agir Comunicativo, Biblioteca Tempo Universitário, nº 84, Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro.
ROAUNET, Sérgio Paulo (1989) “Ética Iluminista e Ética Discursiva”, in: Revista tempo Brasileiro, nº 98, Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro.
� Tomo emprestado o termo tal como foi empregado por Nancy Fraser no ensaio “Que é crítico na teoria crítica? O argumento de Habermas e Gênero.” In: Feminismo como crítica da modernidade, Seyla Benhabid e Druzilla Cornell (orgs.) Rio de Janeiro, Ed. Rosa dos Tempos, 1987.
� Referência à obra de Adorno e Horkheimer.
� Ver Austin, J.L. (1989) “Quando Dizer é Fazer”, Porto Alegre, Artes Médicas.
� No ensaio “Teorias da Verdade”, Habermas fala também na pretensão de “inteligibilidade”, mas termina por situá-la como uma “condição da comunicação”. Ver HABERMAS (1989:123).
� O termo usado por Habermas é Richtigkeit (retidão, exatidão ou justeza). “Pretensões de retidão” referem-se, portanto, a juízos que postulem correção prática em sentido moral, o que equivale, a meu ver, ao sentido amplo em que empregamos o termo “Justiça”.

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