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1 UNIDADE IV – DIREITO ROMANO Ad usum privatum Prof.Dr. Frederico Martins (Esquemas de aulas conforme bibliografia) A herança cultural deixada pelos romanos contribuiu para transformá-los no mais importante e influente povo da civilização ocidental. Alguns fatores contribuíram para a ocupação da região: - os aspectos físicos (Roma está localizada na Península Itálica); - o solo fértil (facilitava a produção de alimentos); - ausência de bons portos (isolando relativamente a região); A Roma Antiga conheceu 3 formas de governo: Monarquia, República e Império. A MONARQUIA A forma de governo adotada em Roma até o século VI a.C. foi a Monarquia. Os romanos acreditavam que o rei tinha origem divina. Esse período foi marcado pela invasão de outros povos (etruscos) que durante cerca de 100 anos, dominaram a cidade, impondo- lhe seus reis. Em 509 a.C., os romanos derrubaram o rei etrusco (Tarquínio - o Soberbo), e fundaram uma República. No lugar do rei, elegeram dois magistrados para governar. A REPÚBLICA No início da República, a sociedade romana estava dividida em 4 classes: Patrícios, Clientes, Plebeus e Escravos. A decadência política, social e econômica, fez com que a plebe entrasse em conflito com os patrícios, essa luta durou cerca de 200 anos. Apesar disso, os romanos conseguiram conquistar quase toda a Península Itálica e logo em seguida partiram para o Mediterrâneo. Lutaram mais de 100 anos contra Cartago nas chamadas Guerras Púnicas e em seguida, ocuparam a Península Ibérica (conquista que levou mais de 200 anos), Gália e o Mediterrâneo Oriental. Os territórios ocupados foram transformados em províncias. Essas províncias pagavam impostos ao governo de Roma (em sinal de submissão). As conquistas transformaram exército romano em um grupo imbatível. A comunidade militar era formada por: - Cidadãos de Roma, dos territórios, das colônias e das tribos latinas que também tinham cidadania romana - Comunidades cujos membros não possuíam cidadania romana completa (não podiam votar nem ser votados) - Aliados autônomos (faziam tratados de aliança com Roma) 2 Além do exército, as estradas construídas por toda a península itálica também contribuíram para explicar as conquistas romanas. Os romanos desenvolveram armas e aperfeiçoaram também a técnica de montar acampamentos e construir fortificações. A disciplina militar era severa e a punição consistia em espancamentos e decapitações. Os soldados vencedores recebiam prêmios e honrarias e o general era homenageado, enquanto que os perdedores eram decapitados nas prisões. As sucessivas conquistas provocaram, em Roma, grandes transformações sociais, econômicas e políticas. No plano social, o desemprego aumentou por causa do aproveitamento dos prisioneiros de guerra como escravos. A mão-de-obra escrava provocou a concentração das terras nas mãos da aristocracia (provocando a ruína dos pequenos proprietários de terras que foram forçados a migrar para as cidades). Na economia, surgiu uma nova camada de comerciantes e militares (homens novos ou cavaleiros) que enriqueceram com as novas atividades surgidas com as conquistas (cobrança de impostos, fornecimento de alimentos para o exército, construção de pontes e estradas, etc). Além disso, a sociedade romana também sofreu forte influência da cultura grega e helenística: - A alimentação ganhou requintes orientais. - A roupa ganhou enfeites. - Homens e mulheres começaram a usar cosméticos. - Influência da religião grega. - Escravos vindos do oriente introduziram suas crenças e práticas religiosas. - Influência grega na arte e na arquitetura. - Escravos gregos eram chamados de pedagogos, pois ensinavam para as famílias ricas a língua e a literatura grega. Essas influências geraram graves conseqüências sobre a moral: multiplicou-se a desunião entre casais e as famílias ricas evitavam ter muitos filhos. Tais transformações foram exploradas pelos grupos que lutavam pelo poder e esse fato desencadeou uma série de lutas políticas. A sociedade romana dividiu-se em dois partidos: - o partido popular (formado pelos homens novos e desempregados). - partido aristocrático (formado pelos grandes proprietários rurais). Essas lutas caracterizaram a fase de decadência da República Romana. O IMPÉRIO ROMANO Dois nomes sobressaíram durante o Império Romano : Julio César e Augusto. 3 Após vários conflitos, Julio César tornou-se ditador (com o apoio do Senado) e apoiado pelo exército e pela plebe urbana, começou a acumular títulos concedidos pelo Senado. Tornou-se Pontífice Máximo e passou a ser: Ditador Perpétuo (podia reformar a Constituição), Censor vitalício (podia escolher senadores) e Cônsul Vitalício, além de comandar o exército em Roma e nas províncias. Tantos poderes lhe davam vários privilégios: sua estátua foi colocada nos templos e ele passou a ser venerado como um deus (Júpiter Julius). Com tanto poder nas mãos, começou a realizar várias reformas e conquistou enorme apoio popular. - Acabou com as guerras civis. - Construiu obras publicas. - Reorganizou as finanças. - Obrigou proprietários a empregar homens livres. - Promoveu a fundação de colônias - Reformou o calendário dando seu nome ao sétimo mês - Introduziu o ano bissexto - Estendeu cidadania romana aos habitantes das províncias - Nomeava os governadores e os fiscalizava para evitar que espoliassem as províncias Em compensação, os ricos (que se sentiram prejudicados) começaram a conspirar. No dia 15 de março de 44 a.C., Julio César foi assassinado. Seu sucessor (Otávio), recebeu o título de Augusto, que significava “Escolhido dos Deuses”. O governo de Augusto marcou o início de um longo período de calma e prosperidade. Principais medidas tomadas por Augusto: - Profissionalizou o exército - Criou o correio - Magistrados e senadores tiveram seus poderes reduzidos - Criou o conselho do imperador (que se tornou mais importante que o senado) - Criou novos cargos - Os cidadãos começaram a ter direitos proporcionais aos seus bens. Surgiu assim três ordens sociais: Senatorial (tinham privilégios políticos), Eqüestre (podiam exercer alguns cargos públicos) e Inferior (não tinham nenhum direito). - Encorajou a formação de famílias numerosas e a volta da população ao campo -Mandou punir as mulheres adúlteras - Estimulou o culto aos deuses tradicionais (Apolo, Vênus, César, etc) - Combateu a introdução de práticas religiosas estrangeiras - Passou a sustentar escritores e poetas sem recursos (Virgílio autor de “Eneida”, Tito Lívio, Horácio) Quando chegou a hora de deixar um sucessor, Augusto nomeou Tibério (um de seus principais colaboradores). A História Romana vivia o seu melhor período. A cidade de Roma tornou-se o centro de um império que crescia e se estendia pela Europa, Ásia e África. 4 Após a morte de Augusto, houve quatro dinastias de Imperadores: -Dinastia Julio-Claudiana (14-68): Tibério executou os planos deixados por Augusto. Porém, foi acusado da morte do general Germanicus e teve o povo e o Senado contra ele. Sua morte (78 anos) foi comemorada nas ruas de Roma. Seus sucessores foram Calígula (filho de Germanicus), Cláudio (tio de Calígula) e Nero. Essa dinastia caracterizou-se pelos constantes conflitos entre o Senado e os imperadores. Dinastia dos Flávios (69-96): neste período, os romanos dominaram a Palestina e houve a dispersão (diáspora) do povo judeu. Dinastiados Antoninos (96-192): marcou o apogeu do Império Romano. Dentre os imperadores dessa dinastia, podemos citar: Marco Aurélio (que cultivava os ideais de justiça e bondade) e Cômodo que por ser corrupto, acabou sendo assassinado em uma das conspirações que enfrentou. Dinastia dos Severos (193-235): várias crises internas e pressões externas exercidas pelos bárbaros (os povos que ficavam além das fronteiras) pronunciaram o fim do Império Romano, a partir do século III da era cristã. Alguns fatores contribuíram para a crise do império: colapso do sistema escravista, a diminuição da produção e fluxo comercial e a pressão dos povos que habitavam as fronteiras do Império (bárbaros). A partir do ano 235, o Império começou a ser governado pelos imperadores-soldados (que tinham como principal objetivo combater as invasões). Com a ascensão de Diocleciano no poder, em 284, o Império foi dividido em dois: Oriente (governado por ele mesmo) e Ocidente (governado por Maximiniano). Cada um deles era ajudado por um imperador subalterno – o César. Diocleciano acreditava que essa estrutura de poder (Tetrarquia) aumentava a eficiência do Estado e facilitava a defesa do território.Diocleciano tomou várias medidas para controlar a inflação. Seu sucessor (Constantino) governou de 313 até 337. Constantino legalizou o cristianismo e fundou Constantinopla – para onde transferiu a sede do governo, além de ter abolido o sistema de tetrarquia. A partir do século IV, uma grave crise econômica deixou o Império enfraquecido e sem condições de proteger suas fronteiras, isso fez com que o território romano fosse ameaçado pelos bárbaros que aos poucos invadiram e dominaram o Império Romano do Ocidente formando vários reinos (Vândalos, Ostrogodos, Visigodos, Anglo-Saxões e Francos). 5 Em 476 (ano que é considerado pelos historiadores um marco divisório entre a Antiguidade e a Idade Média), o Império Romano do Ocidente desintegrou-se restando apenas o Império Romano do Oriente (com a capital situada em Constantinopla é também conhecido como Império Bizantino – por ter sido construído no lugar onde antes existia a colônia grega de Bizâncio), que ainda se manteve até o ano de 1453 quando Constantinopla foi invadida e dominada pelos turcos. Durante toda a Idade Média, Roma manteve parte da sua antiga importância, mesmo com a população reduzida. Era apenas uma modesta cidade quando foi eleita capital da Itália em 1870. A civilização romana deixou para a cultura ocidental uma herança riquíssima. - A legislação adotada hoje em vários países do mundo tem como inspiração o Direito criado pelos romanos - Várias línguas (inclusive o português) derivaram do latim falado pelos romanos - Arquitetura - Literatura Os deuses romanos eram os mesmos da Grécia, porém com outros nomes. Durante o período republicano e imperial, os romanos seguiram a religião politeísta (crença em vários deuses), muito semelhante à religião praticada na Grécia Antiga. Esta religião foi absorvida pelos romanos, graças aos contatos culturais e conquistas na península balcânica. UTILIDADE DO ESTUDO DO DIREITO ROMANO O direito romano apresenta as categorias jurídicas fundamentais nas quais o direito moderno se baseia; Presta a dar uma visão geral de todo o sistema jurídico, especialmente do direito civil; Auxilia o iniciante ou não na técnica do raciocínio jurídico; Explica as categorias básicas conforme sua evolução histórica; O d. r. é um complexo de normas vigentes em Roma desde a fundação até a codificação de Justiniano. Fases do Direito Romano A) De acordo com as mudanças da organização do estado romano. I- Período Régio - da fundação de Roma (754 A.C.) até a República (510 A.C.) - governo monárquico patriarcal - Direito baseado no costume (mores)- ....consuetudinário. O Direito Sagrado (fas) ligado ao humano (jus). O Colégio Sacerdotal dos Pontífices tinha o monopólio dos dois direitos. II- Período Republicano - de 510 A.C. até a instauração do Principado com AUGUSTO em 27 A.C. - Ius distingue-se do FAS e formava-se uma classe de juristas leigos. Lei da XII Tábuas, de 450 A.C. Roma era governado por dois cônsules. LUÍS ANTONIO Realce 6 III- Período do Principado - de AUGUSTO até o Imperador DIOCLECIANO (284 D.C.) - foi o período de maior poder de Roma. A obra dos juristas manifestou-se na órbita do poder imperial. CARACALA (212) estendeu a cidadania romana a todos homens livres, habitantes do Mundo Romano. IV- Período da Monarquia Absoluta - de DIOCLECIANO até a morte do Imperador JUSTINIANO, em 565 - O centro de gravidade do império deslocou-se para Constantinopla. O imperador (Dominus et Dei) era o único órgão revelador do Direito. O Estado burocratizou-se. Faltaram grandes juristas e a evolução realizou- se como resultado do conhecimento jurídico dos períodos anteriores. Nos treze séculos da história romana o direito sofreu mudanças contínuas. Outra divisão tendo conta a evolução interna: O período arcaico (da fundação de Roma no sec VIII a.C. até o séc. II a.C.) O período clássico (até o séc. III d.C.) O Período pós-clássico (até o Séc. VI d.C.) O PERÍODO ARCAICO Formalismo e rigidez, solenidade e primitividade; O Estado tinha funções limitadas a questões fundamentais para sua sobrevivência: guerra, punição dos delitos mais graves e observância das regras religiosas; Os romanos eram considerados mais como membros de uma comunidade familiar do que como indivíduos; O marco mais importante é a codificação do direito vigente nas XII Tábuas (451 e 450 a.c.) por um decenvirato, especialmente nomeado para esse fim. Foram chamadas na época de Augusto (séc. I) fonte de todo o direito. Foram uma codificação de regras provavelmente costumeiras, primitivas e, às vezes, até cruéis. Segundo relatos históricos semilendários preservados por Lívio, no início da República Romana as leis eram guardadas em segredo pelos pontífices e por outros representantes da classe dos patrícios, sendo executadas com especial severidade contra os plebeus. Um plebeu chamado Terentílio (Gaius Terentilius) propôs em 462 a.C. a compilação e publicação de um código legal oficial, de modo que os plebeus pudessem conhecer a lei e não serem surpreendidos pela sua execução. Os patrícios opuseram-se à proposta por vários anos, mas em 451 a.C. um decenvirato (um grupo de dez homens) foi designado para preparar o projeto do código. Supõe-se que os romanos enviaram uma embaixada para estudar o sistema legal dos gregos, em especial as leis de Sólon, possivelmente nas colônias 7 gregas do sul da península Itálica, conhecida então como Magna Grécia. Dez primeiros códigos foram preparados em 451 a.C. e, em 450 a.C., o segundo decenvirato concluiu os dois últimos. As Doze Tábuas foram então promulgadas, havendo sido literalmente inscritas em doze tabletes de madeira que foram afixados no Fórum romano, de maneira a que todos pudessem lê-las e conhecê-las. Não são uma compilação abrangente e sistemática de todo o direito da época (e, portanto, não formam códigos na acepção moderna do termo). São, antes, uma série de definições de diversos direitos privados e de procedimentos. Consideravam de conhecimento geral algumas instituições como a família e vários rituais para negócios formais. O texto original perdeu-se quando os gauleses incendiaram Roma em 390 a.C. Nenhum outro texto oficial sobreviveu, mas apenas versões não- oficiais. O que existe hoje sãofragmentos e citações por outros autores, que demonstram haverem sido as Doze Tábuas redigidas em latim considerado estranho, arcaico, lacônico e até mesmo infantil, e são indícios do que era a gramática do latim primitivo. Semelhantemente a outras leis primitivas, as Doze Tábuas combinam penas rigorosas com procedimentos também severos. Os fragmentos que sobrevivem não costumam indicar a que tábua pertenciam, embora os estudiosos procurem agrupá-los por meio da comparação com outros fragmentos que indicam a sua respectiva tábua. Não há como ter certeza de que as tábuas originais eram organizadas por assunto. CONTEÚDO: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial (como deverá ser o procedimento de chamamento do réu a um processo e o inicio de um julgamento. É dever do réu responder quando chamado em juízo, porém, se não o fazer cabe ao autor levá-lo, mesmo que seja usando suas próprias mãos ou a força; se o juiz, ou árbitro ou uma das partes se achar acometido de moléstia grave, o julgamento deverá ser adiado. Aquele que precisar de alguma testemunha, deverá ir a sua porta e o chamar em alta voz para comparecer ao terceiro dia. Na segunda tábua também estão incluídos as regras acerca dos furtos e roubos); Tábua III - Normas contra os inadimplentes (execução dos devedores que confessaram a dívida. Esgotados os trinta dias e não tendo pago, deveria ser agarrado pelo autor e levado à presença do juiz. Se não pagasse e ninguém se apresentasse como fiador, o devedor era levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras); Tábua IV - Pátrio poder (De modo direto vemos que o pai tinha, sobre a sua esposa e seus filhos o direito de vida, morte e de 8 liberdade. “Se uma criança nascer com alguma deformidade deveria ser morta”). Tábua V - Sucessões e tutela (Se o pai de família morrer intestado, não deixando herdeiro seu, que o agnado mais próximo seja o herdeiro.”); Tábua VI – Propriedade (“Quando alguém faz um juramento, contrato ou venda, anunciando isso oralmente em público, deverá cumprir sua promessa”); Tábua VII – Servidões (“Se alguém destruir algo de alguém será obrigado pelo juiz a reconstruir ou restituir tal coisa”); Tábua VIII - Dos delitos O sistema penal da lei das doze tábuas era muito avançado para a época. A maioria das penas descritas são espécies de compensações pecuniárias pelos danos causados. Sofria a pena de morte aqueles que cometessem homicídio, ajuntamento noturno de caráter sedicioso e aquele que prender alguém por palavras de encantamento ou lhe der venenos. Sofria a pena de morte aqueles que cometessem homicídio, ajuntamento noturno de caráter sedicioso e aquele que prender alguém por palavras de encantamento ou lhe der venenos); Tábua IX - Direito público (“Se um juiz ou um árbitro indicado pelo magistrado receber dinheiro para julgar a favor de uma das partes em prejuízo de outrem, que seja morto.” Não é permitido o casamento entre os plebeus e os patrícios;) Tábua X - Direito sagrado (“Nenhum morto será incinerado ou queimado dentro da cidade”); Tábuas XI (perdida totalmente) e XII – Complementares (“Se um escravo comete um roubo ou um outro delito prejudicial, será movida contra o seu dono uma ação indireta, isto é, uma ação noxal – ação de reparação de perdas e danos). Com o passar do tempo o direito das XII tábuas tornou-se antiquado, superado e impeditivo de ulterior progresso. PERÍODO CLÁSSICO Produção do direito por magistrados e dos jurisconsultos. Inicialmente não podiam modificar as regras antigas, mas introduziram sim, revolucionárias modificações. O pretor era uma figura entre os magistrados republicanos. Cabia administração da justiça. Primeira fase do processo entre particulares. Verificava as alegações das partes e fixava os limites da contenda, para remeter o caso posteriormente a um juiz particular. Verificava a procedência das alegações diante das provas apresentadas e tomar, com base nelas, a sua decisão. Pretor urbano para os romanos. Pretor peregrino para os estrangeiros Tinha grande poder de mando (imperium). Ao fixar os limites da contenda, podia dar instruções ao juiz particular sobre como ele LUÍS ANTONIO Realce 9 deveria apreciar as questões de direito. Fazia isso através da formula. Podia deixar de admitir ações perante ele propostas (denegatio actionis), ou admitir ações até então desconhecidas no direito antigo. As diretrizes que o pretor ia obervar eram publicadas no seu Edito. O resultado dessas experiências foi um corpo estratificado de regras, aceitas e copiadas pelos pretores que se sucediam e que em 130 a.C. foram codificas pelo jurista Sálvio Juliano, por ordem do imperador Adriano. O direito pretoriano nunca foi comparado ao direito antigo “praetor ius facere non potest” mesmo se na prática o substituiu. Os juristas interpretavam a lei. Emitam pareceres jurídicos sobre questões práticas a eles apresentadas (respondere), instruíam as partes sobre como agirem em juízo (agere) e orientavam os leigos na realização de negócios jurídicos (cavere). Augusto concede a estes dar pareceres em nome dele. Esse direito era concedido a certos juristas chamados juriconsultos. Seus pareceres tinham força obrigatória em juízo. O método dos juriconsultos era casuístico. Examinavam, explicavam e solucionavam casos concretos. Eram avessos às abstrações dogmáticas. INTRODUÇÃO PARTE I GERAL PARTE II DIREITOS REAIS PARTE III DIREITO DAS OBRIGAÇÕES PARTE IV DIREITO DE FAMÍLIA PARTE V DIREITO DAS SUCESSÕES PARTE I – GERAL Historicamente é preciso distinguir o ius civilis do ius gentium. O primeiro denominado também ius quiritium, destinados aos cidadãos romanos (Quirites). Por outro lado as normas consuetudinárias romanas, consideradas como comuns a todos os povos e por isso aplicáveis não só aos cidadãos romanos, como também aos estrangeiros em Roma, constiuíam o ius gentium. Para os juristas romanos da época clássica, o ius gentium era um direito universal, baseado na razão natural (Gai 1.1). Na codificação de Justiniano encontramos a distinção entre o ius gentium e o ius naturale, este seria constituído de regras da natureza, comuns a todos os seres vivos, como as relativas ao matrimônio, procriação e educação dos filhos. Também havia diferenciação entre o ius civile e o ius honorarium. O ius honorarium era o direito elaborado (contido no edito) e LUÍS ANTONIO Realce 10 introduzido pelo pretor que, com base no seu imperium (poder de mando), introduzia novidades, criava novas regras e modificava substancialmente, supria ou corrigia o ius civile. As regras do ius civile provinhas do costume, das leis, do plebiscitos e, mais tarde, também dos senatus-consultos e constiuições imperiais. Assim o ius civile abrangia não só o antigo direito quiritário, como também o mais novo ius gentium. O ius extraordinarium do período imperial, com atividade jurisdicional (quase legiferante) do imperador e de seus funcionários, que então tinham substituído o pretor nesse mister. A – FONTES DO DIREITO ROMANO A produção das regras jurídicas se faz pelas fontes do direito. COSTUME: mos, consuetudo, mores maiorum quase exclusivo no período arcaico. É a observância constante e espontânea de determinadas normas de comportamento humano na sociedade. Cícero o definiu como sendo aprovado, sem lei, pelo decurso de longuíssimo tempo e pela vontade de todos. Juliano o caracteriza “inveterado”:inveterata consuetudo; Ulpiano “diuturno”: diuturna consuetudo; Deve ser de qualquer modo constante e universal; Segundo Gaio (sec. II) as fontes são: a lei (Lex), os pebliscitos (plebiscita), os senatus-constultos (senatusconsulta), as constituições imperiais (constitutiones principum), os editos dos magistrados (edicta magistratuum) e a jurisprudência (responsa prudentium). Leis e plebiscitos: eram manifestações coletivas do povo. As primeiras “leges rogatae”, tomada nos comícios, de que só participavam cidadãos romanos (populus romanus). Os comícios eram convocados pelos magistrados para deliberar sobre texto de lei por eles proposto. Senatus-consultos: eram deliberações do senado, cuja função legiferante foi somente reconhecida no início do Principado (27 aC. – 284 dC.). Na República, os senatus-consultos eram deliberações do senado, dirigidas mormente aos magistrados. No principado, eram propostos pelos imperadores e, no início, consistiam, também, em instruções aos magistrados sobre o exercício de suas funções. Mais tarde, a partir do imperador Adriano (117-138 dC.), passou- se a aprovar simplesmente, por aclamação, a proposta do imperador (oratio principis), transformando-se, destarte, o senatus-consulto numa forma indireta de legislação imperial. Constituições imperiais: eram disposições do imperador que não só interpretavam a lei, mas, também, a estendiam ou inovavam. As denominações variavam, conforme o conteúdo ou natureza delas: edicta – ordenações de caráter geral, à semelhança das ordenações dos magistrados republicanos; decreta – decisões do imperador, proferidas num processo; rescripta – resposta dadas pelo imperador a questões jurídicas a ele propostas por particulares em litígio ou por magistrados; mandata – instruções dadas pelo imperador, na qualidade de chefe supremo, aos funcionários subalternos. LUÍS ANTONIO Realce 11 Editos dos magistrados: fonte importantíssima do direito na República (527 – 27 aC.). A determinação da regra jurídica a ser aplicada pelo juiz na decisão de uma questão convertida cabia ao magistrado, especialmente ao pretor. Essa função se chamava juridição (jus dicere) e, no desempenho dela, os pretores tiveram prerrogativas bastante amplas, baseadas no poder de mando, denominado imperium. Quando julgavam podiam, se necessário ou oportuno, denegar a tutela jurídica, mesmo contra as regras do direito quiritário, ou, inversamente, conceder meios processuais a pretensões que não tinham amparo legal no mesmo direito. Dependia, deste modo, de seu poder discricionário a aplicação ou não daquelas regras do direito quiritário. Tinham eles outros meios processuais também para introduzir inovações, a fim de ajudar, suprir e até corrigir as regras do direito quiritário. Embora houvesse mudança anual dos magistrados, o edito passava a conter um texto estratificado, fruto da experiência dos antecessores, formando o chamado edictum tralaticium. Inovações também podiam ser introduzidas pelo novo pretor, mediante o edito chamado repentinum. Jurisprudência: os pareceres dos juriconsultos exerceram papel importante na evolução do direito romano. As regras consuetudinárias do direito primitivo, simples e rígidas tinham que ser interpretadas para que pudessem servir às exigências de uma vida social e econômica cada vez mais evoluída. Essa interpretação, as origens remotas do direito romano, estava reservada aos pontífices, que eram chefes religiosos. Mais tarde passa a ser obra dos juristas leigos (prudentes), conhecedores do direito. Eles inovavam, criavam novas normas, partindo das existentes: isto por meio da interpretação extensiva destas. Por exemplo: as XII tábuas conheceram uma regra que punia com a perda do pátrio poder, o pai de família que vendesse três vezes o filho. Desta regra, a interpretação jurisprudencial criou o instituto da emancipação. Para isso, o pai deveria vender, formal e ficticiamente, três vezes seu filho a um amigo de confiança. Este o libertava imediatamente após cada venda, com o que o filho voltava automaticamente para o pai. Após a terceira venda, porém, o filho libertado, já não retornava à sujeição do pai, cujo poder sobre ele assim se extinguia. Evolução histórica O costume, as leis e os plebiscitos, com respectiva interpretação jurisprudencial, representaram as fontes do direito quiritário (ius civile) na República (510 aC. – 27 aC.); O edito pretor, influenciado pelos senatus-consultos antigos, a fonte do direito pretoriano (ius honorarium) na mesma época. Estas fontes continuaram no período do Principado (27 aC. – 284 dC). Entretanto, decaindo a importância dos comícios legislativos e estratificando-se o edito pretoriano com o Edito Perpétuo de Sálvio Juliano, a atividade legislativa passou à alçada do imperador. Ele exercia pelos senatus-consultos por ele propostos e simplesmente aclamados pelos senadores. Cada vez mais o imperador legislava por meio das constituições imperiais, que eram as normas jurídicas por ele expedidas. 12 Na época pós-clássica, de organização política monárquica absoluta (284 dC. – 565 dC.) a única fonte de direito era, praticamente, a vontade do imperador, expressa em suas constituições. O conjunto de regras de direito por ele editada chamou-se de leges, em contraposição ao direito elaborado pelos pareceres dos jurisconsultos da época clássica, cuja importância jurídica e validade os imperadores conheceram e que se denominou iura. O código de Justiniano compõe-se das constituições imperiais. O Digesto é uma coleção de fragmentos das obras e pareceres dos jurisconsultos clássicos. O direito romano destinava-se aos cidadãos romanos, baseando- se no princípio da personalidade e não do território. Os estrangeiros também podiam estar em relações jurídicas com os cidadãos romanos, ou entre si, no território romano, caso em que o direito a eles aplicável seria o ius gentium. A eficácia da regra jurídica se inicia comumente com a promulgação, a não ser que ela disponha diferentemente a respeito da data em que deva entrar em vigor. A regra geral era a da irretroatividade da norma jurídica, que assim se aplicava apenas aos acontecimentos e fatos posteriores à sua entrada em vigor. Admitia-se, porém, a possibilidade da retroatividade, desde que o legislador assim o quisesse. Os casos já findos, com sentença ou por acordo entre as partes, não podiam estar sujeitos a normas retroativas, pois nessas hipóteses a lei que retroagisse estaria ferindo direitos adquiridos. A regra jurídica em vigor é aplicável a todos. A ignorância dela não isenta ninguém de suas sanções: iuris ignorantiam cuique nocere (Digesto 22.6.9). Não se aplicava esta norma aos menores de 25 anos, às mulheres, aos soldados e aos camponeses (rustici). A norma jurídica deixa de produzir seus efeitos quando termina sua vigência, se o prazo estiver nela estipulado. Não havendo estipulação de prazo, revoga-se a norma por uma que lhe seja contrária: Lex posterior revocat priori. A revogação pode dar-se também pelo costume: quer por regra contrária por ele introduzida, quer pela simples inaplicação constante da norma (desuetudo). Esta última forma foi a característica da evolução do direito em Roma. As regras antiquadas, caindo em desuso, eram praticamente abolidas, ainda que não expressamente. Direito subjetivo: significa a facultas agendi, que é um poder de exigir determinado comportamento de outrem, conferido pela norma jurídica. Ex: a regra que responsabiliza o vendedorpelos vícios ocultos da coisa vendida é um direito no sentido objetivo. O direito de não pedir rescisão da venda pelo vício descoberto na coisa recém-comprada é um direito subjetivo do comprador. Conforme o tipo de poder que representam e de acordo com a obrigação que geram podem ser classificados. Com essa classificação fazemos a divisão da matéria do direito privado romano. Os direitos subjetivos (e obrigações) são de dois tipos: decorrentes das relações familiares ou patrimoniais. Familiares: casamento, pátrio poder, tutela e curatela. LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 13 Patrimoniais dividem-se em dois grupos: os direitos reais e as obrigações. Direitos reais: conferem um poder absoluto sobre as coisas do mundo externo. Sua característica essencial é valerem erga omnes: “contra todos”. Os direitos obrigacionais existem somente entre pessoas determinadas e vinculam uma (o devedor) e à outra (o credor). Ex: o proprietário tem um direito real sobre o prédio em que mora. Todos devem respeitá-lo. Por outro lado, o locatário de um prédio só tem direito obrigacional contra a pessoa que o alugou a ele. Pode exigir dele que o deixe morar no prédio, mas não tem direito nenhum contra outras, ente os quais pode estar o verdadeiro proprietário também. As relações e modificações patrimoniais decorrentes do falecimento de uma pessoa, intimamente ligadas também ao direito de família, são tratadas pelo direito das sucessões. B. PRINCÍPIOS E CONCEITOS GERAIS 1. PESSOA FÍSICA A pessoa natural, também chamada pessoa física é o homem. Sua existência inicia com o nascimento. O nascituro não é ainda uma pessoa, mas é protegido desde a concepção e durante toda a gestação que o direito presume durar o prazo mínimo de 180 dias e o máxima de 300 dias. O direito romano conhece essa proteção: considerava o nascituro como já nascido (ficção), para fins de reservar-lhe vantagens. O feto tem que nascer com vida e com forma perfeita. Não é pessoa o natimorto. Extingue-se a pessoa física com a morte do indivíduo. Sua verificação não dependia de formalidade no direito romano, que não conhecia o registro civil como nossa época. Desconhecia a declaração e a presunção de morte pelo desaparecimento durante longo tempo. Quem tivesse interesse relacionado com o falecimento de alguém devia produzir a respectiva prova. Capacidade jurídica de gozo: liberdade, cidadania e situação familiar A capacidade jurídica de gozo, também chamada capacidade de direito é a aptidão do homem para ser sujeito de direitos e obrigações. Para ter a completa capacidade jurídica de gozo, isto é, para ter a idoneidade de ter direito e obrigações, era necessário, no direito romano, que a pessoa fosse: 1) livre; 2) cidadão romano, 3) independente do pátrio poder; 1) liberdade (status libertatis) Os homens podiam ser livres ou escravos. Eram livres aqueles que não eram escravos. A escravidão era um instituto jurídico reconhecido por todos os povos da antiguidade. Sua origem vem da guerra: os inimigos capturados passavam a ser escravos dos vencedores. Não só os prisioneiros de guerra. Todos os estrangeiros que pertencem a um país que não fosse reconhecido por Roma, ainda que não LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 14 estivesse em estado de guerra, eram considerados escravos, se caíssem no poder dos romanos. Outra fonte da escravidão era o nascimento. Era escravo o filho de escrava, independentemente da classe social do pai (livre ou escravo). O direito justinianeu concede o favor da liberdade ao filho de escrava que tivesse estado em liberdade em qualquer momento da gestação (segundo a ficção que o nascituro era considerado como já nascido). Também a título de pena alguém poderia se reduzido à condição de escravo. O escravo não podia ser sujeito de direitos, por lhe faltar a capacidade jurídica. Não podia ter direitos nem privados, nem públicos. Sua união conjugal (contubernium) não era casamento no sentido jurídico romano. Não havia entre ele, a mulher e os filhos, relações de parentesco, para fins de sucessão e outros. Não tinha patrimônio e tudo que adquiria pertencia ao dono, que tinha poderes sobre ele tão amplos como sobre as demais coisas de sua propriedade. Podia aliená-lo; em princípio até matá-lo. Ainda sim, sua condição humana o distinguia das outras coisas do patrimônio do dono (persona servilis). Participava do culto religioso da família. Seu túmulo era lugar sagrado, à semelhança do dos livres. Matar um escravo era crime, a que, já na República, correspondia a pena pública do homicídio, pela Lex cornelia de sicariis. Na República o escravo podia possuir um pequeno pecúlio, cedido pelo seu dono, que ele geria livremente. Legalmente o pecúlio continuava a pertencer ao dono, mas na prática estava sendo administrado pelo escravo, como se fosse dele. A condição de escravo era permanente. O escravo sem dono, por qualquer razão que fosse (ex por te sido abandonado), não se tornava livre. Continuava escravo sem dono (res nullius). A atribuição da liberdade ao escravo fazia-se, ordinariamente, por meio de um ato voluntário do dono e se chamava manumissão. Havia possibilidade de obter a liberdade diretamente por disposição da lei. O direito quiritário conheceu três formas de manumissão: manumissio vindicta, manumissio censu e manumissio testamento. Manumissio vindicta: era a utilização do processo judicial em que se discutia a questão de liberdade. O processo se chamava vindicatio in libertatem ou vindicatio in servituto (reivindicação). O dono utilizava esse processo. Pedia um amigo que intentasse uma vindicatio in libertatem perante o pretor, como defensor da liberdade. Quando o defensor declarava sua fórmula, alegando que o escravo era livre: tocava-o com a vindicta (varinha), sinal do poder. O dono não contestava e o silêncio dele era tido, processualmente, como confissão ou admissão da veracidade das alegações da outra parte. O pretor declarava livre o escravo, sem remeter o caso ao juiz para ulteriores averiguações e decisão final. Posteriormente a manumissio vindicta passa a ser uma declaração simples mas solene do dono perante o pretor e pala qual se conferia a liberdade. LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 15 Manumissio testamento: ou alforria testamentária, já era conhecida pelas XII Tábuas. O testador podia determinar no testamento que, com sua morte, o escravo fosse livre. Manumissio censu: mediante a inscrição com autorização do dono, do nome do escravo na lista dos cidadãos livres da cidade. A lista era elaborada pelos censores a cada cinco anos. Além desses modos de alforria do direito quiritário, o pretor reconhecia outros, sem solenidades. Alforria feita perante testemunhas (manumissio inter amicos), por escrito (per epistulam), fazendo-se sentar o escravo à mesa (per mensam), colocando-lhe o chapéu (per pileum). O escravo libertado se chamava liberto (libertinus ou libertus). Seus direitos políticos eram limitados. No direito privado encontravam-se sob o patronato do ex-dono. O patronato implicava uma relação de interdependência ente o ex-dono, patrono, e o ex-escravo, alforriado, liberto e até uma espécie de sujeição deste àquele. Do patronato decorriam direitos e obrigações recíprocas, mas nem sempre equivalentes, entre as duas partes. Essa situação não se transmitia aos seus herdeiros. Por parte do patrono, a relação passava aos filhos,no caso dele morrer antes do liberto. Quanto ao conteúdo do patronato estava o dever recíproco de prestar alimentos no caso de necessidade. O liberto passava a ter o nome do patrono e devia a ele respeito e reverência contínua (obsequium). Era por isso, proibido intentar ações criminais ou infamantes contra o patrono, para isso era necessário a autorização previa do magistrado. Além disso, o liberto devia certos serviços ao seu patrono (operae). O pretor garantia ao patrono a metade da herança do liberto que morresse sem deixar filhos ou que os deserdasse em vida. Essa metade da herança cabia ao patrono, mesmo contra outros herdeiros estranhos, nomeados em testamento pelo liberto. Com o favor imperial chamado natalium restitutio cessam totalmente os direitos do patronato e o liberto adquire, retroativamente, a posição de um ingênuo, pessoa nascida livre, que nunca foi escrava. O ius aurei anuli era outro favor, também conferido pelo imperador, e pelo qual se eliminavam as restrições político-sociais impostas aos libertos, como as de não poderem ser magistrados, não poderem ser nomeados senadores, não poderem servir nas legiões do exército. Do ponto de vista dos direitos privados, ius aurei anuli eliminava o impedimento matrimonial entre liberto e pessoa de classe senatorial, mas não extinguia os direitos do patronato. Com ele o liberto passava a ser um quase ingênuo. Ficavam livres por lei, a título de punição do dono os escravos velhos e doentes por ele expostos; a título de recompensa, o escravo que delatasse o assassino de seu amo. Também por lei os escravos que vivessem em liberdade por mais de 20 anos. Os ingênuos são os nascidos livres e que nunca deixaram de o ser, desde o nascimento. Não sofrem nenhuma restrição decorrente de seu estado de liberdade. 2) Cidadania (status civitatis) Em princípio o direito romano, tanto público, como privado, valia só para os cidadãos romanos (quirites). LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 16 Os estrangeiros (peregrini) não tinham a capacidade jurídica de gozo no concernente aos direitos e obrigações do ius civile. A eles se aplicavam as regras do ius gentium. O estrangeiro podia adquirir propriedades pelo direito dele, mesmo em Roma. Também podia fazer testamento, conforme as regras de sua cidade. Somente os peregrini dediticii, os inimigos vencidos, cujo direito e independência política não foram reconhecidos pelos romanos, estavam privados do uso de seu direito de origem. Eles se sujeitavam pura e exclusivamente às regras do ius gentium romano. Entre os estrangeiros os latinos, vizinhos de Roma (latini prisci), tinham capacidade jurídica de gozo semelhante à dos cidadãos romanos. Tinham o direito de votar nos comícios (ius suffragii), quando se encontravam em Roma, e podiam comerciar e contrair matrimônio: ius commercii e ius conubii. Com a extensão da cidadania a toda a Itália, em 89 a.C., essa categoria deixou de existir. Aparecem os latini coloniarii que eram os cidadãos das colônias fundadas por Roma e às quais fora dado o ius Latii. Estes gozam dos direitos privados (ius commercii e ius conubii), mas não os públicos (ius suffragii e ius honorum). A cidadania romana adquiria-se por nascimento de justas núpcias ou mesmo fora delas, se a mãe fosse cidadã no momento do parto. Os filhos nascidos de matrimônio misto (isto é, em que um dos cônjuges fosse estrangeiro) seguiam a condição de estrangeiro, de acordo com as disposições da lei Minicia. Adquiria a cidadania pela alforria quiritária. Além disso podia ser conferida pelos comícios por determinação dos magistrados e, mais tarde, pelos imperadores. A concessão podia ser feita a estrangeiro, quer em caráter individual, quer como medida de ordem geral. Ex. a extensão da cidadania a toda Itália em 89 aC. E a todos os habitantes livres do império em 212 dC. O cidadão romano, desde que preenchesse também o requisito da independência do poder familiar, tinha plena capacidade jurídica de gozo. 3) Situação familiar (Status familae) A organização familiar romana distinguia entre pessoas sui iuris (paterfamilias), independentes do pátrio poder, e pessoas alieni iuris, sujeitas ao poder de um paterfamilias. A independência do pátrio poder não tinha relação com a idade. Um recém-nascido, não tendo ascendente masculino, era independente do pátrio poder, ao passo que um cidadão de 70 anos, com o pais ainda vivo, era alieni iuris, isto é, sujeito, na qualidade de filiusfamilias, ao poder do pai. Os alieni iuris não eram absolutamente incapazes. Tinham plena capacidade no campo dos direitos públicos; podiam votar e ser votados para as magistraturas e, também, servir nas legiões. No campo dos direitos privados podiam casar-se (ius conubii), desde que obtivessem consentimento do paterfamilias, que, aliás, exercia o pátrio poder também sobre os netos. LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 17 Nas relações patrimoniais, tudo o que o alieni iuris adquirisse, adquiria para o paterfamilias; nas obrigações assumidas pelos alieni iuris a situação era diferente: o paterfamilias somente respondia excepcionalmente por elas. A evolução do direito romano se caracterizou pela responsabilização sempre crescente do paterfamilias no respeito às obrigações contraídas por seus familiares. Por outro lado foi conferida independência patrimonial aos alieni iuris por meio do desenvolvimento do instituto do pecúlio (peculium). Este era uma parte do patrimônio da família, entregue à administração direita dos alieni iuris. 2. “CAPITIS DEMINUTIO” A situação da pessoa quanto à capacidade jurídica era determinada pelos três estados: liberdade, cidadania e da família. Mudando-se um desses requisitos, mudava-se a situação jurídica. Esta mudança se chamava capitis deminutio. Segundo os três estados três podiam ser as alterações sofridas per capitis deminutio: 1) perda da liberdade, que acarretava a capitis deminutio máxima; 2) a da cidadania, a media; 3) a mudança do estado familiar, a capitis deminutio minina. A perda da liberdade verificava-se quando o cidadão romano caía prisioneiro do inimigo, servus hostium. Embora tivesse perdido o prisioneiro sua capacidade de ter direitos e obrigações, enquanto ele ficasse em poder do inimigo, sua situação era a de pendência, pois, pelo ius postliminii se aplicava somente aos direitos e não às situações de fato. Estas ultimas tinham que ser restabelecidas. Se o prisioneiro morresse na mão do inimigo, pela ficção introduzida pela lei Cornelia, ele seria considerado como falecido antes de ter caído prisioneiro, isto é, como falecido no estado de livre. Isso para o efeito de abertura da sucessão por sua morte. É que não se podia abrir sucessão de pessoa morta na condição de escravo, tornando ineficaz o testamento eventualmente deixado por ela (testementum irritum factum). Perdia-se, também, a liberdade a título de punição, como, por exemplo o ladrão colhido em flagrante (fur manifestus). No direito arcaico, o devedor executado, que não conseguisse pagar sua dívida, também podia ser vendido como escravo, fora de Roma (trans Tiberim). A perda da liberdade acarretava a perda da cidadania e da situação na família romana também, pois a liberdade era pressuposto da cidadania e do status familiae. Na capitis deminutio media,o cidadão passava à condição de estrangeiro pelo exílio voluntário ou pelo imposto por punição (interdictio aqua et igni). Podia alguém renunciar à cidadania romana, que representava capiti deminutio media também. 18 A alteração do estado familiar representava a capitis deminutio minima. Nesse caso o capite deminutus (quem sofreu a mudança) perde todas as relações jurídicas (não as da consangüinidade) com a família anterior, adquirindo novo estado familiar. Adoção ou se tornar sui iuris (emancipação). Outras causas restritivas da capacidade Outras circunstâncias influenciavam a capacidade jurídica de gozo. As mulheres não tinham capacidade para direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do direito privado também. A mulher não tinha direito ao pátrio poder, nem à tutela, e não podia participar dos atos solenes na qualidade de testemunha. Restringiam a capacidade jurídica de gozo a é um conjunto de bens, destinados a uma determinada finalidade.intestabilitas, a infamia e a turpitudo, que eram penalidades impostas em conseqüência de atos ilícitos, penalidades que importavam na falta de honorabilidade. A religião também, com os impedimentos matrimoniais, incapacidade de testar e de herdar, podia ser fator que concorresse para certas restrições da capacidade jurídica. 3. PESSOA JURÍDICA O Direito romano já reconhecia personalidade às pessoas chamadas jurídicas ou morais, que são entidades artificiais. São organizações destinadas a uma finalidade duradoura, que são consideradas sujeitos de direito, isto é, com capacidade de ter direitos e obrigações. Na doutrina moderna a pessoa jurídica pode ser de duas espécies: corporação (universitas personarum), que é a associação de pessoas, e fundação (universitas rerum), que é um conjunto de bens, destinados a uma determinada finalidade. Parece que o direito romano clássico somente conheceu as corporações. As origens das fundações, nós a encontramos somente no direito pós-clássico. A caracterísitca essencial das pessoas jurídicas é terem elas personalidades distinatas da de seus componentes, bem como terem patrimônio e relações de direito distintas das de seus membros: Si quid universitati debetur, singulis non debetur, Nec quod debet universitas, singuli debent. (D. 3.4.7.1) As corporações incluíam o Estado Romano (populus Romanus) e seu erário, as organizações municipais e as colônias, todas estas predominantemente de caráter privado, chamadas sodalitates, collegia e societates, que tinham fins religiosos, como os colégios de sacerdotes da 19 era pagã, ou fins econômicos, como as corporações profissionais de artesãos, as de comércio e as sociedades dos coletores de impostos e também as associações visando a garantir funerais decentes a seus membros. As fundações surgem na era cristã. Considerou-se, então, como sendo sujeito de direito um determinado patrimônio, vinculado a certas finalidades, especialmente para fins de beneficência ou fins religiosos (piae causae). O ato constitutivo, prevendo a finalidade e regulando a sua organização interna, bastava para constituir a fundação. Quanto às corporações privadas, exigia-se para seu funcionamento autorização do senado e, posteriormente, do imperador. Para sua constituição, era necessário o mínimo de três membros (tres faciunt collegium, D. 50.16.85). Tais corporações eram reguladas pelos seus estatutos (Lex collegii), que tinham que determinar, além do fim social, também os órgãos representativos (actores, syndici) da pessoa jurídica. O nascimento e extinção das corporações públicas não interessavam ao direito privado. Extinguia-se a pessoa jurídica quando sua finalidade era preenchida ou quando o senado, e mais tarde o imperador, revogava a respectiva autorização para funcionar. Nas corporações privadas, motivo de extinção era o desaparecimento de todos os seus membros. A fundação extinguia-se pela perda da totalidade do patrimônio. 4. OBJETOS DE DIREITO Coisa é um termo de significado muito amplo. Usa-se para designar todo e qualquer objeto do nosso pensamento. Isso significa que a noção vulgar de coisa vale tanto para o que existe no mundo das idéias, como no mundo da realidade sensível. Na linguagem jurídica, porém, coisa (res) é o objeto de relações jurídicas que tenha valor econômico. Não o é, portanto, aquilo que não possa ser objeto de tais relações. Assim não é res o corpo celestial. Podem sê-lo, contudo, no direito moderno, certas idéias que representam valor econômico: patentes de invenção, obras de arte, direitos autorais, patrimônios imateriais tombados (ex “queijo do Serro”). Os romanos distinguiam entre coisas em comércio (res in commercio) e fora dele (res extra commercium). A res in commercio eram aquelas que podiam ser apropriadas por particulares. A res extra commercium não podiam ser objeto de relações jurídicas entre particulares pela sua natureza física ou por sua destinação jurídica. Estavam excluídas do comércio as coisas dedicadas aos LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Nota COISA possui significado amplo, pode designar objeto do pensamento/mundo das idéias e mundo da realidade sensível LUÍS ANTONIO Nota COISA (res) na linguagem jurídica é o objeto das relações jurídicas que tenha valor econômico LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 20 deuses, res extra commercium divini iuris, e outras por razões profanas, res extra commercium humani iuris. Na primeira as coisas sagradas, dedicadas diretamente ao culto religioso, como os templos (res sacrae), as coisas santas (res sanctae), que eram as consideradas sob a proteção dos deuses, como as portas e os muros da cidade, e as coisas religiosas (res religosae), que eram os túmulos. Na ordem profana estavam fora do comércio as coisas comuns a todos (res communes omnium), isto é, as indispensáveis à vida coletiva ou a ela úteis, como o ar, a água corrente, o mar e as praias. Além dessas erram consideradas fora do comércio as coisas públicas, pertencentes ao povo romano (res publicae), como as estradas e o Fórum. Res in commercio podiam realmente estar no patrimônio de alguém, ou encontrar-se fora de qualquer relação patrimonial. As expressões res in patrimônio e res extra patrimonium são usadas nas fontes em dois sentidos: às vezes indicam a mesma distinção entre coisas in commercium e coisas extra commercium; outras vezes servem para distinguir aquelas que se situam efetivamente no patrimônio de alguém ou fora dele. Portanto, as coisas extra patrimonium eram as que, em dado momento, não se encontravam no patrimônio de ninguém, mas que poderiam ser apropriadas. Assim, as res nullius (coisas sem dono), as res hostium (coisas dos inimigos de Roma). Coisas corpóreas e incorpóreas Gaio distingue estre res corporales et incorporales. A diferença reside na tangibilidade, sendo corpóreas aquelas que podem ser tocadas e existem corporeamente. As outras somente intelectualmente. Também Cícero (106 aC. – 43 aC.) e Sêneca (4 aC. – 65) fazem esta distinção, além de outros. Na realidade, essa classificação jurídica servia para distinguir entre coisas e direitos, pois as primeiras são corpóreas e os segundos incorpóreos. “Res mancipi et res nec mancipi” Res mancipi para se transferir a propriedade, requeriam a prática das formalidades da mancipatio, ato solene do direito arcaico.As res nec mancipi podiam ser transferidas pela simples entrega, sem formalidades (traditio). Faziam parte da categoria das res mancipi os terrenos itálicos (não os provinciais), os animais de tiro e carga (como o cavalo, a vaca, o burro), os escravos e as quatro servidões prediais rústicas mais antigas, que eram via, iter, actus e aquaeductus. As demais coisas eram nec mancipi. LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 21 Coisas móveis e imóveis O terreno e o que estivesse definitivamente ligado a ele distinguiam-se das coisas transportáveis e semoventes. Já as XII Tábuas conheceram essa distinção ao estabelecer prazo diferente para o usucapião delas. A terminologia coisas imóveis e móveis (res immobiles et res mobiles) é mais recente. Data do período pós-clássico, quando modos especiais de aquisição de propriedade foram exigidos para as primeiras. Coisas fungíveis e infungíveis (não-fungíveis) O termo “fungível” não é romano e foi criado no séc. XVI Úlrioco Zásio, com base na definição romana de Paulo, que procurava precisar o princípio da substituibilidade das coisas: res quae in genere suo funcitonem recipiunt (coisas em cuja função consiste em serem determinadas pelo seu gênero). Fungíveis são as coisas substituíveis por outras do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Aparecem normalmente no comércio como determinadas apenas pela sua quantidade, peso e medida: quae pondere numero mensura Constant. (Gaio 2. 196). Pertencem ao gênero extenso, para o qual individualidade de cada unidade componente não tem relevância jurídica. Por isso são coisas facilmente substituíveis entre si. Assim o arroz, a farinha, o metal. Infungíveis são as coisas especificamente consideradas, cujas características individuais impedem sejam substituídas por outras do mesmo gênero. Assim, um quadro, uma estátua. Coisas consumíveis e inconsumíveis Há coisas que podem ser usadas uma só vez e outras que permitem uso repetido. As primeiras se exaurem com o seu uso normal e são chamadas coisas consumíveis (quae usu consumuntur), porque quem as usou fica privado de utilizá-la mais de uma vez. É o caso dos alimentos e das bebidas, que desaparecem com o uso normal; do dinheiro que se gasta. Inconsumíveis são as coisas suscetíveis de utilização constante, sem que sejam destruídas. Conservam assim mesmo quando usadas, sua utilidade econonômico-social anterior. Exemplo: um quadro, uma estátua, um carro. Entre coisas inconsumíveis, os romanos da época pós- clássica propuseram uma subclassificação, distinguindo as LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 22 coisas realmente inconsumíveis das que perdem lentamente seu valor pelo uso repetido: quae usu minuuntur (D. 7.5). Assim, um vestido, um carro, em contraposição a um quadro, a uma estátua. Trata-se pois de uma categoria intermediária entre as coisas consumíveis e inconsumíveis. Coisas divisíveis e indivisíveis O conceito jurídico da divisibilidade está intimamente ligado ao do valor econômico das coisas. Fisicamente toda e qualquer coisa pode ser dividida. Juridicamente, porém, a divisibilidade depende da circunstância de a coisa repartida conservar ou não o valor proporcional ao do todo. Divisíveis são as coisas que podem ser repartidas sem perder esse valor proporcional, como um terreno, o arroz. Indivisíveis são aquelas cujo valor socioeconômico se reduz ou se perde com a divisão. É o caso da estátua, de um carro. Coisas simples, compostas, coletivas ou universais Segundo os romanos, coisa simples é aquela quod continetur uno spiritu, vale dizer, aquelas que representam uma unidade orgânica quer seja natural ou artificial, tais como um escravo, uma estátua de bronze. As compostas são aquelas formadas pela união artificial de outros bens, como, por exemplo, um automóvel, uma casa, uma mesa etc. As coisas coletivas ou universais são aquelas unidas por liame jurídico e não físico. Isso ocorre, por exemplo, com uma biblioteca, uma frota de automóveis, um rebanho. O que caracteriza a coisa universal ou coletiva é a existência de uma destinação jurídica comum, a qual lhe atribui um valor sócio econômico diverso daquele considerando- se os bens que formam a universalidade individualmente. Coisas acessórias Ligado ao conceito de coisa composta, temos que examinar o dos acessórios e pertenças. A reunião de várias coisas simples pode criar uma coisa completamente nova, que absorva todos os seus componentes. Exemplo: um carro, que é composto de centenas de elementos. Mas pode verificar-se uma união diferente, na qual uma coisa principal absorva uma outra coisa, considerada acessória. Por exemplo: o terreno é sempre principal e tudo o que a ele se junte é acessório. Assim, as construções, as plantações nele feitas. O acessório segue sempre a sorte da coisa principal: accessio cedit principali (D. 34. 2. 19. 13). Podemos distinguir do conceito do acessório o das pertenças (instrumenta), onde há um liame menos íntimo de uma coisa como outra principal. As LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 23 pertenças conservam certa autonomia, mas sua destinação jurídica está ligada à da coisa principal. Assim, os instrumentos de trabalho (instrumenta fundi), destinados ao cultivo da terra, estão ligados a ela, embora conservem certa independência. Frutos Frutos são coisas novas produzidas natural e periodicamente por uma outra, que, por isso mesmo, se chama coisa frugífera. Por exemplo: os frutos do solo, da árvore, o leite, as ovelhas do rebanho (assim consideradas, no direito romano, aquelas excedentes após a compensação das ovelhas mortas pelas novas). Todas essas coisas são chamadas frutos naturais. As rendas obtidas com a locação ou o arrendamento de coisas são também consideradas frutos. São os frutos civis (loco fructuum, pro fructibus). Por razões filosóficas, o parto da escrava não era considerado fruto pelos romanos. Ele passava a pertencer ao dono da escrava mãe pelo nascimento. Enquanto faz parte da coisa frugífera, o fruto, por isso chamado pendente, não tem individualidade própria, seguindo, assim, a sorte da coisa principal. destacado o fruto da coisa frugífera, fruto separado, passa ele a ter individualidade própria e pode, então, ser objeto de relações jurídicas separadamente da coisa produtora. Neste último aspecto, do ponto de vista jurídico, os frutos separados podem ser considerados como colhidos (percepti), a serem colhidos (percipiendi), já consumidos (consumpti) e também extantes, que são os colhidos e existentes no patrimônio de alguém, aguardando o consumo oportuno e posterior. Benfeitorias Benfeitorias são os gastos com as coisas acessórias ou pertenças juntas à coisa principal, para melhorar e aumentar a utilidade desta. Podem ser elas necessárias, quando imprescindíveis para garantir a existência e subsistência da coisa principal. Por exemplo: telhado novo. 5. ATO JURÍDICO A doutrina do ato jurídico não é obra dos romanos. As construções dogmáticas modernas a ela referentes, entretanto, têm bases romanísticas. Os eventos, acontecimentos de toda espécie, são chamados fatos. Entre estes, háfatos que têm consequências jurídicas e há outros que não as têm. Chove, por exemplo. Normalmente não decorre nenhum efeito jurídico de tal fenômeno natural. Trata-se, neste caso, de um fato simples. Pode, entretanto, a chuva estragar uma colheita, acabando com os frutos a serem colhidos (percipiendi). Nessa hipótese, trata-se de um fato jurídico, de um evento que tem consequências jurídicas. Entre os fatos jurídicos distinguimos os fatos causados pela vontade de alguém dos fatos que se verificam independentemente dessa vontade. LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce LUÍS ANTONIO Realce 24 Os primeiros são os fatos jurídicos voluntários, os segundos os fatos jurídicos involuntários. Os fatos jurídicos voluntários, por sua vez, podem ser lícitos ou ilícitos, dependendo da sua conformidade ou não à norma jurídica. Os fatos jurídicos voluntários ilícitos são os delitos, mas nos interessam muito mais os fatos jurídicos voluntários lícitos. Entre estes se destacam os atos jurídicos, que são manifestações de vontade que visam à realização de determinadas consequências jurídicas. Ao ato jurídico assim concebido podemos dar também o nome de negócio jurídico, sendo ambas as denominações de origem moderna. O ato jurídico nada mais é que uma declaração de vontade. Com referência a ela, logo se pergunta, qual deve ser a sua forma? O direito antigo era formalista, deu mais importância à forma do que ao fundo. Por isso, os atos jurídicos do direito quiritário (ius civile) exigiam formalidades complicadas, de cuja observância dependia a validade do ato e o seu conseqüente efeito jurídico. Assim, os atos per aes et libram, que eram a mancipatio, o nexum e a solutio per aes et libram; os atos pela in jure cessio e a stipulatio (e semelhantes como a dotis dictio, cretio etc.). Os do primeiro grupo requeriam as formalidades de uma compra e venda real, uma troca efetiva de mercadoria contra preço, que, nos tempos primitivos, era um pedaço de metal não cunhado e que por isso tinha que ser pesado. Daí a necessidade de um porta-balança e das formalidades extrínsecas de pesagem (mesmo que simbólicas). Além disso, exigiam-se as formalidades da presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas idôneas e do pronunciamento de certas fórmulas verbais, quase sacramentais. Os do segundo grupo, atos pela in jure cessio, requeriam a imitação de um processo e os do terceiro uma fórmula verbal, com pergunta e resposta, que gerava efeitos jurídicos, desde que pronunciadas as palavras sacramentais da maneira prescrita. A evolução posterior acentuou cada vez mais o valor do elemento intencional do ato jurídico, em detrimento do externo e formal. Isso não significa, naturalmente, que a vontade não devesse ser devidamente declarada, mas apenas que a sua manifestação deveria ser feita de maneira clara, sem tanta prevalência das formas solenes. No direito evoluído, o ato jurídico nada mais era que uma inequívoca manifestação de vontade. Além dela, somente em casos especiais era exigido algum ato suplementar, como, por exemplo, a entrega da coisa na tradição, que é um dos modos de transferência da propriedade. A manifestação de vontade pode ser expressa, quando se empreguem os meios usuais para se declarar aquilo a que a vontade visa. Assim, palavras, gestos ou redação e assinatura de documentos. Por outro lado, a manifestação também pode ser tácita mediante um comportamento de 25 significado inequívoco, podendo-se deduzir dele a vontade, tal como se fosse expressamente declarada. Se um herdeiro toma conta dos negócios deixados pelo defunto, conclui-se que aceitou a herança, sem necessidade da declaração expressa e formal de aceitá-la. O silêncio não é propriamente manifestação de vontade, mas pode ser considerado como tal: qui tacet, non utique fatetur; sed tamen verum est eum non negare (D. 50. 17. 142). No caso de o pai dar a filha em casamento, o silêncio dela era considerado como consentimento: quae patris voluntati non repugnat, consentire intellegitur (D. 23.1.12 pr.). Capacidade de agir Pressuposto da validade da manifestação da vontade era a capacidade de agir da pessoa que praticava o ato jurídico. Essa capacidade de agir tem outras denominações também: é chamada capacidade de fato, capacidade de exercício ou capacidade de praticar atos jurídicos. Ela se distingue da outra capacidade, isto é, da capacidade jurídica de gozo ou capacidade de direito. Nem toda e qualquer pessoa tinha capacidade de agir. Esta dependia da idade, do sexo e de sanidade mental perfeita. Em regra geral, os púberes, varões, perfeitamente sãos, tinham plena capacidade de agir. Por outro lado, as limitações à capacidade de agir decorriam desses mesmos fatores. Quanto à idade, a summa divisio era a puberdade, que, segundo opinião de jurisconsultos clássicos, acolhida por justiniano, era adquirida aos 14 anos pelos varões e aos 12 anos pelas mulheres. Os púberes, em princípio, tinham completa capacidade de agir; os impúberes, não. Estes se dividiam em infantes (qui fari non possunt), isto é, menores de 7 anos, que eram absolutamente incapazes de agir, e os infantia maiores, isto é, dos 7 anos até a puberdade, que tinham uma capacidade restrita de agir. Estes últimos podiam praticar atos que os favorecessem, mas não podiam obrigar-se sem a intervenção de um tutor, que devia tomar parte no ato jurídico, conferindo a sua autorização (auctoritatis interpositio). No caso dos infantes, absolutamente incapazes de agir, eram os tutores que agiam por eles, praticando os respectivos atos jurídicos. Os atos jurídicos eram praticados em nome do próprio tutor, mas no interesse dos infans. No fim do exercício do cargo, o tutor, tinha que prestar contas. Quanto aos púberes, eram eles plenamente capazes de agir, ao menos em princípio. Entretanto, com relação a eles houve uma distinção, introduzida pela lex laetoria (século II a.C.), que conferiu ao menor de 25 anos, ou a qualquer pessoa que por ele quisesse agir, uma ação contra quem o tivesse enredado num negócio que lhe era prejudicial. A razão dessa regra foi procurar proteger os adolescentes púberes e já capazes de agir, mas na realidade ainda inexperientes. Posteriormente, o pretor estendeu essa proteção a todos os casos em que um menor tivesse sido prejudicado, concedendo LUÍS ANTONIO Realce 26 meios processuais para anulação dos atos praticados pelo menor púbere, que era, em princípio, plenamente capaz de agir. Não valiam, entretanto, esses meios, quando o menor púbere tivesse agido com a anuência de um curador (curador e não tutor), especialmente nomeado para assisti-lo na prática do ato jurídico. Aos menores de 25 anos tornou-se de costume pedir a um curador que os assistisse na prática dos atos jurídicos. Daí se originou a regra, que se desenvolveu no direito pós-clássico, de que os menores de 25 anos, tendo um curador, tinham capacidade restrita, semelhante à dos impúberes infantia maiores, isto é, que só podiam praticar atos jurídicos que os favorecessem, mas para obrigar-se precisavam sempre da assistência do curador. Dessa equiparação pós-clássica nasceu a necessidade de se oferecer a menores de 25 anos a oportunidade de conseguirem, antes dessa idade, a plena capacidade de agir. Por isso, os imperadores concediam, em casos especiais, um favor legal, chamado venia aetatis, conferindo a pessoas individualmente determinadas a capacidade de agir. Essa concessão só seria possível, no caso de varão, se tivesse pelo menos 20 anos, e no caso de mulher,se tivesse pelo menos 18 anos. É de se notar que as regras acima se referiam tanto aos sui iuris como aos alieni iuris. A única diferença é que os primeiros passariam a fazer aquisições para si e os segundos adquiriam sempre para o paterfamilias a quem estivessem sujeitos. No que se refere às obrigações, os na condição de alieni iuris não as podiam assumir; nem por elas, em princípio, responderiam os respectivos paterfamilias. Entretanto, o pretor introduziu meios visando a responsabilizar cada vez mais o paterfamilias. Eram as chamadas actiones adiectitiae qualitatis, que foram admitidas pelo pretor contra o paterfamílias. Este responderia pelas obrigações contraídas pelos alieni iuris na esfera da atividade econômica da família e na medida do enriquecimento desta. O sexo era outro aspecto da limitação da capacidade de agir. As mulheres, mesmo púberes, estavam sob tutela perpétua, necessitando sempre, sem limite de idade, da assistência do tutor mulierum na prática de atos jurídicos que as obrigassem. A situação delas era semelhante à dos impúberes infantia maiores. Essa limitação foi decaindo com o passar dos tempos, desaparecendo completamente no período pós- clássico. Já no direito justinianeu a mulher teria plena capacidade de agir, quando sua idade o permitisse. A insanidade mental tornava absolutamente incapazes os loucos de todo gênero, que eram, então, representados por um curador. Os surdos-mudos tinham capacidade limitada, já que não podiam praticar atos verbais, e os pródigos sofriam restrições semelhantes às dos impúberes infantia maiores. Esses últimos também eram assistidos por um curador. 27
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