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Luiz Claudio Carvalho de Almeida Veja-se que as aparentes antinomias entre normas-regra funcio- nam de forma diversa em relagao as antinomias, par igual aparentes, entre normas-principio. Naquelas o int8rprete concluira pela aplicagao de uma.regra em total detrimento da outra, ou seja, as regras conflitantes se excluem reciprocamente, de acordo com os crit8rios clc3.ssicos de solug§.o de conflitos ( especialidade, cronol6gico e hierc3.rquico ). Todavia, tratando-se de principios nao prevalece o mesmo mecanis- me. Os conflitos entre principios resolvem-se pela ponderagao dos va- loreslO que lhes sao insitos, de modo que nao se cogita tao-somente de validade, como no conflito entre regras, mas tamb8m de valor au peso.11 Notadamente, numa constituigao multifacetada como a nossa, as princip~os nel~ incorporados colidem entre si, mas diante do principia (este interpretative) da unidade da constituigao, hci que se buscar uma aplicagao harmOnica do direito.12 gras, o faz com base na realidade das antinomias, o que destoa urn pouco da posigao ora defendida. Para o autor as antinomias reais (ou pr6prias ) s6 existem entre regras, sendo o conflito resolvido com a necessaria eliminagao de uma das regras do sistema. Enquanto em relaqao aos principios, o conflito nao importa a eliminaqao do principia desprestigiado, o qual podeni prevalecer em conflito semelhante numa situagao posterior_ Cont:udo, preferimos, juntamente com Bobbie, entender que as antinonias solllveis sao aparentes, sejam entre regras, sejam entre principios. 10 A ideia de valor, notadamente em sede de principios da Constituiqao brasileira, assume relevancia se considerarmos a natureza comunit<.iria de nossa Carta. Sabre o tema, mostra-se de grande valia a obra Plunliismo, Direito e Justiqa Distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 46, em que a Prof. Gisele Cittadino assevera: " ... na linha do constitucionalismo 'comunitilrio', o cumprimento dos prindpios fundamentals equivale a uma realizac;ao de valores. A dime:-,sao axiol6gica supera, portanto, a dimensao deontol6gica, pais o conceito de bom :e:n primazia sabre ode dever ser, na medida em que os principios expressam os 'valores fundamentais' da comunidade". 11 A ideha 8 de Robert AleA-y (apud GR...;U, Eros Roberto Grau. A Ordem Econ6mica na Constituiqao de 1988. 3"' edigiio. Sao Pa:llo: Malheiros, 1997, p. 98). 12 Ao salientar tal aspecto em relac;ao a Constituic;ao Portuguesa, que muito se assemelha a nossa. Canotilho (Op. cit., p. 1.055-1.056} esbos:a as regras gerais de soluqao de conflitos: "0 facto de a constituigao constituir '..ill1 sistema aberto de principios insinua j<.i que podem existir fen6menos de tensao emre vilrios principios estruturantes ou entre os restantes principios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituig8.o como uma ordem ou sistema de ordenac;ao totalmente fechado e harmonizante significa esquecer. desde logo, que ela e, muitas >·ezes, o resultado de urn compromisso entre v<.irios actores sociais, transportadores de iCeias, aspirag6es e interesses substancialmente diferenGiados e ate antag6nicos ou c~::1tradit6rios. 0 consenso fundamental quanta a principios e normas positivo-constitucionalmente plasmados nao pode apagar, com e 6bvio, o pluralismo e o antagonismo de id8ia subjacentes ao pacto fundador. 260 A pretensao de validade absoluta de certos principios com sacrificio de outros originaria a criaqao de principios reciprocamente incompativeis, com a conseqiiente destruigiio da A Legitimidade do Minist8rio PUblico para a DefeSa- do's riireitoS Individuais Homog€meos do Consumidor: Urn Caminho para a Efic<i6i3. SO.Ciid da Norma dentro de urn Modele Garantista : ~· Presentemente, nos interessa registrar que a~ def8s8.:do. consu- midor como principia da ordem econOmica infiltra..:se:·f'CmriO: Valor, na iniciativa privada e na intervengao estatal no dominiO:Ercon6mico, de modo que impossivel se niostra nao associar a atividade econOniica a defesa do consumidor, a qual, par sua vez, nao pode chegar·ao ponte de inviabilizar a livre iniciativa, igualmente protegida attaves de prin- cipia constitucional. Mas, lange de serem conflitantes, tais principios harmonizam-se se consider ada a dignidade da pes so a humana como principia vetor de toda a ordem constitucional e que se sobrep6e a prOpria orde_m econO- mica, vez que elevado a fundamento (au melhor, principio fundamental) da Republica Federativa do Brasil (art, 12, III, CF). Somente uma vis§.o frag~ent<.id~ da constituigao poderia antever conflito entre os dais principios em comento. N a verdade o texto constitucional e fruto da hist6ria e consagra em suas p<3.ginas a prOpria evolugao do capitalismo, consagrado como sistema econ6mico nacional (art. 12, inciso rv, 29. parte, da CF) e que para sua prOpria sobreviv8ncia nao prescinde de mecanismos de prevengao contra suas distor~6es. Assim, a natureza de principia confere a defesa do consumidor a condigao de caracteristica da atividade econ6mica, a qual s6 podera ser tid a como licita se obediente ao escopo fixado constitucionalmente. Transfigurado como direito fundamental ou como principia, a defesa do consumidor consubstancia atualmente verdadeiro limite a iniciativa privada. Juntamente com a defesa do meio ambiente e a func;:ao social da propriedade, a defesa do consumidor e apresentada como uma esp8cie de principia densificador de outros principios, sobretudo o principia da dignidade da pessoa humana. Isto porque 8 possivel verificar-se, ainda que empiricamente, que alguns principios (que inevitavelmente traduzem-se em direitos) .sao positivados de forma mais ampla e abstrata que outros. ·-·-·--·---··-··---- --·-·~···--- ···-·-·---- ··-··-----··· -·--·--·--·· tendencial unidade axio!Ogico-normativa da lei fundamental. Dai o reconhecimento de mementos de tensao ou antagonismo entre os varies principios e a necessidade, atras exposta, de aceitar que os principios nao obedecem, em caso de conflito, a uma "16gica do tudo ou nada", antes podem ser objecto de ponderaqao e concord8.ncia pr<.itica. consoante o seu 'peso' e as circunstancias do caso". 261 ::, Luiz Cl<iudio Carvalho de Almeida Assim acontece como principio13 da dignidade da pessoa humana (art. 12, incise III, da CF) e o principia da livre iniciativa (art. 12, incise IV: 2• parte, CF). Em vc3.rias passagens o prOprio texto constitucional desdobra tais principios, tornando-os mais concretes (mais densos), como, por exemplo, no art. 5o, incisos XIII, XVIII, XXII, XLIX; art. 7o, inciso XXX; art. 227, caput, etc. E da mesma forma ocorre em relag§.o aos direitos do consumidor, que nada mais sao do que uma densificagao dos principios gerais da iniciativa privada e da dignidade da pessoa humana. A defesa do consumidor constitui subprincipio para o qual convergem os principios estruturantes em comento. Desta forma, nao hft que se cogitar de conflito entre a livre iniciativa e a defesa do consumidor, pais a livre iniciativa s6 se reputa reconhecida como principia constitucional na medida em que e exercida sem a lesao dos direitos bftsicos do consumidor. 3. A Constituic;:iio e seus Mecanismos de Auto- Implementac;:iio Faz-se necessaria fi.xar a premissa de que a norma pede ser juridicamente eficaz sem ser socialmente eficaz. Tal entendimento nao e novo e viu-se consagrado, sobretudo na jit clitssica obra '~plicabilidade das Normas Constitucionais"14 de autoria de Jose Afonso da Silva segundo o qual "uma norma pode ter eficftcia juridica sem ser socialmente eficaz, isto e. pede gerar certos efeitos juridicos, como, por exemplo, ode revogar normas anteriores, e nao ser efetivamente cumprida no plano social". Urn dos obstftculos a eficftcia social dos direitos do consumidor jft foi superado com a edi9ii.odo C6digo de Defesa do Consumidor. Muito embora o reconhecimento dos direitos do consumidor no texto constitucional, seja como direito fundamental, seja como principia da ordem econOmica, jft se mostre por si sO como medida suficiente a aplicagao da norma, nao 8 despiciendo registrar que a edig§.o do C6digo facilita a aplicagao da norma na medida em que delineia seu conteU.do. 13 A despeito de serem tratados como fundamentos sao verdadeiro principios estruturantes do Estado de Direito Brasileiro. 14 3A edigao. sao Paulo: Malheiros, 1998. 262 A Legiti::!.:dade do Minist8rio PUblico para a Defesa dos Di:eitoS Ind:viduais Homoger:aos do Consumidor: Urn Caminho para a Efic<icia Social de. Norma dentro de urn Modelo Garantista Em sede de direito do consumidor, mister se faz ressaltar que a nor- ma constitucional em co menta tern como destinatarto o Estado, tanto na sua fungao executiva quanta na sua fungao legislativa, e o particular.15 E, por certo, a densificagao da norma atraves da edic;:ao de legislagao infraconstitucional facilita a atuagao do interprete e reduz a vacuidade que caracteriza o enunciado constitucional. Porem, a edi9ii.o do C6digo de Defesa do Consumidor nao se mostra apta, por si sO, a garantir a preval9ncia, no- plano social, dos designios do legislador constituinte. Tendo em vista tal assertiva, e que o prOprio constituinte instituiu mecanismos de implementagao da norma. Nesse passo, se faz oportuno consignar que a prOpria edigao do COdigo foi determinada pelo constituinte no ato das disposig6es constitucionais transitOrias, em seu art. 48, cumprida, e bern verdade, com algum atraso. 15 Muito se discute acerca da vincula~ao dos particulares aos direitos fundamentais. Isso porque, em s:.:a origem os direitos fundamentals representaram uma defesa do cidad.§.o frente ao Es:ado. As desigualdades oriundas do sistema capitalista levaram ao surgimento de outros direitbs tidos como fundamentals, mas que se prestavam a proteger o economicamente mais fraco da classe social hegem6nica, cujos componentes eram igualrr.ente sujeitos de direitos fundamentals. Dai o questionamento quanta a vinculagao de particulares aos direitos fundamentals. Sabre a tema, surgiram. principalmen~e na Alemanha, varias teorias, dentre as qUais ·se destaca a teoria da aplicagao di:a:a defendida par Nipperdey, segundo a qual as normas que positivam direitos fundamentais dirigem-se tambi§m aos cidadaos, fazendo surgir urn direito subjetivo de u.:n individuo em face do outro, e a teoria da aplicagao indireta, defendida por Giinther D'.lrig, segundo a qual a aplicagao das normas que corporifi.cam os direitos fundamentals cao prescindem da intermediagao do Legislative na edigao de ato norma- tivos dirigidcs, estes sim, aos particulares, e da intermediagao do Judici<irio, no julga- mento dos casas concretes em que !angara mao dos direitos fundamentals como normas de interpretagao e de integragao. Sem embargo da critica efetuada par Alexy, de que ambas as teorias levariam 3.s mesmas conseqii9ncias pr<iticas, filiamo-nos a posigao adotada par Ir..go Wolfgang Sarlet ("Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas consideragOes em torno da vinculagao dos particulares aos direitos fundamentals". In Revista de Direito do Consumidor. Sao Paulo: RT, n2 36, outubro/dezembro 2000, pp. 54· 104), que opta pela aplicagao imediata de tais direitos aos particulares, asseverando que "a opg.§.o per uma eficicia direta traduz uma decisao politica em pro! de urn constitu- cionalismo da igualdade, objetivando a efetividade do sistema de direito e garantias fun- damentals no 8.mbito do Estado Social de Direito, ao passo que a concepg.io defensora de uma efic8.cia apenas indireta encontra-se atrelada ao constitucionalismo de inspiragao lil::eral-burguesa." No mesmo sentido a posi98.o adotada par Canotilho (In Direito Constiwcional e Teoria da Constituiq8.o. 2a edigao. Coimbra: Almedina. 1998), muito embora nao concorde com a visao de urn "poder privado" ou "poder social", que norteia a tese de Nipperdey. 263 ~ ~ ~ ~ ~ ·~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ·~ ~ ~ ~ ~ ~ ~· ~ ·~ Luiz Cliludio Carvalho de Almeida Alic3.s, a redagao do art. 52, incise XXXII, da Carta, ja traz, em si, embutida a id6ia de implementagao, de concretizagao da norma, quando enuncia: 0 Estado implementarci, na forma da lei, a defesa do consumidor. Nesse sentido a Constituigao jil. estrutura a atuagao do Estado para a consecugao dos objetivos determinados pelo constituinte. E o faz, em especial, ao atribuir ao Ministerio Publico a defesa da ordem juridica, do regime democratico e dos interesses sociais indisponiveis. Na verdade, coube ao C6digo de Defesa do Consumidor melhor delinear os mecanisrnos de implementagao da protegao do consumidor, sendo de se destacar, nesse sentido, o capitulo II, do titulo I, que trata da politica nacional das relag6es de consume, o titulo III, que trata da defesa d9 ponsumidor em juizo; e o titulo IV. que ·trata do sistema riacional da.defesa do consumidor. Esses inecanismos estao ligados a expressao enforcement, que por sua vez traduz a id6ia do "reconhecimento da necessidade de serem estabelecidos mecanismos eficazes que assegurem o cumpri- mento das leis" .16 4. Em Busca da Eficacia dos Direitos do Consumidor Sem embargo, do que jil. foi dito antes, de nada adiantaria a previ- sao, ao nivel da norma, de mecanisrrios de implementagao dos direitos sociais, se tal cabedal de possibilidades nao fosse posto em uso. Muito embora a atuagao do legislador ainda seja necessaria para a implementagao de tais direitos, na medida em que a mutagao cons- tants da sociedade faz surgir novas situag6es cuja regulamentagao se faz premente, e na esfera de atuagao do poder executive e judiciario que o comando constitucional deve ecoar com rnaior expressao. Consoante estabelecido pelo CDC, ern conson8.ncia com o principia vetor constitucional, a proteg§.o do consumidor se danl, em linhas gerais, atraves da estruturagao de 6rg§.os de defesa do consumidor, da intervengao do Estado na economia e da ampliag§.o do acesso a justiga. Nesse trabalho se dara destaque ao Ultimo enfoque. 16 F£R.'<AZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. e FERRAZ, Patricia Andre de Camargo. 264 Minist9rio PUblico e Enforcement (Mecanismos que Estimulam e Imponham o Respeito as Leis). In Ministerio PUblico: lnstituiqao e Processo. Sao Paulo: Atlas, 1997, p. 117. A Legitimidade do Ministerio PUblico para a Defesa dos Direitos Individuais Homog8neos do Consumidor: Urn Cantinho para· a Eficil.cia Social da Norma dentro de urn Modelo Garantista A questao do acesso a justiga comporta ainda, a grosse modo, uma bipartigcio para fins de analise: uma baseada nos conflitos indivi- duais e outra nos transindividuais. Tanto num comO noutro aspecto o C6digo de· Defesa· do Consu- midor se valeu de uma s6rie de mecanismos como o prop6sito de facilitar a atuagao do consumidor em juizo. Nesse sentido s§.o, a titulo de exemplo, as regras previstas no art. 6o, inciso VI, VII e VIII; no art. 82; e art. 101, do CDC. A adogao de mecanismos de facilitagao da defesa judicial dos direitos do consumidor tern, no minima, uma repercussao de ordem econOmica, no campo da redugao das externalidades, e outra juridica, na seara da efic<3.cia social da norma. . 4.1. Interna!izando Externalidades· A luz da economia, externalidade pode ser conceituada como o "impacto das ag6es de uma pessoa sabre o bem-estar de outras que nao participam da ag§.o".17, 18 A adogao do termo e mais comum para se caracterizar o efeito dos danos ambientais decorrentes da produgao (externalidade negativa) ou os beneficios de uma invengao (externalidade positiva). Assim, quando uma indUstriapolui urn rio com seus dejetos causa urn ·dana nao indenizado aos moradores vizinhos que dependem daquelas S.guas para atividades rotineiras, eis a externalidade. 0 concei!o parte da premissa de que alguns bens sao apropriados pelo empreendedor sem que haja qualquer pagamento por seu uso, como seria de se esperar. Ao produzir o empreendedor paga pela materia-primae pela mao- de-obra, gastos que representam o custo da produgao. Por6m, a degradagao do rio, enquanto n§.o for indenizada representa uma apropriagao indevida de bern de uso comum, em prejuizo de terceiros. A adogao de medidas tendentes a impedir o dana ambiental ou o pagamento de indenizag6es internalizam as externalidades, ou seja, 17 MANKIW. N. Gregory. Introdur;ao a Economia: principios de micro e macroeconomia. '!Tadw;:ao da 22 edi~ao original de Maria Jose Cyhlar Monteiro. Rio de Janeiro: Campus. 2001. 18 No dizer de Fabio Ulhoa Coelho "externalidade e todo efeito (negative ou positive) que uma pessoa produz sobre a atividade econ6mica, a renda ou o bem-estar de outra, sem compensar os prejuizos que causa nem ser compensada pelos beneficios que traz". (In Curso de Direito Comercial. Vol 1. 2i! edi~il.o. Sao Paulo: Saraiva, 1999, p. 32). 265 1·- \" f, f-'1~ ;_,'.< .~!~ Luiz Claudio Carvalho de Almeida fazem com que o empresArio insira como custo as interven~Oes inde- victas no bem-estar alheio. A defesa do consumidor passou a ser reconhecida juridicamente como uma externalidade da iniciativa privada a partir do momenta em que tal direito foi elevado a principia da ordem econ6mica e princi- palinente a direito fundamental do cidadao. Ou seja, tais normas implicaram num aumento do custo da ativi- dade empresarial, como as normas de protegao ao trabalhador. Contudo, o empresc3.rio disp6e de meios para compensar, ou me- lhor, internalizar as externalidades, adaptando sua atividade aos novas parametres constitucionais sem que a mesma reste inviabilizada. Segundo Fabio Ulhoa Coelho,19 "a transposigao da nogao de 'inter- nalizagao de externalidades' do campo do conhecimento econ6mico para o contexte da reflexao juridica tern o grande m€rito de alertar para o fato de que as obrigaq6es juridicas_ impostas ao empresarto tern a natureza de elemento custo". Porem. e necessaria lembrar, contra OS que vislumbram no direito do consumidor urn entrave a atividade empresarial, que o entendimento do direito do consumidor como direito-custo permite a conclusao de _que, no final das contas, quem area com o prego da melhoria do mercado e o prOprio consumidor, vez que as adapta~6es a que a atividade empresarial se ve compelida a fazer traduzem-se em custo da produqao, repassada, obviamente, para o preqo final de produtos e servigos.20 De qualquer modo, os mecanismos que facilitam a prote~ao dos direitos do consumidor err ~l~izo acabam por forqar os fornecedores a internalizar as externalidades. Registra-se a titulo de exemplo a inversao do Onus da prova. Case fosse adotada a regra geral do C6digo de Processo Civil, a dificuldade para a prova seria premente em certos casas, como os de saque indevido em conta corrente. Aplicada a inversao, a tendE!ncia natural 9 que o fornecedor, frente a inU.meras decis6es desfavoritveis, passe a implementar mecanismos de seguranga, como filmadoras em caixas eletrOnicos ou a ado<;ao de senhas mais complexas, despendendo mais recursos financeiros no oferecimento do servi<;o. 19 Op. cit., p. 36. 20 Nesse sentido ULHOA, op. cit. p. 44. 266 A Legitimidade do M~.C:s:erio PUblico para a Defesa dos Oireitos Individuals Homog€neos do Cons-...:..":lidor: Um Caminho para a Efic8.cia Social da Norma C::1tro de urn Modelo Garantista Logo, insere-se no custo elementos antes desprezados pelo empre- sario. Caso fosse mantida a regra tradicional de distribui~ao do Onus da prova, eventuais falhas na presta<;i3.o do servi<;o seriam s:uportadas, independentemente de qualquer indenizagao, pelo consurnidor, que nao teria condig6es de provar o dana. Invertido o Onus da prova, o custo -da produc;:ao aumentara em fungao da internalizagao da externalidade. 4.2. A Eficacia Social da Norma Alguns dos dispositivos processuais oferecidos ao consumidor contribuem sobremaneira a emprestar maier efic8.cia social a norma. Hit de se destacar nessa seara as dispositivos reguladores das ag6es coletivas que permitem a dedugao em juizo de quest6es que a principia nao teriam como ser Ievadas ao conhecimento do jud.iciarto pela via tradicionaJ.2! Na medida que a lei Iegitima determinados entes para a defesa dos interesses transindividuais permits que, atraves do judiciB.rio, uma gama maier de normas seja implementada. .,. ~ ·- :E necessarto registrar que a efic8.cia social da norma tern reper- cussao direta na internaliza<;i3.o das externalidades, vez que a atua<;i3.o do empresc3.rio se pauta na realidade dos fatos e nao no plano abstrato normative. Ou seja, na medida em que as normas se tornam realidades sociais 9 que os fornecedores atuarao no sentido de mitigar os efeitos negatives da implementac;:ao normativa, assumindo uma postura de preven<;i3.o, mais coerente e menos onerosa do que uma postura de re- para<;i3.o. 21 lmagine-se urn determinado banco que resolva, a titulo de cobran~a de uma taxa nao pre vista em contrato ou em. qualquer a to normativo do BACEN, descontar das contas de seus correntistas R$ 1,00. Certamente poucos seriarn. os consumidores que tomariam alguma medida concreta, ainda que extrajudicial, no intuito de contrapor-se ao ato nitidamente ilicito. Todavia, se imaginarmos, ai..""lda, que o Banco de nosso exemplo, possua 500.000 clientes, seu ato ted. possibilitado urn ingresso de caixa na ordem de R$500.000,00, em detrimento da massa de seus consumidores. Em situa<;Oes como esta apenas a a~ao coletiva propiciara a manuten~a.o da ordem juridica e a higidez do mercado. 267 ~· ~ '--" '--" "'-/ '-./ '--"" ..___, ~ ..___, ~ '._/ ~ ~ ~ '-./ '._/ '._/ ·~ ~ '-./ '-./ ~ '-./ '-./ '._/ '-./ ~ ~ ~ ~ ~ ~ r~ Luiz Claudio Carvalho de Almeida Assim, os dispositivos processuais de defesa do consumidor com- portam-se como instrumentos de implementagao da norma, na medida que permitem de maneira c8Iere a concretiza<;i3.o do direito. 5. Algumas Considerag6es sobre o Garantismo A teoria do garantismo, mais voltada para o direito penal 8 bern verdade, se presta tamb8m a ernbasar a atuagao dos operadores do direito no que se refere a aplicaqao das normas de defesa do conswnidor. Urn dos significados emprestados ao garantismo pelo proprio Luigi FerrajoJi22 e o de que ele seria "uma teoria juridica da 'validade' e da 'efetividade' como categorias distintas n8.o s6 entre si mas, ~. -tai?b8~, ~~~i;~~~&ncie~:' au 'vig~r· d~s normas. Nes'se sentido, a pa.iavra g8.r~Srhb eSq)_rime uma· apro~a($8.0 te6rica que mant8m separados o 'ser' e o 'dever ser' no direito; e, aliS.s, pOe como questao te6rica central, a diverg9ncia existents nos ordenamentos complexes entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e prAticas operacionais (tendentemente antigarantistas), interpretando-se como a antinomia - dentro de certos limites fisiol6gica e fora destes pato- 16gica - que subsiste entre validade ( e nao efstividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas". Assim sendo nao basta para a garantia dos direitos seu enunciado na norma, mas sim a tradugao em prAtica social constante. Segundo Sergio Cademartori,23 com base nas icteias de Ferrajoli, o garantisrilo "designa tambem uma filosofia do direito e critica da politica, condensando-se numa filosofia politica que imp6e ao Direito e ao Estadoa carga de sua justificagao externa, istO e, urn discurso normative e uma prcltica coerentes com 9- tutela e garantia dos valores, bens e interesses que justificam sua exist9ncia". E como a filosofia do garantismo pode ser uti! ao direito do consumidor? A resposta a essa questao se faz mais premente em sede da.legi- timidade do Ministerio PUblico para a defesa dos interesses individuais homog9neos. Sobretudo ness a seara a jurisprud9ncia tern se mostrado vacila.nte ao admitir a legitimidade para defesa dos direitos do consumidor ao 22 In Direito e Razao: Teoria do Garantismo Penal. Sao Paulo: RT. 2002, p. 684. 23 In Estado de Direito e Legitimidade, Uma Abordagem Garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. 268 'f_. A Legitimidade do Minist€rio PUblico para aDefesa dos Direitos Individuais HomogEmeos do Consumidor: Um Caminho para a Eficacia Social da Norma dentro de um Modele Garantista argumento de que o Ministerio PUblico s6 estaria legitimado a agir em defesa de interesses que alem de individuais homog9neos fossem con- comitantemente indisponiveis, o que lirnita sobremaneira a atuagao ministerial, ja que tais direitos dos ccinsumidores sao' Emifuentemente patrimoniais. Porem, mormente em fungao da dispersao de lesados, muitos desses direitos ficam carentes de protegao judicial a falta de quem se disponha a deduzir em juizo quest6es de valor individual infima. sao muitos as exemplos a serem citados, como a cobranga inde- vida de tarifas bancarias ou erros de c8.lculo na cobranqa de impastos embutidos nas tarifas pUblicas. Nesses· c·asos a probabilidade da ilicitude ficar impune 8 imensa e s6 a legitimagao para a agao coletiva permitircl o restabelecimento da ordem juridica. Sob o ponte de vista econOmico, como vista anteriormente, a nao legitimagao de enteS para a defesa em juizo dos direitos individuais homog6neos representa para o fornecedor a apropriagao ind8bita de patrim6nio alheio e para o consumidor uma externalidade, jA que faltarao meios para compelir o empresiuio faltoso a indenizar as consumidores lesados. Tal perspectiva gera na sociedade urn descredito nas instituig6es, haja vista a exist€ncia de verdadeiros vacuos, onde a ilicitude e permitida sem qualquer sangao. Dita possibilidade afronta a visao garantista do direito. Cappelletti24 chega a mencionar que se vivencia urn memento do garantismo coletivo, verbis: "Emerge, dall'altro Jato, um len to ma neces- siJ.rio movimento di transformazione, che coinvolge tunditus l'intera tem8.tica del diritto processuale. Perfino nel campo del 'garantismo ', che ha rappresentato per tanti anni ormai la nostra 'fede' di processualisti, si assiste a1 necessaria movimento verso uma forma nuova, che chiamerei di garantismo sociale o collettivo, e che significa superamento, appunto, del garantismo in sensa individualistico tradizionale". 6. 0 Papel do Ministerio PUblico na Defesa do Consumidor Especificamente no que tange a defesa dos direitos do consumidor, a legitimidade do Ministerio PUblico tamb8m deflui do 24 In Appunti Sulla Thtela Giurisdizionale di Interessi Collettivi o Diffusi. Padova: CEDA1v1, 1976. 269 'H H ' [ ' ~ -,::; H l ' ' ,, ''i II~· . : i-' .. ] ,; i :~;1 ' "'!;" Luiz Clil.udio Carvalho de Almeida texto constitucional, art. 5Q, incise XXXII, art. 127, caput, e art. 129, incise III. Editado em fun<;iio de comando constitucional (art. 48 do ADCT), 0 C6digo de Defesa do Consumidor inseriu, de modo expresso, o Minist8rio PUblico como urn dos legitimados para a defesa coletiva dos direitos do consumidor (art. 82, 1).25 Muito embora o C6digo de Defesa do Consumidor seja expresso ao conferir ao Minist8rio PUblico legitimidade para a tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogEmeos, sabre esta Ultima modalidade de interesse transindividual recaem as maiores questio- namentos quanta a interpretac;ao da norma. Tude porque o texto constitucional ao tratar da inst_ituigao do Minist8rio PUblico nao previu de forma expressa a possibilidade da defesa dos interesses ou direitos individuals homog6neos,26 preferindo o constituinte ora prever a atuagao ministerial na defesa dos direitos individuals indisponiveis (art. 127, caput), ora em defesa somente dos interesses ou direitos difusos e coletivos (art. 129, inciso III). A opgao majorit8.ria feita pelos tribunais superiores tern sido a de interpretar a norma conjugando o direito individual homog6neo com a sua concomitante indisponibilidade, de modo a permitir a atuagao do Ministerio PUblico apenas com a presenga de ambos as requisites. Essa corrente traz a baila, em reforge de seus argumentos o art. 25, inciso IV: alinea "a", da Lei no 8.625/93 (Lei Organica Nacional do Ministerio PUblico), que disp6e incumbir ao MP a promogao do inqu8rito civil e da agao civil pUblica para a protegao de interesses difusos, coletivos e individuais indisponiveis e homog6neos.27 25 AI8m da Lei n2 8.078/90, a legitimidade do Minist8rio PUblico para a defesa do consumidor esta prevista em outros atos normativos infraconstitucionais: art. 25, incise IV, alinea "a", da Lei nQ 8.625/93 {Lei Orgaruca Nacional do MinistEirio PUblico) e art. 12, incise II, c/c o art. SQ, caput, da Lei n!l. 7.347/85. No caso do Estado do Rio de Janeiro, a constitui98.o estadual preve a prote<;8.o do consumidor como fun9ao institucional do MinistEirio PUblico (art. 173. incise III). 26 Muito embora tenha havido certa divergencia terminol6gica entre a utiliza98.o de direito ou interesse, preferiu o legislador fugir a polemica, abarcando as duas acep<;6es no texto legal. De modo geral tal op<;8.o mereceu aplausos ate mesmo para impedir interpretac;:6es divergentes do comando constitucional de prote<;8.o ao consumidor. Sabre tal discussao ver MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do Consumidor em Juizo. 2ll edi<;io. sao Paulo: Saraiva, 1998, pp. 23 e ss. 27 "Art. 25 - AI8m das fun96es previs~as nas Constituit;e6es Federal e Estadual, na Lei OrgAnica e em outras leis. incumbe, ainda, ao Minist8rio PUblico: ( ... ) 270 A Legitimidade do Minist€rio PUblico para a Dr~f<.!sa do:; Utr•:!to~ Ind1·ndu~ts Homog8neos do Consumidor: Urn Caminho para a Ef1c;"1 -: 1 o~ S•J<:tal da i'-iorma dentro de urn Modelo Garantista A particula aditiva "e" autorizaria a conclusao no sentido de que o interesse cuja tutela fosse pretendida pelo Ministerio PUblico deves- se possuir simultaneamente as caracteristicas da indisponibilidade e da homogeneidade. Sem embargo do respeito que merecem as defensores ctessa orien- tagao, permite-se concluir que a mesma parte de premissas eau.ivo- cadas-e de paradigmas ultrapassados. · Primeiramente, verifica-se uma influ€mcia de uma visao dicotOmi- ca do direito que possibilitaria vislumbrar na esfera do direito privado os direitos disponiVeis e no direito pUblico os indisponiveis. · Nao e incomum encontrar no bojo de ac6rd8.os .express6es ~omo "interesse meramente patrimonial" associadas a "direito d.isponivel" ,28 como se a realidade atual fosse caracteristica de uma sociedade compar- timentada onde ainda prevalecesse o dogma da autonomia da vontade. Hodiernamente, e justamente sabre o patrimOnio das pessoas e que incide a maioria das violac;Oes aos direitos ·fundamentals (ex: bloqueio de cruzados, juros abusivos, taxas inconstitucionais, como a de ilumina~ao publica). Embutido nesse raciocinio ainda se insere a visao tradicional do contrato, repelida pelo legislador consumerista e ainda nao totalmente assimilada pelos int8rpr~tes do direito. Sob tal 6tica a atuac;ao ministerial representaria uma indevida intromissao na esfera de vontade do particular. Mas no rigor de tall6gica, quase todo direito proveniente das rela- g6es de consume, ate mesmoos difusos e coletivos, deveriam ser consi- derados disponiveis, pais se referem a direitos de ordem eminente- mente patrimonial. Contudo, deve-se perceber que, independentemente da esp8cie de interesse coletivo, em sentido Jato, que se pretenda proteger, a base IV - promover o inqu8rito civil e a a<t§.o civil pUblica. na forma da lei: a) para a proteqao, preveng§.o e reparac;:§.o dos danos causados ao meio ambiente, ao conswnidor, aos bens e direitos de valor artistico, estE!tico, hist6rico, turistico e paisagistico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponiveis e homog8neos". 28 A titulo de exemplo permite-se citar o seguinte ac6rd§.o: AQAO CIVIL PUBLICA. DIREITOS INDIVIDUAlS HOMOGE:NEOS. ILEGITIMIDADE DO MINISri:RIO PlrBLICO. - Inafast<ivel o reconhecimento da ilegitimidade atin do agente do Minist8rio PUblico para, em a<tao civil pUblica, pleitear a tutela de interesses individuais homogEmeos de cunho meramente patrimonial, disponiveis, portan:o, sem relevancia ou repercussao para a coletividade em geral. (TJ-RS - Ac. Unitn. da 3,;, Cam. Civ., de 26/8/99 - Ap. 599.291.697- Rei. Des. Luiz Azambuja- Minist8rio PUblico x Gremio Esportivo Brasil). 271 ~ ~ v ~ '- '" '--- -~ '- ~ ~ '- ~ '--- ~ ~ '- ~ ~ '-~ ~ ~ '~ ~ ~ ~ ~- ~ ~ -~ Luiz CIB.udio Carvalho de Almeida de validade da atuagao do Ministerio PUblico na defesa do consumidor h8. de ser a mesma. E dito fundamento de validade nao repousa na inctisponibilidade do direito do consumidor, mas sim na defesa da ordem juridica e do interesse social. Outra nao e a conclusao de Marcos AntOnio Maselli de Pinheiro Gouv8a:29 "Imp6e-se a conclusao de que a atuagao ministerial, nos termos do dispositive mencionado, tamb9m se respalda nas fungOes institucionais de defesa da ordem juridica e dos interesses sociais. sao estes valores, mais do que uma interpretagao extensiva da defesa dos interesses indisponiveis, que fundamentam a tutela molecular dos direitos individuais homog8neos, tutela esta cuja provocac;ao e· constitupionalmente cometidt;-. por exc8l6ncia, ao Minist€rio PUblico. Se a a:Propriagao inctevicta de uma quantia que deveria pertencer a ConsumidOr ·.e realizada por uma empresa, nao configura isto urn atentado contra a ordem juridica, a demandar a intervengao do Parquet? Se, para a satisfagao de seus direitos - direitos, por vezes, a quantias intimas - milhares de pessoas tern de propor uma enxurrada de ag6es individuais, atravancando juizados especiais e juizos comuns, nao havera ai interesse social na solugao ritpida de inU.meras lides, atraves da atuagao molecular do Minist€rio PUblico?". No mesmo sentido eo entendimento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery,30 tambem citado por Maselli: "0 que legitima o MP a ajuizar agao na defesa de direitos individuais homog8neas n§.o e a natureza destes mesmas direitos, mas a circunst&ncia de sua defesa ser feita ·par meia de agaa caletiva. A prapositura de agao coletiva e de interesse social, cuja defesa e mister institucianal do MP (CF, 127, caput), razaa par que e constitucional o CDC 82, I, que legitima o MP a mover agao coletiva na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homog€meos. No mesmo sentido, tese de NELSON NERY JUNIOR aprovada por unanimidade no 92 Congresso Nacional do Ministerio Publico (Salvador-BA, setembro de 1992)". Mas como aferir o interesse social que legitimaria a atuagao do Minist9rio PUblico? 29 A Legitimidade do Minist9rio PUblico para a Defesa de Direitos Individuais Homog€neos. In Revista do Ministt§rio PUblico do Estado do Rio de Janeiro, n2 11, jan./jun. 2000, pp. 199- 233. 30 In C6digo de Processo Civile Legislaqiw Processual Civil em Vigor. 3.a ediqao. sao Paulo: RT, 1997, p. 1.029. 272 A Legitimidade do Minist9rio PUblic·o -para a Defesa dos Direitos Individuais Homog€neos do Consumidor: Urn Caminho para a Efic3cia Social da Norma dentro de urn Modelo Garantista Note-se que entender que a indisponibilidade do direito nao se mostra apta a permitir divisar as hip6teses em que exsurge a legi- timidade do Minist€rio PUblico para a tutela de interesses coletivos, na verdade, importaria em deslocar o foco da discussao para o problema do interesse social, sem, no entanto, resolver a questao. Ora, o que se deve entender por interesse social? Urn das chaves para a resposta do problema em comento vern do que Ronalda Porto Macedo Junior3t chamou de moderno direito social. Segundo o autor "o direito contempor&neo, tipico do Welfare State, tamb9m chamado Direito social, caracteriza-se, grosso modo, por sua estruturagao feita com base em urn novo padrao ou paradigma de racionalidade juridica. Nesse paradigma de pensamento juridico a Justiga e pensada como urn principia de equilibria (ou balanceamento) de interesses sociais irrequtiveis a uma medida de Justiga transcendente ou universal ... " E prossegue mais adiante: "0 papel do Ministerio PUblico esta diretamente relacionado as novas caracteristicas do Direito Social, a medida que o fundamento de intervengao do promotor de justiga no ambito do Aparelho Judicial e o de defensor direto dos interesses sociais (sejam eles coletivos, difusos ou individuais homogeneos im.buidos de interesse social) ... " Dentre os interesses que justificam a atuagao do MP esta o interesse na tutela do consumidor coletivamente considerado. Na verdade, o interesse social que legitima a atuagao ministerial e o interesse constitucionalmente eleito, oriundo do principia da dignidade da pessoa humana, na perspectiva de urn equilibria real e nao meramente formal nas relag6es de consume. Trata-se de urn verdadeiro mecanisme de mitigagao do desequi- librio contratual nas relag6es de consume, que, em Ultima analise, tern como meta a construgao de uma sociedade livre, justa e solidaria (art. 3o, inciso I, da CF) e a erradicagao das desigualdades sociais (art. 30, inciso lll, da CF /88) e como parametro o principia da dignidade da pessoa humana (art. 10, inciso III, da CF). Assim, por exemplo, com base no interesse social,32 se admitiu a inclusao da defesa dos adquirentes de lotes em loteamentos clandes- 31 "Evolugao Institucional do Minfst9rio PUblico Brasileiro. In Ministerio PUblico: Instituiq8.o e Processo. sao Paulo: Atlas, 1997, p. 53. 32 :E necessaria registrar que, muito embora haja urn forte apelo social na questao dos loteamentos clandestinos, o que de certa forma tem sensibilizado as Tribunais no 273 ~ d, ·~I . ,_· ~---r·.· ';\:, (t: ·_·.r~. :" f Luiz Claudio Carvalho de Almeida tinos no rol des interesses tutelaveis pela via coletiva atraves de a9ao movida pelo Ministerio Ptlblico.33 Muito interessante enfatizar sabre a questao do interesse social a posi98.o adotada pelo Ministro SepUlveda Pertence em veto proferido par ocasi.§.o do julgamento do recurso extraordin<llio n2 213.631-0/MG,34 em que se discutia a legitimidade do Minist9rio PUblico na defesa do contribuinte. Naquela ocasiao o Ministro SepUlveda Pertence, ao observar a dificuldade de se calcar num conceito aberto como o de interesse social o parfunetro de aferiqao da legitimidade ministerial em sede de aq6es civis pllblicas, propOs a crit9rio a que denorninou de "interesse social conforme a Constitui98.o", traduzido da seguinte forma: "afora o case de previsao legal express~ - a afirmac;ao do interesse social para o tim cogitado hcl de partir da identificagao do seu assentamento nos pilares da ordem social projetada pela Constituiqao e na sua correspond8ncia a persecugao dos objetivos fundamentais da repUblica, nela consagrados". Por certo, hcl certo paralelo entre a expressao utilizada pelo Minis- tro SepUlveda Pertence e o crit6rioda interpretagao conforme a Cons- tituig8.o que procura dentre as vfui.as possibilidades hermen6uticas a que melhor se coadune com os principios constitucionais, afastando, via de conseqUEmcia, as interpretaq6es incompativeis.35 0 que hcl de mais interessante nesse raciocinio e que na medida em que se confere uma interpretaqao conforme a Constituigao, ao mesmo tempo se empresta concregao aos principios vetores da Carta. Tal posiqao possui o m6rito de permitir divisar com maier nitidez o interesse social como crit9rio definidor de legitimidade nas ag6es coletivas. Mas, a contrario sensu, nao se prestou a embasar a Iegitimidade do Ministerio Publico na defesa do contribuinte, ja que o ac6rdao do STF em refer8ncia36 concluiu pela ilegitimidade, com a anu8ncia do acolhimento da legitimidade ministerial, nao se pode deixar de lembrar que a solw;ao da questao e facilitada pela Lei n2 6. 766179 que preve expressamente a participa9ao do IYlinistena PUblico na fiscaliza9B.o da regularidade dos loteamentos (art. 38). 33 No STJ: Resp 137.889/SP (OJ 29/05/00); Resp 108.249-SP (OJ 22/05/00). 34 Recurso Extraordinatio n2 213.631-0. Plena. Relator Ministro Ilmar Galvao. Nao conhecido par maioria. Julgado em 09 de dezembro de 1999. Publicado em 07 de abril de 2000. 35 Nesse sentido LARENZ, Karl. Metodo!ogia da Ciencia do Direito. Tradu9ao de Jose Lamego. 3il. edi9iio. Lisboa: Funda9ao Calouste Goulbekian, 1997, pp. 479-484. 36 RE-213631/MG- Rei. Min. Ilmar Galvao- maioria- h turma- 09!12!99. Ver nota na 40 infra. 274 I I I I I ' I A Legitimidade do Ministerio PUblico para a Defesa dos Dr:-:.::.:JS Individuais Homog8neos do Consumidor: Urn Caminho para a Efid.--:ia Scc1al da Norma dentro de urn Modelo Garantista prOprio Ministro SepUlveda. Pertence, muito embora 0 relevante interesse social da atua<;S.o ministerial nessa clrea.37 Note-se que, no mais das vezes, quando se trata de protecao de interesses individuais homog€meos, a visa.o do julgador na.o se atem ao direito do consumidor, reclamando que a este direito venham atrelados outros direitos, como 0 direito a saUde, a educagao ou a vida. Assirn o foco de aten<;ao acaba muitas vezes desviado da tutela do consumidor para a tutela de outros interesses a ele vinculados, de modo que mesmo que nao existentes as normas de prote<;ao ao consumidor a prestaqao jurisdicional seria favoravel aos demandantes, ainda que calcada em base legal nao contratual. Nesse sentido 8 sintomfl.tica a questao das mensalidades escola- res, na qual a legitimidade do Ministerio PUblico para a propositura de a<;ao civil pUblica foi aos poucos sendo pacificada nos 'fribunais nao em tun<;ao do direito do consumidor, mas em fungao do direito a educagao.38 37 Interessante anilise critica sobre a posi9ao que acabou par se sedimentar nos Tribunais Superiores acerca da ilegitimidade do Minist8rio PUblico para a defesa do contribuinte encontra-se em GARCIA, Emerson. Oa Legitintidade do Minist8rio PUblico para a Oefesa dos Contribuintes. L"-1 Revista do Ministerio PUblico do Estado do Rio r.f.e Janeiro, n>~ 12, jul/dez 2000. 38 EMENTA: RECURSO EX'I'RAORDINARIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDAOE DO MINISTERIO PUBLICO PARA PROMOVER Af;fi..O CIVIL PUBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGENEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POS'TIJLAT6RIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUizO. 1. A Constitui~ao Federal oonfere relevo ao Ministerio PUblico como institui9iio permanente, essencial a fun9ao ju."'isdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem juridica, do regime democrcitico e dos interesses sociais e individuals indisponiveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detem o Ministerio PUblico capacidade postulat6ria, nao s6 para a abertura do inquerito civil, da a9ao penal pUblica e da a9ao civil pUblica para a prote9a.o do patrL>nOnio pUblico e social, do meio ambiente, mas tambem de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. lnteresses difusos sao aqueles que abrangem nUmero indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunst8.ncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determinciveis, ligadas entre si ou com a parte contrciria por uma rela9ao juridica base. 3.1. A indeterminidade e a caracteristica fundamental dos intere~se!> difusos e a detenninidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogfmeos sao os que tern a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n2 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo·se em subespecie de direitos coletivos. 4.1. Ouer se afume interesses coletivos ou particularmente interesses homog9neos, stricto sensu, ambos estao cingidos a uma mesma base juridica, sendo coletivos, explidtamente dizendo, porque sao relatives a grupos, categorias ou classes de pessoas. que conquanto digam respeito as pessoas isoladamente, nao se classificam como ctireitos individuals para o frm de ser vedada a sua defesa em ao:;:a.o civil pUblica. porque sua concep~ao finalistica destina-se a prote9.3.0 desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 275 '-' '-' ·.~ ~ ~ ~ '-' ·~ ·~/ ~ ~- '-./ ~- ·~ ~ ~ ~ ~ ~ ·~ ~ Luiz Claudio Carvalho de Almeida E claro que tais direitos analisados em conjunto sO enfatizam o interesse social no ajuizamento da causa, interesse este que acaba por justificar a legitimidade ativa ad causam do Minist9rio PUblico. Gontudo, a questao do interesse social como crit9rio de aferigao da legitimidade do MP para a defesa do consurnidor fica ainda sem definigao. 0 interesse social que se deve aferir para exame da legitimidade ministerial na defesa do consumidor e o interesse intrinseco nas normas de protegao do CDC, consoante disposigao expressa do art. 1o, caput, da Lei no 8.078/90. Sob tal aspecto,_ a defesa do consumidor consubstanciaria urn des- dobramento do principia da dignidade da pessoa humana, consagrado no dir_eito positive pelo art. 12, incise III, da Constituigao Federal. E como tal representa um novo paradigma de ~quilibrio contratual . que extrapola os limites das relag6es de consume. Este 9 o caminho que, por exemplo, o direito alemao parece seguir com a recente reforma de seu C6digo Civil, atraves da qual inseriu no referido Codex normas tendentes a adequar os dispositivos legais vigentes a correta protegao da parte contratante vulnerilvel, caracteristica da sociedade de massa, o consumidor. Optou o legislador alemao por nao criar urn c6digo prOprio para o consumidor. Climdia Lima Marques39 ao analisar o novo texto do COdigo alemao tece a seguinte observagao: "Como se observa, o futuro do 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas par via de ac;:ao civil pUblica. a requerimento do 6rgao do Ministerio PUblico, pais ainda que sejam interesses homog€meos de origem comum, sao subespecies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado par esse meio processual como disp6e o artigo 129, incise III, da Constituic;:§.o Federal. 5.1. Cuidando-se de tema Jigado a educaqao, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigaqao de todos (CF; art. 205), esta o Ministerio PUblico investido da capacidade postulat6ria, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na 6rbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteUdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinclrio conhecido e provide para, afastada a alegada ilegitimidade do MinistE!rio PUblico, com vistas a defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ac;:ao. (RE 163231-3/SP, un§.n., rei. Min. MauricioCorrea, Plena, j. em 26/12/97, publicado no DJ-de 29/06/01, p. 00055). Sem grifo no originaL 39 C6digo Civil Alemao Muda para Incluir a Figura do Consumidor- Renasce o "Direito Civil Geral e Social"? Mimeo. 275 A Legitimidade do Ministerio PUblico para a Defesa dos Direitos Individuais Homog&neos do Consumidor: Urn Caminho para a Eficacia Social da Norma dentro de urn Modele Garantista Direito do consumidor comegou a mudar. De elemento descodificador e especial, renasce como elemento unificador e harmonizador do Direito Privado, reforgando o Direito Civil geral, impregnando-o de valores sociais, de justiga distributiva e de tratamento -desigual e p6s-moderno aos sujeitos de direito, desiguais e importantes na estrutura da sociedade de massas atuais. Tudo sem quebrar o sistema e sim fazendo parte do sistema, adaptando-o as novas realidades sociais e culturais. Os alemaes tentam iniciar urn DIREITO CIVIL GERAL E SOCIAL. Bern conhecendo a solidez, tenacidade e forga criativa da doutrina alema, 9 esta sem Q.Uvida uma novidade a ser noticiada e uma experiEmcia a ser acompanhada de per to por todos os jurist as". Muito embora no Brasil tenha havido uma opgao pela adogao de urn COdigo prOprio para as relag6es de consume, nao se pode negar que a elevagao de tais direitos ao patamar collstitucional revela uma verdadeira mudanga de paradigmas no tratamento legal dos contratos. 0 homem e colocado no centro das preocupag6es juridicas. 0 ordenamento pil.trio passou a preocupar-se, de maneira prioritciria, com a concretude dos direitos da personalidade, relegando a urn segundo plano quest6es de ordem puramente patrimonial. Nesse sentido, os 6rg8.os estatais, dentre eles o Minist9rio PUblico, passaram a ter o dever de zelar pela aplicagB.o dos principios constitucionais de valorizagao do ser humane, na busca de sua felicidade e, em sede contratual, do ideal de eqiiidade. Hc3. por determinagao constitucional relevante interesse social no equilibria real e nao meramente formal das relaq6es de consume, e toda vez que restar ameagado tal equilibria devem ser disparados os mecanismos de corregao das distorg6es, dentre os quais se insere a atuagao do Minist9rio PUblico na tutela coletiva do consumidor. 0 MP e. portanto, urn ente estatal de concregao dos direitos da personalidade em. suas mais variadas formas de manifestagao. 7. Conclusao A luz cte tucto o que toi exposto, torgoso e concluir que o reconhe- cimento da legitimidade do Minist9rio PUblico para a defesa em juizo dos direitos individuais homogeneos do consumidor e urn forte instrumento de efic<icia social da norma consumerista. Mesmo as objeg6es que sao feitas esbarram no argumento de que, em algumas situag6es (e nao sao poucas), a violagao ao direito do consumidor ficaria impune, a falta de meios de acesso a justi~a que 277 ' !. . l • ··.~ ·• I ,§ •I II .. •• -~ ~ 1 . •. ·. • j r ~4 1,-~4' ;; I• ' J >'· J ., ,. ...-. !"' Luiz Cl.§.udio Ccirvalho de Almeida obstem a atuagao lesiva do infrator e desestimulem pr<3.ticas seme- lhantes de seus pares. E necessiuio reconhecer que a elevagao de urn direito a condigao de fundamental e sua consagragao no texto constitucional, por si s6, mio e suficiente para garantir o seu reconhecimento na sociedade. Alias, a consagragao de urn direito sem a criag§.o de mecanismos correlates que permitafQ sua tutela equivale e negagao do prOprio direito. Nesse sentido, mostra-se extremamente interessante a seguinte passagem do voto divergente do Ministro Marco Aurelio no RE 213.631- 0/MG, em que se tratava da legitirnidade o Ministerio PUblico para a defesa do contribuinte: "Chegou ao meu conhecimento que certa vez, discutindo se a constitucionalidade, ou n§.o, de urn diploma que majorava ou introduzia tribute, indagou-se a percentagem, e seria essa expressao, a percentagem de inconstitucionalidade, a qual estaria norteada n§.o pelo teor da norma em cotejo com a Carta da RepUblica mas pelo n6.mero de cidad§.os que, de regra, v9em, no acesso ao Jucticiiuio, 0 exercicio de urn direito inerente a cidadania e formalizam a irresignag§.o para v9-Ia apreciada pelo Judiciilrio". Na verdade, a "percentagem da constitucionalidade" a que se refere o Ministro nada mais 9 do que a probabilidade do infrator ser compelido a respeitar a norma. Sendo minima tal probabilidade, a infragao acaba sendo estimulada. Em sede de direitos do consumidor tal infragao traduz-se em lucre para o fornecedor, provocando uma externalidade para o cliente, lesado em seu patrimonio pela queda da qualidade do produto ou do servigo prestado, em decorr9ncia do desrespeito a norma protetiva. E precise perceber que a falta de mecanismos de protegao pode decorrer tanto de uma omissao legislativa quanta de uma interpretagao juridica. E esse Ultimo aspecto 9 o que se afigura mais preocupante, sobretudo no que tange a defesa dos direitos individuais homog9neos. lsto porque, apesar do arcabougo legal ja existente para a tutela coletiva dos direitos do consumidor, a efic<3.cia social da norma esbarra numa visao jurisprudencial que ainda rejeita a m8xi.ma utilizag8.o dos mecanismos legais existentes, sem ter a sensibilidade de que em algumas situag6es, tal restrigao importa a impossibilidade absoluta do acesso a justiga. 278 A Legitimidade do Ministerio PUblico para a Defesa dos DireitOs Individuais HomogEmeos do Consumidor: Urn Caminho para a Efic<icia Social da Norma dentro de urn Modelo Garantista Muito embora n§.o se refira exatamente aos consumidores a posi- gao adotada pelo Supremo 'IIibunal Federal quanta a ilegitimidade do Minist9rio PUblico para a defesa do contribuinte 8 emblem<3.tica para exemplificar o acima referido. 40 Tamb8m o Superior Tribunal de Justiga tern adotado a mesmo orientagao.41 40 MINISTERIO PUBLICO. AQAO CIVIL PlrnLICA TAXA DE ILUMINA<;!AO PUBLICA DO MUNICiPIO DE RIO NOVO-MG. EXIGIBILIDADE IMPUGNADA FOR MEIO DE AQAO p(J. BLICA, SOB ALEGA<;!AO DE INCONSTITUCIONALIDADE. AC6RDAO QUE CONCLUIU PELO SEU NAO-CABIMENTO, SOB INVOCA<;!AO DOS ARTS. 102, I, a, E 125, § 22, DA CONSTITUI<;:Ao. Ausencia de legitimat;ao do MinistEnio PUblico para a~Oes da especie, por nao configu. rada, no caso, a hip6tese de interesses difusos, como tais considerados os pertencentes concomitantemente a todos e a cada um dos membros da sociedade, como urn bern n§.o individualiz8.vel ou divisive!, mas, ao revEls, interesses de grupo ou classe de pessoas, sujeitos passivos de uma exig€mcia tributitria cuja impugna~§.o, par isso, s6 pode ser promovida par eles pr6prios, de forma individual ou coletiva. Recurso N§.o conhecido. RE-213631/MG- Rel. Min. llmar Galv§.o- maioria- lot twma- 09/12/99. 41 AQAO CIVIL PUBLICA DIREITOS INDIVIDUAlS DISPONiVEIS. ICMS. ILEGITIMIDADE DOMP. - Estabelece o artigo 127, caput, da Constitui~§.o Federal, que o Ministerio PUblico "El instituit;ao permanente, essencial a fun~ao jurisdicional do Estado, incurnbindo-lhe a defesa da ordem juridica, do regim~ democr8.tico e dos interesses sociais e indisponiveis". Assim, cabe ao Mi.nist:erio PUblico a defesa dos interesses sociais e ind.ividuais indisponiveis. A Lei Complementar nl:! 75/93 atribui a ele competEmcia para prote98.o de interesses ind.ividuais homog9neos (art. 62), ind.isponiveis (art. 6ll, inciso Vll, letra "d"). Sua legitimidade e para cuidar de interesses sociais difusos e coletivos e nao para patrocinar d.ireitos individuals, privados e d.isponiveis. A defesa a titulo coletivo s6 sera por ele exercida, quando se tratar de d.ireitos difusos ou interesses ou d.ireitos coletivos, assim entendidos, de acordo com o C6d.igo do Consumidor (art. 81, caput), os transindividuais de natureza ind.ivisivel (par<igrafo Un.ico, item ll). Para estasfinalidades esta ele legitimado (artigo 81, inciso 1). S6 tern o Ministerio PUblico legitimidade para propor a~ao civil pUblica, versando proteger o meio ambiente, o consumidor, os hens e d.ireitos de valor artistico, estEltico, hist6rico, turistico e paisagistico, qualquer outro interesse difuso, ou coletivo e a ordem econ6mica (Lei n2 7.347/85, art. 1!.:!). No caso concreto, a9ao civil pUblica nao foi proposta por nenhuma destas hip6teses. Nela, nao se pretende proteger o consumidor ou qualquer interesse difuso ou coletivo e sim os interesses privados de algwlS contribuintes, d.isponiveis. 0 interesse au direito difuso, para efeito do C6d.igo do Consumidor, sao "os transind.ividuais, de natureza indivisivel, de que sejam titulares pessoas indeterrninadas e ligadas por circunst.3ncias de fato" (Lei nl:! 8.078/90, artigo 81, inciso I). Ora, no caso, nao se trata de nenhum direito transind.ividual, de natureza ind.ivisivel de que sejam titulares pessoas indeterminadas. Interesses ou d.ireitos coletivos sao os transin.d.ividuais de ·natureza indivisivel de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si com a parte contriuia por uma relat;ao jurid.ica base (Lei nl:! 8.078/90, artigo 81, inciso II). Na hip6tese nao se trata de direitos transinctividuais de natureza indivisivel. Os contribuintes do ICMS incidente sabre a circu- la~ao de energia el9trica nao sao considerados consumidores e n§.o estamos diante de di· reitos individuais homog€meos indisponiveis (STJ- Ac. Un§n. Da U T., publ. em 29/5/2000- Resp. 248281-SP- Rei. Min. Garcia Vieira- Fazenda PUblica Estadual x Minist9rio PUblico). 279 ·~ ·~ ~ ~ ·~ ~" ~ ~/ ~ v ~ ~ ~ ~ ... . . Controle dos Servigos Publicos. Direito do Consumidor e Aplicagiio do Principia Constitucional da Eficiencia Renata Neme Cavalcanti Sumhio: 1. Introdu<;ao. 2. Do Principia Constitucional da Efi- cifmcia. 3. Do Direito do Consumidor. 3.1. 0 Direito_ do Consumidor como f)ireito Fundamental. 3.2. Aplica~a.o do C6_digq_ _qe Defe_sa do Con- sumidor aos Servi<;os PUblicos. 3.3. Aspect~~-~obre a respon- sabilidade civil das prestadoras de .. _X:fJ:g.~lit;;os. 4 .. Conc;lus6es . ReferEmcias Bibliograticas. · 1. Introdugao Entende-se par servigo pUblico, na ligao de Celso AntOnio Ban- deira de Melo, toda atividade de oferecimento de utilidade au como- didade material fruivel diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou par quem lhe "faga as vezes, sob o regime de direito pllblico.l Esta submissao ao regime de direito pUblico, que lhe concede caracteristicas tais como presungao de legitimidade, autoexecuto- riedade e unilateralidade, difere da atuagao do Estado no dominic econOmico, em que se explora atividade substancialmente privada e nao inclusa no rol dos servigos pUblicos. Estas nog6es tecnico-juridicas, entretanto, dissociam-se tradicio- nalmente da realidade brasileira relativa ao exercicio dos servigos pUblicos. Historicarnente, no Brasil, os servigos pllblicos sempre se consideraram prec<lrios, obsoletes e, assirn, imprestil.veis ao atingi- mento dos objetivos para as quais foram criados. A administragao pUblica, lange de ser urn conjunto de 6rgaos, entes e agentes organizados para a pril.tica de atos de execugao com a finalidade de satisfazer as necessidades coletivas,2 assemelha-se a urn sistema MELLO, Celso AntOnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Sao Paulo: Malheiros, 2001, 13il ediqao. 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, 19,; edigao. 285 tjj ~~~ '': 1 ' I< ;[It !li ~- 1ji• l t 'f~: :f: 1L Renata Neme Cavalcanti dcsorganizado, burocratico e- inchado. Tampouco o processo de privati· zacao. supostamente iniciado para a melhoria da qualidade dos ser· viC";os, trouxe resultados satisfat6rios. Diante deste quadro 1ament8.vel, incompativel com urn Estado De- mocr<3.tico de Direito, surge a necessidade de se estabelecerem meca- nismos de controls dos resultados da atividade estatal e de protegao ctos administrados contra les6es a direitos causadas par entes que, em sua genese, foram concebidos para protege-los. Neste trabalho, apresentam-se, em linhas gerais, alguns funda- mentos constitucionais e legais para o centrale dos servigos pllblicos, seja pelos seus usu;irios, pelo Minist€rio PUblico au pela prOpria Administragao, no exercicio da autotutela. 2. Do Principia Constitucional da Efici€mcia A exig€mcia da efici€ncia ha muito tern estado presente em nosso ordenamento juridico, quer implicitamente, par ser inerente a prOpria genese da Administragao PUblica, quer de forma explicita. 0 Decreta-Lei 200/67 j<3. previa a efici€ncia como pressuposto da atuaq§.o adminis- trativa, seja pelo controle de seus resultados (artigos 13 e 25, V), seja pela previsao de demissao de servidor desidioso (artigo 100) seja, ainda, pela afirmag§.o de que a supervisao ministerial se prestava a assegurar a efici€ncia administrativa em relagao a adrninistragao ind.ireta.3 A Constituigao da Republica de 1988 trouxe, mais tarde, alguns ar- tigos contendo este mandamento, dentre os quais o incise II do artigo 74, que ti.-ata do sistema interne dos Poderes e o paragrafo 7Q. do arti- go 144, referente aos 6rg8.os responsaveis pela seguranga pUblica. Tambem a Lei no 8.987/95 disp6e em seu artigo 6o, paragrafo 1o, acerca da efici€ncia dos servigos pUblicos. A grande inovagao, todavia, foi trazida pela Emenda Constitu- cional nQ 19/98, que fez inSerir o principia da efici€ncia no rol do caput do artigo 37. Embora criticado par alguns, sob o argumento de que traz conceito vago e indeterrninado, de dificil aplicaqao, o dispositive, em verdade, trouxe urn revigoramento da estrutura administrativa pUblica. Conforme j<3. ressaltado, a eficiEmcia existia em dispositivos esparsos e se impunha em algumas atividades especificas. Ap6s sua inclusao no 3 NOBREGA, Airton Rocha. 0 Principia Constitucional da Efici{!mcia. In Revista FOrum Administrativo, n2 11, 2002, pp. 244 25. 286 Controle dos Servi9os PU.blicos. Direito do Consumidcr e Aplicac;:ao do Principia Constitucional da Efici€mcla artigo 37, o principia passa a nortear toda e qualquer atuagao da Admi- nistra<;flo, mio mais se impondo como mera norma de conduta dos agen- tes - aspecto subjetivo - mas tamhE!m abrangendo o aspecto objetivo, consistente no controle dos resultados do servi<;o prestado. Muito se tern discutido acerca do significado do principia da efi- ci€ncia, que, para alguns, e complemento do principia da eco- nomicidade previsto no artigo 70 da Constitui<;§.o da RepUblica e, pcira outros, ainda, corresponde ao aspecto material do priricipio da legalidade. Ha quem vincule a efici9ncia, tao-somente, ao desemp6nho dos. agentes pUblicos., em razao das modifica<;Oes trazidas pela· Emenda · Constitucional nQ 19/98 que atingiram os servidores pUblicos, ti'azendo a ampliagao do prazo para obtengao da estabilidade e criagao de comiss6es para avaliagao do desempenho, par exemplo. A explicagao, entretanto, ao nosso ver, n8.o se mostra tao simplificada. N a lingua portuguesa, o conceito da palavra efici9ncia constitui agao ou virtude de produzir um efeito,4 conceito este que,· ao ser transportado para a esfera juridica, tern acrescidos outros elementos, consistindo na qualidade de se produzir o efeito pretendido da forma mais econOmica e adequada possivel. A relevB.ncia desta defini<;§.o reside em se estabelecer. o alcance do centrale ~xer.cido sabre os atos da administra<;8.o. A possibilidade de controle dos atos administrativos, materia ja muito discutida, 8 ainda mais controvertida quandO se utiliza como fundamento a quebra do principia da efici8ncia. Desta discussao, surgementendimentos dos mais diversos. Vladimir da Rocha Franga, por exemplo, nao adrnite que o centrale da efici€ncia do ato adminis- trative se fa<;a pelo Poder Judici<3.rio, mas t§.o-somente pelo Poder Legislative ou atraves de centrale interne pela prOpria administragao. Para o au tor, a efici€ncia constituiria mero padrao hermen9utico, .insufi- ciente, contudo, para viabilizar a intervenqao judicial.5 Parece-nos, todavia, que a melhor doutrina e aquela que admite a invalidagao do ato administrative pela violaq§.o ao referido principia. Em artigo bastante elucidative, Robert6nio Santos Pessoa sustenta que o gestor pUblico, no usa de compet€ncia discricionil.ria, nao d6t8m 4 --HOLANDA. Aur9lio Buarque de. Dicioniuio Aurelio da Lingua Portuguesa. Editora Nova Fronteira, 2002. FRAN9A. Vladimir da Rocha. Notas sabre a EficiEmcia Administrativa na Constitui~ao Federal. In Revista Trimestral de Direito PUblico, n2 30, pp. 77-85. 5 287 ~ .J ~ ·-" ~/ ~ '~ ~ .J ~· ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~· '--" ' Renata Neme Cavalcanti prerrogativa de optar par uma solugao que seja, do ponto de vista tecnico, de efic3.cia duvidosa, au comparativamente menos eficiente diante de outras alternativas possiveis.s Nas palavras de Paulo Soares Bugarin, "E§ fundamental, par fim, afirmar-se que", no duple e comple- mentar exame. da eficiEmcia e da economicidade dos atos pUblicos de gestae nao se admite mais considerar 0 merito do ato administrative como empecilho a atuagao do Controls Externo, em especial, nas situac;6es em que se possa, diante do universe f8.tico, deterntinar, racional e fundamentalmente, qual a alternativa que melhor atende ao interesse pUblico". 7 No que tange ao centrale dos atos da Administragao PUblica sob o fundamento da eficiEmcia, b8. que se tragar duas vertentes para fins de responsabilizagao do poder pUblico e de seus agentes. Como j8. se ressaltou, o principia da efici€mcia apresenta aspectos subjetivos e objetivos. Sob o aspe.cto subjetivo, imp6e normas de conduta aos agentes pllblicos, que se veem obrigados a agir da forma mais econ6n1ica, n1ais c8lere e menos burocr8.tica, com vistas a obten- <;ao do melber resulti3.do. A inobservAncia de qualquer destes deveres implicar8. na responsabilidade subjetiva do agente, que podera ser processado pela priitica de falta funcional ou mesmb de ato de imp;robidade- administrativa. Entretanto,...-6- interessante questionar acerca da possibilidade de responsabilizagao ~o poder pUblico nas hip6teses em que os resultados de sua atividade tenham sido menos eficazes, por€m sem qualquer viola~ao a un1a norma especifica de conduta. Nao h8. que se falar, neste caso, em ato de- improb~dade administrativa ou falta · furicional do servidor, porem entendernos que o poder pUblico, par si au par seus delegatc3.rios, devera ser responsabilizado par sua atuagao, sob o fundamento de violagao objetiva ao principia da eficiEmcia, podendo o usucirio reclamar da Administra<1ao os resultados preten- didos. Exen;plifica-se: a concessioniiria responsavel pelo abasteci- mento cte agua de urn Municipio realiza todas a5.·6bras e aquisic;Oes necesscirias a eficaz presta<;:ao do servic;o. porem, urn defeito na tubulac;ao causa interrupc;ao do fornecimento em determinado bairro. s 7 22~ PESSOA. Re:~e:::Cm.io Ss.n:os. Princinio ds. Eficiimcia e Co:;:~o!e dos Atos Discrici::::<'.:-ios. Jus Naviga::c·l. Jeresina. a 3. n.;: 35. ou:. 99. disponi;·e] e:::: <h:tp://v,•ww1.jus.cc::;.br/ dc'..l:rinafte:·:-.c_asp?!d = 342 > ·'·'!GARIN. ?c.:J;o Soares. 0 Principia Co:;s:i;.ucional da Efici€ncia- uJ~: ..,.1foque d::::..~ai· .:. mul~idisc:;):in~r. In Re~'ista FOrum .;,.c·~.iriistrath'o. maio de 2001 Centrale dos Sen'i~fOs Pti.blicos. Direito do Consumidor e Aplica9ao do Principia Constitucional da Eficiencia '. Embora n~o se p<;>ssa afirmar que a empresa agiu de forma a violar o principia da efici€mcia, 0 fato € que OS resultados 118.0 foram SatiS- fat6riOS e o principia referido restou efetivamente violado. E possivel, assim, que as usuillios demandem da concessionciria a regul~uizagao da prestagao do servigo, par sua conta e risco. Lamentavelmente, as tribunais tern Se manifestado de forma bas- tante timida acerca da aplicagao do principia da eficiencia. Em ac6rdao proferido nos autos do Mandado de Seguran9a no 7.765, oriundo do Distrito Federal, relator Ministro Paulo Medina, publicado no DJ de 14/10/2002, assim decJdiu a Primeira Se9ao do Superior Tribunal de Justi9a: "ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANqA. ATO OMISSIVO. AUTORIZAqAo. EXECUqAo DE SERVIqOS DE RADIODIFUSAO COMUNIT ARIA. 0 exercicio da atividade administrativa esta sub.riJetido ao principia da eficiencia, nos termos do art. 37, caput, CF/88. Configura-se ofensiva ao principia da ·efici&riCia a cohduta omissiva- da autoridade- :eompciti:mte,: Ciue deixa: trabS~orier longo JapSo temporal sem pro.cessar pedidO de alitOriZaqao de funcionamento de r8.dio comunit8.ria. Ordem parcialmente concedfd8. "." 3. Do Direito do Consumidor 3.1. 0 Direito do Consumidor como Direito Fundamental 0 artigo 52, incise XXXII da CF disp6e que a Estado promovenl, na forma da lei, a defesa do consumidor. Este dispositive erigiu o direito do consumidor a categoria de direito constituc~onal fundamental, embora criticavel par depender de lei, como ressal~o11 Jose Afonso da Silva. a Para Claudia Lima Marques, a Lei Maier identificou os consumidores como agentes econ6micos vulneraveis, passiveis de protegao do Estado, trazendo, assim, uma visao mais social e teleo16gica do contrato. 9 8 9 SILVA, Jose Afonso da. Sih•a. Jose Afonso da. Curso de Direito Cons:::udonal Positim. Sao Paulo: Revista 6os 'Ihbuncis, 1991. 7~ e6i~~IO. MARQUES. Clilud:c Lima. r.~arques. Claudia Lima. ComratOs iJo COc';-go de De!esa do Consumidor. sao Pa-...lo: Revis: a dos 'Ihbuna!s. 2002. 4~ ediqao 289 'f ~ ·~ of -1 ~-~- ~ :·. Rer.a:a Ne~~ Cavalcanti sao apontadas algumas conseqiiEmcias prB.ticas da inclusao do dire! tO do consumidor no rol dos direitos funda_mentais, quais sejam, a fa to de tornar-se preferencial em relac;ao- a o:utros direitos e preceitos infraconstitucionais, estando a salvo de posSiVeis reformas. Al€m disso, seu status constitucional possibilitou a edi9ao de uma legisla~ao consi- derada norma de ordem pUblica e, portanto, ~derrogil.vel pelas partes. A defesa do consumidor constitui, ainda, principia da ordem econ6mica, previsto no artigo 170, V, da CF, sendo, assim, urn preceito condicionador da atividade econ6mica, trazendo, al8m de limitagao a autonomia privada, car8.ter interventivo e promocional. Jose Afonso da Silva considera este como urn principia de integrac;ao, eis que, conjuntamente com a defesa do meio ambients, a reduc;ao das desi- gualdades regionais e sociais e' a busca do plena emprego, visa a soluqao dos problemas da marginalizac;ao regional ou sociaJ.lO Desde o inicio, cogitou-se que a protec;ao do consumidor poderia ferir 0 direito a igualdade, na medida em que e clara a distinq8.o feita entre consumidor e fornecedor. Entret~nto, tal critica e facilmente rebatida, j8. que o escopo da protegao do consumidor 8, ju.stamente, a busca da igualdade material entre sujeitos tradicionalmente desiguais. Novamente, recorre-se a Cl8.udia Lima Marques, para quem esta pre- vis8.o ·c·ans~itucional tra·z novas paradigmas de qualidade, seguranga, adequaqao dos servigos e produtos, paradigmas estes que concretizarn os mandamentos constitucionais de igualdade entre os desiguais, de liberdade . mat_erial das pesso_as fisicas e juridicas e dignidade da pessoa human·a.11 For fim, outre questionamento se faz em rela<;49 a caracterizaqao do direitctd.O consumidor como direito humane.Sabe-se que o pilar des direitos fundamentals e 0 principia da dignidade da pessoa humana e, portanto, a inclusao do direito do consumidor como urn direito fundamental traz o reconhecirnento do consume como uma neces- sidade essencial da pessoa humana. Este argumento. todavia, esbarra na inclusao da pessoa juridica no conceito de consumidor, inclusao esta bastante criticada pelos autores. Bruno Barbosa Miragem, numa 10 SILVA. Jose Afonso da. Curso de Direito Ccnstitucional Positivo. S:§.:~ Paulo: 2-;vista dos Tribunais. 1991. ?i.!. edi<;ii.o. 0 autor explica que a constitucion.:=.l:za<;ito da crdem eco- n6mica nita acolhe necessariamente um "sop>o de socializa<;ao", r..~s "busca s·.;.a·:izar as injusti<;as e opress6es econ6micas e sociais que se desen·;c:•:em a scmbra do liberalismo". 11 MARQUES, CIB.udia Lima. Contratos no COdigo de Defesa do Cc:.sumidor. Sao Paulo: Revis:a dos Tribunals. 2002. 4a edi<;ao. 290 Conao:e des: Servi<;o:;; ?UbliCQs .. Di;eito do Consm:;idor <:? Aplicac;ao ·do Principi; Coii.stituCional da Eftci~r:cia explicaqao pouco ·convincente,·Biite:hde que tal argumento nao derruba a tese de ser o direit~ do '60nsumidor urn direito humane. afirmando que ''a referencia legal a pessoa juridica como con?umidora. nessa perspectiva, s6 se justifica quando sob a forma ·~.e--pessoa juridica estiver presente, de forma imedi?t_ta, a necessidade do consume de urn ser humane, titular do direito a essa sua dimens§.o da exist6ncia. Nestes casas, embora juridicamente se apresentem sob a forma- de pessoa juridica. faticarnente estao procurando viabilizar a satisfaga:o de necessidades propriamente humcinas" .12 Nao nos parece adequada, todavia, esta caracterizagao. A Constitui~ao da RepUblica de 1988 trolixe, de forma inequivoca, urn enfoque preferencial a pessoa em detrimento da tendencia anterior de se priorizar a propriedade, embora este direito tamb€m esteja garantido em nossa Lei Maier, par ser fundamento do sistema capitalista.13 Esta ideia decorre da previsao da dignidade da pessoa humana como fundamento constitucional, por foi~a do artigo 12, III da Carta. Maria Celina Bodfn de Morq.es cita M. Chaui ao afirmar que "o substrata material qa dignidade as~ilri emte;,dida pcide ser desdobrado em ~atro:pos.tUiadoS:_·i) ~a'·sUj.eiltO ·rD.o"rcil· (eilc:_b) !_eC:OnlieCe a existencia d~s·. o·u·t~~s 'como sujeit~s )"gti.ais _·a .ele, Il)':x:nerecedores do mesmo ~espeito a integridacie psic:afisica dE! quE~ e tit;,lar, III) e dotado de vontade livre, de autodetermii1a~a6; IV) e parte do grupo social, em relac;:ao ao qual tern a garantia de n§.o vir a ser marginalizado" .14 Certo e que a protec;:ao especial ao consumidor, conforms jit res- saltado, vern a ser corol8.rio do principia da igualdade. Ocorre. contudo. que a concepc;ao de direito humane relaciona-se, intuitivamente, com a ideia de relaqao extrapatrimonial, dai se concluir que o direito do co!lsurnidor, embora de natureza fundamental, n§.o pode ser considerado direito humane, sob pena de se distorcer ~ao nobre conceito. 12 MIRA.GEM, Bruno N..Wens Barbosa. 0 Direito do Consumidor como Direito Fundamental- ConseqUencias ju."'id!cas de um conceito. In Revise a de Direito do Consumidor. n:i! 43. 2002. pp. 112-132. 13 Complementando esta idE!ia, MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos a Pessoa Humana- uma leitura civil constitucional dos danos marais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 1"- edi- c;ao: "0 advento da Constitui<;ilo Federal de 1988 e a opc;ao preferencial pela dignidade huma."'l.a. inserida entre seus principios fundamentals. fizeram com que a perspectiva juridica tomasse! a si o papel garantidor da transio:;:il.o em direc;ao ao 'personalismo', a"usen":.e em ouaos mementos hist6ricos (J:uandq a: lgreja, o Estado e o Exercito tiveram al<;adas de poder em relao:;:i!.o as escolhas individuais." 14 Idem. ibidem. 291 ~ ~ ·~ ~ ~ '~ ~ ~ ~ '~ ~ ~ ~ u ~ ~ ~ ~ ~ ~ "-' Renata Neme Cavalcanti 3.2. Aplica<;:ao do C6digo de Defesa·do Consumidor aos Servi<;:os Publicos APlica-se o C6digo de.D8fes8. do Consumidoi- aos Servigos·pUblicos, tanto os prestados dirt?tamente pelo Estado quanta aqueles prestados par seus delegatartos, preenchidos as pressupostos Iegais, sendo alguns dispositivos da lei expreSses nesse sentido. 0 artigo 32, par exemplo, ao trazer o conceito de ~ornecedor, abranQ-e o poder pUblico, suas em pres as pUblicas e as concesSion.clrias de servigos pUblicos. 0 artigo 42 menciona a racionalizagao e melhoria dos servigos pllblicos como urn principia da politica nacional das reHag6es de consume. J8. o artigo 14 disp6e sabre a · responsabilidade civil objetiva das prestadoras de servi9os pllblicos. Tratando, tambem, da eficiencia, os artigos 6o e 22 do C6digo preveem, respectivamente' 0 dir~ito a adequada e eficaz prestagao dos servi~os pUblicos e a obrigagao dos 6rg8.os pllblicos quanta ao fornecimento de servigos eficientes, seguros e_ continuos. Antes, porem, de se prosseguir nesta analise, cabe uma observa- g§.o. 0 pan3.grafo 22 do artigo 32 exige como requisite para a caracte- riza~ao do servigo a remuneragao. Assim, a doutrina exclui do c3.mbito de aplicagao do CDC as atividades gratuitas, ai incluidas as que nao pedem contraprestag§.o direta, embora possam ser financiadas par tri- butes (impastos, taxas e contribuig6es de melhoria), somente abran- gendo os servigos prestados mediante o pagamento de tarifa au prego pUblico. Em 1998, decisao inedita do Tribunal de Justi9a do Rio de Janeiro abordou- a controv6rsia e determinou a aplicagao do C6digo de Defesa do Consumidor aos servi~os de saUde pUblica prestados em hospital pUblico, como se ve de sua ementa: 292 Aqao de indenizaqao. Responsabilidade hospitalar. Marte, par anemia EJ.guda de pedreiro atingido por disparo de arm a de fogo. Hospital pUblico municipal, em regime de autarquia que nao realiza atendimento cirUrgico emergencial adequado. Falta do anestesista no plant8o. Demora na remoqao e no conseqiiente atendimento em outro hospital. Hemorragia, choque hipovol€mico e hemot6rax. Falha evidente na prestaqao do serviqo. Responsabilidade inequivoca. Sentenqa que analisa com precisfio a hip6tese. Sentenqa submetida a duplo grau. Lei nQ 9.469/97. Verbas indenizat6rias explicitadas e retificadas em extens8.o e em profundidade. Desprovimento do recurso. Apelaqao Cfvel-1997.001.06281- data de registro: Centrale dos Servi<;os PU.blicos. Direito do Constunidor e Aplica<;§.o · do Principia Constitucional da Efici8ncia 24/03/1998 6rgao julgador: Quinta Camara Civel - votaqao: par maioria- des. Marcus Faver- julgado em 08/01/1998. 0 corpo do ac6rdao citado determina a aplicagao do CDC, inclusive de seus artigos 14 e 22 e conclui, como seve da ementa, per afirmar a responsabilidade objetiva da autarquia. 0 artigo 22 da Lei no 8.078/90 traz quatro principios basicos aplicados aos servigos pUblicos, quais sejam, adequa~ao, gene- ralidade, seguran9a e continuidade. Alessandro Segalla, citando Margal Justen Filho, traga breves comentiujos sabre tais principios.15 ·o principia da adequagao consiste na aptidao tBcnica para satis- fazer a necessidade que motivou a instituigao do· servi~o. A generalidade constitui a universalizagao da oferta do servigo, sem qualquer privil€gio na eleigao dos usuaries. A seguran~a. por sua vez, significa a adogao de tecnicas conhe- cidas e das providencias cabiveis para reduzir os riscos de danos. For fim, a continuidade significa a ausencia de interrupgao, de acordo com a natureza da atividade desenvolvida e do interesse a ser atendido. Segundo Caio T8cito, o principia da continuidade do servi~o imp6e ao concession.irio o dever de prosseguir na exploragao mesmo se for ruinosa, cabendo a Administragao restabelecer
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