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OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal Gestão 2007/2010 255 p. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONSELHO FEDERAL COMISSÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI Brasília 2009 5 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI SUMÁRIO Prefácio Cezar Britto.........................................................................................................07 Apresentação Agesandro da Costa Pereira..................................................................................09 Declaração Universal dos Direitos Humanos......................................................15 Da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Gênese, Conteúdo Normativo e Alcance Antonio Augusto Cançado Trindade....................................................................23 De La Declaracion Universal de Derechos Humanos Beinusz Szmukler.................................................................................................31 Igualdade de Direitos: Conquista da Humanidade Dalmo de Abreu Dallari.......................................................................................41 A Declaração Universal dos Direitos Humanos Edmundo Oliveira…………………………………………………………………………...........………49 Ninguém será Submetido à Tortura Fábio Konder Comparato......................................................................................55 Direito a Privacidade e à Liberdade de Viver sem Medo Flávia Piovesan.....................................................................................................59 Direito de Asilo João Baptista Herkenhoff.....................................................................................63 Igualdade, Liberdade e a Declaração Universal dos Direitos Humanos João Luiz Duboc Pinaud.......................................................................................71 Direitos Humanos dos Povos Indígenas Joênia Wapichana...............................................................................................79 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 José Luciano de Castilho Pereira………………………………………………………................85 O Emergir Doloroso da Consciência Universal dos Direitos Humanos Luis Henrique Beust…………………………………………………………………………………….….97 6 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI Da Lei, do Delito e dos Direitos Humanos Marcos Antonio Paiva Colares……………………………………..………………………………111 Igualdade na Diferença: eis a questão Maria José de Figueiredo Cavalcanti.................................................................115 O Direito a Mobilidade Humana Marina Silva......................................................................................................125 Paz e Guerra Moacyr Scliar.....................................................................................................129 Direito à Vida Paulo Vannuch...................................................................................................135 Enquadramento Jurídico da Tortura em Documentos Normativos Internacio- nais e Brasileiros Pedro Borromoletz de Abreu Dallari……………………………………….............………...141 Todas as Pessoas Nascem Livres e Iguais em Dignidade e Direitos Plínio Arruda Sampaio.......................................................................................155 Novos Tempos, Novos Rumos Renato Zerbini Ribeiro Leão.............................................................................161 Direito a Julgamento Público, Imparcial e Justo: o fortalecimento de um diálo- go humano Ricardo Balestreri..............................................................................................187 Direito do Indivíduo em Relação ao seu Grupo e aos Bens Romany Roland Cansanção Mota.....................................................................193 O Tribunal Penal Internacional e o Direito Interno Silvia Helena Steiner..........................................................................................199 A Educação como Passaporte para a Cidadania Vicente de Paula Faleiros..................................................................................213 Liberdade de Ser, Pensar e Crer – Desafios à Intolerância Washington Araújo...........................................................................................235 A Exaustiva Jornada da Humanidade Xavier J. M. Plassat............................................................................................245 7 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI PREFÁCIO A cena internacional enfrenta atualmente momento de perplexidade ante a constatação da interdependência entre países e povos e a necessidade premente de lançar os alicerces para a construção de uma paz sólida e duradoura. Se por um lado encontramos ilhas de prosperidade no mundo atual, ao mesmo tempo nos damos conta de muitos países onde seus povos vivem em descompasso com a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Organismos multilaterais são criados em todos os continentes do planeta, sinal positivo emitido por aqueles que defendem o diálogo como instrumento de resolução de conflitos. Organizações Não-Governamentais divulgam regularmente relatórios em que muitos países são omissos quando não partícipes de ações sistemáticas para a violação dos direitos humanos. É neste contexto que a Ordem dos Advogados do Brasil chamou parta si a responsabilidade d eco0nvocar a IV Conferência Internacional dos Direitos Humanos, ensejando um ambiente adequado à reflexão mais urgente e que, por sua relevância, veio a ser o tema maior do evento: Os direitos humanos desafiando o século XXI. Com o ocaso das ideologias, o inaudito progresso dos meios de comunicação e o encurtamento das distâncias entre povos e nações, culturas e tradições é evidente o elevado grau de questionamento quanto à proteção do rico patrimônio da humanidade – um patrimônio assentado sobre a extensa diversidade humana. Promover os direitos humanos, trabalhar para que sejam respeitados pelos governos e sociedades é acreditar na construção de uma nova Ordem Mundial fundada na justiça e na solidariedade. Temos a convicção que esta luta pela dignidade humana deve ser a preocupação dos povos e Estados ante a constatação da necessidade de instruir a consciência de novos valores civilizatórios. O enfrentamento de desafios dessa monta requer esforços contínuos visando ao desenvolvimento de valores culturais, morais, espirituais, bem como o exercício da tolerância e concomitante valorização da diversidade. Estes são os propósitos que guiam as reflexões aqui enfeixadas e sobre os quais se debruçaram pensadores, filósofos, juristas, educadores sempre tendo como pano de fundo os postulados integrantes da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Cezar Britto Presidente Nacional da OAB 9 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI APRESENTAÇÃO A grande e inadiável tarefa que se apresenta, hoje, para os filósofos, juristas e políticos é aquela de recolocar o homem no lugar que lhe compete ocupar no seio da sociedade, aquele lugar de figura central que lhe reservavam sábios sofistas da antiga Grécia, em conhecida máxima: o homem é a medida de todas as coisas. Na verdade, hoje, como ontem, o homem, em todos os lugares do mundo, aspira emergir da condição de súdito ao status den cidadão, quer ser mais como pessoa e como membro da sociedade política, ambiciona ter direitos civis, políticos e sociais, reclama o respeito a sua pessoa e a sua dignidade. É a história que este status de cidadão, o homem não o ganhou por encanto, mas o conquistou nas lutas difíceis e ininterruptas que empreendeu, ora disfarçadas e ora abertas, na postura de oprimidos,escravos, servos, plebeus, e súditos, contra os déspotas de todos os naipes, em busca das mudanças revolucionarias na sociedade que lhes pudessem assegurar os direitos e liberdades fundamentais indispensáveis a dignidade de sua pessoa. Palmilhando esta rota de ascensão política, lenta, gradual e difícil, em que amargou reveses dolorosos, o homem contabilizou avanços, alguns bastante significativos, no rol dos quais, a inserção de capítulos relativos ao reconhecimentos e proteção dos seus direitos e liberdades fundamentais nas constituições democráticas modernas, com marco inicial na Constituição Francesa de 1.791. A partir destas balizas, são mais duzentos anos de historia, em um primeiro momento, no curso do século XVIII, os homens obtém o reconhecimento de direitos civis, depois, no século seguinte, ao lado destes, alcançam direitos políticos, para, em seguida, conseguir direitos sociais e econômicos, bem como aqueles outros, os chamados de terceira e quarta geração, que foram brotando paulatinamente na medida que surgiram novas ameaças a sua dignidade e liberdade. Nesta quadra, nos diferentes Estados, os direitos humanos, nascidos ao sabor das circunstancias vigentes em cada um deles, ainda que elevados à dignidade constitucional, são, na verdade, direitos nacionais, reconhecidos 10 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI como direitos dos cidadãos de cada Estado e protegidos apenas dentro de suas respectivas fronteiras. Entretanto, esta tutela se revelou insuficiente para a proteção efetiva dos direitos humanos vez que estes são direito universais, no sentido de que os seus destinatários não são mais apenas os cidadãos de um Estado, mas todos os homens da terra, e, nesta dimensão, o seu reconhecimento e proteção circunscritos a fronteiras nacionais, não pôde evitar, sobretudo na primeira metade do século passado, ante a agonia de crenças, valores e sistemas, os holocaustos que a humanidade assistiu e sofreu indefesa. É de salientar-se que, terminada Segunda Guerra Mundial, quando extensas regiões do planeta estavam mergulhadas sob os escombros morais e materiais do conflito, os homens do mundo inteiro, profundamente alarmados com tudo que acontecera, se dedicaram a difícil tarefa de construir o seu futuro sob a inspiração de novos modelos e instrumentos políticos, não aviltados pelas aludidas deficiências. Estas novas ferramentas políticas, segundo os sociólogos, juristas e políticos de boa vontade, comprometidos com construção do novo mundo, deveriam ser plasmados, sob a inspiração dos ideais do respeito a dignidade humana e da proteção de seus direitos fundamentais, da democracia e da paz, pois, sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia e sem democracia não pode haver paz. Com tais objetivos, sob tais auspícios e apelos, é que a Organização das Nações Unidas, editou a sua Declaração Universal dos Direitos Humanos, o primeiro instrumento legal a reunir um conjunto de princípios que incorporaram os direitos e liberdades da pessoa humana, plasmando a fonte de um direito cosmopolita, sob o enfoque rigorosamente ético, o consenso universal, e, como tal, imposto aobservância dos seus destinatários. Entretanto, não se pode esquecer que, apesar dos esforços de todos os seus defensores, o caminho a percorrer para que aquele documento cumpra integralmente seu destino, ainda é longo e difícil, restam desafios a serem vencidos. Penso, que, este, que era o grande desafio de ontem, continua a 11 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI ser o mesmo desafio de hoje, passados sessenta anos da proclamação solene da Declaração Universal dos Direitos Humanos: a necessidade imperiosa de proteger os direitos que ela proclama, por meio de providencias adequadas e eficientes, de moldes a impedir que eles continuem a ser violados, como vem sendo, a cada dia com maior freqüência e intensidade. Milhões de pessoas no mundo inteiro são violentadas, humilhadas, ofendidas e discriminadas, por suas crenças, por suas raças, por seus valores, por suas convicções políticas, enfim, por sua resistência às forças poderosas que dominam o mundo de hoje. Subsistem as ditaduras, as truculências, os conflitos, os genocídios, e os holocaustos como métodos de ação política, externa e interna, para construir impérios, plasmar dominações, institucionalizar a rapinagem, sustentar interesses escusos, amparar privilégios caducos e custodiar preconceitos absurdos, semeando a destruição e a morte. O pior de tudo isto, é que estes desatinos são perpetrados por conhecidos malfeitores, sob a cínica invocação da defesa dos direitos do homem, ladainhas tantas vezes repetidas nos órgãos de comunicação, que chegam a ser aceitas por muitos, como expressões de verdade. Estes fatos lamentáveis, que ocorrem nos diferentes cenários do mundo, vazios de compromissos éticos, tem servido aos corifeus das estruturas caducas, para questionar a eficácia da declaração, atribuindo-lhe uma dimensão utópica, incompatível com as exigências do desenvolvimentos político, social e econômico das nações. Estas colocações, falhas em valoração ética, e, improcedentes em apreciação política, representam, tão somente, cínicas aleivosias, de que se valem os reacionários para a interpretação nadequada de realidade, com o propósito indisfarçável de sufocar ações, postas em sintonia com os justos anseios da sociedade. Penso que, ao lado das atividades implantadas pelos organismos internacionais para assegurarem a tutela dos direitos humanos, nestes últimos anos, a mais ampla divulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de moldes a torná-la conhecida e entendida por milhões de pessoas que vivem a sua 12 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI margem no mundo inteiro, mesmo no nosso País, representa uma contribuição do maior relevo para a construção de uma civilização de paz e fraternidade. Com tais propósitos e esperanças, Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Comissão Nacional dos Direitos Humanos, fez inserir no rol de suas celebrações do sexagésimo aniversario da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a mais relevante de todas elas, o lançamento deste livro “Sessenta Anos da Declaração dos Direitos Humanos - Conquistas e Desafios”, com o propósito de contribuir para que aquele documento se torne mais conhecido, mais amado, mais observado e mais eficiente, de moldes a alcançar plenamente aos fins a que se destinou, na linha das esperanças daqueles que, em todos os cantos do mundo, trabalham em prol da dignificação da pessoa humana. Este livro não é uma singela reedição dos “Cinqüenta Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos - Conquistas e Desafios”, lançada há dez anos, com os mesmos propósitos, mas um livro novo, escrito por autores novos da melhor estirpe, que se debruçaram sobre as realidades, as crises e os problemas do mundo de hoje, em cujas claves, os princípios éticos cederam lugar as expectativas de um progresso neutro, alheio aos valores humanos, com resultados desalentadores e muitas vezes trágicos. Nesta dimensão, o livro além dos seus denunciados propósitos, consigna uma convocação, uma denûncia e uma profissão de fé. Uma convocação a todos os homens e mulheres de boa vontade a uma grande jornada, a de tornar efetivos, atuantes e protegidos todos os direitos humanos, solenemente declarados, em todos os cantos da terra, de moldes a assegurar seus benefícios a milhões de pessoas que, dele, são privadas deles ao impacto de políticas cínicas e maquiavélicas, habilidosamente plasmadas, ou descarados atos de violência. Uma denûncia expressa na veemente condenação às políticas amorais que se definem como a arte de conquistar e conservar o poder, no âmbito interno ou externo, por meio da fraude ou da violência, com a únicacondição de que esse meio lhe assegure o sucesso, e, nesta trajetória, afronta a dignidade da pessoa humana e lhe nega seus direitos fundamentais. 13 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI Nesta dimensão, este livro é também uma profissão de fé nos homens e mulheres de todo o mundo que lutam para construir uma civilização de paz. Neste ensejo, agradeço ao Eminente Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Raimundo César Brito Aragão, que, na linha dos seus compromissos com a face institucional da entidade, acolheu este projeto, o apoiou e disponibilizou todos os recursos materiais e imateriais para sua concretização. Por igual, agradeço a todos os membros da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, pelo trabalho zeloso e eficiente, no exercício de suas responsabilidades, e seus servidores Evandro Vitoriano Elias, e Mary Cristina Ramalho pelo zelo e dedicação com que participaram do planejamento e execução do projeto. Agradeço, finalmente, aos autores dos preciosos trabalhos reunidos neste livro, todos eles escritores do mais alto conceito, amadurecidos intelectualmente, posicionados na vanguarda do pensamento ético, social e político do nosso tempo, pela inestimável e prestigiosa colaboração que prestaram a esta empresa e a esta obra magistral. Agesandro da Costa Pereira Conselheiro Federal Presidente da Comissão Nacional de Direito Humanos 15 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Preâmbulo Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão, Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, 16 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI A Assembléia Geral proclama A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados- Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. 17 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI Artigo VI Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Artigo VII Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo VIII Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo IX Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo X Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Artigo XI 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco 18 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Artigo XII Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo XIII 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. Artigo XIV 1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas. Artigo XV 1.Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo XVI 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma 19 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e plenoconsentimento dos nubentes. Artigo XVII 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. Artigo XVIII Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. Artigo XIX Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo XX 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo XXI 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de sue país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 20 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Artigo XXII Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXIII 1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentará, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses. Artigo XXIV Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas. Artigo XXV 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de 21 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. Artigo XXVI 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito n escolha do gênero de instrução que será ministrada aos seus filhos. Artigo XXVII 1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. Artigo XVIII Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos 22 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI e liberdades estabelecidas na presente Declaração possam ser plenamente realizadas. Artigo XXIV 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas. Artigo XXX Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos. 23 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS: GÊNESE, CONTEÚDO NORMATIVO E ALCANCE Antônio Augusto Cançado Trindade* O artigo 8 da Declaração Universal de Direitos Humanos conta com um histórico legislativo dos mais significativos, reveste-se de transcendental importância ao consagrar o direito de acesso à justiça, e tem gerado nos últimos anos uma notável jurisprudência dos tribunais internacionais de direitos humanos. As atuais comemorações dos sessenta anos da Declaração Universal de Direitos Humanos (adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas aos 10 de dezembro de 1948) representam uma ocasião das mais oportunas para resgatar a gênese e identificar o conteúdo normativo e o alcance do artigo 8 da Declaração Universal, a qual deu o ímpeto inicial à gradual generalização da proteção internacional dos direitos humanos. A Declaração como um todo, - cabe recordar, - abriu caminho para a adoção dos mais de setenta tratados sobre a matéria que em nossos dias operam regular e permanentemente nos planos global e regional; inspirou a incorporação de diversas normas de direitos humanos a sucessivas Constituições e legislações nacionais de numerosos países; e serviu de fundamento a numerosas decisões de tribunais internacionais e nacionais. A Declaração Universal, como interpretação autêntica das disposições de direitos humanos da Carta das Nações Unidas, encontra-se hoje incorporada ao domínio do direito internacional consuetudinário, sendo expressão de alguns princípios gerais do Direito. A referida Declaração contribuiu decisivamente ao processo histórico da humanização do Direito Internacional contemporâneo1. Os travaux préparatoires da Declaração Universal de 1948 *Ph.D. (Cambridge); Ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Profes- sor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio-Branco; Doutor Honoris Causa por distintas Universidades latino-americanas; Membro Titular do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia, do Institut de Droit International, e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 1. Cf., a respeito, A.A. Cançado Trindade, “International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium - General Course on Public International Law - Part I”, 316 Recueil des Cours de l’Académie deDroit International de la Haye (2005) pp. 31-439; A.A. Cançado Trindade, “International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium - General Course on Public International Law - Part II”, 317 Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye (2005) pp. 19-312. 24 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI comportaram fases distintas. A antiga Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu pela elaboração de um projeto em abril/maio de 1946, quando designou uma “comissão nuclear” para os estudos iniciais. Paralelamente, conduziu a UNESCO consultas (no decorrer de 1947) a reconhecidos pensadores da época sobre as bases de uma futura Declaração Universal. O projeto da Declaração propriamente dito foi preparado no âmbito da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, por um Grupo de Trabalho que o elaborou entre maio de 1947 e junho de 1948. A partir de setembro de 1948, o projeto da Declaração passou ao exame da III Comissão da Assembléia Geral das Nações Unidas, para enfim ser aprovado em 10 de dezembro daquele ano pela própria Assembléia2. Uma das disposições mais importantes da Declaração Universal de Direitos Humanos encontra-se precisamente em seu artigo 8, segundo o qual toda pessoa tem direito a um recurso efetivo ante os tribunais nacionais competentes contra os atos violatórios dos direitos fundamentais que lhe são outorgados pela Constituição ou pela lei. O artigo 8 consagra, em última instância, o direito de acesso à justiça (no plano do direito interno), elemento essencial em toda sociedade democrática. O projeto de artigo que se transformou no artigo 8 da Declaração Universal, a despeito de sua relevância, só foi inserido no projeto na etapa final dos travaux préparatoires da Declaração Universal, quando já se encontrava a matéria em exame na III Comissão da Assembléia Geral das Nações Unidas. Apesar disso, significativamente não encontrou qualquer objeção, tendo sido aprovado na III Comissão por 46 votos a zero e três abstenções, e no plenário da Assembléia Geral por unanimidade. A iniciativa, tardia mas revestida de tanto êxito, proveio de Delegações dos Estados latino-americanos (tendo tido o México como porta- voz). Pode-se mesmo considerar que o artigo 8 representa a contribuição latino- americana por excelência3 à Declaração Universal. Tanto foi assim que, na Conferência de Bogotá que adotou a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de abril de 1948, uma disposição correspondente, no mesmo sentido, havia sido adotada por unanimidade das 2.Cf. A.A. Cançado Trindade, Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, 2a. ed., vol. I, Por- to Alegre, S.A. Fabris Ed., 2003, capítulo I, pp. 51-87; UNESCO, Los Derechos del Hombre - Estudios y Comentarios en torno a la Nueva Declaración Universal, México/ Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1949, pp. 233-246. 3. A iniciativa latino-americana se influenciou fortemente nos princípios que regem o recurso de amparo, já então consagrado em muitas das legislações nacionais dos países da região. 25 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI 21 Delegações presentes. A disposição do artigo 8 da Declaração Universal se inspirou, desse modo, na disposição equivalente do artigo XVIII da Declaração Americana que a antecedeu em oito meses. O argumento básico que levou à inserção desta disposição nas Declarações Americana e Universal de 1948 residiu no reconhecimento da necessidade de suprir uma lacuna em ambas: proteger os direitos do indivíduo contra os abusos do poder público, submeter todo e qualquer abuso de todos os direitos individuais ao julgamento do Poder Judiciário no plano do direito interno4. Em suma, a consagração original do direito a um recurso efetivo ante os juízes ou tribunais nacionais competentes na Declaração Americana (artigo XVIII) foi transplantada para a Declaração Universal (artigo 8), e desta última para as Convenções Européia e Americana sobre Direitos Humanos (artigos 13 e 25, respectivamente), assim como para o Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (artigo 2(3)). A projeção do artigo 8 da Declaração Universal nos tratados de direitos humanos hoje vigentes contribui ao reconhecimento em nossos dias de que esta garantia judicial fundamental constitui um dos pilares básicos do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática. O artigo 8 da Declaração Universal, e as disposições correspondentes nos tratados de direitos humanos vigentes, estabelecem o dever do Estado de prover recursos internos eficazes. É em razão deste dever que se exige dos indivíduos demandantes, que interpõem denúncias de violações de seus direitos ante instâncias internacionais, o prévio esgotamento dos recursos de direito interno (como condição de admissibilidade das referidas denúncias). O dever do indivíduo de esgotar tais recursos encontra-se inelutavelmente vinculado ao dever do Estado de prover recursos internos eficazes. O critério que aqui prevalece é o da eficácia dos recursos internos: não basta que estejam formalmente disponíveis, tem o Estado que demonstrar que são na prática adequados e eficazes. Caso contrário, não há recursos internos que esgotar, e as supostas vítimas de violações têm o campo aberto para acudir de imediato às instâncias internacionais de proteção. Assim, é o próprio Direito Internacional dos Direitos Humanos que atribui funções 4.Cf. A. Verdoodt, Naissance et signification de la Déclaration Universelle des Droits de l’Homme, Lou- vain, Nauwelaerts, [1963], pp. 116-119; A. Eide et alii, The Universal Declaration of Human Rights - A Commentary, Oslo, Scandinavian University Press, 1992, pp. 124-126 e 143-144; R. Cassin, “Quelques souvenirs sur la Déclaration Universelle de 1948”, 15 Revue de droit contemporain (1968) n. 1, p. 10; R. Cassin, “La Déclaration Universelle et la mise en oeuvre des droits de l’homme”, 79 Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de La Haye (1951) pp. 328-329. 26 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI de proteção ao direito interno dos Estados. Os recursos de direito interno passam, desse modo, a integrar os procedimentos da própria proteção internacional dos direitos humanos5. O direito internacional e o direito interno encontram-se em constante interação no presente domínio de proteção, em benefício dos seres humanos protegidos. O dever dos Estados de prover recursos internos adequados e eficazes, consagrado nos tratados de direitos humanos a partir da proclamação inicial nas Declarações Americana (artigo XVIII) e Universal (artigo 8) de Direitos Humanos, constitui efetivamente um pilar básico não só de tais tratados como do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática, e sua aplicação correta tem o sentido de aprimorar a administração da justiça em nível nacional. Além disso, esta disposição-chave encontra-se intimamente vinculada à obrigação geral dos Estados, consagrada igualmente nos tratados de direitos humanos, de respeitar os direitos nestes consagrados e garantir o livre e pleno exercício dos mesmos a todas as pessoas sob suas respectivas jurisdições (e.g., Convenção Americana sobre Direitos Humanos, artigo 1(1); Convenção Européia de Direitos Humanos, artigo 1; Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, artigo 2(1)). Assim, por meio da consagração do direito a um recurso efetivo ante os juízes ou tribunais nacionais competentes, e da obrigação geral - a este direito indissociavelmente ligada - da garantia dos direitos protegidos, os tratados de direitos humanos atribuem funções de proteção ao direito interno dos Estados Partes. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem precisado a naturezajurídica e o alcance do direito consagrado no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a partir de sua decisão quanto ao mérito no caso de Castillo Páez versus Peru (1997), e dos julgamentos quanto ao mérito nos casos, e.g., de Suárez Rosero versus Equador (1997), Paniagua Morales e Outros versus Guatemala (1998), Blake versus Guatemala (1998), “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e Outros) versus Guatemala (1999), Cantoral Benavides versus Peru (2000), Bámaca Velásquez versus Guatemala (2000), Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni versus Nicarágua (2001), Hilaire, Benjamin e Constantine 5. A.A. Cançado Trindade, The Application of the Rule of Exhaustion of Local Remedies in International Law, Cambridge, Cambridge University Press, 1983, pp. 1-445; A.A. Cançado Trindade, O Esgotamen- to dos Recursos Internos no Direito Internacional, 2a. ed., Brasília, Edit. Universidade de Brasília, 1997, pp. 1-327. 27 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI versus Trinidad e Tobago (2002), Cantos versus Argentina (2002), J.H. Sánchez versus Honduras (2003), M. Urrutia versus Guatemala (2003), Tibi versus Equador (2004), Yatama versus Paraguai (2005), Palamara Iribarne versus Chile (2005). A Corte Européia de Direitos Humanos, a seu turno, tem igualmente se debruçado sobre a matéria, que forma hoje objeto de uma vasta jurisprudência sob a Convenção Européia de Direitos Humanos, a par de um denso debate doutrinário6. Tal jurisprudência, em seus primórdios, sustentava o caráter “acessório” do direito consagrado no artigo 13 da Convenção Européia, encarado - a partir dos anos oitenta - como garantindo um direito substantivo individual subjetivo. Gradualmente, em seus julgamentos quanto ao mérito nos casos de Klass versus Alemanha (1978), Silver e Outros versus Reino Unido (1983), e Abdulaziz, Cabales e Balkandali versus Reino Unido (1985), a Corte Européia passou a reconhecer o caráter autônomo do artigo 13. Após anos de hesitações, a Corte Européia, em seu julgamento quanto ao mérito no caso de Aksoy versus Turquia (1996), determinou a ocorrência de uma violação “autônoma” do direito a um recurso efetivo ante as instâncias nacionais competentes (artigo 13 da Convenção Européia). Posteriormente, vem destacando a alta relevância do artigo 13, em decisões sucessivas a partir de seu julgamento quanto ao mérito no caso Kudla versus Polônia (2000). O direito a um recurso eficaz ante as instâncias nacionais competentes tem sua efetividade em muito fortalecida nos Estados que incorporaram as disposições dos tratados de direitos humanos em seus ordenamentos jurídicos internos respectivos. Tal incorporação é uma medida das mais desejáveis e necessárias7; no entanto, os Estados Partes que a ela não tiverem procedido, nem por isso estão eximidos de assegurar sempre a proteção e garantias judiciais dos artigos 25 e 13, respectivamente, das Convenções Americana e Européia de Direitos Humanos, emanadas do artigo 8 da Declaração Universal de Direitos Humanos. A Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, por sua vez, estabeleceu 6. Cf., e.g., P. Mertens, Le droit de recours effectif devant les instances nationales en cas de violation d’un droit de l’homme, Bruxelles, Éd. de l’Univ. de Bruxelles, 1973, pp. 1-151; D.J. Harris, M. O’Boyle e C. Warbrick, Law of the European Convention on Human Rights, London, Butterworths, 1995, pp. 443- 461; L.-E. Pettiti, E. Decaux e P.-H. Imbert, La Convention Européenne des droits de l’homme, Paris, Eco- nomica, 1995, pp. 455-474. 7. Cf., no tocante ao Brasil, A.A. Cançado Trindade (Editor), A Incorporação das Normas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Direito Brasileiro, 2a. edição, Brasília/San José da Costa Rica, IIDH/ACNUR/CICV/CUE/ASDI, 1996, pp. 1-845. 28 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI violações das garantias judiciais (artigo 7(1) da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos) em suas decisões nos casos, e.g., de “Rencontre Africaine pour la Defense des Droits de l’Homme” versus Zâmbia (1996), “Constitutional Rights Project” (em relação a Akamu, Adega et alii) versus Nigéria (1995), Alhassan Abubakar versus Gana (1996). Cumpre ter sempre presente que, ao ratificar os tratados de direitos humanos, os Estados Partes contraem, a par das obrigações específicas relativas a cada um dos direitos protegidos, a obrigação geral de adequar seu ordenamento jurídico interno às normas internacionais de proteção. As duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados (de 1969 e 1986, respectivamente) proíbem que uma Parte invoque disposições de seu direito interno para tentar justificar o descumprimento de um tratado (artigo 27). É este um preceito, mais do que do direito dos tratados, do direito da responsabilidade internacional do Estado, firmemente cristalizado na jurisprudência internacional. Segundo esta última, as supostas ou alegadas dificuldades de ordem interna são um simples fato, e não eximem os Estados Partes em tratados de direitos humanos da responsabilidade internacional pelo não-cumprimento das obrigações internacionais contraídas8. Desse modo, não é dado àqueles Estados invocar supostas dificuldades ou lacunas de direito interno, porquanto estão obrigados a harmonizar este último com a normativa dos tratados de direitos humanos em que são Partes (e.g., Convenção Americana sobre Direitos Humanos, artigo 2; Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, artigo 2(2)9. Não há que passar despercebido que a Declaração Universal de 1948 atribui importância capital ao princípio básico da igualdade e não-discriminação, dado que - em seus próprios termos - todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Tendo presente a concepção da Declaração Universal, 8. A jurisprudência tanto da antiga Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) como da Corte Internacional de Justiça (CIJ) assinala que as obrigações internacionais devem ser cumpridas de boa fé, não podendo os Estados invocar, como justificativa para seu descumprimento, disposições de direito constitucional ou interno. CPJI, caso das Comunidades Greco-Búlgaras (1930), Série B, n. 17, p. 32; CPJI, caso dos Nacionais Polacos de Danzig (1931), Série A/B, n. 44, p. 24; CPJI, caso das Zonas Li- vres (1932), Série A/B, n. 46, p. 167; CIJ, caso da Aplicabilidade da Obrigação de Arbitrar sob o Convênio de Sede das Nações Unidas (caso da Missão da OLP), ICJ Reports (1988) pp. 31-32, par. 47. 9. Assim sendo, se invocam a não-incorporação, ou supostas dificuldades ou lacunas de direito in- terno, para deixar de prover recursos internos simples e rápidos e eficazes para dar aplicação efetiva às normas internacionais de proteção dos direitos humanos, estão incorrendo em uma violação adicional dos tratados de direitos humanos em que são Partes. 29 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu histórico e aclamado Parecer n. 18, de 17.09.2003, sobre a Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes Indocumentados, situou com lucidez o princípio fundamental da igualdade e não- discriminação no domínio do jus cogens10, após invocar devidamente a Declaração de 194811. Enfim, as normas nacionais e internacionais de proteção formam efetivamente um todo harmônico, não mais se justificando abordá-las, como no passado, de forma estanque ou compartimentalizada. Convergem em seu propósito comum e último de proteção do ser humano. A relevância do dever do Estado de prover recursos internos adequados e eficazes não há jamais que ser minimizada. Como assinalei em meu extenso Voto Separado (parágrafos 35-43) no caso do Massacre de Pueblo Bello versus Colômbia (julgamento quantoao mérito e reparações de 31.01.2006)12, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem sempre e corretamente associado, até o presente, a proteção judicial (artigo 25) às garantias do devido processo legal. O direito a um recurso efetivo ante os juízes ou tribunais nacionais competentes no âmbito da proteção judicial - ao qual a Declaração Universal 1948 deu projeção mundial, mediante seu artigo 8, - é muito mais relevante do que até recentemente se supôs. Tal direito de acesso à justiça - nos planos nacional e internacional13 - deve ser entendido lato sensu, como abarcando não só o acesso formal a um tribunal ou juiz, mas também o respeito às garantias do devido processo, o direito à prestação jurisdicional, e as devidas reparações, mediante a execução plena da sentença. Trata-se, em última análise, de um verdadeiro direito ao Direito. 10. Parágrafos 97-101 do referido Parecer n. 18. E cf. o extenso Voto Concordante do Juiz Presidente A.A. Cançado Trindade, parágrafos 1-89, texto reproduzido in: A.A. Cançado Trindade, Derecho In- ternacional de los Derechos Humanos - Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 1991-2006), México, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, pp. 52-87. 11. Parágrafo 71 do mencionado Parecer n. 18. - Cf., a respeito, recentemente, A.A. Cançado Trindade, “Le déracinement et la protection des migrants dans le Droit international des droits de l’homme”, 19 Revue trimestrielle des droits de l’homme - Bruxelles (2008) n. 74, pp. 289-328. 12. Texto do referido Voto reproduzido in: A.A. Cançado Trindade, Derecho Internacional de los De- rechos Humanos - Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 1991-2006), México, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, pp. 629-654. 13. A.A. Cançado Trindade, El Acceso Directo del Individuo a los Tribunales Internacionales de Derechos Humanos, Bilbao, Universidad de Deusto, 2001, pp. 9-104; A.A. Cançado Trindade, Évolution du Droit international au droit des gens - L’accès des particuliers à la justice internationale: le regard d’un juge, Paris, Pédone, 2008, pp. 1-187. 31 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI DE LA DECLARACION UNIVERSAL DE DERECHOS HUMANOS Beinusz Szmukler* Kant sostuvo que “no hay más que un derecho natural e innato: la libertad (independencia del albedrío de otros) en la medida que puede coexistir con la libertad de todos, según una ley universal; este derecho es único, primitivo, propio de cada hombre, por el solo hecho de ser hombre” La prisión aunque sea provisional, acarrea graves daños morales y materiales al procesado, que, en el ulterior juzgamiento puede ser reconocido inocente. La privación de libertad personal por el Estado es una facultad atribuida por el ordenamiento jurídico, como una reacción contra quienes incurren en una conducta violatoria de derechos de otras personas o del orden social, definidas legalmente por su gravedad como delitos. El principio liberal de presunción de inocencia, y su correlato que exige que la desmoralizante y lesiva medida de privación de libertad sólo se aplique cuando hay certidumbre de culpabilidad del procesado, es una conquista lentamente obtenida frente al poder omnímodo del monarca absoluto, que definía por si mismo la pérdida de libertad, el castigo físico, y hasta la muerte de sus súbditos. En el Digesto Romano de “Homine libero exhibendo”, cuya ley 1ª ordena: ”Exhibe al hombre libre que retienes con “dolo malo”, antecedente remoto de la Carta Magna de 1265 en Inglaterra, que los nobles obtienen como consecuencia de la derrota del rey Juan Sin Tierra, que entre otras cosas les otorga que ninguno de ellos, bajo la misma fórmula “hombre libre”, pueda ser detenido ni perjudicado en su posición ni declarado fuera de la ley ni exiliado, de no ser por juicio legal por sus iguales o por la ley del país. En 1628, el Parlamento le arranca al monarca Carlos I “La petición de derechos”, uno de cuyos puntos * Beinusz Szmukler – Presidente de la Asociación de Abogados de Buenos Aires, Presidente Con- sultivo de la Asociación Americana de Juristas, Consejero del Advisory Board del Centro por la Indepedencia de Jueces y Abogados de la Comisión Internacional de Juristas, Consejero del Instituto “Espacio para la Memoria”, ex Consejero de la Magistratura Nacional, ex Profesor Titular de Derecho Constitucional por concurso. 32 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI centrales es la prohibición de detenciones sin motivo. En 1679, el rey Carlos II dicta su correlato garantista: el Acta de habeas corpus, que dirigido a un sheriff, un carcelero o cualquier otro funcionario, a favor de un individuo bajo su custodia, para que en el plazo de tres días, de recibida la orden, informe los motivos de la detención del beneficiario y su puesta a disposición del juez o tribunal que la había ordenado. La persona liberada no podía ser detenida nuevamente por el mismo delito, y se prohibía el extrañamiento. Para aventar dudas sobre el privilegio clasista de esta conquista, al que ningún pobre podría acceder, quien interponía el habeas debía pagar, un monto que establecía el juez, para cubrir los gastos necesarios para traer al prisionero, y garantizar que éste no escaparía en el camino. No obstante sus llimitaciones, y de acuerdo con Héctor Fix Zamudio esta institución constituye la excepción al modelo angloamericano de tutela jurisdiccional de las garantías y valores constitucionales, que se consideran como un principio y no como instituciones procesales concretas, ya que se conformó desde su origen como procedimiento especifico. También se prohibía el juzgamiento de civiles por tribunales militares. Principios similares establece el bill of rigths de 1689. La Constitución de Estados Unidos de Norteamérica de 1787, mantiene la esclavitud y carece de una declaración de derechos, que se concreta recién en 1791, con el agregado de las primeras 10 enmiendas. Entre ellas se encuentra la no privación de la libertad, sin procedimiento legalmente establecido, y a ser juzgado en causa criminal, pronto y públicamente por un tribunal imparcial y competente. Es la “declaración de los derechos del hombre y del ciudadano” francesa de 1789, la que reconoció, ahora sí para todos, que “los hombres nacen libres e iguales en derechos” y su artículo 9º preceptúa que “todo hombre se presume inocente hasta que sea declarada culpable, y si se juzgara indispensable su arresto, todo rigor que no resulte indispensable para asegurar el mismo debe ser severamente reprimido por la ley”. Además establecía que sólo la autoridad judicial puede disponer la detención o prisión, a no ser en caso de flagrancia, en el cual se sujeta a su ratificación o censura, dentro de un plazo extremadamente breve. Durante los 170 años siguientes la lucha por hacer realidad el derecho enunciado logra su incorporación a la mayoría de las constituciones y leyes nacionales. La garantía jurídica del derecho a la libertad es la acción del hábeas 33 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI corpus, que se dirige contra una detención reputada ilegal o preventivamente frente a la amenaza de que se produzca. Su larga casuística define diversas hipótesis de detención arbitraria: 1. falta de justa causa, sea por carencia de imputación, inexistencia de delito, o extinción de la punibilidad; 2. exceso de duración; 3. rechazo de fianza autorizada por la ley; 4. cese del motivo de la coacción; 5. incompetencia de la autoridad que dispuso o mantiene la detención; 6. nulidad del auto de prisión in fraganti, del decreto de prisión preventiva, del proceso o de sentencia condenatoria; 7. violaciónde las formalidades legales del acto de detención; 8. detención fuera de los ámbitos penitenciarios establecidos por la ley, como es el caso de alojamiento indiscriminado de procesados y condenados, o en condiciones irrespetuosas de la dignidad de la persona; 9. denegatoria injustificada de libertad condicional admitida legalmente. Soler sostuvo que la privación de libertad ilegal se produce también cuando se impide a un sujeto ir a determinado lugar sin que exista norma legal que autorice tal exclusión. Peco (1942) entendía que el funcionario competente que teniendo noticia de una detención ilegal, omitiere, retardare o rehusare hacerla cesar o dar cuenta la autoridad judicial competente, comete un delito contra la Administración pública. Un principio mayoritariamente admitido es la competencia de cualquier juez para entender en un habeas corpus, ya que el valor en juego no debe frustrarse por dilaciones relativas a la organización judicial, salvo que ésta asegure la presencia permanente de magistrados para atender tales casos. No hay que confundir la detención arbitraria frente a la cual es admisible el habeas corpus, con la derivada de sentencia condenatoria injusta, contraria a los hechos que surgen de la prueba producida, o al derecho aplicable, que debe corregirse por vía recursiva. La función del poder judicial es la de garante del cumplimiento de las obligaciones de derechos humanos, sea que provengan de la constitución o la legislación nacional o bien de los tratados internacionales, las que crean derechos inmediatos para los individuos a partir que el Estado al que pertenecen ratifica esos tratados, con independencia de su desarrollo local, salvo que su puesta en ejecución sólo fuera posible por esa vía. En la cuestión que nos ocupa, su aplicabilidad inmediata no reviste la menor duda, puesto que se trata de una obligación de no hacer, de no actuar indebidamente, de no excederse en sus 34 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI facultades, no ejercer violencia ilegitima. Aquel que sufre una punición, debe tener las condiciones mínimas que se garantizan a toda persona, incluyendo libertad de expresión derecho de petición, derecho a la educación, y en la medida de lo posible, derecho al trabajo. Solo pueden limitarse los derechos estrictamente necesarios para el la investigación judicial o el cumplimiento de la condena. El Registro de la Delincuencia que suelen existir en casi todas partes deben estar limitadas a los fines del propio sistema penal, y no ser utilizados para otros propósitos. Son principios aceptados desde hace más de dos siglos, durante los cuales se han ido desarrollando: el de legalidad que impone la utilización de fórmulas precisas a la hora de definir las figuras delictivas, la presunción de inocencia, el del juez natural, del derecho de defensa o del debido proceso (incluye la necesidad de proveer un traductor capacitado para el imputado que no domina el idioma en el que actúa el tribunal), de publicidad, y el non bis in idem, que Las penas deben ser necesarias y apropiadas, y la reforma y la readaptación social de los condenados debe ser la finalidad del sistema penitenciario. Estos preceptos que protegen teóricamente la libertad no son, desde el punto de vista técnico, garantías, pues para su realización necesitan protección. Este derecho, como todos los demás, se convierten, al decir de Von Ihering, en una farsa declamatoria, si carecen de garantía constitucional y de jueces dignos para hacerla efectiva, cumplidores de su obligación de poner una valla a la arbitrariedad. De allí que la Declaración Universal de 1948 no hace más que ratificar en un instrumento de enorme valor, precisamente porque universaliza, un principio ya consolidado en la conciencia jurídica de la humanidad, aunque, lamentablemente, violado a lo largo y ancho del planeta. A partir de ese momento se inicia un proceso de desarrollo y consolidación normativa, que se concreta en el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (PIDCyP), bajo el mismo número de artículo, el 9, establece: 1. Todo individuo tiene derecho a la libertad y a la seguidad personales. Nadie podrá ser sometido a detención o prisión arbitrarias. Nadie podrá ser privado de su libertad, salvo por las causas fijadas por ley y con arreglo al procedimiento establecido en ésta. 2.Toda persona detenida será informada, en el momento de su detención, de las razones de la misma, y notificada, sin 35 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI demora, de la acusación formulada contra ella. Toda persona detenida o presa a causa de una infracción penal será llevada sin demora ante un juez u otro funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones judiciales, y tendrá derecho a ser juzgada dentro de un plazo razonable o a ser puesta en libertad. La prisión preventiva de las personas que hayan de ser juzgadas no debe ser la regla general, pero su libertad podrá estar subordinada a garantías que aseguren la comparecencia del acusado en el acto del juicio, o en cualquier otro momento de las diligencias procesales, y, en su caso, para la ejecución del fallo. 4. Toda persona que sea privada de libertad en virtud de detención o prisión tendrá derecho a recurrir ante un tribunal, a fin de que éste decida a la brevedad posible sobre la legalidad de su prisión y ordene su libertad si la prisión fuera ilegal. 5. Toda persona que haya sido ilegalmente detenida o presa, tendrá el derecho efectivo a obtener reparación. En el artículo 10 se fija que: 1. Toda persona privada de libertad será tratada humanamente y con el respeto debido a la dignidad inherente al ser humano. 2. a) Los procesados estarán separados de los condenados, salvo en circunstancias excepcionales, y serán sometidos a un tratamiento distinto, adecuado a su condición de personas no condenadas; b) los menores procesados estarán separados de los adultos y deberán ser llevados ante los tribunales de justicia con la mayor celeridad posible para su enjuiciamiento. 3. El régimen penitenciario consistirá en un tratamiento cuya finalidad esencial será la reforma y la readaptación social de los penados. Los menores delincuentes estarán separados de los adultos y serán sometidos a un tratamiento adecuado a su edad y condición jurídica. En términos similares se expresan los documentos regionales: el art. XXV de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre, y el art. 7° de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica). La jurisprudencia de mi país, supongo que al igual que la del Brasil, ha realizado amplísimos aportes para garantizar el derecho establecido por el art. 9 y los Pactos referidos. El espacio fijado para esta nota no nos permite su análisis. Nos limitaremos entonces a la presentación de las pautas fijadas por el órgano de las Naciones Unidas, creado por la Comisión de Derechos Humanos (resolución 1991/42, ampliado por resolución 1997/50), para recibir y tramitar las denuncias de detenciones arbitrarias por parte de los Estados que han 36 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI adherido al Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, el Grupo de Trabajo sobre la Detención Arbitraria. Para que se tenga idea del nivel de incumplimiento de sus obligaciones por los Estados, señalemos que en un solo año, el 2001, el Grupo transmitió un total de 79 llamamientos urgentes en relación con 897 personas a 39 gobiernos y a la Autoridad Nacional Palestina. Trece gobiernos informaron al Grupo que habían adoptado medidas para reparar la situación de las víctimas. Convienenotar que por desconocimiento de la existencia de la vía y los requisitos a cumplir, como por desconfianza en su utilidad, sólo se denuncia una ínfima cantidad del universo de violaciones. El Grupo de Trabajo considera arbitraria la privación de libertad en los casos siguientes: I. Cuando es evidentemente imposible invocar base legal alguna que la justifique (como el mantenimiento en detención de una persona tras haber cumplido la pena o a pesar de una ley de amnistía que le sea aplicable); II. Cuando la privación de libertad resulta del enjuiciamiento o condena por el ejercicio de derechos o libertades proclamados en los artículos 7, 13, 14, 18, 19, 20 y 21 de la Declaración Universal de Derechos Humanos y además, respecto de los Estados Partes, en los artículos 12, 18, 19, 21, 22, 25, 26 y 27 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos; III. Cuando la inobservancia, total o parcial, de las normas internacionales relativas al derecho a un juicio imparcial, establecidas en la Declaración Universal de Derechos Humanos y en los instrumentos internacionales pertinentes aceptados por los Estados afectados, es de una gravedad tal que confiere a la privación de libertad, en cualquier forma que fuere, un carácter arbitrario; IV. detenidos sin orden de detención y sin haber sido sorprendidos en flagrante delito, o mantenidos en régimen de detención policial sin haber comparecido ante un juez de instrucción, en violación de la ley y/o la Constitución del país; V. Incumplimiento de la orden judicial de puesta en libertad inmediata. VI. Incumplimiento por el juez de dictar una decisión razonada, para confirmar una detención policial o disponerla. VII. la dictada por un tribunal sin rostro (Las graves incompatibilidades de la justicia anónima impuesta en el Perú, que rigió desde 1992 hasta 1998, y la violación de las debidas garantías procesales que constituye esta justicia excepcional es muy grave). VIII. Si la detención contraviene los artículos 9 o 10 de la Declaración Universal de Derechos Humanos, el artículo 9 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y los principios del “Conjunto de Principios para la protección 37 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI de todas las personas sometidas a cualquier forma de detención o prisión”, como se da cuando las personas están detenidas sin cargo ni juicio y sin poder comunicarse con sus abogados y familiares, o parece fundada en sus actividades políticas, lo que constituye una violación de su derecho a la libertad de opinión y de expresión garantizada en los artículos 19 de la Declaración Universal de Derechos Humanos y del Pacto Internacional de los Derechos Civiles y Políticos. IX. si no hubo más pruebas que las confesiones obtenidas mediante coacción; X. si no se toman todas las medidas necesarias para garantizar el derecho a un juicio imparcial, como en el caso actual de los cinco cubanos detenidos en Miami por haberse infiltrado en organizaciones terroristas cubano-americanas, a fin de evitar agresiones contra su país. El Grupo observa que “fueron mantenidos en confinamiento solitario durante 17 meses, durante los cuales la comunicación con sus abogados y el acceso a la evidencia, y con ello, las posibilidades de una defensa adecuada se vieron debilitadas”, los abogados de la defensa tuvieron acceso muy limitado a la evidencia clasificada como de seguridad nacional, ”lo que afectó negativamente su capacidad para presentar evidencia contraria…ha socavado el equilibrio equitativo entre la acusación y la defensa”, el Gobierno no ha impugnado “el hecho de que un año más tarde el mismo admitió que Miami no era el lugar adecuado para celebrar un juicio donde estaba probado que era casi imposible un jurado imparcial en un caso vinculado con Cuba”, y “a partir de los hechos y circunstancias en que se celebró el juicio y de la naturaleza de los cargos y de las severas sentencias dadas a los acusados se infiere que el juicio no tuvo lugar en el clima de objetividad e imparcialidad que se necesita para colcuir que cumple con las normas de un juicio justo”. El Grupo ha pedido a los gobiernos: a) que reduzcan al máximo los casos de detención provocada por situaciones de pobreza extrema; b) la derogación de textos que prevean el encarcelamiento por incumplimiento de obligaciones contractuales prohibido por el artículo 11 del PIDCyP; c) la adopción de las medidas necesarias, incluso en la esfera de la formación, para que los jueces presten la mayor atención al nivel de ingresos de las personas puestas en libertad bajo fianza a fin de dar pleno cumplimiento al principio de que la puesta en libertad debe ser la regla y la prisión preventiva la excepción (párrafo 3 del artículo 9 del Pacto); d) Evitar que las sanciones penales en forma de multa, que están destinadas en principio a limitar las penas de prisión, no 38 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI guarden proporción con los ingresos de la persona condenada, a fin de evitar que ésta sea encarcelada por falta de ingresos suficientes para pagar la multa; e) reconsiderar el recurso a la privación de libertad para proteger a las víctimas y, en todo caso, la autoridad judicial se debe encargar de su supervisión. Este medio sólo se utilizará en última instancia si las víctimas así lo desean. El Grupo de Trabajo ha calificado reiteradamente como detención arbitraria la situación muy frecuente en Estados Unidos, de inmigrantes condenados por diversos delitos, a quienes luego de cumplir la pena, las autoridades migratorias imponen la expulsión del país, que muchas veces no se materializa porque su país de origen no los acepta, y son mantenidos en prisión durante años. Uno de ellos, p.e., culpable de hurto menor y condenado a cuatro meses de prisión, seguía allí al momento de intervenir el Grupo, habiendo transcurrido más de 30 meses de que cumpliera íntegramente su condena. Otro caso aún más grave en idéntica situación llevaba preso siete años de cumplida la condena. Un tercero no es puesto en libertad por resultarle imposible depositar una fianza de 20.000 dólares. El Grupo considera esta condición irrazonable, cuando la fianza exigida es severa y desproporcionada, dados los medios y la condición del acusado, y afirma que la alegación del gobierno de Estados Unidos que las personas declaradas culpables de delitos que han cumplido íntegramente sus condenas puedan seguir siendo una amenaza para la comunidad cuando se las ponga en libertad se aplica lo mismo a los ciudadanos que a los extranjeros sujetos a deportación y no puede constituir la base legal de una detención prolongada. La Corte Interamericana de Derechos Humanos ha interpretado la garantía contra detenciones ilegales del art. 7°, inc. 2°, de la Convención Americana sobre Derechos Humanos estableciendo “que nadie puede verse privado de la libertad personal sino por las causas, casos o circunstancias expresamente tipificadas en la ley (aspecto material)”. El Código Procesal Penal de la Provincia de Buenos Aires determina que “los funcionarios y auxiliares de la Policía tienen el deber de aprehender: 1. Al que intentare un delito, en el momento de disponerse a cometerlo”, y: “A quien sea sorprendido en flagrancia en la comisión de un delito de acción pública sancionado con pena privativa de libertad”. El art. 154 define flagrancia en los siguientes términos: “... cuando el autor del hecho es sorprendido en el momento de cometerlo o inmediatamente 39 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI después, o mientras es perseguido por la fuerza pública, el ofendido o el público, o mientras tiene objetos o presenta rastrosque hagan presumir que acaba de participar en un delito”. Llegado el caso, el policía que cumplió la detención debe identificar cuáles fueron las ‘circunstancias debidamente fundadas’ que lo llevaron a presumir que se estaba ante la inminencia de la comisión de un hecho ilícito”. Se hace evidente que deben reputarse como casos de detención arbitraria, las motivadas por el denominado “olfato policial”, cuando, sin orden judicial previa, la policía detiene a una persona “con el fin de determinar su identidad”, por su aspecto sospechoso, transitar sólo o junto a otras personas, por una zona donde se registra un alto índice de criminalidad, o estar parado frente a la puerta de un local en el que presuntamente hay valores y no dar razones del motivo, frecuentar lugares de “mala fama’”, etcétera, aún cuando el resultado de una requisa personal confirmara la existencia de armas u otros elementos con probable destino para la comisión de delitos. Parecen oportunas las preguntas –en el marco de la normativa argentina, pero aplicables universalmente- que se hace Alejandro Carrió: ¿A qué quedaría reducida la operatividad de la garantía que consagra la Constitución si los jueces de la Nación afirmaran que en definitiva todo habitante de este país puede ser legítimamente detenido y obligado a exhibir su documento de identidad en cualquier tipo de circunstancias? ¿Qué norma establece la facultad legítima de las autoridades policiales para detener a una persona, exigirle la exhibición de documentos de identidad, palparla en sus ropas, introducirlo a un patrullero, etc., si esa persona no ha realizado con carácter previo conducta alguna que indique que ha cometido o está por cometer un hecho ilícito? ¿Cuál es la ley que nos prohibe a los habitantes de la Nación el decidir salir de nuestros domicilios sin documentos de identidad, bajo el riesgo de tener que soportar ser detenidos y conducidos, por esa sola circunstancia a una comisaría? El juez Douglas, de la Corte Suprema de Estados Unidos, en su esclarecedor voto emitido en el caso “Terry v. Ohio” afirma: “... Dar a la policía mayores poderes que a un magistrado es dar un largo paso en la senda hacia el totalitarismo….. Ha habido poderosas presiones a lo largo de nuestra historia para que la Corte diluya las garantías constitucionales y otorgue a la policía 40 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI la mano ganadora. Probablemente, esa presión no ha sido jamás mayor de lo que es hoy. Pero si el individuo no ha de ser soberano en lo sucesivo, si la policía puede aprehenderlo cuando no le agrade su facha, si puede detenerlo y registrarlo a discreción, estaremos entrando en un nuevo régimen”. Esa premonición del magistrado se está cumpliendo. A 6 décadas de la Declaración Universal de Derechos Humanos, la principal amenaza a las conquistas libertarias de la humanidad proviene de su país. El derecho internacional, el derecho humanitario, los derechos humanos proclamados y normatizados en los pactos de la ONU, nunca tuvieron una contradicción tan flagrante con la realidad. Los Estados Unidos recurren al terrorismo de estado contra su propio pueblo ( la “Patriotic Act” autoriza la detención secreta de sospechosos de terrorismo, sin información siquiera a sus familias, y carentes de toda defensa legal) y los demás que no se someten a su mandato, cada vez que lo requiere su política imperial, cualquiera sea la fracción (republicana o demócrata) del partido único que ejerce el gobierno. Ejemplos paradigmáticos de violación del artículo 9 de la Declaración Universal son las condiciones de los prisioneros, sin identificación, detenidos- desaparecidos, sin juicio ni derecho de defensa, y sometidos a vejámenes y torturas durante años en las cárceles de Afganistán, Irak y la base naval de Guantánamo, el secuestro por la CIA de supuestos terroristas en terceros países y su traslado, - utilizando potentes aviones, y aeropuertos de países cómplices-, a otros donde la tortura es legal para ser ‘eficazmente’ interrogados sin las molestas restricciones legales imperantes en los Estados Unidos; y la prisión en cárceles secretas. Alentemos la esperanza que si, como lo demuestra la historia, todo poder para sostenerse necesita, además de la fuerza, una dosis significativa de consenso, finalmente, la lucha de los pueblos impondrá el triunfo del derecho y la efectiva vigencia de la libertad, sobre el terrorismo de estado internacional. 41 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI IGUALDADE DE DIREITOS: CONQUISTA DA HUMANIDADE Dalmo de Abreu Dallari15* I. Direito à igualdade e discriminações “liberais” A igualdade essencial de todos os seres humanos, quanto aos direitos fundamentais, ganhou grande ênfase e obteve proteção jurídica de cunho universal a partir da publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 1948. A afirmação da igualdade, aí contida, teve por objetivo repelir várias formas de discriminação, estabelecidas e mantidas por muitas décadas, mesmo depois das revoluções burguesas que, no final do século dezoito e início do século dezenove, extinguiram os privilégios da nobreza e implantaram um novo tipo de organização social, rotulado de liberalismo, no qual, teoricamente, ninguém deveria sofrer restrições que não fossem as mesmas para todos. O exame dos documentos fundamentais produzidos pelas revoluções burguesas revela que a igualdade, embora num certo momento tenha sido posta no mesmo plano da liberdade, ambas como direitos naturais da pessoa humana, acabou sendo deixada de lado e, mais do que isso, foi ostensivamente afrontada, pelo estabelecimento formal de discriminações e marginalizações que configuravam flagrantes desigualdades de direitos, tendo por base apenas a identificação com determinados grupos humanos ou segmentos sociais. Com efeito, dois importantes movimentos revolucionários que romperam com a ordem antiga, eliminando os títulos de nobreza e os privilégios que os acompanhavam, a independência das colônias inglesas da América e a Revolução Francesa, proclamaram a liberdade como direito natural da pessoa humana. Além disso, os franceses adotaram como lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, dando a impressão de que atribuíam à igualdade a mesma importância dada à liberdade. * Dalmo de Abreu Dallari é Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membro da Comissão Internacional de Juristas, organização sediada em Genebra e acre- ditada junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU, e membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil. 42 OS DIREITOS HUMANOS DESAFIANDO O SÉCULO XXI Os desdobramentos desses movimentos revolucionários, a nova ordem social instaurada e os documentos produzidos, deixaram evidente que a preocupação com a igualdade, se um dia realmente existiu e foi um dos objetivos revolucionários, logo foi posta de lado e lançada ao esquecimento. A atribuição de direitos fundamentais consagrou discriminações muito evidentes, a tal ponto que nem mesmo o direito à liberdade, afirmado e reafirmado antes como direito natural da pessoa humana, foi assegurado a todas as pessoas. É oportuno e útil verificar como se colocou a questão da proclamação e garantia dos direitos fundamentais nos Estados Unidos e na França, pois com esses dados comparativos ficará mais evidente a grande importância da proclamação da igualdade como direito natural de todos os seres humanos, feita pela ONU em 1948, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos
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