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pedofilia. doença cronica- causa ou consequencia, prevenção, identificação e tratamento

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Brasília Med 2013;50(2):85-88 • 85
Lia Silvia Kunzler – psiquiatra, mestre em Psicologia da Saúde pela 
Universidade de Brasília (UnB), formada em Terapia Cognitiva pelo Beck 
Institute, vice-presidente da Federação Brasileira de Terapia Cognitiva, 
gestão 2011 – 2013, Brasília, DF, Brasil. 
Audrey Regina M. Braga – psiquiatra, especialista em Saúde e Educação, 
Hospital Regional da Asa Sul – Núcleo de Apoio Terapêutico; Clínica de 
Psiquiatria e Psicologia, Brasília, DF, Brasil.
Correspondência: Lia Silvia Kunzler. SRTVS 701, Edifício 
Centro Empresarial Brasília, bloco C, sala 204, CEP 70.340–
907, Brasília-DF. Telefones: 61 32027323 – 61 33239061.
Conflito de interesses: nada a declarar pelas autoras.
Pedofilia
Doença crônica: causa ou consequência. Prevenção, 
identificação precoce e tratamento adequado
Lia Silvia Kunzler e Audrey Regina M. Braga
eDitoRiAL
Parafilia é termo utilizado para definir uma varie-
dade de comportamentos ditos “fora de controle”. 
Para significa “ao lado” e filia significa “amor”. 
Logo, esse nome implica desordem do amor, sen-
do esta experienciada como relaxante.1 Segundo o 
manual de classificação diagnóstica DSM-IV-TR,2 a 
parafilia engloba transtornos como exibicionismo, 
fetichismo, frotteurismo, masoquismo sexual, sa-
dismo sexual, fetichismo transvéstico, voyeurismo, 
pedofilia e parafilia sem outra especificação. Sendo 
a pedofilia entendida como doença crônica, há in-
dicação e necessidade de tratamento com a devida 
intervenção. A intervenção tem como objetivos a 
prevenção de novos casos, o controle de sintomas 
e, a partir deste controle, a prevenção de outros 
possíveis crimes cometidos contra crianças. A com-
preensão da condição clínica não exime o indivíduo 
de ser punido pelo crime cometido, porém o cará-
ter preventivo precisa ser efetivamente valorizado. 
É importante reconhecer os fatores de risco e de 
proteção para o desenvolvimento dessa desordem 
sexual. Um exemplo citado por Schwart foi que 
vinte homens vieram a público após a divulgação 
de que um padre da igreja que frequentavam havia 
molestado crianças durante vários anos.1 Eles se co-
nheceram ainda garotos e presenciaram os amigos 
sendo molestados próximo ou durante a puberdade, 
não tendo sido acompanhados em serviços de saú-
de mental. Todos os vinte homens preencheram os 
critérios diagnósticos psiquiátricos, mas nenhum 
deles atribuiu seus sintomas aos repetidos abusos 
sofridos, até que ouviram a reportagem. Eles apre-
sentavam dificuldades nos relacionamentos assim 
como na atividade sexual, caracterizadas como pe-
dofilia, homossexualidade, hipersexualidade e asse-
xualidade. Sendo assim, um evento tão devastador 
quanto ser molestado, por um padre nesse caso, é 
importante fator para o adoecimento. 
A história desses homens mostra isolamento social 
e graves problemas na relação com os outros. Mais 
de 90% não tinham amigos, apenas 20% dessa amos-
tra avaliou que seus pais os trataram bem, e 58,4% 
referiram que o comportamento desviante come-
çou antes dos 18 anos de idade e houve relação com 
conflitos parentais, supervisão parental precária e 
mães pouco afetivas.1 Outros fatores que podem es-
tar relacionados à compulsão sexual são – tempera-
mento, qualidade do apego desenvolvido, influên-
cias familiares, desregulação afetiva, isolamento 
social, trauma recorrente, self não adequadamente 
desenvolvido, comportamento sexualizado na fa-
mília, comportamentos aditivos, pais dependentes 
de sexo e que apresentavam transtorno alimentar 
e ou eram jogadores compulsivos.1,3 A desinibição 
causada por uso de álcool, de drogas ou por raiva 
tem sido observada em indivíduos com comporta-
mento sexual “fora de controle”. Em alguns indi-
víduos, esse comportamento fora de controle faz 
parte de uma tendência antissocial.1,4 
editorial
86 • Brasília Med 2013;50(2):85-88
Em pesquisa com 305 adolescentes molestadores, 
foram demonstrados sinais de isolamento social e 
sérios problemas de relacionamento social – 32% 
deles não tinham amigos e 34% eram mais isolados 
do que outros adolescentes que não eram moles-
tadores sexuais e eram cronicamente violentos. A 
desregulação do apego resulta em indivíduos que 
desenvolvem parafilias como estratégia de sobre-
vivência para enfrentar a inabilidade em articular 
estados emocionais e se voltam para os outros em 
busca de conforto. Eles usam parafilias para evitar 
a rejeição em relacionamentos íntimos. A supres-
são do afeto pode levar ao desenvolvimento de 
sintomas clínicos e somáticos relacionados a se-
xualidade (mais comum em homens) e distúrbios 
alimentares (mais comum em mulheres). Esses in-
divíduos parecem interpretar fortes emoções como 
sinônimo cognitivo de um desejo compulsivo em 
agir (estou sozinho, estou frustrado, estou triste, 
logo preciso de sexo, preciso de um parceiro se-
xual). Dessa forma, os indivíduos descobrem que 
esses comportamentos podem ser calmantes, tor-
nando-se hábito e fazendo parte de sua identidade 
(sou exibicionista, sou pervertido).1 
Crianças que foram abusadas encontram muita di-
ficuldade em desenvolver estratégias efetivas para 
regular as próprias emoções nas relações com os 
cuidadores, o que contribui posteriormente para a 
rejeição social. Aprender a pedir apoio é essencial 
para que se lide com emoções tóxicas e negativas. 
Sentir medo das relações afetivas deixa os indiví-
duos vulneráveis a soluções alternativas como ex-
posição ou fetiches. Alguns indivíduos, entretanto, 
são “salvos” por novos relacionamentos afetivos e 
estes podem ser com outro cuidador afetivo, um 
professor, um amigo, namorado ou namorada ou 
ainda o terapeuta.1 No raciocínio confuso do indiví-
duo que foi abusado na infância, as crianças tendem 
a repetir os elementos de um evento traumático ou 
de um relacionamento afetivo ambivalente, ou se-
ja, tendem a fazer com os outros o que fizeram com 
elas. Em geral, podem se identificar com o agressor 
e desenvolver comportamento autodestrutivo.1,5 
Os estudos sobre vítimas de abuso sexual têm tra-
zido uma nova compreensão sobre parafilias e so-
bre comportamento sexual compulsivo. Homens e 
mulheres que foram repetidamente abusados fre-
quentemente apresentam comportamento sexual 
violento que é resultado da “conexão traumática”.1 
Esse tipo de conexão ocorre em um ambiente sexual 
permeado de violência e terror num estádio crítico 
de desenvolvimento, que é a infância.1 O sucesso no 
tratamento de abusadores sexuais tem relação com 
menor número de vítimas, familiaridade e coabita-
ção com as vítimas, ausência de força e de ameaça 
utilizadas durante os crimes, admissão de alguma 
responsabilidade pelos atos e pela história de esta-
bilidade no emprego e nas relações com os outros.6,7 
Uma metanálise sobre recaídas revelou que aproxi-
madamente 66% de todas as recaídas ocorrem nos 
primeiros nove meses após o abuso. Os abusadores 
sexuais foram incluídos na pesquisa. A probabili-
dade diminui muito após esse período e tem re-
lação com a maior gravidade das violações sociais 
cometidas durante o crime e com a gravidade das 
penalidades impostas pelo comportamento.8 Os 
autores analisaram os precursores de ofensas em 
136 pedófilos e 64 estupradores num esforço de 
identificar os fatores envolvidos no processo de 
recaída ao longo do tempo. Entre os pesquisados, 
89% referiram experimentar emoções muito fortes 
antes de se recidivarem nos crimes, 46% dos pedó-
filos referiram sentir ansiedade e 38% depressão, 
desencadeadas na maior parte das vezes por con-
flitos interpessoais.8 
Em 72% dos casos de abuso, o agressor é o pai, o 
irmão, um amigo da família ou o companheiro da 
mãe, o que dificulta a denúncia. A mãe tem partici-
pação ativa ou passiva, o que se manifesta pela ne-
gação do fato ou por não denunciar. O abuso acar-
reta danos físicos significativos, porémo trauma 
psíquico é mais relevante, podendo desenvolver 
um quadro com sintomas psicóticos.9 O abuso se-
xual intrafamiliar denuncia também a ineficácia do 
papel das relações familiares, já que o adulto que 
deveria exercer a função de proteger e cuidar não 
o faz e ocorre uma ruptura na função protetiva e 
de identificação. Nesses casos, os sentimentos de 
tristeza, apatia e culpa são ainda mais intensos.5 
Autores evidenciam que uma devastação significa-
tiva nas crianças que foram abusadas sexualmen-
te é o empobrecimento na capacidade de sonhar. 
Lia Silvia Kunzler e col. • Pedofilia
Brasília Med 2013;50(2):85-88 • 87
O temor de sonhar é intenso, por não encontrar 
alívio na realidade, já que o pai que abusa, ou seu 
representante, acaba com o imaginário da criança.5
Possíveis identificadores do abuso são sintomas 
clínicos como medo, choro, comportamento se-
xualizado, enurese, comportamento violento, prá-
tica de bullying, abuso de substâncias psicoativas, 
automutilação e transtorno de conduta.5 O papel 
do médico, além de verificar se realmente houve 
agressão, é identificar os problemas sociais e psi-
quiátricos para então informar à equipe que dará 
apoio futuro.9 Cabe ressaltar que, em alguns casos, 
o profissional assistente acredita que a vítima pro-
vocou a agressão e que boas meninas não são estu-
pradas – distorção cognitiva também identificada 
em alguns homens.5,9 
O estigma construído pela mídia e a criminaliza-
ção que envolve os abusadores sexuais criam uma 
atmosfera que dificulta a prevenção, a procura de 
auxílio e o tratamento. Buscar e receber terapia en-
volve uma decisão baseada em limitações e barrei-
ras.10 Um comportamento sexual compulsivo pode 
não ser a causa principal de busca de tratamento, e 
os sintomas não são revelados a não ser que sejam 
questionados. Os sinais físicos e psicológicos dos 
comportamentos sexuais compulsivos são frequen-
temente sutis ou escondidos.10 Deve ser lembrado 
ainda que o comportamento hipersexualizado po-
de ser identificado em pacientes com lesão do lobo 
frontal, tumores, condições neuropáticas tais como 
foco epileptogênico no lobo temporal, doença de 
Huntington e quadros demenciais, além de poder 
estar presente no transtorno bipolar.10,11,12
O tratamento medicamentoso envolve a utilização 
antidepressivos, estabilizadores de humor, antip-
sicóticos e antiandrógeno.10,13 Em uma pesquisa 
conduzida de 1973 a 1992 e que envolveu 4.381 pe-
dófilos, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) 
mostrou-se como alternativa eficaz de tratamen-
to em 94% dos pedófilos heterossexuais e 84,9 dos 
pedófilos homossexuais.6 Desenvolvida por Aaron 
Beck, na década de 1960, essa terapia reconhece 
como princípio básico que pensamentos negativos 
sobre uma determinada situação repercutem ne-
gativamente na emoção e no comportamento das 
pessoas. Assim como os pacientes em acompanha-
mento, os profissionais de saúde são estimulados 
a identificarem seus pensamentos distorcidos por 
emoções em desequilíbrio para que sejam reestru-
turados, com reflexo positivo no comportamento, 
no caso cuidar adequadamente de seu doente.14 
De acordo com a terapia cognitivo-comportamen-
tal, o comportamento é o produto final da crença 
intermediária – se..., então..., por meio de suposi-
ções não saudáveis e saudáveis, com reflexo nas 
emoções.15 Logo, a mãe que não denuncia um caso 
de pedofilia pode basear sua decisão na cognição 
“Se eu denunciar meu companheiro, então ele fi-
cará mais violento e me abandonará”, para justi-
ficar seu comportamento não saudável. Na rees-
truturação de seu pensamento, ela poderá pensar: 
“Se ele está abusando de meu filho, então ele não 
serve como companheiro e eu preciso pedir aju-
da”. Se o profissional de saúde e ou o educador 
perceber que a criança está inserida em um lar 
com fatores de risco, então ele deverá perguntar 
de forma objetiva se algum caso de abuso está 
ocorrendo e oferecer ajuda. Por outro lado, se o 
profissional “fechar os olhos” a alguma evidência, 
então ele estará contribuindo para a perpetuação 
da situação. Em geral, o pedófilo pensa: “Se eu 
estou aflito, ansioso, deprimido ou vivenciando 
uma emoção forte, então a única opção é moles-
tar”. A terapia cognitivo-comportamental pode 
auxiliá-lo a compreender que sua cognição não é 
saudável e que ela mantém um comportamento 
violento e danoso. Ele poderá pensar “Se eu estou 
enfrentando alguma dificuldade, então o melhor 
é pedir ajuda e encontrar outras formas de lidar 
com a situação, as emoções e os impulsos”. 
A vítima de abuso pode pensar: “Se eu estou sen-
do castigado, então eu devo ter feito algo errado”. 
Cabe a reflexão sobre o papel dos pais, familiares, 
educadores e profissionais de saúde na prevenção, 
na identificação precoce e no tratamento da pedo-
filia. Melhores resultados podem ser obtidos se os 
profissionais, os familiares e as pessoas próximas 
também estiverem atentos às suas formas de pen-
sar, se comportar e sentir em relação ao problema. 
Compreender o resultado devastador do abuso se-
xual em idade precoce reforça a necessidade não só 
editorial
88 • Brasília Med 2013;50(2):85-88
da punição para quem o comete, mas da interven-
ção para evitar novas ações daqueles que já o co-
meteram e realizar ações que evitem o surgimento 
de novos abusadores. O objetivo é auxiliar a criança 
e ou o adolescente a reestruturar seus comporta-
mentos, suas emoções e suas suposições: “Se um 
adulto está me maltratando, isso é muito feio e me 
machuca; então eu devo pedir ajuda a um adulto 
que me trata bem”. 
RefeRênCiAS
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