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COMPLIANCE
Essência e efetividade
Claudio Lamachia
Carolina Petrarca
(Organizadores)
Izabela Frota Melo
Roberta Codignoto
(Coordenadoras)
COMPLIANCE
Essência e efetividade
Brasília – DF, 2018
© Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal, 2018
Setor de Autarquias Sul - Quadra 5, Lote 1, Bloco M
Brasília – DF CEP: 70070-939
Distribuição: Conselho Federal da OAB – GRE
E-mail: oabeditora@oab.org.br
FICHA CATALOGRÁFICA
C736
Compliance : essência e efetividade / organizador: Claudio Lamachia, Carolina Petrarca ; coordenador:
Izabela Frota Melo, Roberta Codignoto. – Brasília: OAB, Conselho Federal, 2018.
224 p.
ISBN: 978-85-7966-103-7.
1. Auditoria de conformidade, Brasil. 2. Pessoa jurídica, responsabilidade penal, Brasil. 3. Advocacia, Brasil.
4. Direito comercial, Brasil. 5. Crime econômico, Brasil. I. Lamachia, Claudio, org. II. Petrarca, Carolina,
org. III. Melo, Izabela Frota, coord. IV. Codignoto, Roberta, coord. V. Título.
CDDir: 341.554
Elaborado por: CRB 1-3148.
Gestão 2016/2019
Diretoria
Claudio Lamachia Presidente
Luís Cláudio da Silva Chaves Vice-Presidente
Felipe Sarmento Cordeiro Secretário-Geral
Ibaneis Rocha Barros Junior Secretário-Geral Adjunto (licenciado)
Marcelo Lavocat Galvão Secretário-Geral Adjunto em exercício
Antonio Oneildo Ferreira Diretor-Tesoureiro
Conselheiros Federais
AC: Erick Venâncio Lima do Nascimento, João Paulo Setti Aguiar e Luiz Saraiva Correia; AL: Everaldo Bezerra Patriota, Felipe Sarmento Cordeiro e
Thiago Rodrigues de Pontes Bomfim; AP: Alessandro de Jesus Uchôa de Brito, Charlles Sales Bordalo e Helder José Freitas de Lima Ferreira; AM:
Caupolican Padilha Junior, Daniel Fábio Jacob Nogueira e José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral; BA: Fabrício de Castro Oliveira e Fernando Santana
Rocha; CE: Caio Cesar Vieira Rocha, Francilene Gomes de Brito e Ricardo Bacelar Paiva; DF: Ibaneis Rocha Barros Junior, Marcelo Lavocat Galvão e
Severino Cajazeiras; ES: Flavia Brandão Maia Perez, Luciano Rodrigues Machado e Marcus Felipe Botelho Pereira; GO: Leon Deniz Bueno da Cruz,
Marcello Terto e Silva e Valentina Jugmann Cintra; MA: José Agenor Dourado, Luis Augusto de Miranda Guterres Filho e Roberto Charles de Menezes
Dias; MT: Duilio Piato Júnior, Gabriela Novis Neves Pereira Lima e Joaquim Felipe Spadoni; MS: Alexandre Mantovani, Ary Raghiant Neto e Luís Cláudio
Alves Pereira; MG: Eliseu Marques de Oliveira, Luís Cláudio da Silva Chaves e Vinícius Jose Marques Gontijo; PA: Jarbas Vasconcelos do Carmo, Marcelo
Augusto Teixeira de Brito Nobre e Nelson Ribeiro de Magalhães e Souza; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Luiz Bruno Veloso Lucena e
Rogério Magnus Varela Gonçalves; PR: Cássio Lisandro Telles, José Lucio Glomb e Juliano José Breda; PE: Adriana Rocha de Holanda Coutinho, Pedro
Henrique Braga Reynaldo Alves e Silvio Pessoa de Carvalho Junior; PI: Celso Barros Coelho Neto, Cláudia Paranaguá de Carvalho Drumond e Eduarda
Mourão Eduardo Pereira de Miranda; RJ: Carlos Roberto de Siqueira Castro, Luiz Gustavo Antônio Silva Bichara e Sergio Eduardo Fisher; RN: Aurino
Bernardo Giacomelli Carlos, Paulo Eduardo Pinheiro Teixeira e Sérgio Eduardo da Costa Freire; RS: Cléa Carpi da Rocha, Marcelo Machado Bertoluci e
Renato da Costa Figueira; RO: Bruno Dias de Paula, Elton José Assis e Elton Sadi Fülber; RR: Alexandre César Dantas Soccorro, Antonio Oneildo Ferreira
e Bernardino Dias de Souza Cruz Neto; SC: João Paulo Tavares Bastos Gama, Sandra Krieger Gonçalves e Tullo Cavallazzi Filho; SP: Guilherme Octávio
Batochio, Luiz Flávio Borges D’Urso e Márcia Machado Melaré; SE: Arnaldo de Aguiar Machado Júnior, Maurício Gentil Monteiro e Paulo Raimundo
Lima Ralin; TO: Andre Francelino de Moura, José Alves Maciel e Pedro Donizete Biazotto.
Conselheiros Federais Suplentes
AC: Odilardo José de Brito Marques, Sérgio Baptista Quintanilha e Wanderley Cesário Rosa; AL: Adrualdo de Lima Catão, Marié Lima Alves de Miranda
e Raimundo Antonio Palmeira de Araujo; AP: Lucivaldo da Silva Costa e Maurício Silva Pereira; AM: Alberto Bezerra de Melo; Bartolomeu Ferreira de
Azevedo Júnior e Diego D’Avila Cavalcante; BA: Antonio Adonias Aguiar Bastos, Ilana Kátia Vieira Campos e José Maurício Vasconcelos Coqueiro; CE:
Vicente Bandeira de Aquino Neto; DF: Carolina Louzada Petrarca, Felix Angelo Palazzo e Manuel de Medeiros Dantas; ES: Cláudio de Oliveira Santos
Colnago, Dalton Santos Morais e Henrique da Cunha Tavares; GO: Dalmo Jacob do Amaral Júnior, Fernando de Paula Gomes Ferreira e Marisvaldo Cortez
Amado; MA: Antonio José Bittencourt de Albuquerque Junior e Alex Oliveira Murad; MT: Josemar Carmelino dos Santos, Liliana Agatha Hadad Simioni
e Oswaldo Pereira Cardoso Filho; MS: Gustavo Gottardi, Marilena Freitas Silvestre e Rafael Coldibelli Francisco; MG: Bruno Reis de Figueiredo, Luciana
Diniz Nepomuceno e Mauricio de Oliveira Campos Júnior; PA: Antonio Cândido Barra Monteiro de Britto, Jeferson Antonio Fernandes Bacelar e Osvaldo
Jesus Serão de Aquino; PB: Alfredo Rangel Ribeiro, Edward Johnson Gonçalves de Abrantes e Marina Motta Benevides Gadelha; PR: Edni de Andrade
Arruda, Flavio Pansieri e Renato Cardoso de Almeida Andrade; PE: Carlos Antonio Harten Filho, Erik Limongi Sial e Gustavo Ramiro Costa Neto; PI:
Chico Couto de Noronha Pessoa, Eduardo Faustino Lima Sá e Robertonio Santos Pessoa; RJ: Flávio Diz Zveiter, José Roberto de Albuquerque Sampaio e
Marcelo Fontes Cesar de Oliveira; RN: Aldo Fernandes de Sousa Neto, André Luiz Pinheiro Saraiva e Eduardo Serrano da Rocha; RS: Luiz Henrique
Cabanellos Schuh; RO: Fabrício Grisi Médici Jurado, Raul Ribeiro da Fonseca Filho e Veralice Gonçalves de Souza Veris; RR: Emerson Luis Delgado
Gomes; SC: Cesar D’Avila Winckler, Luiz Antônio Palaoro e Reti Jane Popelier; SP: Aloísio Lacerda Medeiros, Arnoldo Wald Filho e Carlos José Santos
da Silva; SE: Clodoaldo Andrade Junior, Glícia Thais Salmeron de Miranda e Kleber Renisson Nascimento dos Santos; TO: Adilar Daltoé, Nilson Antônio
Araújo dos Santos e Solano Donato Carnot Damacena.
Ex-Presidentes
1.Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes (1944/1948) 4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade
(1948/1950) 6. Haroldo Valladão (1950/1952) 7. AttílioViváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956) 9. Nehemias Gueiros (1956/1958) 10.
Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do P. Kelly (1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti (1962/1965) 13. Themístocles M. Ferreira (1965)
14. Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital Duarte (1967/1969) 16. Laudo de Almeida Camargo (1969/1971) 17. Membro Honorário Vitalício
José Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José Ribeiro de Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira (1975/1977) 20. Raymundo Faoro (1977/1979)
21. Membro Honorário Vitalício Eduardo Seabra Fagundes (1979/1981) 22. Membro Honorário Vitalício J. Bernardo Cabral (1981/1983) 23. Membro Honorário
Vitalício Mário Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. Hermann Assis Baeta (1985/1987) 25. Márcio Thomaz Bastos (1987/1989) 26. Ophir Filgueiras Cavalcante
(1989/1991) 27. Membro Honorário Vitalício Marcello Lavenère Machado (1991/1993) 28. Membro Honorário Vitalício José Roberto Batochio (1993/1995) 29.
Membro Honorário Vitalício Ernando Uchoa Lima (1995/1998) 30. Membro Honorário Vitalício Reginaldo Oscar de Castro (1998/2001) 31. Rubens Approbato
Machado (2001/2004) 32. Membro Honorário Vitalício Roberto Antonio Busato (2004/2007) 33. Membro Honorário Vitalício Cezar Britto (2007/2010) 34.
Membro Honorário Vitalício Ophir Cavalcante Junior (2010/2013) 35. Membro Honorário Vitalício Marcus Vinicius Furtado Coêlho (2013/2016).
Presidentes de Seccionaisos princípios da norma, resta claro que os
controles internos da gestão pública serão desenhados com aderência à integridade e a valores éticos.
Posteriormente, em 2017, a CGU participou da confecção do Decreto 9203, que trata da Governança
e da implementação de programas de integridade na administração pública federal. O artigo 19 do referido
Decreto prevê o seguinte:
Art. 19. Os órgãos e as entidades da administração direta, autárquica e fundacional instituirão
programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais
21 CGU. Empresa Pró Ética 2018/2019: histórico. 2018. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2018.
22 UNODC (org.). The United Nations Convention against Corruption: A Resource Guide on State Measures for Strengthening
Corporate Integrity. New York: United Nations, 2013, p. 38. Disponível em: .
23 CGU. Empresa Íntegra. 2018. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2018.
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destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção,
estruturado nos seguintes eixos:
I - comprometimento e apoio da alta administração;
II - existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade;
III - análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e
IV - monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade.
O normativo atribuiu à CGU o prazo de cento e oitenta dias, contados da data de entrada em vigor do
Decreto, para o estabelecimento dos procedimentos necessários à estruturação, à execução e ao monitoramento
dos programas de integridade dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional.
Em 2018 a CGU editou a Portaria nº 1089, de 25 de abril, com fins de dar cumprimento à determinação
presidencial. A Portaria previu a implementação do Programa de Integridade em 3 fases: FASE 1. Instituição
do Programa; FASE 2. Aprovação dos Planos de Integridade; FASE 3. Execução e monitoramento de
programa.
Conforme orientações24 emitidas pela CGU, o prazo final para a Fase 2, ou seja, aprovação dos planos
de integridade, finda em 30 de novembro. A CGU mantém em transparência ativa25 a situação dos órgãos quanto
ao cumprimento dos prazos previstos para aprovação dos planos de integridade.
Paralelamente a todas essas iniciativas, o Ministério da Transparência vem desenvolvendo o Programa
de Integridade do Governo Federal. Trata-se de um documento mais amplo que busca especificar de maneira
estruturada todo o conjunto de iniciativas do Governo Federal voltadas para a prevençaõ, detecçaõ, puniçaõ e
remediaçaõ de fraudes e atos de corrupçaõ, em apoio à boa governança.
Vale ressaltar, conforme um estudo da OCDE26 acerca de prevenção da corrupção e promoção de
integridade em empresas estatais, que entre os 10 maiores obstáculos para implementação da integridade em
empresas públicas, está a falta da cultura de integridade nos setores público e político.
De fato, a mudança de cultura é um dos principais desafios de um programa de integridade. Diversos
são os relatos de especialistas que atestam a dificuldade de mudança cultural em empresas privadas, estatais ou
mesmo em órgãos públicos. Por isso mesmo, e com a finalidade de buscar alternativas que sejam efetivas na
mudança cultural das organizações públicas, é que a CGU vem realizando estudos conjuntos com a empresa
CLOO, visando à absorção de conhecimentos na área de insights comportamentais.
E muito mais do que buscar a mudança de cultura nos órgãos públicos e privados, verifica-se uma
preocupação do órgão de controle interno na criação de um programa de transformação da realidade cultural do
país como um todo. Assim nasceu o programa “Um por Todos e Todos por Um: Pela Ética e Cidadania”.
Segundo Rosário27, trata-se de um Programa de caráter artístico-pedagógico, desenvolvido em parceria
com o Instituto Cultural Maurício de Sousa, dirigido inicialmente a crianças dos primeiros anos do ensino
fundamental, e que prevê a participação de educadores, das famílias e da comunidade como um todo, tendo a
escola como núcleo principal do desenvolvimento das ações.
O objetivo do Programa é despertar o senso de cidadania, de ética, de união e de responsabilidade na
comunidade escolar e familiar. Visa disseminar, de forma lúdica, com a ajuda dos personagens da Turma da
Mônica, valores relacionados à participação social, democracia, autoestima, respeito à diversidade,
responsabilidade cidadã e interesse pelo bem-estar coletivo.
Implantado em uma ação piloto em 2009, o Programa foi aplicado em aproximadamente 700.000
crianças até 2017. Todas as edições do Programa foram monitoradas pela CGU. As avaliações realizadas no
âmbito da comunidade escolar demonstraram um alto índice de aprovação pelos educadores e de aceitação
pelos estudantes. Nas avaliações, os educadores solicitaram a ampliação do Programa para os demais anos do
Ensino Fundamental.
Em vista da relevância do assunto e a partir do colhimento de depoimentos de educadores e estudantes,
participantes do Programa, não restaram dúvidas de que a continuidade dessa iniciativa, que trata a ética como
valor essencial no processo de educação e de transformação social, é fundamental para a mudança que se busca,
qual seja, a concretização de valores éticos e sociais na formação de cidadãos.
24 CGU. Monitoramento. 2018. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2018.
25 CGU. Programa de Integridade. 2018. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2018.
26 OCDE. Preventing corruption and promoting integrity in state-owned enterprises – Highlights. 2018.
27 ROSÁRIO, W. C. Ética na educação: a importância da educação como ferramenta de transformação de um país. In: ________.
Educação em pauta: Uma agenda para o país. Brasília: OEI, 2018, p. 23-33.
COMPLIANCE: essência e efetividade
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Nesse contexto, em 2018, a CGU firmou parceria com o MEC visando a expansão do programa por
meio da produção de materiais didáticos alinhados aos objetivos gerais e específicos da Base Nacional Comum
Curricular – BNCC e contemplando os temas afetos à Ética e à Cidadania.
O material didático produzido será utilizado em sala de aula, em todos os anos iniciais do ensino
fundamental permitindo, assim, a introdução dos temas propostos, abrangendo ética e cidadania, de forma
gradativa nas séries iniciais, para posterior aplicação do material didático completo no 5º ano, consolidando,
por conseguinte, os conceitos desenvolvidos ao longo do período.
Além disso, por parceria com Diálogos Setoriais do Ministério do Planejamento, está em
desenvolvimento produto específico para trabalhar ética e cidadania com alunos do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental II e do Ensino Médio.
Utilizando a inovação tecnológica para adaptação desses materiais às mídias digitais e à
disponibilização de aplicativos, esses recursos serão utilizados em sala de aula, em todos os anos iniciais do
ensino fundamental e permitirá a discussão dos temas propostos de forma gradativa. Pretende-se alcançar, dessa
forma, cerca de 46 milhões de alunos da educação básica brasileira.
4 CONCLUSÃO
A CGU é o órgão de Controle Interno do Poder Executivo federal que atua prioritariamente na melhoria
da gestão pública, por meio de fornecimentos de informações relevantes que auxiliem aos gestores públicos na
tomada de decisão, e na luta contra a corrupção, sendo esta segunda atribuição executada em parceria com
diversos órgãos de defesa do Estado, em especial a Polícia Federal, a Advocacia-Geral da União, o Ministério
Público, o COAF, a ABIN e a Receita Federal do Brasil.
No campo da luta contra a corrupção, sua atuação é pautada pela tríadedetecção, sanção e prevenção
de casos de corrupção. O presente artigo enfatizou algumas das ações preventivas em andamento nos campos
da transparência, ouvidoria e integridade. Mais especificamente sobre o tema integridade, que abarca
indiretamente os dois outros temas tratados, pode-se concluir que o mesmo permite uma visão geral e articulada
de mecanismos que venham a antecipar a ocorrência de problemas de integridade em qualquer organização.
As iniciativas em andamento na CGU com o objetivo de fomento da integridade, seja no âmbito
público ou privado, são de grande importância para o futuro do Brasil. A atuação do órgão de Controle Interno
na educação ética e cidadã de jovens e crianças com certeza trará resultados inestimáveis para o país. Permanece
agora o desafio de consolidar a pauta de integridade na Administração Pública federal, e de levar essa mesma
pauta para Estados e municípios, que se encontram na ponta da utilização e da execução de serviços públicos.
Todas essas medidas permitirão que o país colha os bons frutos de uma nação com menos desigualdade social
e mais prosperidade.
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COMPLIANCE: efetividade e combate à corrupção
Carolina Petrarca*
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Compliance: definição e importância. 3 A efetividade do compliance. 4
Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, o anseio da sociedade nacional por probidade, moralidade e transparência tem-se
intensificado significativamente no Brasil. O histórico de impunidade no País vem sendo questionado e
combatido de maneira crescente. Dessa forma, não apenas a atuação de agentes públicos encontra-se sob
rigoroso escrutínio, mas também o trabalho das corporações privadas se encontra sob estrita vigilância – seja
por parte do Estado, seja por parte dos cidadãos –, o que reflete a conformação de uma nova cultura
organizacional.
Essa nova realidade tem exigido significativas transformações no modus operandi das empresas.
Discorrendo acerca desse fenômeno, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) faz referência
ao conceito de “cidadania corporativa”, que traduz a ideia de que a empresa deve atuar de maneira responsável
na sociedade. Assim,
Os agentes de governança devem considerar, portanto, as aspirações e a forma pela qual a sociedade em
geral entende e absorve os efeitos positivos e negativos – as externalidades – da atuação das organizações
e responde a eles.
Nesse novo ambiente, a ética torna-se cada vez mais indispensável. Honestidade, integridade,
responsabilidade, independência, visão de longo prazo e preocupação genuína com os impactos causados
por suas atividades são fundamentais para o sucesso duradouro das organizações.1
Ante o referido cenário, o estabelecimento de programas de compliance afirma-se como valioso aliado
dos administradores, em virtude de sua particular eficácia no combate à corrupção e na garantia de cumprimento
das normas por parte das corporações. Não obstante, para que se cumpram essas funções de inestimável
relevância, é fundamental que se atenda a certos parâmetros que assegurem efetividade.
O presente artigo busca somar-se à reflexão em torno da matéria, a fim de aprofundar a compreensão
da importância das boas práticas de governança tanto no âmbito público e quanto no âmbito privado. Em
consequência, objetiva-se contribuir para a promoção de uma cultura ética no Brasil.
2 COMPLIANCE: definição e importância
Proveniente da língua inglesa, o termo compliance origina-se do verbo “to comply”, que pode ser
traduzido como “cumprir” ou “satisfazer”. No contexto jurídico, a palavra diz respeito à necessidade de
conformidade com legislações, normas e regulamentos. Nesse sentido, por intermédio da adoção de programas
de compliance,
os agentes reforçam seu compromisso com os valores e objetivos ali explicitados, primordialmente com
o cumprimento da legislação. Esse objetivo é bastante ambicioso e por isso mesmo ele requer não apenas
a elaboração de uma série de procedimentos, mas também (e principalmente) uma mudança na cultura
corporativa.2
Para atender a esse desiderato, as entidades adotam um amplo conjunto de ações, de modo a possibilitar
uma reflexão profunda, abrangente e constante acerca de suas atividades, analisando, entre outros aspectos, os
processos e as normas internas; os diplomas legais concernentes ao ramo de atuação; o comportamento
* Advogada, Professora e Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
1 INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticas de Governança
Corporativa, 5. ed. São Paulo: IBGC, 2016.
2 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Guia para programas de compliance: orientações sobre
estruturação e benefícios da adoção dos programas de compliance concorrencial. Brasília: Ministério da Justiça, 2016, p. 9.
COMPLIANCE: essência e efetividade
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profissional e ético dos funcionários, assim como dos gestores; a relação com clientes, fornecedores e órgãos
governamentais.
Desse modo, todo o funcionamento das corporações é posto sob monitoramento minucioso e perene.
Além disso, por meio do estabelecimento de códigos rígidos de conduta, os colaboradores da empresa são
orientados a agir conforme os valores propugnados pela instituição, os quais podem incluir um compromisso
mais enfático com princípios universais inafastáveis – como moralidade e legalidade – ou o incentivo expresso
a práticas socialmente responsáveis, que promovam a inclusão, a equidade financeira, a sustentabilidade
ambiental, entre outros, conforme os propósitos, as prioridades e o campo de ação da firma.
No Brasil, a ideia de compliance tornou-se mais difundida sobretudo com a promulgação da Lei n.
12.846, de 1º de agosto de 2013 (“Lei Anticorrupção”), que “dispõe sobre a responsabilização administrativa e
civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências”. Ao prever a responsabilização objetiva em tais casos, esse diploma legal estabeleceu novos
paradigmas para o combate à corrupção no País, tornando-se também um novo marco na luta contra a
impunidade.
Nesse sentido, Adriana Freisleben de Zanetti3 lembra que a responsabilidade objetiva tem caráter
excepcional na legislação pátria. A aplicação de tais medidas, por conseguinte, verifica-se quando, em razão de
opção política, a sociedade decide agravar a punição contra determinadas práticas.
Afinal, para o reconhecimento dessa responsabilidade, analisa-se, apenas, a existência do dano e do
nexo causal, não se considerando o dolo ou a culpa do agente, elementos necessários em caso de
responsabilidade subjetiva4. Assim, a Lei n. 12.846/2013 configura uma resposta incisiva contra a corrupção.
Ademais, incrementou as sanções aplicáveis, ao determinar expressivo montante de multas (art. 6º, §
4º) e prever medidas rígidas, como a publicação extraordinária de decisão condenatória em meios de
comunicação de grande circulação (art. 6º, § 5º); a possibilidade de perdimento de bens, suspensão de atividades
ou dissolução compulsória da pessoa jurídica (art. 19, incisos I, II e III); e a proibição de receber incentivos,
subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos, entidades públicas e instituições financeiras públicas
ou controladas pelo poder público, por prazo determinado (art. 19, inciso IV).
Além desses avanços, que representam, por si, um incentivo ao estabelecimento de mecanismos de
compliance no âmbito das corporações, o diploma legal (também chamado “Lei da Empresa Limpa”) encoraja
expressamente a criação de programas de integridade, porquanto determina que, na aplicação de sanções, será
levada em consideração “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e
incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicaçãoefetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da
pessoa jurídica”, conforme disposto em seu art. 7º, inciso VIII. A esse respeito, são particularmente valiosas as
preleções proferidas por Marcella Blok:
Esse dispositivo, atrelado à introdução da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, fará da empresa,
embora a custos elevados, a principal interessada em prevenir, investigar e descobrir desvios de condutas
e eventuais violações à lei, perpetrados por seus funcionários e/ou dirigentes.
Interessante ainda destacar que a referida previsão irá consolidar a cultura do compliance no país,
incentivando o empresariado brasileiro a investir em políticas de controle interno para o cumprimento de
normas e regulamentos, a fim de mitigar riscos, evitando, assim, o comprometimento da instituição com
condutas ilícitas, bem como fortalecendo a imagem da empresa perante a sociedade em geral e, em
especial, diante de seus consumidores clientes, parceiros e colaboradores.5
Em anos recentes, o estímulo ao estabelecimento de mecanismos de compliance foi intensificado,
ainda, pelo surgimento de operações de grande alcance e visibilidade contra a corrupção – a exemplo da “Lava
Jato”. Tais operações tornaram ainda mais evidentes os enormes riscos – tanto para pessoas jurídicas quanto
para pessoas físicas – decorrentes das más condutas de gestão empresarial. Como consequência, inúmeras
corporações têm investido cada vez mais no estabelecimento de programas de integridade, tendo em vista a
eficácia destes para combater a malversação de recursos.
3 ZANETTI, Adriana Freisleben de. Lei Anticorrupção e Compliance. Revista Brasileira de Estudos da Função Pública, Belo
Horizonte, ano 5, n. 15, p. 35-60, set./dez. 2016.
4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil, 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.
5 BLOK, Marcella. A nova Lei Anticorrupção (Lei 12846/2013) e o compliance. Revista de Direito Bancário e do Mercado de
Capitais, São Paulo, v. 17, n. 65, p. 263-318, jul./set. 2014.
17
Esse processo sugere a emergência, em curso, de uma nova cultura de governança no País, aplicável
tanto às corporações privadas quanto às instituições públicas. Afinal, conforme também ressalta Marcella Blok,
“o principal objetivo de um programa de compliance é o planejamento de atividades [...] para obter uma difusão
da cultura da integridade”6.
3 A EFETIVIDADE DO COMPLIANCE
Quando se pensa na questão da eficácia da adoção dos programas de integridade por parte das
empresas, um dos aspectos centrais diz respeito ao fato de tratar-se de estrutura permanente. Ao contrário dos
sistemas de auditoria (cuja relevância permanece incontestável), os mecanismos de compliance não promovem
apenas avaliações intermitentes e pontuais, mas, sim, mantêm as atividades corporativas sob escrutínio
ininterrupto. Discorrendo acerca das distinções e das complementariedades entre os institutos do compliance e
da auditoria, Robert Lee Segal esclarece que:
Se compliance diz respeito a atividades rotineiras e permanentes, monitorando-as para assegurar que as
diversas unidades da organização estão respeitando as normas e os procedimentos internos para
prevenção e controle dos riscos de cada atividade, acerca da auditoria, de um modo geral, seus trabalhos
são efetuados de forma aleatória e temporal, por meio de amostragens, a fim de certificar-se que as
normas e procedimentos definidos pela alta administração estão sendo cumpridos.7
Dessa forma, em complemento aos programas de auditoria interna, as práticas de integridade
possibilitam o acompanhamento mais rigoroso das operações desenvolvidas, o que aumenta substancialmente
a capacidade de identificar, com a necessária rapidez, falhas, desvios ou fraudes existentes. Além disso, os
programas de compliance apresentam a grande vantagem de proporcionar às empresas uma ação preventiva –
em lugar de uma ação reativa – em seus esforços para coibir ilegalidades e práticas corruptas. Conforme as
palavras de Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques Carvalho,
[...] nenhum programa garante a eliminação completa de riscos e a imunidade da entidade. Mas ele
“educa” os funcionários e colaboradores, organiza as atividades empresariais e cria mecanismos de
controle para que a cultura corporativa tenha como pilar o cumprimento da legislação e, assim, eventuais
violações tornam-se muito menos frequentes e tratadas como verdadeiras excepcionalidades.8
Assim, mitigam-se riscos cujos efeitos podem ser devastadores não apenas para os cofres das firmas
(em razão das pesadas multas aplicáveis), mas também para a sua reputação, o que pode acabar minando sua
possibilidade de manter-se ou mesmo reinserir-se no mercado.
Não por acaso, o setor público também tem promovido o estabelecimento de programas de
compliance, conforme exemplificado pelo art. 19 do Decreto n. 9.203, de 22 de novembro de 2017, segundo o
qual: “Os órgãos e as entidades da administração direta, autárquica e fundacional instituirão programa de
integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à
detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção”.
Essa disposição confirma a inestimável importância dos programas de integridade para o
funcionamento adequado das entidades públicas, assim como das empresas privadas. Tal constatação, por sua
vez, aponta para a necessidade de implementar mecanismos de compliance realmente efetivos. Para tanto, é
essencial observar certas diretrizes, sem as quais esses sistemas podem tornar-se estruturas meramente formais,
não cumprindo as elevadas funções que delas se esperam pelos acionistas e por toda a sociedade.
Com efeito, não basta estabelecer programas voltados para garantir conformidade com as normas ou
instituir códigos de ética e conduta para funcionários, gestores, conselheiros. É indispensável assegurar
condições adequadas para que tais mecanismos sejam devidamente aplicados, a fim de que atinjam seus
objetivos.
6 BLOK, 2014.
7 SEGAL, Robert Lee. Compliance ambiental na gestão empresarial: distinções e conexões entre compliance e auditoria de
conformidade legal. Revista Eletrônica de Administração da Universidade Santa Úrsula, Botafogo, v. 3, n. 1, 2018.
8 CARVALHO, Vinicius Marques; MENDES, Francisco Schertel. Compliance: concorrência e combate à corrupção. São Paulo:
Trevisan Editora, 2017, p. 41-42.
COMPLIANCE: essência e efetividade
18
Para tanto, é imprescindível garantir a independência da instância responsável pela implementação e
pela fiscalização do compliance. Programas de integridade devem blindar-se de intervenções indesejadas de
outras áreas da empresa, as quais, eventualmente, podem exercer pressão para que certos procedimentos sejam
descumpridos, de modo a atingir metas próprias ou a forjar relatórios de desempenho. Consequentemente,
apenas por meio de atuação autônoma, os responsáveis pelo compliance poderão cumprir adequadamente seu
ofício, em benefício da própria firma – bem como da sociedade.
Igualmente, é necessário promover a constante adaptação dos mecanismos de compliance. Para isso,
é indispensável a realização de avaliações periódicas de desempenho e riscos, procedendo-se às adequações
concernentes. Tendo em vista o caráter dinâmico do Direito, das empresas e da própria sociedade, é fundamental
reexaminar constantemente o cenário e as mudanças nas condições atinentes à boa gestão corporativa.
A propósito, ressalte-se que essas e outras preocupações constam do Decreto n. 8.420, de 18 de março
de 2015 (que regulamenta a Lei n. 12.846/2013), o qual estabelece parâmetros a serem observados pelas pessoas
jurídicas, a fim de que seus respectivos programas de integridade sejam considerados na dosimetriade eventuais
sanções. Dessa forma, o normativo aludido constitui referência para aqueles que procuram garantir a efetividade
do programa de compliance instituído em sua empresa.
Dentre os critérios elencados, destaque-se, ainda, a necessidade de realização de “treinamentos
periódicos sobre o programa de integridade” (art. 42, IV). Com efeito, é imperioso que os funcionários sejam
esclarecidos e continuamente instruídos acerca da matéria. Os valores e as diretrizes éticas das empresas não
podem simplesmente ser estampados em um manual, mas devem ser efetivamente transmitidos – juntamente
com o fundamento que o motivaram – para todos os seus colaboradores.
Para a consecução desse objetivo, é também indispensável o “comprometimento da alta direção da
pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa” (art. 42, I).
De fato, a atuação de gestores e conselheiros é determinante para persuadir o corpo funcional de que as normas
da pessoa jurídica devem ser levadas a sério. Do contrário, cria-se a impressão de que códigos de conduta são
apenas “pró-forma” ou, quando muito, um conjunto de recomendações sem caráter obrigatório.
Finalmente, cumpre ressaltar que o Decreto n. 8.420/2015 se refere às “medidas disciplinares em caso
de violação do programa de integridade” (art. 42, XI). As referidas medidas não apenas constituem estímulo à
observação de conduta ilibada, mas também representam uma forma de salientar a seriedade com que as
questões legais e éticas são tratadas pela empresa. Favorecem, por conseguinte, a promoção da cultura da
moralidade, com inegável efeito multiplicador, conforme apontam Renato Almeida dos Santos, Arnoldo José
de Hoyos Guevara, Maria Cristina Sanches Amorim, Ben-Hur Ferraz-Neto:
As melhores práticas podem ter efeito multiplicador entre as organizações do mesmo setor. Vejamos as
causas. Primeiro, para minimizar incertezas, podem recorrer ao benchmarking. Segundo, são obrigadas
a obedecer aos órgãos regulamentadores governamentais. Terceiro, o padrão mais eficiente e de qualidade
pode definir o limite mínimo de competição. Esses três fatores provocam o fenômeno do “isomorfismo
institucional”, movimento convergente entre organizações do mesmo setor quanto ao modelo e às práticas
de gestão. O isomorfismo pode criar dinâmica virtuosa de aumento da competitividade e ganhos sociais.
Porém, para além dos ganhos de competitividade e fortalecimento das posições no mercado, as
organizações não podem se esquivar das práticas relacionadas ao compliance (riscos reputacionais, por
exemplo, podem ser difícil de mensurar), não podem prescindir de princípios pautados pela ética como
valores legítimos, independentemente dos ganhos financeiros9.
A observância desses e de outros parâmetros impõe, naturalmente, alguns custos para as empresas.
Não obstante, cumpre lembrar a já clássica fala do ex-Procurador-Geral de Justiça norte-americano Paul
McNulty: “If you think compliance is expensive, try non compliance”10. Por conseguinte, a matéria deve ser
tratada com absoluta prioridade por parte das corporações privadas e das instituições públicas.
Com efeito, a eficácia das práticas de compliance traduz-se em benefícios materiais para as empresas
que incorporam tais condutas. Nesse sentido, como lembram Alexandre Cordeiro e Marcelo Vianna:
9 SANTOS, Renato Almeida dos et al. Compliance e liderança: a suscetibilidade dos líderes ao risco de corrupção nas organizações.
Einstein, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 1-10, 2012.
10 Apud KPMG. Pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil, 3. ed, São Paulo: KPMG, 2018. Disponível em:
. Acesso em: 1º nov. 2018.
19
Atuar de forma limpa deve ser um bom negócio, não apenas no aspecto ético, mas também do ponto de vista
financeiro. [...] Empresas que não pagam propina e não se envolvem em cartel tendem a praticar preços mais baixos
e não responderão a processos que podem paralisar obras e serviços. A Administração e a sociedade agradecem!11
Assim, a efetividade do compliance reforça-se na medida em que, além de espelhar um valor
fundamental da sociedade contemporânea, a adoção de programas de integridade constitui um diferencial para
as empresas que os adotem. Por um lado, representa um atrativo para a contratação dessas corporações
eticamente responsáveis; por outro, revela-se um valioso instrumento para a otimização dos recursos da própria
empresa.
Esse reforço tende a aumentar exponencialmente, na medida em que, conforme ressalta Wagner
Giovanini, “hoje ainda é vantagem competitiva para quem tiver mecanismo de integridade. Amanhã é condição
de sobrevivência. A empresa que não tiver vai morrer”12. Dessa forma, a incorporação de práticas de compliance
passará a constituir um elemento indispensável nas relações intercorporativas.
Essa tendência, que está em proporção direta com a efetividade dessa nova cultura organizacional,
apresenta-se em franca ascensão. Afinal, além das referidas leis e decretos de âmbito nacional, diversos outros
entes federativos estão produzindo diplomas legais no sentido de elevar o compliance a requisito para
contratação.
Como reação aos substanciais prejuízos de que foi vítima em decorrência da malversação de recursos
públicos, o Estado do Rio de Janeiro elaborou a Lei n. 7.753/2017, cujo art. 1º é explícito ao determinar que:
Art. 1º - Fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato,
consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta
e fundacional do Estado do Rio de Janeiro [...].
Além do Rio de Janeiro, Mato Grosso (Decreto n. 522/2016), Pernambuco (Lei n. 16.309/2018) e
Distrito Federal (Lei n. 6.112/2018), por exemplo, também já contam com algum diploma normativo tratando,
especificamente, da exigência de programas de integridade para a contratação com a respectiva administração
pública. Esse cenário é, sem sombra de dúvidas, um extraordinário reforço da efetividade do compliance.
No entanto, os desafios para a consolidação dessa nova cultura também são expressivos. A esse
respeito, basta fazer referência ao levantamento elaborado pelo Ministério do Planejamento e divulgado pelo
Estadão/Broadcast em janeiro de 2018. Nele, constata-se que, após um ano e meio da edição da “Lei das
Estatais”, mais da metade das empresas federais – 84 de 147 – ainda não haviam adaptado seus respectivos
estatutos a essa legislação13.
Inclusive, a própria abrangência dessa diploma normativo está sob discussão no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, conforme exemplifica o Parecer n. 215/2018 da Procuradoria-Geral da República, no âmbito
da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.624/DF. Isso, por si, também representa um desafio à difusão dos
programas de integridade, em face da relativa insegurança jurídica.
Em todo caso, são aspectos pontuais, que não obscurecem a perspectiva de longo prazo: o compliance
é uma realidade atual e será um imperativo no futuro. São considerações que ratificam a eficácia dessas práticas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução normativa recente do ordenamento jurídico brasileiro demonstra evidente estímulo à
adoção dos programas de integridade, em linha com os interesses da coletividade. Não obstante, as informações
a esse respeito ainda são escassas, por duas razões precípuas. A primeira refere-se ao fato de que a conformação
do conceito e da prática de compliance é bastante recente. A segunda, por sua vez, concerne à percepção,
esposada por parte de algumas corporações, de que determinados dados sobre os respectivos programas de
integridade representam informação confidencial.
11 CORDEIRO, Alexandre; VIANNA, Marcelo. Programas de compliance – Um bom negócio? Um possível antídoto parao calcanhar
de Aquiles da Administração Pública. JOTA, 13 jul. 2016. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2018.
12 Apud SCHINCARIOL, Juliana. Compliance é critério para contratação. Valor Econômico, São Paulo, 16 abr. 2018. Empresas.
Disponível em: . Acesso em: 1º nov. 2018.
13 TOMAZELI, Idiana. Mais da metade das empresas federais ainda não cumpre a Lei das Estatais. Estadão, São Paulo, 26 jan. 2018.
Economia. Disponível em: . Acesso em: 1º nov. 2018.
COMPLIANCE: essência e efetividade
20
Ambas as razões, no entanto, têm sido abertamente desafiadas. Com o passar do tempo, o conceito de
compliance tem-se consolidado em meio às empresas públicas e privadas, inclusive em virtude de disposição
legal ou infralegal, conforme já apontado.
Paralelamente, tem ganhado cada vez mais espaço a avaliação de que a adoção de programas de
compliance representa uma vantagem comparativa, tornando as empresas mais atrativas para investidores e
acionistas. Trata-se de um “ativo intangível”, conforme apontou Sérgio Seabra, ex-secretário de Transparência
e Prevenção da Corrupção e ex-secretário de Controle Interno Adjunto da Controladoria-Geral da União14.
Igualmente, a implementação de práticas de integridade por parte de instituições públicas revela-se
uma necessidade para protegê-las de condutas lesivas aos respectivos patrimônios, bem como para responder
aos anseios da sociedade.
Alguns desses movimentos são endossados pela “Pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil”,
realizada pela KPMG Brasil, cuja terceira edição foi divulgada em 2018, com dados referentes ao ano de 2017,
após consulta a mais de 450 empresas privadas, de diferentes regiões e com diferentes estruturas. O estudo
confirma que a busca da implantação de programas de integridade tem sido crescente e acelerada nos últimos
anos.
Nesse sentido, na primeira edição da pesquisa, publicada em 2016 com dados relativos ao ano de 2015,
32% dos respondentes informaram que, há até três anos, existia área de compliance ou equivalente na respectiva
empresa; esse número saltou para 54%, na edição divulgada em 2018. Da mesma forma:
Quando perguntados se os executivos enfatizavam que a governança e a cultura do
compliance eram essenciais para o sucesso da estratégia, nesta edição, 59% responderam que
sim e 9% que não – em 2015, 21% responderam não. Atualmente, 71% dos respondentes
reconhecem que a política e o programa de ética e compliance de suas companhias estão
implementados de forma eficiente. Em 2015, essa porcentagem era de 57%.15
Constata-se, portanto, que a preocupação das empresas tem sido não apenas com a implementação de
programas de integridade, mas, notadamente, com a efetividade dos mesmos, o que tem profundos impactos no
combate aos riscos operacionais, que, como notam Renato Almeida dos Santos, Arnoldo José de Hoyos
Guevara, Maria Cristina Sanches Amorim, Ben-Hur Ferraz-Neto, envolvem, por exemplo:
fraudes internas e externas; demandas trabalhistas e segurança deficiente do local de trabalho; práticas
inadequadas relativas a clientes, produtos e serviços; danos a ativos físicos próprios ou em uso pela
instituição; interrupção das atividades da instituição; falhas em sistemas de tecnologia da informação;
falhas na execução, no cumprimento de prazos e no gerenciamento das atividades na instituição.16
Trata-se de importante evidência do amadurecimento da matéria no País. Afinal, não basta que os
mecanismos de compliance estejam previstos; é imprescindível que sejam eficazes, de modo a converter
previsões legais em realidade sociojurídica.
REFERÊNCIAS
BLOK, Marcella. A nova Lei Anticorrupção (Lei 12846/2013) e o compliance. Revista de Direito Bancário e
do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 17, n. 65, p. 263-318, jul./set. 2014.
CARVALHO, Vinicius Marques; MENDES, Francisco Schertel. Compliance: concorrência e combate à
corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Guia para programas de compliance:
orientações sobre estruturação e benefícios da adoção dos programas de compliance concorrencial. Brasília:
Ministério da Justiça, 2016. p. 9.
14 Apud SCHINCARIOL, 2018.
15 KPMG, 2018.
16 SANTOS et al., 2012.
21
CORDEIRO, Alexandre; VIANNA, Marcelo. Programas de compliance – Um bom negócio? Um possível
antídoto para o calcanhar de Aquiles da Administração Pública. JOTA, 13 jul. 2016. Disponível em:
. Acesso em: 29 out. 2018.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 1: teoria geral do direito civil. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa, 5. ed. São Paulo: IBGC, 2016.
KPMG. Pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil, 3. ed, São Paulo: KPMG, 2018. Disponível em:
. Acesso em: 1º nov. 2018.
SANTOS, Renato Almeida dos; GUEVARA, Arnoldo José de Hoyos; AMORIM, Maria Cristina Sanches;
FERRAZ-NETO, Ben-Hur. Compliance e liderança: a suscetibilidade dos líderes ao risco de corrupção nas
organizações. Einstein, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 1-10, 2012.
SCHINCARIOL, Juliana. Compliance é critério para contratação. Valor Econômico, São Paulo, 16 abr. 2018.
Empresas. Disponível em: . Acesso em: 1º nov. 2018.
SEGAL, Robert Lee. Compliance ambiental na gestão empresarial: distinções e conexões entre compliance e
auditoria de conformidade legal. Revista Eletrônica de Administração da Universidade Santa Úrsula,
Botafogo, v. 3, n. 1, 2018.
TOMAZELI, Idiana. Mais da metade das empresas federais ainda não cumpre a Lei das Estatais. Estadão, São
Paulo, 26 jan. 2018. Economia. Disponível em: . Acesso em: 1º nov. 2018.
ZANETTI, Adriana Freisleben de. Lei Anticorrupção e Compliance. Revista Brasileira de Estudos da Função
Pública, Belo Horizonte, ano 5, n. 15, p. 35-60, set./dez. 2016.
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A RELAÇÃO ENTRE SEGURANÇA JURÍDICA E COMPLIANCE PARA A RETOMADA DO
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Grace Maria Fernandes Mendonça*
1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
A segurança jurídica como elemento determinante para retomada do crescimento econômico do país e
para a alavancagem de investimentos no ambiente doméstico nunca foi objeto de tanta preocupação. Até um
passado bem recente, o olhar do investidor nacional ou estrangeiro voltava-se primordialmente para os índices
econômicos, o produto interno bruto, a configuração das relações trabalhistas e as taxas de juros. Hoje figura,
no topo da lista dos aspectos aferidos, a segurança jurídica. Todo investidor quer aportar seus recursos em uma
Nação que prime pela previsibilidade, pelo respeito aos termos dos contratos e pela estabilidade das relações
jurídicas.
Nesse contexto, como tornar a segurança jurídica um verdadeiro capital de uma nação? Como reduzir
espaço para surpresas inadequadas que possam transformar um bom negócio em um desfortúnio? Como alargar
as bases da confiabilidade nas regras preestabelecidas?
A par das múltiplas vertentes e dos desdobramentos que tais questionamentos se apresentam e das
diversas linhas de ação que possam favorecer a construção de um ambiente mais amigável e previsível para
investimentos no Brasil, fato certo é o de que o compliance figura como um dos eixos centrais de qualquer
política dessa natureza, dotado de capacidade para contribuir na construção de um ambiente mais amigável e
previsível de negócios, daí a razão pela qual nunca se ouviu falar tanto em programa de integridade, padrões
éticos de comportamento e transparência, como aspectos relevantes na avaliação das zonas de investimentos no
Brasil.
A adoção de um sério e sólido programa de compliance por empresas e até mesmopor instituições
pode ser determinante para a prevenção de riscos, inclusive no tocante à prática de atos ilícitos e configuradores
de corrupção.
Quanto mais refinado e coerente for o programa de integridade de determinada entidade, mais reduzido
será o espaço de fragilização do negócio. Eis, portanto, a perspectiva do compliance como elemento propulsor
da segurança jurídica e da consequente retomada do crescimento econômico.
2 A SEGURANÇA JURÍDICA COMO VALOR A SER PRESERVADO PELOS TRÊS PODERES DA
REPÚBLICA
O princípio-norma segurança jurídica, no contexto geral, tem por desdobramentos necessários o
respeito às justas expectativas da pessoa, a estabilidade das relações jurídicas e o afastamento de surpresas,
ilegalidades, arbitrariedades e excessos. Dele são extraídos igualmente os princípios da confiança e da boa-fé
objetiva, que devem ser reverenciados pelo Estado no exercício da sua atuação administrativa.
A segurança jurídica, enquanto princípio, recomenda ao Poder Público percurso de rotas equilibradas,
que devem ser respeitadas pelos agentes públicos na adoção de políticas públicas. Uma ordem jurídica estável,
previsível e equânime constitui ambiente propício ao desenvolvimento nacional.
Aliás, quanto a esse aspecto, merece destaque a circunstância de que um dos objetivos da República
Federativa do Brasil traçado pelo legislador constituinte de 1988 foi exatamente o da garantia do
desenvolvimento nacional1. Nesse sentido, desenvolvimento nacional não se revela como uma opção do Estado,
mas como um verdadeiro dever imposto na própria Constituição.
Nesse cenário, não há desenvolvimento nacional, em sua perspectiva econômica, sem segurança
jurídica. Daí a importância do empenho diferenciado dos três Poderes da República na efetivação de um
ambiente de segurança jurídica no Brasil.
* Advogada-Geral da União. Mestre em Direito Constitucional. Pós-Graduada em Direito Processual Civil. Professora da
Universidade Católica de Brasília (2002-2015) nas disciplinas de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Processual
Civil.
1 Artigo 3º, inciso II da Constituição da República de 1988.
COMPLIANCE: essência e efetividade
24
Ao Poder Legislativo revela-se primordial o estabelecimento de leis que primem pela clareza e pela
precisão de suas expressões. Comandos legais dotados de expressões abertas e indefinidas acabam favorecendo
a insegurança jurídica, na medida em que encerram amplo espaço interpretativo. O largo espectro interpretativo,
por sua vez, produz dúvidas e a consequente judicialização. A Judicialização, por outro lado, tende a travar
negócios, porquanto o necessário respeito ao princípio do devido processo legal impõe o transcurso de etapas
que tendem a prolongar a discussão no tempo, ampliando o período de insegurança jurídica.
Ainda quanto à atuação do Poder Legislativo na criação de um ambiente profícuo para negócios no
Brasil sob o ponto de vista da segurança jurídica, cumpre destacar a relevância de se evitar a denominada
inflação legislativa. O número elevado de normas em torno do mesmo instituto ou aspecto de natureza
econômica gera insegurança jurídica. Quanto mais simplificada e consolidada for a legislação a respeito de
determinado ponto, mais facilitado será o olhar e a decisão do investidor acerca do negócio.
Mas a missão de zelar pela segurança jurídica não se restringe ao trabalho desenvolvido pelo Poder
Legislativo. Proeminente também o papel do Poder Executivo, mormente considerando a missão conferida às
agências reguladoras. Uma atividade regulatória equilibrada pode criar um excelente ambiente de negócios no
país.
Por outro lado, o excesso regulatório gera insegurança jurídica, pois favorece a incompreensão dos
rumos que estão sendo tomados por determinado setor. O crescimento excessivo de normas torna a atividade
regulatória incoerente, encolhendo investimentos e desestimulando aportes de recursos no país. Criar um
ambiente regulatório cristalino, incontroverso e preciso, com foco na segurança jurídica, é desafio que pode ser
abraçado com maior vigor pelo Poder Executivo, por intermédio da atuação dos Ministérios e das agências
reguladoras.
Mas, segurança jurídica para o desenvolvimento nacional também é valor a ser trabalhado pelo Poder
Judiciário. É sabido que a produção normativa oriunda do Poder Legislativo e do Poder Executivo muitas vezes
gera dúvidas e controvérsias jurídicas que serão dirimidas pela atividade jurisdicional do Estado. Tutelar
rapidamente esses conflitos, entregando a resposta pacificadora em tempo razoável pode se revelar um
diferencial importante para o estabelecimento da segurança jurídica como capital do nosso país.
O prolongamento da situação de contenda no tempo produz insegurança jurídica e o estado de
indefinição é até mesmo mais lesivo para o investidor do que a decisão judicial contrária a seus interesses no
caso concreto objeto da judicialização. O Poder Judiciário tem aptidão para aprimorar o tratamento a ser dado
a questões dessa natureza. A utilização pelos magistrados de ferramentas disponibilizadas pelo legislador
infraconstitucional para a solução consensual de conflitos pode se revelar profícua. Aliás, a criação de uma
política jurisdicional de fomento de espaços conciliatórios mais eficientes pode configurar uma boa linha de
trabalho.
Portanto, segurança jurídica para o desenvolvimento nacional deve ser objeto de preocupação dos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Quando se busca a criação de um ambiente juridicamente seguro
para negócios no país, a partir de uma atuação mais articulada entre os Poderes da República, o compliance
passa a deter um valor singularizado.
Com efeito, como não há segurança jurídica em um contexto de corrupção e de desvios praticados por
agentes públicos e privados, o compliance passa a ser instrumento vocacionado de prevenção. Uma ordem
jurídica previsível e equilibrada, construída a partir do já referido esforço interpoderes, permite a configuração
de um programa de integridade que efetivamente previna a incidência indevida em vedações legais, evitando a
ocorrência de ruptura de padrões éticos nas relações estabelecidas nos setores público-privados. O compliance
encerra, nesse contexto, um peso e qualificação peculiar.
3 AS VERTENTES PREVENTIVA E PROPOSITIVA DO COMPLIANCE NO COMBATE AOS
DESVIOS E À CORRUPÇÃO
Se não há segurança jurídica no contexto de corrupção e de desvios praticados por agentes econômicos
- sejam eles públicos ou privados -, primordial o fortalecimento dos modernos instrumentos de mudança cultural
de empresas e instituições, criados para buscar a adequação do comportamento dos atores envolvidos na cadeia
econômica às exigências da lei e aos padrões éticos.
Desvios de condutas e os prejuízos dele decorrentes podem ser verdadeiramente evitados a partir de
um sólido programa de integridade, que não somente compreenda o funcionamento e características de certa
25
corporação, mas que seja efetivo no estímulo a comportamentos fundados na ética e na transparência, cenário
que eleva o papel do compliance.
Compliance, expressão que tem origem no verbo inglês “to comply”, nada mais é do que a conduta
praticada de acordo com a regra. Algo extremamente singelo e elementar que, diante da cultura do desvio e do
ganho fácil, tornou-se tão relevante para o estabelecimento de novas bases nas relações entre agentes públicos
e privados. Agir de acordo com a lei deveria configurar-se como a mais elementar premissa norteadora das
relações estabelecidas entre os referidos agentes. Não obstante, a partir da contaminação das posturas
corporativas, marcadas pela prática de atos concretos de corrupção, nunca se destacou tanto entre nós os
programas de integridade.
Enfrentar o quadro de perversão de condutas passa não somente pelo afastamentodos agentes
corruptores e corrompidos, como também pelo fortalecimento da mencionada premissa norteadora das relações
humanas: o agir de acordo com a regra, o atuar dentro do espaço de legalidade e do comportamento ético.
O compliance revela-se, assim, como o dever de cumprir, de estar em conformidade e de fazer cumprir
os regulamentos internos e externos impostos às atividades das organizações2.
O desafio das áreas de compliance de determinada corporação reside no desenvolvimento de ações
capazes de concretizar princípios éticos e normas de conduta, assegurando aderência. Igualmente essencial a
implementação de normas e regulamentos que previnam problemas futuros de não conformidade, ganhando as
áreas do controle interno responsabilidade redobrada.
A instalação dessa mudança de cultura em determinada organização – tarefa que não é singela – tem a
força de atuar de maneira preventiva e propositiva quando o enfoque é a ocorrência de atos de corrupção e de
desvios, tão nocivos à segurança jurídica. Esse caráter propositivo tem relação direta com as melhorias e ajustes
necessários para elidir ou mitigar riscos ou desconformidades com o padrão ético estabelecido.
As empresas que adotam o compliance como modelo de gestão, ligado à governança corporativa,
passam a ter mais credibilidade no mercado interno e externo, atraindo investimentos. No aporte de seus
recursos, o investidor voltará o olhar para aquela empresa detentora de um robusto programa de integridade,
capaz de mitigar sua incidência em irregularidades, afastando de sua consideração aquela empresa que não
trabalhou nos eixos de seus comportamentos.
O compliance é, portanto, ferramenta vocacionada a imprimir, em determinada organização, a cultura
da integridade. Na sua vertente preventiva, tem a força de traçar linhas aptas a evitar que ilícitos aconteçam.
Vindo, porém, a ocorrer algum desvio interno, o compliance bem estruturado é capaz de detectar a ruptura do
padrão ético e de propor ações concretas de correção da desconformidade, estabelecendo-se, assim, uma cultura
de segurança jurídica, ou seja, a eventual detecção do ilícito no âmbito interno deve trazer imediato
aprimoramento do seu próprio programa de integridade, não sem antes promover a correspondente correção.
Na prática, trata-se de aprender com os atos do passado, com os olhos voltados para o futuro.
4 COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO DE CREDIBILIDADE E DE CONFIANÇA NAS
INSTITUIÇÕES
Quando o enfoque é a garantia do desenvolvimento nacional, não se pode deixar de reconhecer que o
Estado não consegue cumprir sua missão sem o setor privado, assim como o setor privado não consegue
desempenhar suas atividades sem o Estado, em especial considerando ser ele o agente regulador do modo de
agir das empresas exploradoras da atividade econômica.
Quanto mais claros e precisos forem os padrões éticos exigidos nas relações entre o setor privado e o
setor público, mais amigável será o ambiente de negócios e de investimentos no país, favorecendo diretamente
a sociedade.
Quanto maior for desvio no cumprimento da lei ou a distorção da regra para atender a interesses outros
considerados não idôneos pelo ordenamento jurídico, mais elevado será o custo social dessa ação. Eis a
importância, também digna de registro, de se desenvolver o compliance como modelo de gestão em tais
relações.
O compliance também é um instrumento de mitigação de risco. Nas empresas em geral, quanto mais
amplos forem os espaços para cometimento de ilícitos administrativos, cíveis, trabalhistas, ambientais,
2 NEGRAL, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a importância da área de gestão
de pessoas, 2. ed. São Paulo: Senac, p. 107.
COMPLIANCE: essência e efetividade
26
criminais, entre outros, maior será o nível de sua fragilidade e, em decorrência, mais elevado o risco. Essa
estrutura de atuação pode fulminar sua credibilidade no mercado, razão pela qual o compliance aparece como
forte instrumento de contenção de riscos, estruturado com o escopo de evitar o evitável.
No setor público, a premissa não é diferente. O maior valor para determinada instituição reside na
credibilidade que a sociedade deposita em sua atuação. Aquelas instituições dotadas de um programa de
integridade sólido e eficaz trabalham mitigando espaços de cometimento de desvios e, em decorrência,
contendo riscos. Seus resultados positivos, assim, fomentam credibilidade.
Uma instituição pública pode ser dotada de orçamento suficientemente forte para desenvolver um
trabalho de excelência, porém, se não for detentora da credibilidade por parte da sociedade, suas ações estarão
sempre marcadas pela desconfiança social. É nesse contexto que sobreleva, ainda mais, o papel dos programas
de integridade nas múltiplas instituições de Estado.
Importante aspecto nessa linha de ideias reside na circunstância de que as ações, princípios e eixos do
compliance devem ser observados por toda a cadeia de servidores da instituição pública, independentemente
do papel ou do ofício desempenhado pelo servidor. Nesse sentido, irrelevante o nível na escala hierárquica da
Administração Pública ocupado pelo agente. Da autoridade máxima do órgão àquela inserida no menor nível
hierárquico, todos devem estar comprometidos com a política de integridade institucional, sob pena de
alargamento das zonas de ocorrência de práticas ilícitas, num verdadeiro esvaziamento do programa
institucional.
O compliance, indiscutivelmente, tem relação com a ética, a qual, numa referência meramente
superficial, implica conjunto de princípios e valores que determinam o comportamento da pessoa. A ética
ostenta, dessa forma, uma feição subjetiva, diretamente ligada à experiência do indivíduo. A postura ética de
determinada pessoa, em dada situação fática, pode não guardar relação de compatibilidade com o perfil e a
conduta ética de outra. Transpondo tais conceitos e levando em conta o caráter subjetivo ora mencionado para
as instituições, o desafio se amplia: como identificar o perfil ético de determinada instituição? O compliance
admitiria juízo subjetivo de valor em torno de determinado aspecto de caráter institucional? E como ficaria
concepção de segurança jurídica nesse cenário?
A resposta às indagações perpassa a ideia de que o programa de integridade representa um verdadeiro
código de ética, o qual, contudo, deve ser objetivamente construído para determinada instituição, a partir do
qual todos os agentes a ela vinculados devem prestar reverência a seus princípios e conceitos, elidindo, assim,
incertezas e juízos discricionários a respeito do que deve ser considerado correto ou incorreto, certo ou errado
na prática administrativa. Em outros termos, cada pessoa tem o seu próprio perfil ético, porém, quando inserida
em determinada instituição, deve pautar todas as suas ações à luz da identidade ética institucional, registrada
em programa de integridade. Com isso, afastam-se os âmbitos de vulnerabilidade ética, valorizando, por
conseguinte, a segurança jurídica.
O desafio que se impõe às instituições repousa, portanto, na identificação precisa dos valores e
princípios que as orientam, a partir dos quais todos os atores inseridos no desempenho da missão institucional
estarão vinculados, independentemente de sua posição na cadeia hierárquica.
Sem dúvida é um desafio grandioso a criação de princípios e valores da pessoa jurídica. Outro, porém,
de igual envergadura guarda relação com o passo seguinte: fazer com que as pessoas físicas inseridas naquela
instituição comportem-se alinhadas a tais valores e princípios.
Essas reflexões acabam por revelar que compliance é processo de contínuo aprimoramento e avanço,
construído dia após dia, forte na premissa de que se trata de uma progressiva mudança de cultura. Cultura de
integridade demanda dedicação, conhecimentodos objetivos da instituição e de seus limites, ciência de seus
princípios e alcance, seus valores – presentes e aqueles que precisam ser instalados no seio da instituição –,
enfim, suas peculiaridades, formas e processos de trabalho, os caminhos de sua produção etc. O compliance,
ferramenta de gestão, não se compra como produto pronto e acabado em uma prateleira, assim como não se
adquire do melhor especialista no ramo. Trata-se de processo submetido a permanente e constante refinamento
institucional, dotado de força, porém, para conquistar a confiança e a credibilidade da sociedade a partir de seus
próprios resultados. Compliance é algo que se constrói ao longo do tempo. Compliance exige muito trabalho,
mas, uma vez adequadamente estruturado, traz segurança jurídica e credibilidade.
27
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O compliance, considerado em sua vertente colaboradora para implementação da segurança jurídica,
é dotado de premissas e de extensão peculiares, em especial quando o assunto é o necessário desenvolvimento
nacional.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º, inciso II, estabelece como um dos
objetivos da República Federativa do Brasil a garantia do desenvolvimento nacional. Trata-se, dessa forma, não
de uma opção ou faculdade imposta ao Estado, mas de um verdadeiro dever.
A garantia e promoção do desenvolvimento nacional, em seu aspecto econômico, passa pelo
enfrentamento de um dos principais obstáculos à alavancagem de investimentos e à retomada do crescimento
econômico do Brasil, de modo especial nos dias atuais: a (in) segurança jurídica.
A (in)segurança jurídica tornou-se relevante elemento aferido pelos investidores estrangeiros e
nacionais ao pretenderem desenvolver determinada atividade econômica, ladeado dos índices econômicos, das
relações de trabalho e do produto interno bruto de determinado país.
Compete a todos os Poderes da República envidarem esforços adicionais para o estabelecimento de
um ambiente de negócios no país mais propício ao desenvolvimento econômico. Cada qual no âmbito de sua
competência constitucional, é preciso abraçar a causa da segurança jurídica de modo diferenciado.
O Poder Legislativo deve voltar o olhar para o exercício de uma atividade legislativa mais pautada
pela precisão de expressões inseridas no âmbito das leis de natureza econômica, evitando-se termos abertos e
indefinidos, os quais acabam por gerar espaços interpretativos mais amplos, propícios à judicialização.
Igualmente importante, no seio da atuação legislativa, a redução e simplificação das normas de índole
econômica. Evitando-se a inflação legislativa, o ambiente de negócios torna-se mais amigável e de fácil
compreensão.
O Poder Executivo, de sua parte, pode contribuir para a aprimoramento da segurança jurídica no país
mediante um olhar mais detido para a atividade regulatória. Seja no âmbito dos Ministérios ou mesmo das
agências reguladoras, o que se observa é o excesso regulatório que vem tornando incoerente o sistema. É preciso
padronizar a atividade regulatória, estabelecendo bases mais seguras e eficientes, eliminando do estoque
regulatório regras em duplicidade ou sobrepostas, geradoras de insegurança jurídica. Um trabalho de regulação
mais eficiente não guarda relação de correspondência com o excesso regulatório.
Também o Poder Judiciário tem papel determinante para a construção de maior segurança jurídica para
o investidor no Brasil. Tutelas jurisdicionais mais céleres nas ações de índole econômica, alargamento de
espaços conciliatórios em tais demandas podem ser mecanismos de fomento. A rápida pacificação social de
conflitos dessa natureza pode favorecer a inserção da segurança jurídica como elemento de estímulo ao
investimento e não de retração.
A busca pela inserção da segurança jurídica como capital de uma nação perpassa também o
enfrentamento de desvios e de atos de corrupção. Nesse contexto, o compliance entra em cena como importante
ferramenta dotada de dupla vocação: preventiva e propositiva. O compliance como instrumento de gestão é
capaz de evitar a ocorrência de práticas ilícitas e de rupturas éticas no seio não somente das empresas como
também das instituições. Um robusto programa de integridade pode, igualmente, ser propositivo, porquanto
capaz de detectar a ocorrência de ilícitos e de desvios éticos, propondo ações concretas de correção da
desconformidade.
Um compliance bem estruturado fomenta segurança jurídica e aumenta credibilidade, inclusive quando
adotados pelas instituições de Estado. Se o Estado não realiza sua missão de garantir desenvolvimento nacional,
na vertente econômica, sem o setor privado, este, do mesmo modo, não desenvolve atividade econômica sem a
atuação do Estado, em especial a de natureza regulatória. Assim, é preciso refinar, cada dia mais, as bases
norteadoras das relações estabelecidas entre os setores público-privados.
Programas de integridade institucionais podem ser determinantes na política de combate aos atos de
corrupção. Para tanto, precisam ser definidos os valores e princípios que compõem a linha de atuação
institucional, sem se desconsiderar a necessária observância por toda a cadeia hierárquica, sem distinção.
Quanto mais sólido for o programa, mais reduzida será a zona de fragilidade ética, em decorrência, mais elevado
será o resultado apresentado pela a instituição em favor da sociedade. O compliance é um processo de mudança
cultural que exige persistência e contínuo aprimoramento, cuja eficiência carrega consigo a capacidade de gerar
segurança jurídica e credibilidade social, tão almejadas nos dias atuais e tão determinantes para o
desenvolvimento econômico pátrio.
29
A HISTÓRIA DA CORRUPÇÃO: um breve apanhado sobre as origens desse mal que
aflige o país
Felipe França*
RESUMO: O artigo aborda os aspectos históricos da corrupção no Brasil, não só de um ponto de vista factual,
mas também social e cultural. Inicialmente são feitas ponderações sobre o significado da palavra “corrupção”,
a fim de garantir que, ao se buscar as origens de tal fenômeno, o alcance de seu significado seja adaptado e
contextualizado com a história. A seguir, são trazidos exemplos desde o Código de Hamurabi, da Grécia e Egito
Antigo, sobre casos de corrupção, a fim de se demonstrar que ela é um fenômeno muito mais antigo do que se
imagina. Na sequência, são trazidos casos de corrupção do período colonial no Brasil, assim como um pouco
das bases sobre as quais o país nasceu: sempre com muitas leis, burocracia e altos impostos. A conclusão é de
que os casos de corrupção parecem ser cíclicos e que só seus personagens é que mudariam. O texto é finalizado
com um tom esperançoso, tendo em vista o impulso dado pela operação Lava Jato e a nova lei anticorrupção,
que fomentam não só a cultura de integridade, mas também a implementação de programas de compliance.
Palavras-chave: História da corrupção; história do Brasil; corrupção no mundo, integridade pública.
A melhor maneira de se entender e diagnosticar qualquer fenômeno atual, é, sem dúvida nenhuma, por
meio do conhecimento de seus aspectos históricos. A busca da possível origem ou causa raiz, porém, dever ser
sempre feita com devida ponderação de contexto, ou seja, damos nome e significado a fenômenos atuais, com
óticas atuais. Por essa razão, problemas que temos hoje podem ter como causa raiz, fenômenos de uma
sociedade com outros valores, crenças e costumes.
É justamente por essa razão que os vocábulos e verbetes de muitas palavras são atualizados com o
passar do tempo. Tudo passa por um processo de evolução e adaptação.
Nessa mesma linha também seguem as leis, que acompanham (ou pelo menos deveriam) fenômenos
sociais, a fim de refleti-los e regê-los de maneira adequada, de acordo com os padrões de uma determinada
sociedade em determinado tempo. Por isso mesmo que a análise de aspectoshistóricos é também de suma
importância em um bom trabalho de hermenêutica jurídica, em que o jurista busca o contexto histórico em seus
mais diversos espectros (social, econômico, político, filosófico...) para se chegar à genuína intenção do
legislador.
Feitas essas considerações iniciais, partimos ao que é realmente objeto do presente estudo, que é
entender as origens da corrupção. Note que o presente artigo não pretende criar uma visão de causa e efeito
direta com a história, muito menos imprimir uma visão fatalista em razão dos acontecimentos que serão trazidos.
Busca-se trazer uma perspectiva histórica e social da corrupção, e não só puramente jurídica. Todavia, antes de
voltar o tempo em busca de fatos, é preciso entender se a corrupção que entendemos hoje, era a mesma
corrupção de milênios atrás. Para isso, devemos nos debruçar sobre o vocábulo em si: o que é corrupção?
Como se pode presumir, definir corrupção é tarefa hercúlea. Ainda assim, é preciso que tenhamos uma
definição, mesmo que ampla, para que se busque os fatos corretamente. Tamanha a dificuldade em precisar tal
conceito que José Murilo de Carvalho, com o objetivo de tentar garantir o alcance exato que tal conduta exige,
preferiu inclusive adotar outra palavra para corrupção: “transgressão”.
O termo corrupção é ambíguo em sua própria concepção. Ele se torna ainda mais complexo quando nos
voltamos para a discussão das origens, causas e consequências do fenômeno. Ambiguidade e
complexidade dificultam muito a elaboração de diagnósticos precisos e a formulação de propostas
concretas de terapêutica. Daí ter sido uma boa ideia para reorientar a discussão para o campo da
transgressão. Embora não isenta de ambiguidades, essa palavra é menos escorregadia.1
* Advogado formado pela PUC/SP; Master of Laws (LLM) pela University of California em Davis (UC Davis); Extensão em Direito
Empresarial do Trabalho pela FGV-SP; Especialista em Direito Tributário pelo LFG; Certificação internacional de compliance
CCEP-I pela SCCE. Atualmente é Vice-Diretor Jurídico do Twitter para a América Latina e Canadá. Carreira desenvolvida em
empresas de TI e telecom como Nextel e Microsoft, atuou como Head of Legal and Compliance nas empresas GXS e Software AG
para o Brasil e América Latina. Felipe também atua como colaborador e treinador voluntário da iniciativa Alliance for Integrity.
1 CARVALHO, José Murilo. Quem transgride o quê? In: CARDOSO, Fernando Henrique; MOREIRA, Marcílio Marques (org.).
Cultura das Transgressões no Brasil: lições da história. São Paulo: ETCO ; iFHC, 1997.
COMPLIANCE: essência e efetividade
30
A definição do dicionário Houaiss traz em seu verbete palavras como “deterioração”, “putrefação”,
“depravação de hábitos, costumes”, além, é claro, do “ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa
própria ou alheia”2.
Do ponto de vista legal, ela é associada não só aos crimes conhecidos de corrupção em si do Código
Penal (nos tipos da corrupção passiva e ativa), mas também pode ser encontrada no Estatuto da Criança e do
Adolescente, ao definir a corrupção de menores de dezoito anos em seus artigos 244-A (na esfera da dignidade
sexual) e 244B (com o ilícito penal)3. Como se vê, a depravação e desmoralização são características comuns,
mas outros elementos também são importantes à sua definição.
Para o jurista Nelson Hungria, “a palavra corrupção é formada por dois elementos: ruptura e co.
Comecemos por este. Não há corrupção solitária, no isolamento. O mesmo acontece com [comunhão], [co
presença] ou [coabitação]. Necessariamente, indicam a presença de dois ou mais agentes em relação. Assim,
toda corrupção é necessariamente uma operação orquestrada, conjunta, em reunião”4. Foi justamente nessa
linha que o Código Penal brasileiro tipificou as condutas, cobrindo tanto o corrompido como o corruptor, a fim
de proteger o bem jurídico “Administração Pública” em sentido amplo, incluindo sua moralidade, finalidade, o
erário entre outros.
Com isso, temos já aspectos importantes para a definição da corrupção, que giram em torno da
depravação, mau uso (ou uso indevido), usurpação, associada à obtenção de vantagem pessoal e
consequentemente não pública de um agente que serve (ou deveria servir) a coisa pública. Nesse sentido,
Skinner Quentin resumiu a visão de Maquiavel pontualmente ao dizer que corrupção é “a incapacidade de
alguém dedicar suas energias ao bem comum e – paralelamente – a tendência de colocar os próprios interesses
acima dos da comunidade”5. Pela sua abrangência e generalidade, acredito que essa possa ser uma boa definição
para utilizarmos como base e procurarmos na história situações em que agente público se desvirtua de seu
propósito de servir a coisa pública por interesse e em busca de vantagem pessoal. Ao longo desse artigo, a
palavra será usada em sentido amplo, incluindo não só a corrupção ativa e passiva, mas também a concussão,
o nepotismo, o conflito de interesse etc.
Ainda que tenhamos um consenso genérico sobre o que seria tal fenômeno, é preciso ter cautela em
buscar suas referências históricas. Não só pelo fato de escassa bibliografia ou fontes primárias de informação
datada de milênios anteriores, mas também pela grande diferença de contexto social e civilizatório que podemos
encontrar. Isso porque, como já repisado anteriormente, a acepção do vocábulo “corrupção” que conhecemos
hoje se transformou e, o que hoje enxergamos como corrupção talvez não fosse visto como algo tão deletério
em outras sociedades do passado. De toda sorte, existe sempre unanimidade de que tal palavra nunca foi
associada a algo positivo, mas sempre com conotação negativa.
A corrupção não é fenômeno moderno, de governos recentes, fruto da sistemática capitalista, ou que
estaria presente em algumas sociedades específicas. Muito pelo contrário, como diz Judivan Vieira, “a
corrupção é fenômeno tão antigo quanto o homem”6 e “o acompanha em toda sua jornada”7.
Quase quatro mil anos atrás, o Capítulo I do Código de Hamurabi de 1780 a.C. já previa uma tentativa
de endereçar o problema da corrupção por parte dos magistrados, por exemplo: “5. Um juiz deve julgar um
caso, alcançar um veredito e apresentá-lo por escrito. Se erro posterior aparecer na decisão do juiz, e tal juiz for
culpado, então ele deverá pagar doze vezes a pena que ele mesmo instituiu para o caso, sendo publicamente
destituído de sua posição de juiz, e jamais sentar-se para novamente para efetuar julgamentos”8. Ótimo exemplo
que ilustra não somente como já existia preocupação com a lisura e imparcialidade dos juízes, mas também
como lei refletia uma realidade da época e impunha condição delicada aos magistrados.
Decisões judiciais e a tentativa de assegurar a imparcialidade de juízes também foram objeto de lei na
época do Antigo Egito. O último faraó da XVIII dinastia do Egito, Faraó Horemb, estabeleceu a pena de morte
a juízes que aceitassem suborno. Por outro lado, como incentivo, isentou-os do pagamento de imposto de renda,
a fim de garantir-lhes maiores vencimentos9.
2 HOUAISS; VILLAR, 2009.
3 BRASIL. Lei 8.069/90.
4 HUNGRIA, 1959, v. IX, apud NUCCI, 2015, p. 15 em “Corrupção e Anticorrupção”.
5 SKINNER, 1996, p. 184-185, apud VIEIRA, 2014, p. 70, em “Perspectiva histórica da corrupção. In Coleção corrupção no mundo”.
6 VIEIRA, 2014, p. 56.
7 Ibid., p. 56.
8 Código de Hamurabi, cerca de 1780 a. C. (BIBLIOTECA..., 2018).
9 ABIKOFF, 2014, p. 4.
31
Embora muitos tipos de pagamentos que hoje podem ser considerados como suborno antes eram vistos
como presentes aceitáveis e sinal de reciprocidade, outros pagamentos - como a compra de uma decisão
de um juiz - eram socialmente condenadas, e os antigos egípcios mesopotâmicos e israelitas tiveram que
desenvolver vocabulário específico para lidar com esses crimes (ABIKOFF,2014, p. 4, tradução nossa).10
Quando se fala em pagamento de suborno, outros exemplos podem ser trazidos à baila. A bela cidade-
Estado de Atenas, tida por muitos com o verdadeiro berço da civilização ocidental e da democracia, parece ter
sido também o local de um dos primeiros relatos de corrupção que se tem notícia. No ano de 409 a.C., em sua
obra “Constituição de Atenas”, Aristóteles relata que o suborno teria sido introduzido por um general ateniense
que tinha perdido uma estratégica cidade durante a Guerra do Peloponeso e teria escapado de acusações de
traição subornando o seu júri11. Aristóteles, por outro lado, afirmar existir evidências de corrupção bem antes
desse caso.
Se quisermos pensar em de suborno de um agente público estrangeiro, vale trazer à tona, também, um
dos primeiros relatos desse tipo de corrupção, que hoje é internacionalmente condenada. No ano de 446 a.C.,
Péricles, o conhecido estadista e orador de Atenas, que levou sua pólis a várias vitórias, parece ter tido algumas
manchas em sua carreira. Em vez de enfrentar invasores espartanos na Ática, o brilhante general parece ter
escolhido um caminho mais rápido e indolor para acabar com a batalha, subornando um jovem rei de Esparta e
um de seus conselheiros para que se retirassem do território ateniense. Quando os espartanos descobriram a
fraude, o aludido rei foi enviado para o exílio e seu conselheiro foi condenado à morte. Para completar essa
história, quando do seu retorno para Atena, Péricles ainda parece ter contabilizado o suborno como “despesa
necessária”, a qual, nos dias atuais, poderia estar ao alcance do FCPA e ser considerada como “falsificação de
livros e registros contábeis”12.
Na Grécia Antiga a corrupção era avassaladora e muito disseminada entre os políticos. Eram tantos os
casos no campo eleitoral, que chegou a ser criada justiça especializada para lidar com casos dessa natureza13.
Pelo que se viu até aqui, não é preciso dizer que a corrupção continuou presente na história dos povos nos anos
que se seguiram.
Dando um salto na história e indo a Portugal dos séculos XV e XVI, temos o governo português
iniciando sua expansão ultramarina. Como se sabe, as primeiras expedições em busca de rotas alternativas para
as Índias acabaram permitindo que as frotas lusitanas encontrassem outros territórios, até então desconhecidos
para os europeus. O risco era grande e o medo do desconhecido era presente aos que decidiam ir em frente
nessas viagens.
No caminho desses mares desconhecidos também não faltavam cenas de violência, roubos e toda sorte de
corrupção. [...] A exploração marítima era uma atividade, no limite, privada, mas totalmente financiada pela
família real e supervisionada de perto pelo próprio rei. Implicava investimento vultuosos e representava
enorme risco pessoal que precisava ser bem recompensado para valer a pena. Em troca, a monarquia se
reservada o direito de controlar qualquer conquista, distribuir terras e ter monopólio dos ganhos.14
Foi nessas condições que chegaram os então futuros colonizadores do Brasil. Os primeiros colonos
aparentavam não ser os grandes visionários ou investidores progressistas da época, mas pessoas que se
arriscavam mudar de vida e queriam, no menor prazo possível, fazer riqueza e deixar o país de volta a Portugal.
Eram enviados para cá “degredados, incorrigíveis, falidos de qualquer sorte”15. Como se vê, o país foi
colonizado “sem qualquer compromisso moral ou ideológico de se construir uma nação”16.
10 “Although many types of payments that today may be considered bribes were viewed earlier as acceptable reciprocity gifts, some
payments – such as the purchase of as judge’s decision – were socially condemned, and the ancient Egyptians Mesopotamians, and
Israelites each had developed vocabulary to deal with these crimes” (ABIKOFF, 2014, p. 4).
11 “And bribery in the law courts also began to be practiced after this, Anythus being the first to show how to do it after his command
at Pylos; for when he was put upon his trial for losing it, he bribed the court and was acquitted” (ARISTOTLE. The Constitution
of Athens. Loschberg: Jazzybee Verlag Jürgen Beck, 2015).
12 ABIKOFF, 2014, p. 4-5.
13 Ibid., p. 6.
14 SCHWARCZ, 2015.
15 SANTOS, 1989, p. 132, apud FURTADO, 2015, p. 16 em “As Raízes da corrupção no Brasil”.
16 FURTADO, 2015, p. 16.
COMPLIANCE: essência e efetividade
32
Fato interessante e um pouco controverso deve ser mencionado aqui. Acompanhando as naus lideradas
por Pedro Álvares Cabral, estava o cavaleiro e fidalgo português, Pero Vaz de Caminha. Caminha é o autor do
famoso primeiro manuscrito da descoberta do Brasil. Em sua carta ao rei Dom Manuel I, Caminha redigiu o
relatório oficial detalhado da chegada, e, ao final, vem o que hoje ainda é a dúvida: teria Caminha pedido à sua
majestade um cargo no governo para seu sobrinho. Se for essa tese, seria o caso de, no primeiro documento
oficial do país recém-descoberto, encontrarmos as sementes do nepotismo17. Tal história chegou a ser objeto de
matéria no jornal O Estado de São Paulo e foi posteriormente rebatida pelo então Embaixador de Portugal do
Brasil, Francisco Seixas da Costa18. Segundo o diplomata, seria injusto atribuir o drama da corrupção no Brasil
a Portugal, bem como usar de interpretação tendenciosa para atribuir ao fidalgo, a semente do nepotismo. Os
que pretendem rebater a história, dizem que na realidade ele pede apenas o abrandamento da pena de seu
sobrinho, que havia sido condenado ao exílio em certa ilha da África 19. Sendo verdade ou precisa tal versão,
parece, ao meu ver, incontroverso que houve pedido de Caminha para algum benefício a seu sobrinho.
Importantes historiadores enfatizam que a colônia possuía um grande número de leis, que eram
confusas e controversas, mas mesmo assim usadas para regrar a vida dos colonos. Tudo isso sem contar nas
sobreposições de poderes e funções20. No Brasil, as ordens diretas do rei, leis locais, leis estaduais e provinciais
coexistiam e fomentavam um ambiente apropriado para incerteza e confusão, com uma miríade de brechas a
serem usadas por agentes do governo para interpretar a lei em sua própria conveniência. Além disso, a falta de
clareza entre o público e o privado nas colônias criou cenário perfeito para a corrupção. A maioria dos
monopólios concedidos pelas coroas ibéricas era na verdade dirigida por pessoas enviadas pelo governo para
fazer atividades comerciais por sua conta e risco e, ao mesmo tempo, beneficiar a coroa. Em troca de assumir
o risco dessas atividades e também ter que se mudar para as terras pouco conhecidas, essas autoridades teriam
amplos poderes para governar e boas oportunidades para se tornarem muito ricas.
Somado a isso, a falta de educação costumava ser algo crítico para contribuir para a corrupção. A
população mal conseguia entender as regras da administração pública e não tinha nenhum recurso para
identificar atos de corrupção ou para criar uma visão mais crítica dos políticos. A colônia tinha apenas algumas
escolas religiosas, e as universidades bem estabelecidas ficavam todas na Europa21. Como ingrediente final,
tampouco havia imprensa e a Coroa proibia a circulação de livros.
Ainda sobre essa falta de clareza somada à insatisfação dos colonos, fato curioso ocorreu durante a
chamada “Revolta da Cachaça”, que foi o primeiro exemplo de revolta e efetivo protesto contra o governo local
e de Lisboa. Pessoas realmente arriscavam a liberdade e a vida para demonstrar insatisfação pelos altos
impostos, desmandos infundados de funcionários da coroa etc22. E foi nessa linha que o governo português
decidiu criar nomes para efetivamente rotular todos os tipos de revolta e prever punições: “insurreição, sedição,
revolta, levante, rebelião, assuada, motim, tumulto... E, como não se inventam nomes se não existe realidade
para justificá-los,AC: Marcos Vinícius Jardim Rodrigues; AL: Fernanda Marinela de Sousa Santos; AP: Paulo Henrique Campelo Barbosa; AM: Marco Aurélio de Lima
Choy; BA: Luiz Viana Queiroz; CE: Marcelo Mota Gurgel do Amaral; DF: Juliano Ricardo de Vasconcellos Costa Couto; ES: Homero Junger Mafra; GO:
Lúcio Flávio Siqueira de Paiva; MA: Thiago Roberto Morais Diaz; MT: Leonardo Pio da Silva Campos; MS: Mansour Elias Karmouche; MG: Antonio
Fabricio de Matos Goncalves; PA: Alberto Antonio de Albuquerque Campos; PB: Paulo Antonio Maia e Silva; PR: Jose Augusto Araujo de Noronha; PE:
Ronnie Preuss Duarte; PI: Francisco Lucas Costa Veloso; RJ: Felipe de Santa Cruz Oliveira Scaletsky; RN: Paulo de Souza Coutinho Filho; RS: Ricardo
Ferreira Breier; RO: Andrey Cavalcante de Carvalho; RR: Rodolpho César Maia de Morais; SC: Paulo Marcondes Brincas; SP: Marcos da Costa; SE: Henri
Clay Santos Andrade; TO: Walter Ohofugi Junior.
CONCAD – Coordenação Nacional das Caixas de Assistências dos Advogados
Ricardo Alexandre Rodrigues Peres – Presidente da CAA/DF – Coordenador Nacional da CONCAD
Carlos Augusto Alledi de Carvalho – Presidente da CAA/ES – Coordenador Região Sudeste
Rosane Marques Ramos – Presidente da CAA/RS – Coordenadora Região Sul
Carlos Fábio Ismael do Santos Lima - Presidente da CAA/PB - Coordenador Região Nordeste – Vice-Presidente do FIDA
Ronald Rossi Ferreira - Presidente da CAA/RR - Coordenador Região Norte
Membros Suplentes
Rochilmer Mello da Rocha Filho – Presidente da CAA/RO
José Erinaldo Dantas Filho – Presidente da CAA/CE
Presidentes Caixas de Assistência dos Advogados (CAA)
AC: Rodrigo Aiache Cordeiro; AL: Nivaldo Barbosa da Silva Junior; AP: Elias Salviano Farias; AM: Aldenize Magalhães Aufiero; BA: Luiz Augusto R.
de Azevedo Coutinho; CE: Jose Erinaldo Dantas Filho; DF: Ricardo Alexandre Rodrigues Peres; ES: Carlos Augusto Alledi de Carvalho; GO: Rodolfo
Otávio P. da Mota Oliveira; MA: Diego Carlos Sá dos Santos; MG: Sergio Murilo Diniz Braga; MS: José Armando Cerqueira Amado; MT: Itallo Gustavo
de Almeida Leite; PA: Oswaldo de Oliveira Coelho Filho; PB: Carlos Fábio Ismael dos S. Lima; PE: Bruno de Albuquerque Baptista; PR: Artur Humberto
Piancastelli; PI: Rafael Orsano de Sousa; RJ: Marcello Augusto Lima de Oliveira; RN: Thiago Galvão Simonetti; RS: Rosane Marques Ramos; RO:
Rochilmer Mello da Rocha Filho; RR: Ronald Rossi Ferreira; SC: Marcus Antônio Luiz da Silva; SP: Braz Martins Neto; SE: Ana Lúcia Dantas Souza
Aguiar; TO: Marcelo Cézar Cordeiro.
FIDA – Fundo de Integração e Desenvolvimento Assistencial dos Advogados
Luiz Viana Queiroz – Presidente do Conselho Seccional da OAB/BA Presidente do FIDA
Membros Titulares
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Tullo Cavallazzi Filho – Conselheiro Federal da OAB/SC Secretário do FIDA
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Membros Suplentes
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José Augusto Araújo de Noronha – Presidente do Conselho Seccional da OAB/PR
Ary Raghiant Neto – Conselheiro Federal da OAB/MS
Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves – Conselheiro Federal da OAB/PE
ENA – Escola Nacional da Advocacia
José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral – Diretor-Geral
Conselho Consultivo:
Auriney Uchôa de Brito
Carolina Louzada Petrarca
Cristina Silvia Alves Lourenço
Eduardo Lemos Barbosa
Leandro Duarte Vasques
Luis Cláudio Alves Pereira
Moisés de Souza Coelho Neto
Valentina Jungmann Cintra
Diretores(as) das Escolas Superiores de Advocacia da OAB
AC: Igor Clem Souza Soares; AL: Marcelo Madeiro de Souza; AM: Paulo José Pereira Trindade Júnior; AP: Edivan Silva dos Santos; BA: Thais Bandeira
Oliveira Passos; CE: Marcell Feitosa Correia Lima; DF: Rodrigo Frantz Becker; ES: Rodrigo Reis Mazzei; GO: Rafael Lara Martins; MA: Joao Batista
Ericeira; MG: Silvana Lourenco Lobo; MS: Ricardo Souza Pereira; MT: Bruno Devesa Cintra; PA: Cristina Silvia Alves Lourenço; PB: Otto Rodrigo Melo
Cruz; PE: Carlos da Costa Pinto Neves Filho; PI: Naiara de Moraes e Silva; PR: Graciela Iurk Marins; RJ: Sergio Coelho e Silva Pereira; RN: Marília
Almeida Mascena; RO: Jose Vitor Costa Junior; RR: Michelle Evangelista Albuquerque; RS: Rosângela Maria Herzer dos Santos; SC: Pedro Miranda de
Oliveira; SE: Kleidson Nascimento dos Santos; SP: Ivette Senise Ferreira; TO: Fabio Barbosa Chaves.
i
PREFÁCIO
Claudio Lamachia*
Debater a importância dos programas de compliance no combate à corrupção é não apenas oportuno,
mas também absolutamente necessário, sobretudo neste momento em que o Brasil parece engajar-se de maneira
vigorosa na luta contra a improbidade administrativa.
Nos últimos anos, o compliance afirmou-se como tema incontornável, destacando-se nos mais
importantes eventos institucionais e corporativos em todo o País. Com efeito, a fim de promover a cultura da
ética, minorar eventuais sanções decorrentes da aplicação da Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013 (a chamada
“Lei Anticorrupção”) e obter as vantagens competitivas advindas da implementação de mecanismos de boa
governança, as empresas privadas têm buscado, cada vez mais, instituir ou ampliar programas de integridade.
O Poder Público não está alheio a esse movimento. Assim, tem incorporado progressivamente essa
relevante ferramenta, oriunda do setor privado, visando a aprimorar as instituições nacionais e responder ao
anseio da sociedade por representantes e servidores comprometidos com a moralidade, a transparência e o
interesse coletivo.
Com o intuito de contribuir para o aprofundamento da evolução em curso no País, o Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil promoveu, em 8 de novembro de 2018, o evento “Anticorrupção e
Compliance: a Ação da Ordem e a Atuação do Advogado”. A Instituição recebeu renomados especialistas na
matéria, entre profissionais de advocacia, compliance officers, membros de organizações de combate à
corrupção, lideranças da sociedade civil e eminentes autoridades públicas.
Esta obra é, em grande medida, um complemento aos debates realizados no referido colóquio,
reforçando o compromisso da OAB com a promoção da ética e dos valores republicanos. O livro compõe-se de
um conjunto diversificado de artigos, os quais apresentam um instigante panorama do assunto, incluindo uma
abordagem histórica da corrupção; análises conceituais sobre o compliance e sua aplicação no Brasil; a
importância estratégica dos programas de integridade e sua eficácia no combate à prática de atos lesivos ao
patrimônio público.
Igualmente, abordam-se os desafios e as oportunidades concernentes à implementação de mecanismos
de compliance pelas empresas, incluindo-se a possibilidade da aplicação dessa ferramenta em processos
seletivos; os meios para incentivar sua adoção e garantir sua efetividade; bem como o papel fundamental
desempenhado pela advocacia e pelas entidades de classe em sua concretização.
Ademais, examinam-se as implicações práticas dos avanços normativos recentes no País; as principais
tendências verificadas no Brasil e no mundo, atentando-se para os obstáculos enfrentados na América Latina;
e o uso dos programas de integridade em ambientes específicos, como os esportes, sem descurar da importância
primordial do recurso ao compliance por empresas estatais e pelo Poder Público em geral.
Trata-se, portanto, de obra abrangente e esclarecedora. Por meio desta edição, esperamos contribuir
tanto para o desenvolvimento da ciência jurídica quanto para a construção de uma sociedade mais ética e mais
transparente. Este livro materializa a certeza de que essa transformaçãonem regras se não há intenção de burlá-las, no Brasil seguiu-se o modelo habitual:
disseminaram-se ‘gramáticas’ e medidas voltadas para o controle da população”23. Parece que a nossa tradição
de criar novas leis, novos nomes e regras vem desde o começo de nossa história.
Na época em que a colônia estava sendo ameaçada pelos franceses, o rei português decidiu criar o
sistema de “Governo Geral”. A estratégia do rei era centralizar a administração da colônia e, portanto, fortalecer
o controle sobre o território. No entanto, os então governadores, em sua maioria, acabaram envolvidos em
escândalos de corrupção24. Um deles teve todos os seus bens apreendidos em Portugal para reparar os danos
causados à coroa. Outro governador, Jeronimo de Mendonça Furtado, que foi destituído do cargo em 1666,
havia comercializado indevidamente o Pau-Brasil (planta que era monopólio da coroa portuguesa), além de
desviar um certo montante referente aos impostos cobrados, para pagamento do dote a Dona Catarina de
Bragança25. Esse mesmo governador recebeu a alcunha de “Xumbergas”, “termo ambíguo que tanto significava
‘alguém que azucrina o próximo’ quanto apontava de modo chulo para uma pessoa adepta de excessos: um
17 PAINS, 2017.
18 COSTA, F., 2008.
19 Ibid., 2008.
20 COSTA, H., 2013. Em “Corrupção na história do Brasil: reflexões sobre suas origens no período colonial”.
21 Ibid., p. 28.
22 SCHWARCZ, 2015.
23 Ibid., 2015.
24 COSTA, H., 2013.
25 Ibid., 2013.
33
sujeito embriagado ou um figurão useiro e vezeiro da prática de bolinar”26. O governador João Tavares Roldão,
governador do Rio de Janeiro de 1681 a 1682, também foi afastado do cargo sob a acusação de pedir suborno
para permitir que os navios fossem carregados com mais açúcar do que o peso permitido27. No meio desses
escândalos é que o Padre Antônio Vieira, em 1641, demonstrou sua indignação com o mal da corrupção que já
assolava o país desde o seu descobrimento: “Esta é a causa original das doenças do Brasil: tomar o alheio,
cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares por onde a Justiça se não guarda e o Estado se perde
[...] Perde-se o Brasil (digamo-lo em uma palavra) porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar
nosso bem, vêm cá buscar nossos bens”28.
Além disso, outro fato interessante sobre o período colonial estava relacionado exatamente aos cargos
públicos: eles também eram dados pelo rei a seus conselheiros. No entanto, houve um ponto em que tais
conselheiros estavam de fato vendendo as posições para aqueles que poderiam oferecer mais dinheiro, em outras
palavras, as posições eram ocupadas por pessoas que não necessariamente tinham experiência para esse papel.
O contrabando de ouro no período colonial brasileiro também foi intenso. Isso se dava pois muitos
queriam escapar dos altos tributos sobre seu comércio, então cobrados pela Coroa de Portugal. Pelo fato de
alguns clérigos também terem utilizado essa prática, usando imagens de santos ocas e carregando-as do metal
precioso, surgiu a expressão usada até hoje “santo do pau oco”29.
E foi nesse cenário que nasceu o país. A história foi se desdobrando depois do Brasil colônia, passando
pelo Império e chegando à República. Aliás, a luta contra a corrupção foi:
[...] tema dos republicanos ao final do Império, repetiu-se em 1930, em 1945, em 1964. Muitos dos que
a denunciavam em um momento, viram-se, no momento seguinte, no papel de denunciados. Falou-se da
mesma coisa nesses diferentes períodos? Estaríamos rodando em círculos, sobretudo a partir de 1989”30?
“Continuamos a nos perguntar se a corrupção hoje é igual às anteriores, se há mais corrupção hoje do que
antes, se o que aumentou foi a investigação e a reação, não a corrupção.31
Se a corrupção sempre esteve presente, fato é que a burocracia e o excesso de leis também, como se
mostrou nesse artigo. Nossa tradição românica-germânica foi trazida pelos portugueses e por aqui ficou. No
legislativo sempre tivemos presença forte de juristas e advogados, desde a época do Império até os dias atuais.
Muitas leis criando novas regras, processos, procedimentos e requerimentos muitas vezes só fortalecem a
burocracia, dificultam a prática de atos e alimentam o sistema corrupto.
A ciranda da burocracia e corrupção esteve sempre presente e foi nela que se formou nossa sociedade.
Outros países europeus e africanos também participaram de nossa formação, contribuindo para a construção da
sociedade brasileira. E graças a essa mistura é que o ilustre historiador Sérgio Buarque de Holanda, no clássico
Raízes do Brasil, constrói a figura do “homem cordial”, como sendo a intersecção da nossa mistura de povos32:
Essa cordialidade brasileira se manifestaria pela tendência a estabelecer todas as suas relações com base
na afetividade e, principalmente, na dificuldade de objetivizar ou racionalizar suas relações, criando a
figura do ‘jeitinho brasileiro’ como meio de transgredir as regras, para não ferir susceptibilidades,
violações ou transgressões que não apenas não seriam repudiadas pela sociedade, mas, ao contrário,
constituiriam motivo de orgulho.33
Talvez nessa linha que até mesmo Walt Disney tenha criado a figura do Zé Carioca, como o papagaio
que incorpora o “típico malandro carioca sempre escapando de problemas com um jeitinho característico”34.
Nas sábias palavras de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, a “história não é conta de somar”35, aliás, a
própria sequência dos acontecimentos nos mostrou isso. A visão fatalista de fatos históricos não ajuda a prever
26 SCHWARCZ, 2015.
27 COSTA, H., 2013.
28 VIEIRA, 2003, apud SCHWARCZ, 2015.
29 FURTADO, 2015, p. 15.
30 CARVALHO, José Murilo. Quem transgride o quê? In: CARDOSO, Fernando Henrique (org.); MOREIRA, Marcílio Marques
(org.). Cultura das Transgressões no Brasil: lições da história. São Paulo: ETCO ; iFHC, 1997
31 Ibidem.
32 FURTADO, 2015, p. 17.
33 BUARQUE DE HOLANDA, 1982 apud FURTADO, 2015, p. 17.
34 Zé Carioca.
35 SCHWARCZ, 2015.
COMPLIANCE: essência e efetividade
34
quais são os próximos capítulos de nossa história. O fato é, sim, que cada um deve exercer seu papel dentro do
estado democrático e dar sua contribuição para o que é certo. Cada contribuição e cada gesto vale e conta. Os
sistemas são feitos por pessoas que podem ou não retroalimentá-lo de boas e transformadoras atitudes. De parar
de sentar no banco reservado às prioridades legais e fingir que não percebeu, até passar a realmente verificar e
fiscalizar o trabalho de políticos e exercer seus direitos dentro de seu papel pessoal, político e profissional. Se
a história contada parece cíclica, tudo indica que é porque vem sendo retroalimentada pelas mesmas atitudes,
só mudando os personagens.
A boa notícia é que os personagens de hoje estão sujeitos a um outro nível de exposição, julgamento
público e responsabilidade jurídica. Vivemos tempos não só de nova lei anticorrupção e de Operação Lava Jato,
mas também de imprensa livre e de redes sociais. Do lado da iniciativa privada, o jeito de conduzir negócios
precisará ser reinventado. Se a chamada Lei da Empresa Limpa36 traz responsabilidade objetiva para a empresa
por atos de seus empregados e terceiros, é preciso maior cuidado na contratação de tais figuras. Cuidado
redobrado também recai sobre sua reputação e como a empresa lida e previne conflitos de interesse,
principalmente tendo em vista a velocidade em que as informações correm pela internet. Nesse cenário é que
florescem os programas de compliance, como ferramenta fundamental para a proteção das empresas. Um
programa bem implementado ajuda a minimizar não só riscos de corrupção, mas também ajudam no combate
a fraude, desperdício de recursos, além de proteger a empresa de danos reputacionais e financeiros.
Temos nova lei, maior transparência, visibilidadedos escândalos, além de novas ferramentas para
combate à corrupção, ou seja, temos novos elementos compondo nossa história. Paremos de desculpas e
fatalismos. Não deixemos o ritmo cair, pois os próximos capítulos dependem de como reagiremos e
alimentaremos esse sistema.
REFERÊNCIAS
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to the FCPA and beyond. Arlington, VA, EUA: Bloomberg, 2014.
ARISTOTLE. The Constitution of Athens. Loschberg: Jazzybee Verlag Jürgen Beck, 2015.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da
União, Brasília, 16 jul. 1990 e retificado em 27 set. 1990. Disponível em: .
Acesso em 4 nov. 2018.
BRASIL. Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Lei da Empresa Limpa. Diário Oficial da União, Brasília, 2
ago. 2013. Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2018.
CARDOSO, Fernando Henrique; MOREIRA, Marcílio Marques (org.). Cultura das Transgressões no Brasil:
lições da história. São Paulo: ETCO; iFHC, 1997.
CÓDIGO DE HAMURABI – cerca de 1780 a. C. Universidade de São Paulo – Biblioteca Virtual de Direitos
Humanos. 2018. Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2018.
COSTA, Francisco. O nepotismo, o emprego e o Estadão. O Estado de São Paulo, São Paulo, 31 ago. 2008.
Espaço Aberto, p. A2. Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2018.
DEL DEBBIO, Alessandra; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (coord.). Temas de
Anticorrupção e Compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudos de casos e lições do futuro. Belo
Horizonte: Fórum, 2015.
36 BRASIL. Lei 12.846/13.
35
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e Anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
PAINS, Clarissa. Historiadores resgatam episódios de corrupção no Brasil Colônia e na época do Império. O
Globo, Rio de Janeiro, 5 set. 2017. Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Miguel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015.
VIEIRA, Judivan J. Coleção corrupção no mundo. Brasília: Thesaurus, 2014. v. 1 (Perspectiva Histórica da
Corrupção).
WIKIPEDIA. Zé Carioca. 2018. Disponível em: . Acesso em: 5 nov. 2018.
37
ORIGEM, IMPORTÂNCIA E EFETIVIDADE DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE
Karlis M. Novickis*
RESUMO: A evolução social culminou na presente sociedade complexa, marcada pelo incremento dos riscos
em que estamos inseridos. Para mitigar a probabilidade destes riscos trazerem resultados indesejados a direitos
concretos, uma ferramenta de gestão tem se tornado cada vez mais comum: os programas de compliance das
empresas. Para que estes programas sejam efetivos em seu mister, eles devem contar com estruturas e protocolos
para a reação, detecção e prevenção a riscos (momento de atuação do Programa); com esforços gerenciais
previstos nas leis aplicáveis (pilares dos programas); e que sejam potencializados pelo nível de engajamento
cultural que os líderes da empresa aplicam e fomentam (fomento ao esforço gerencial, símbolos e
comportamentos adotados pela alta liderança). Do contrário, pouco efetivos serão para materializar a proteção
que deles se espera.
Palavras-chave: Compliance. Origem. Efetividade. Gestão de Programas de Compliance. Sociedade de riscos.
Cubo de Compliance.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Origem legal e Importância dos Programas de Compliance. 3 Importância da
manutenção de um Programa de Compliance. 4 Eficácia dos Programas de Compliance. 4.1 O cubo de
Compliance. 5 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, uma das características fundamentais para o sucesso da atividade empresarial é a forma
com que a empresa faz negócios. Não apenas pela perspectiva financeira, mas também pela dimensão da
sustentabilidade de suas atividades sob a ótica dos diversos stakeholders da empresa, em especial o respeito às
legislações e regulamentações local, regional e global, conforme o caso específico.
Tal circunstância fez com que determinadas sociedades demandassem, inclusive por meio de
organismos internacionais não governamentais, a promulgação de leis que responsabilizassem também as
empresas em casos de desvios éticos, legais ou regulatórios ocorridos em suas operações.
Isso resultou em uma crescente onda de padronização do mínimo aceitável em relação às práticas
corporativas, não apenas no mercado doméstico destes Países, mas igualmente nas operações transnacionais,
culminando com o surgimento de uma agenda comum a diversos executivos ao redor do globo: o suporte e
manutenção de Programas de Compliance ou de Integridade nas empresas, com o objetivo de mitigar (ou até
prevenir), detectar e reagir à ocorrência de tais desvios.
Tal agenda se tornou muito forte e os resultados, além de aumentarem o alinhamento das atividades
com as leis aplicáveis a determinado negócio, acabaram por demonstrar que Programas de Compliance efetivos
resultam em menor burocracia interna e na redução de custos da não conformidade, incrementando a eficiência
empresarial.
Tudo porque, quando bem desenvolvidos, tais programas aplicam ferramentas de gestão da qualidade
e de Melhoria Contínua, desenvolvendo o conhecimento das pessoas, integrando e aprimorando os processos
internos da empresa expostos a riscos e, por fim, acarretando em melhoria da cultura interna da empresa.
No entanto, deve-se ter a certeza de que não é possível se conceber Programas de Compliance idênticos
para os diversos tipos de empresas e mercados. Isso porque cada empresa e segmento possuem características
distintas e, portanto, estratégias distintas para se alcançarem os resultados. Aliás, o que é resultado ótimo para
uma empresa pode ser sinônimo do fracasso para outra em segmento distinto ou com outra estratégia de
operação. Assim, o alinhamento estratégico entre empresa e programa e os detalhes de sua operação devem ser
específicos para cada segmento e empresa, sendo semelhantes, no entanto, as atividades relacionadas à técnica
de administração de empresas, o projeto da implantação e os processos de gestão e melhoria contínua aplicados
aos Programas de Compliance.
* Profissional de atuação global, é professor do Insper/SP; da FGV/RJ; e da Tecnológico de Monterrey (Cidade do México/Mex).
Pós-graduado em administração de empresas (Insper/SP), possui dois LLM’s em Direito Penal (Coimbra-Portugal e PUC/SP) e é
Bacharel em Direito (Mackenzie/SP).
COMPLIANCE: essência e efetividade
38
Essa característica de gestão semelhante e detalhamento estratégico e operacional específico é
fundamental para a efetividade dos Programas de Compliance ou integridade. Tanto que a Controladoria Geral
da União – CGU –, do Ministério da Transparência, dispõe no manual “Programa de Integridade: diretrizes
para empresas privadas”1 a necessidade do desenvolvimento de “estratégias de monitoramento contínuo”; o que
também é feito pelo Departamento de Justiça Norte-americano – DOJ – no “Guia de avaliação de Programas
de Compliance Corporativos”.2
Dessa forma, como sustentado pelo autor em 2013, por ocasião da entrega da Dissertação de conclusão
do Curso de Certification on Business Administration – CBA047, Insper, 20133 – e no presente artigo
parcialmente retomado, a origem dos Programas de Compliance decorre de uma evolução histórica e social,
sendo que o projeto de implantação e a gestão de um Programa de Compliance deve ser idealizada considerando
as forças competitivas do mercado, alegislação e regulação aplicáveis, bem como a estrutura interna da
empresa. Ou seja, um verdadeiro projeto built to suit.
2 ORIGEM LEGAL E IMPORTÂNCIA DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE
Importante considerar que as Leis, de modo geral, são outorgadas para regular o comportamento
humano em sociedade, e que elas são necessárias para que seus integrantes realizem ou deixem de realizar
determinadas condutas. Ao se analisar a origem dos Programas de Compliance, não é diferente: a instalação
dele nas empresas – de forma geral – foi claramente motivada por uma imposição legal, como a seguir exposto.
A origem dos Programas de Compliance, apesar de historicamente estar relacionada aos anos de 1889
e 1890, quando o Canadá e os EUA respectivamente editaram seus estatutos antitruste (os primeiros de que se
tem conhecimento no mundo)4, pode ser mais bem tangibilizada no ano de 1913, quando o Banco Central norte-
americano, objetivando um sistema financeiro mais coeso, exarou normativas aos agentes financeiros que, se
não seguidas ou fracamente aplicadas, poderiam resultar em sua responsabilização.
Tratando-se especificamente do risco corrupção, apesar do pano de fundo histórico inclusive se apoiar
à formação das alianças Tríplice Entente e dos Aliados nas 1ª e 2ª Grandes Guerras5 e à migração de uma
sociedade marcada pelas classes para uma sociedade de riscos6, pelo contexto histórico legal o advento dos
Programas de Compliance pode ser juridicamente atribuído à promulgação do Foreign Corrupt Practices Act
(FCPA) pelo Governo dos EUA, no ano de 19777, época em que os EUA estavam vivenciando o escândalo de
corrupção norte-americano nomeado como Watergate8, o verdadeiro catalisador para o advento do FCPA.
Tal Lei norte-americana criou severas penalidades para as empresas daquele país que se utilizassem
da corrupção de oficiais de governos estrangeiros para expandir seus negócios em outros países. No entanto, na
prática isso também resultou na perda da competitividade das empresas submetidas ao FCPA em relação às
empresas não submetidas ao FCPA – resto do mundo (IBRADEMP, 2011, p. 6).
Diante disso e por se tratar de matéria eminentemente destinada a moralizar o comércio transnacional,
seria necessário que outros países criassem dispositivos da mesma natureza, de modo que o governo norte-
americano intercedeu junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à
Organização dos Estados Americanos – OEA – e à Organização das Nações Unidas – ONU –, iniciando um
movimento mundial pela expansão daqueles mesmos princípios previstos no FCPA para as Leis dos demais
países (COIMBRA, 2010, p. 32).
1 BRASIL – CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Manual – Programa de Integridade – Diretrizes para Empresas Privadas –
Brasília: CGU, 2015.
2 “We recognize that each company's risk profile and solutions to reduce its risks warrant particularized evaluation. Accordingly, we
make an individualized determination in each case” - https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download. Acesso
em: 1º maio 2013.
3 NOVICKIS, Karlis Mirra. Implantação de Programas de Compliance nas empresas. São Paulo, 2013. 66p. TCC – Certificate in
Business Administration. CBA Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
4 DUHAIME, Lloyd. Canadian Legal History: 1889, Canada wheels out World’s first Competition Statute – April, 6th, 2014.
5 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Aula ministrada em 25 de agosto de 2017. Curso Sociedade Moderna e Direito Penal. FADUSP,
São Paulo. 2017.
6 BECK, Ulrich. Risk Society: Towards a New Modernity. Translated by Mark Ritter. SAGE Publications – 1992
7 NOVICKIS, Karlis M.. A [Não]Opcional Autorregulação Regulada : O Advento Dos Programas De Integridade Empresarial No
Brasil. Texto para o curso ˜Sociedade Moderna e Direito Penal˜. FADUSP, São Paulo. 2017.
8 SANTOS, R. A. Compliance como ferramenta de mitigação e combate à fraude organizacional. Brasília: Escola de Administração
Fazendária, 2011 (6º Concurso da CGU - Prevenção e Combate à Corrupção no Brasil - Categoria Profissionais)
https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download
39
Como resultado, inclusive para o Brasil, tal iniciativa culminou na firmação de três Convenções
internacionais: uma Convenção da ONU, uma Convenção da OCDE e uma Convenção da OEA, todas versando
sobre mecanismos para combater a prática da corrupção nas atividades comerciais.
Nos EUA, a ratificação da OCDE no ano de 1998 resultou na emenda do FCPA para fazer inserir no
rol de empresas subordinadas ao FCPA as empresas que, mesmo estrangeiras, desenvolvessem atividades em
solo norte-americano ou tivessem operações financeiras naquele país – ações em bolsas norte-americanas, por
exemplo.9
Na mesma linha do posicionamento norte-americano seguiu o Reino Unido, que promulgou em 2010
o UK Bribery Act que, em síntese, dispõe praticamente as mesmas condutas descritas no FCPA, com algumas
exceções – mais adiante tratadas – e impõe penalidades consideravelmente mais severas.
Tais dispositivos legais estrangeiros acabaram por, na prática, impor a empresas do mundo inteiro a
necessidade em se adequar aos padrões de Compliance impostos nestes países, mesmo sendo tais leis
desprovidas de eficácia jurídica extraterritorial. Isso porque os EUA e o Reino Unido incluíram em suas
respectivas normas anticorrupção severas sanções financeiras, e até criminais, para as matrizes das empresas e
seus administradores localizados nestes países, mesmo em caso de condutas perpetradas por filiais ou
terceirizadas localizadas em outros países.
Ou seja, diante da aplicação de severas punições pelo Departamento de Justiça Americano – DOJ – e
pela Securities & Exchange Commission – SEC – (equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira –
CVM) contra as empresas americanas, o empresariado mundial acabou se vendo obrigado pelas matrizes ou
clientes norte-americanos a respeitar o FCPA e mais recentemente o UK Bribery Act, padronizando o conceito
de que o objetivo da conformidade das operações das empresas deveria ser alcançado por meio dos chamados
‘Programas de Compliance’ (MAEDA, 2013, p. 168).
Para o Brasil esta evolução culminou na promulgação da Lei nº. 10.467/02, que criminalizou as
condutas relacionadas à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, nos mesmos termos das referidas
Convenções e do FCPA. No entanto, à época o Brasil havia deixado de adotar as demais condutas sugeridas
nos referidos Tratados internacionais como, por exemplo, a responsabilização cível e administrativa de Pessoas
Jurídicas por atos de corrupção.
Tal adequação veio alguns anos mais tarde10, em 2013, com a promulgação da Lei 12.846/13, que
criou tais responsabilidades, prevendo a possibilidade do fechamento de empresas que estejam envolvidas em
problemas de corrupção e multas que podem chegar a valores de até R$ 60 milhões, ou até 20% (vinte por
cento) do faturamento bruto das empresas envolvidas (BRASIL, 2013).
Junto da possível penalidade, a mesma Lei criou no contexto jurídico brasileiro a concreta relação do
empresariado com os Programas de Compliance, definindo que a existência de um Programa de Compliance
eficaz, além de prevenir a ocorrência da não conformidade, pode resultar em atenuação da pena sobre a Pessoa
Jurídica que for envolvida em algum caso de corrupção ou desrespeito a Leis e regulamentos.
3 IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE
Qualquer empresa pode ser objeto da implantação de um Programa de Compliance. Desde pequenas
empresas até as de maior porte, com diversas unidades e operações distribuídas pelo País ou pelo mundo.
O que vale recordar, no entanto, é que não importa qual o segmento ou atividade da empresa, sua
operação certamente a expõe a grandes riscos de Compliance em diversos processos internos (i. setor regulatório
operacional, paraadequação das licenças à operação da empresa; ii. Processo de compras, quando da
contratação de fornecedores; iii. Contato com autoridades públicas durante fiscalizações; iv. Riscos oriundos
9 Versão Original – “Since 1977, the anti-bribery provisions of the FCPA have applied to all U.S. persons and certain foreign issuers
of securities. With the enactment of certain amendments in 1998, the anti-bribery provisions of the FCPA now also apply to foreign
firms and persons who cause, directly or through agents, an act in furtherance of such a corrupt payment to take place within the
territory of the United States” – Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2013.
10 Nota do autor: tardiamente e quase intempestivamente – o Brasil já havia sido sujeito a duas auditorias dos Estados parte da
Convenção da OCDE, tendo sido relatada a omissão do Brasil em criar mecanismos de responsabilidade das PJ’s para atos de
corrupção. Em 2013 o Brasil precisaria apresentar documentos relacionados aos seus esforços de adequação ao Tratado para uma 3ª
auditoria, que seria realizada presencialmente no início de 2014. Caso não tivesse atuado sobre as pendências dos outros dois
relatórios, enfrentaria severos questionamentos a respeito desta omissão, o que poderia culminar com uma situação crítica em relação
a sua continuidade no tratado.
http://www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/
COMPLIANCE: essência e efetividade
40
da área de Saúde, Segurança e Meio Ambiente; v. Processos de faturamento e financeiro; vi. Vendas para entes
privados e públicos; entre outros) e um programa eficaz de Compliance pode se mostrar, além de mais uma
garantia da atuação ética da empresa, um grande aliado na redução de custos oriundos das não conformidades.
E, na atual conjuntura do comércio internacional, ao ser implantado em uma empresa que realize
operações com clientes internacionais, pode significar um considerável diferencial competitivo, em razão de
grande parte dos clientes ser formada por empresas estrangeiras que podem estar sujeitas às penalidades do
FCPA e do UK Bribery Act, o que garantiria um atrativo (diferencial competitivo) para a empresa que possui
um Programa de Compliance em relação a concorrentes que não contam com esse tipo de estrutura.
Outra circunstância de grande relevância é o impacto que a carência de uma política bem definida de
Compliance gera nos demais processos da empresa: ausência de definições claras abre espaço para as pessoas
racionalizarem situações ilegais como algo aceitável com base apenas em critérios individuais de benefícios e
custos11, o que pode expor a empresa a riscos muito severos.
Nesse sentido, aponta-se, por exemplo, que a ausência de um nivelamento de conhecimento dos
colaboradores e administradores acerca de suas responsabilidades internas e jurídicas, e do que se espera deles
[colaboradores] – ausência de um Código de Conduta Empresarial difundido –, gera decisões diversas sobre
eventuais lacunas dos processos (deve-se aceitar o presente do fornecedor?; é cabível presentear um cliente?;
etc.).
Por esta razão, uma característica de um eficaz Programa de Compliance é a de destinar grande parte
dos esforços no nivelamento de conhecimento dos colaboradores e administradores da empresa acerca de seus
direitos e obrigações, em especial as jurídicas, em relação às suas atividades profissionais e às da empresa
(SCCE, 2012).12
Tal nivelamento desenvolverá um ambiente em que as responsabilidades dos colaboradores e
administradores acerca de suas condutas são mais bem definidas e conhecidas por todos, gerando neles a
necessidade de “estar em Compliance” e de prevenir os “riscos de Compliance” para evitar punições graves,
tanto administrativas, quanto, nos piores desvios de conduta, judiciais decorrentes de uma eventual acusação
criminal.
De outro lado, a ausência de um processo claro destinado à correção de não conformidades resulta em
um ambiente em que as não conformidades passam a ser tidas como algo comum, indissociável e de pouca
relevância, portanto, não corrigível do processo. Chegado a esse ponto, a involução dos processos acaba por
ser inevitável, resultando na inércia dos colaboradores e administradores na identificação proativa dos riscos
evitáveis, imaginando que tal função deveria ser desempenhada por um setor específico – qualidade, por
exemplo – e não de todos os integrantes da empresa.
Diante disso, o Programa de Compliance deve ser concebido para participar ativamente da rotina da
empresa, desenvolvendo suas atividades sobre os processos internos já existentes, reduzindo burocracias e
evitando a criação de procedimentos autônomos de Compliance (Presentes, Conflito de interesses, Corrupção
Etc.) que poderiam ser desconsiderados pela operação da empresa13, para focar na adequação dos processos
críticos para redução dos riscos de não conformidades (Processo de vendas, Processo de contato com órgãos
públicos etc.).
Além disso, para manutenção do status e moralização do Programa, devem ser desenvolvidos
indicadores que permitam o monitoramento da evolução e eficácia do Programa de Compliance e o impacto de
11 ARIELY, Dan; MAZAR, Nina. Dishonesty in Everyday Life and Its Policy Implication. Journal of Public Policy & Marketing,
Chicago, v. 25, n. 1, p. 1-21, jun. 2006. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2013.
12 Comply or die, in Society of Corporate Compliance and Ethics – SCCE – Magazine of out/12. - “Compliance is a choice. We can
choose to comply because we understand that it benefits us and others, or we can choose not to comply and reap the consequences.
No one likes a lot of rules, but the rules have been established to protect us all. On some occasions, individuals may unintentionally
fail to comply. Sometimes that happens because of poor communications regarding written standards, inaccessible written standards,
or other failures regarding review practices. People do make mistakes, but the goal is to limit the number of mistakes through good
communication and good documentation of processes”.
13 CHEN, Hui. The Next Generation of Compliance & Ethics Program Effectiveness: From Bolt On to Built In: CEB Global,
2016. – “(…) Every piece of your program needs to be tied to the actual operation of the company. We will be asking you
questions...about your payment systems, your HR systems, your vendor management systems, your audit process, your investigation
process, all with a view of looking at how the programs you have designed to remediate conduct have been actually operationalized
into the daily life of the corporation [...]. I have seen systems where you have to go in and get approval for something and then go
into a separate system to actually conduct the transaction. When you don’t tie those systems together, it’s very easy to ignore the
other system that’s not necessary to make the transaction happen [...]”
41
suas iniciativas na Cultura da empresa14, bem como indicadores gerenciais relacionados aos esforços
empreendidos, que permita demonstrar as tendências de evolução dos programas de integridade e se o
dimensionamento dos recursos está adequado àquela determinada empresa.
4 EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE
Para ser eficaz no cumprimento de sua finalidade, o setor de Compliance de uma empresa deve ser
capaz de: 1. Inibir e reduzir a probabilidade do cometimento de qualquer desrespeito às Leis, a ditames éticos
e normativas internas da corporação; 2. Detectar qualquer atividade indevida ou a exposição a níveis
inaceitáveis de riscos; e 3. Reagir adequadamente a desvios verificados, permitindo a aplicação de punições
administrativas e, se cabível, judiciais, sempre de forma rápida e justa (MAEDA, 2013, p. 171).
A este respeito, considera-se que oconceito de eficácia de um Programa de Compliance, apesar de
estar previsto em Leis e normas de diversos Países é, em sua maior parte, de entendimento globalizado. Assim,
poucos detalhes variam entre as normas americanas, inglesas, brasileiras ou de outros países, apesar de haver
importantes diferenças.
Apontam os Principles of Federal Prosecution of Business Organizations, que correspondem às boas
práticas do Departamento de Justiça norte-americano – DOJ – para a formulação de acusações perante a Justiça
norte-americana em casos de atos ilícitos envolvendo empresas que:
9-28.000 – Acusação de uma Corporação: Programas de Compliance:
Princípio geral: programas de Compliance são estabelecidos pelas empresas para prevenir e detectar más
condutas e assegurar que as atividades da empresa sejam realizadas em conformidade com todas as leis
criminais e civis, regulamentos e regras. O Departamento incentiva tais programas, incluindo divulgações
voluntárias para o governo de todos os problemas que uma empresa descubra por conta própria. [...]
(tradução nossa).15
Dessa forma, para alcançar os objetivos apontados anteriormente, o setor de Compliance de uma
empresa deve atuar ativamente na adequação dos processos críticos da empresa, reduzindo riscos da ocorrência
de não conformidades e desenvolvendo indicadores que permitam o controle das atividades da empresa e de
seus colaboradores.
É importante frisar que isso deve ser realizado sempre atendendo às orientações das diversas leis que
tratam do assunto, tanto do país onde a empresa está localizada, como também de todos os países em que a
empresa exerça quaisquer atividades, ou possua filiais, ou mantenha dinheiro investido, conforme cada caso
(DOYLE, 2012).
Tal conceito pode ser extraído do disposto nas diversas normas existentes sobre o assunto – o FCPA
norte-americano; a Legislação Brasileira e as Convenções internacionais das quais o Brasil é signatário; o ato
inglês UK Bribery Act, entre outras – devidamente alinhadas com os regulamentos pertinentes a cada Lei e
realidade.
Em relação ao FCPA norte-americano – também consideradas boas práticas globais –, devem ser
consideradas também as Federal Sentencing Guidelines, que correspondem às boas práticas para julgamento
pela Justiça norte-americana de processos referentes a atos ilícitos envolvendo empresas, definidas pela United
States Sentencing Commission dos EUA.
Em breve síntese, estas dispõem que os Programas de Compliance eficazes devem ser focados na
prevenção e contar com nove características básicas: 1. Procedimentos escritos e um código de conduta público;
2. A nomeação de um Compliance Officer – responsável pelo Programa – e contato periódico com a liderança
sênior da empresa; 3. Evitar possuir no corpo da alta direção pessoas que tenham se envolvido em atividades
ilegais ou contrárias a um Programa de Compliance; 4. Treinamentos e comunicação eficazes; 5.
Monitoramento da eficácia do programa e procedimentos de auditoria definidos; 6. Estabelecimento de um
14 CHEN, Hui; SOLTES, Eugene. Why Compliance Programs Fail and How to Fix Them. Harvard Business Review (HBR),
Harvard, mar./abr. 2018.
15 Versão original: “Principles of Federal Prosecution of Business Organizations, Section 9-28.000 – “Charging a Corporation:
Corporate Compliance Programs: A. General Principle: Compliance programs are established by corporate management to prevent
and to detect misconduct and to ensure that corporate activities are conducted in accordance with all applicable criminal and civil
laws, regulations, and rules. The Department encourages such corporate self-policing, including voluntary disclosures to the
government of any problems that a corporation discovers on its own. [...]”.
COMPLIANCE: essência e efetividade
42
canal de denúncias que garanta anonimato, sigilo e não represália; 7. Mecanismos disciplinares definidos e
efetivos; 8. Processos definidos para investigações internas e correção de não conformidades; e 9. Gestão de
riscos para mapear riscos criminais relacionados à atividade da empresa (UNITED STATES SENTENCING
COMISSION, 2016).
Como mencionado logo no início, em Fevereiro de 2017 o DOJ emitiu um comunicado – Guia para a
avaliação de Programas de Compliance – apontando quais as principais características que se espera verificar
em um Programa de Compliance eficaz, deixando claro, contudo, que todas as iniciativas devem ser pautadas
pelo perfil de riscos da Companhia, de modo que não há um padrão rígido ou fórmula para o sucesso, mas que
há procedimentos comuns, em especial para mensuração da eficácia, que devem estar presentes16.
O UK Bribery Act – legislação de 2010 do Reino Unido e análoga ao FCPA – aborda a eficácia dos
Programas de Compliance de forma pouco distinta ao FCPA. Para os ingleses, um programa de Compliance
eficaz deve se revestir de seis princípios básicos: 1. Dispor procedimentos escritos e bem definidos de conduta;
2. Demonstrar comprometimento do alto escalão da empresa com o Programa de Compliance; 3. Ser baseado
em uma avaliação coerente de riscos de Compliance; 4. Realização de Due diligences nos setores das empresas
e nas empresas parceiras/adquiridas; 5. Comunicação e treinamento efetivo dos colaboradores na matéria; e 6.
Monitoramento e revisão das normas de Compliance (UNITED KINGDOM BRIBERY ACT, 2010).
Apesar de um pouco diferentes, aprofundando-se o estudo dos pilares básicos tanto do FCPA quanto
do UKBA, chega-se à conclusão de que estes dispositivos se diferem mais em questões semânticas do que
práticas, o que igualmente ocorre ao se analisar a realidade da legislação brasileira.
Aparentemente possuindo menos pilares, a eficácia jurídica dos Programas de Compliance para a
legislação brasileira, na realidade, têm bases semelhantes à dos sistemas norte-americano e inglês. Isso porque
o sistema brasileiro foi baseado nos outros dois, tendo todos a mesma origem: os tratados internacionais de
combate à corrupção, em especial o tratado firmado com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE.
A base legal para o que deve ser considerado ponto de partida de um Programa de Compliance eficaz
no Brasil surge com a promulgação da Lei 12.846/13 (Lei da Empresa Limpa) e da edição do Decreto Federal
regulamentador 8.420/15 e da Portaria CGU 909/15.
Lei 12.846/13:
Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
[...]
VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica;
[...]
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII
do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal”.
Decreto 8.420/15:
Art. 41 - Programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos
e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar
desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou
estrangeira.
Art. 42 - Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua
existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: [...].
Portaria CGU 909/15:
Art. 1º Os programas de integridade das pessoas jurídicas, para fins da aplicação do disposto no inciso V
do art. 18 e no inciso IV do art. 37 do Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, serão avaliados nos
termos desta Portaria.
16 Evaluation of Corporate Compliance Programs – Department of Justice from the USA – “Becausea corporate Compliance program
must be evaluated in the specific context of a criminal investigation that triggers the application of the Filip Factors, the Fraud
Section does not use any rigid formula to assess the effectiveness of corporate Compliance programs. We recognize that each
company's risk profile and solutions to reduce its risks warrant particularized evaluation. Accordingly, we make an individualized
determination in each case” - https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download. Acesso em: 1º maio 2013.
https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download
43
E, com a finalidade de interpretar e facilitar o entendimento do que seria um Programa de Compliance
para o sistema brasileiro, o Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União editou o manual
“Programas de Integridade: diretrizes para empresas privadas”, onde simplifica como boas práticas a
implantação de um Programa de Compliance que possua cinco pilares básicos: 1. Comprometimento e apoio
da alta direção; 2. Instância responsável pelo Programa de Integridade; 3. Análise de Perfil e Riscos; 4.
Estruturação de regras e procedimentos; e 5. Estratégias de monitoramento contínuo. (CONTROLADORIA
GERAL DA UNIÃO, 2015).
Como se pode depreender da análise dos três sistemas, pouca diferenciação é percebida entre as
realidades norte-americana, inglesa e brasileira. Ao contrário, percebe-se uma clara similaridade e
complementariedade entre os três, uma vez que todos buscam a aplicação de boas práticas de gestão interna
para prevenir, detectar e reagir a riscos e não conformidades, sempre exigindo o apoio da alta liderança das
empresas e alguns outros pilares de atuação técnica, mesmo que tais dispositivos não estejam previstos de forma
taxativa na legislação local.
Considerando todos os conceitos expostos, é forçoso concluir que a eficácia dos Programas de
Compliance decorre de algo mais amplo do que a mera existência de estruturas técnicas alinhadas ao previsto
nas leis. Em realidade, para se ter um Programa de Compliance realmente efetivo é obrigatório desenvolver
uma visão prática e sistêmica que seja capaz de correlacionar três dimensões de análise e impacto, sendo cada
uma um vetor do desenvolvimento da cultura organizacional da empresa. Neste caso, vetores do aprimoramento
da cultura de integridade na empresa.17
(i) dimensão dos sistemas de gestão e esforço técnicos (disposto nas normas legais) com outras duas
dimensões concomitantes e complementares de demonstração de eficácia: a (ii) dimensão comportamental e
simbólica;
1. Dimensão temporal de esforços, ou o momento da atuação (m): como anteriormente abordado, os
Programas de Compliance efetivos devem ser capazes de reagir adequadamente aos fatos da vida ou
problemas ocorridos (atuação sobre o passado), mas também devem possuir a capacidade de detectar
riscos (atuação sobre o presente) e, em especial, preveni-los (atuação sobre o futuro).
2. Dimensão gerencial e de investimento de capital (k) no Programa de Compliance: empresas
podem ser definidas como sendo um grupo de pessoas que detém determinados conhecimentos úteis aos
objetivos estratégicos da empresa (know-how), organizadas por processos de trabalho que buscam
eficiência e eficácia dos esforços, com determinados objetivos de satisfazer seus respectivos stakeholders
e clientes, tudo com vistas a buscar um retorno financeiro e socialmente responsável18.
Sendo os Programas de Compliance uma área corporativa interna das empresas, forçoso concluir que esta
deve operar de forma alinhada e equivalente aos demais setores da empresa. Ou seja, deve possuir pessoas
com conhecimento técnico adequado, que atuam seguindo protocolos de trabalho, com o objetivo de
trazer satisfação aos clientes internos, sempre em apoio à busca pelo retorno financeiro socialmente
responsável.
Pois bem, desenvolver, manter e aprimorar estas iniciativas sem dúvida envolvem investimentos da
empresa, nem que seja apenas no profissional qualificado para desenvolver a estrutura de trabalho
técnico. No sistema brasileiro a estrutura demandaria:
a. Comprometimento e apoio da alta direção;
b. Instância responsável pelo Programa de Integridade;
c. Análise de Perfil e Riscos;
d. Estruturação de regras e procedimentos; e
e. Estratégias de monitoramento contínuo.
3. Dimensão do nível (n) de engajamento dos líderes da empresa: esta dimensão busca considerar o
tipo de comportamento exercido pelos líderes em relação ao respeito às Leis e às políticas internas da
empresa ao desempenharem negócios.
Este engajamento pode ser definido pelo “Por quê” as pessoas fazem o que fazem e pode ser dividido em
dois grupos: (i) os comportamentos diários da alta e média lideranças (p.e. respeito durante reuniões); e
(ii) os símbolos corporativos que materializam estes comportamentos (aplicar medidas disciplinares
17 TAYLOR, Carolyn. Walking the Talk: building a Culture for success. London: RH Business Books, 2015.
18 KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. The Balanced Scorecard: Measures that Drive Performance. Harvard Business Review,
Harvard, jan./fev. 1992.
COMPLIANCE: essência e efetividade
44
adequadas, mesmo que o infrator seja de alto desempenho).
4.1 O Cubo de Compliance
Isto posto, apresento um ensaio de uma visão prática que busca demonstrar e correlacionar estas três
dimensões (esforço de capital; momento de atuação; e engajamento dos líderes) de forma a permitir a
visualização e, a partir disso, a mensuração e o monitoramento concomitante do nível de maturidade destas
dimensões: o Cubo de Compliance19.
Figura 1: Cubo de Compliance
Conceito
Conceito aplicado à realidade brasileira
Fonte: Novickis (2018).
Desta forma, sempre será possível avaliar os Programas de Compliance considerando suas reais
deficiências e virtudes, uma vez que será possível avaliar tanto a qualidade da estrutura técnica do Programa
(em um formato “cara-crachá” ou “check-the-box”), quanto a maturidade cultural da empresa e sua capacidade
em reagir, detectar e prevenir a não conformidades. E isso sempre de forma interdependente ou tendo uma
dimensão relativizada e avaliada em função das outras duas, podendo-se identificar os hiatos existentes em cada
uma delas e, com isso, priorizar quais as melhores soluções para determinado objetivo de evolução dos
Programas.
5 CONCLUSÃO
A sociedade mundial despertou especial interesse em relação à forma com que a atividade empresarial
é desenvolvida. E, desde o início dos anos 2000, está marcada pela crescente cobrança de ética e conformidade
nas atividades empresariais em relação a todas as regras, escritas ou socialmente aceitas.
Diante disso, pela iniciativa de alguns países e pessoas, as empresas e governos passaram a desenvolver
ferramentas de gestão que efetivamente fossem voltadas à busca do objetivo de se fazer o correto, tanto
legalmente quanto eticamente, sob pena de graves sanções. Mas, ao diferente da maioria das ferramentas
empresariais desenvolvidas pelos profissionais de administração de empresas, um Programa de Compliance
tem como característica principal a atuação por meio de uma visão holística da empresa, incluindo
considerações a respeito dos limites legais e éticos de sua operação.
Nesse sentido, é digno de nota que os Programas de Compliance podem ser considerados uma das
primeiras ferramentas empresariais que tem a capacidade [e obrigação] de criar uma sinergia direta entre os
19 NOVICKIS, Karlis M. Cubo de Compliance k(m, n). São Paulo: Insper Brasil, 2018.
Análise de riscos e de perfil
Instância responsável pelo programa
Comprometimento e apoio da alta administração
Estratégias de monitoramento contínuo
Estruturação de regras e instrumentos:
Padrões de ética e de conduta; Regras,políticas e procedimentos para mitigar
os riscos; Estruturação de instrumentos; Comunicação e Treinamento; Canais de
denúncia e processo de apuração; Medidas disciplinares; e Ações de remediação.
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Momento (m)
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Análise de riscos e de perfil
Instância responsável pelo programa
Comprometimento e apoio da alta administração
Estratégias de monitoramento contínuo
Estruturação de regras e instrumentos:
Padrões de ética e de conduta; Regras, políticas e procedimentos para mitigar
os riscos; Estruturação de instrumentos; Comunicação e Treinamento; Canais de
denúncia e processo de apuração; Medidas disciplinares; e Ações de remediação.
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45
aspectos jurídicos da atividade empresarial, nestes incluídos a operação propriamente dita, e os aspectos da
administração de negócios e empresas, para prevenir a ocorrência de não conformidades e, com isso, trazer
sustentabilidade legal e ética para as operações das empresas, seus resultados, imagem e, por consequência, a
segurança financeira de seus colaboradores.
No entanto, para que haja real efetividade dos Programas de Compliance, estes devem desenvolver
esforços que relacionem esforços de prevenção, detecção e reação (momento de atuação do Programa de
Compliance); com esforços gerenciais previstos nas leis aplicáveis (pilares dos programas); e sejam
potencializados pelo nível de engajamento cultural que os líderes da empresa desenvolvem e fomentam
(fomento ao esforço gerencial, símbolos e comportamentos adotados pela alta liderança).
Desenvolvendo Programas de Compliance com estas características será possível afastar uma realidade
infelizmente ainda muito comum: existirem empresas que detém um ótimo (e caro) sistema gerencial do
Programa de Compliance, mas que carece de efetividade por deter pouca (ou nenhuma) atuação preventiva ou
suporte para desenvolvimento de uma cultura de integridade.
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49
COMPLIANCE ESTRATÉGICO: da teoria à prática
Márcia Muniz*
RESUMO: O Compliance tem conquistado cada vez mais importância na vida empresarial. Valioso
instrumento de mitigação de riscos, proteção da imagem e reputação das empresas, só será, contudo, estratégico
para a companhia se for de fato efetivo. Mas como chegar lá? O presente artigo aborda, da teoria à prática, as
principais iniciativas e recomendações para que a criação e implementação de um programa de compliance
efetivo e eficiente.
Palavras-Chave: Compliance Estratégico. Pilares do Programa de Compliance. Compliance Officer.
1 INTRODUÇÃO
Na medida em que passamos a ouvir falar de compliance com frequência no Brasil após a Operação
Lava Jato1 e da promulgação da lei 12.843/2013, não é incomum imaginar que estamos diante de algo
relativamente novo. E se é novo, forçoso concluir que empresas conviveram sem compliance durante todos os
anos passados, cresceram e foram rentáveis. Logo, não seria algo vital ou estratégico ao desenvolvimento da
empresa.
Ledo engano.
Em 1906, nos EUA, surgiram as primeiras atividades de compliance, diante da necessidade de
fiscalização do comércio de medicamentos. Em 1903, Banco Central Norte-Americano foi criado e buscou
adotar um sistema financeiro mais estável, seguro e em estrita observância das leis. Com a criação da SEC
(Securities and Exchange Commission), em 1933, e do BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento), em 1944, houve um maior monitoramento em relação aos valores mobiliários. E, em 1960,
a SEC começou, então, a contratar os Compliance Officers.
Nos anos 70, com origem no caso Watergate (1974), o Congresso Americano aprovou a US Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA)2. Já a partir de 2009, houve intensificação de várias leis em diversos países, tais
como no Chile, por meio da lei n º 20.392 de Responsabilidade Penal Empresarial. Em 2010 no Reino Unido –
UK Bribery Act. Na Rússia, em 2012, com a Lei Anticorrupção. E no Brasil, em 2013, com a promulgação da
Lei nº 12.846.
Mesmo no Brasil, ainda que sem nenhuma legislação específica ou rótulo de programa de compliance,
há anos as empresas já começaram a se preocupar, por razões distintas, com algumas práticas que hoje compõem
os pilares de um programa de compliance eficaz. Me recordo de ter implementado uma linha direta para
recebimento de denúncias (hoje o conhecido “hotline”); estabelecer um Regulamento de Valores e Missão da
Empresa (hoje, Código de Ética ou Código de Conduta) há 20 (vinte) anos, por exemplo.
E por quê? Porque é fato que, de uma forma ou de outra, as empresas sempre souberam ser necessário
definir regras, medir sua observância, punir as violações e prestigiar os que aderem e respeitam as regras e
cultura da empresa, as leis e demais normativos.
* 20 (vinte) anos de experiência na liderança e implementação de departamentos jurídicos de grandes multinacionais, como Philip
Morris; Peugeot Citroen, HP e Hyundai. Atualmente Diretora Jurídica da Cisco. Membro do board de liderança das companhias em
que atuou, com forte visão executiva e estratégica. Agente de Compliance certificada pela American Society of Compliance and
Ethics. Pós MBA pela Saint Paul – Advanced Boardroom Program for Women (ABP-W) – (abril 2018 – abril 2019). Professora da
FIA – Curso de Gestão Jurídica Estratégica.
1 A Operação Lava Jato é um conjunto de investigações em andamento pela Polícia Federal do Brasil, que cumpriu mais de mil
mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, visando apurar um esquema de
lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina. A operação teve início em 17 de março de 2014 e conta com 55
fases operacionais, autorizadas pelo juiz Sérgio Moro, durante as quais mais de cem pessoas foram presas e condenadas. Investiga
crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça, operação
fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.
2 Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a Lei Americana Anti-Corrupção no Exterior, é uma lei estadunidense promulgada pelo
Congresso dos EUA em 1977 destinada a criar sanções cíveis, administrativas e penais no combate à corrupção comercial
internacional. Esta lei se aplica a pessoas e empresas Americanas que, em atividade comercial no exterior, utilizam de corrupção no
poder público estrangeiro para obter ou reter transações comerciais naquele país. Disponível em: . Acesso
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Propina_(portugu%C3%AAs_brasileiro)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fases_da_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fases_da_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato
https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Moro
https://pt.wikipedia.org/wiki/Corrup%C3%A7%C3%A3o_ativa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Corrup%C3%A7%C3%A3o_passiva
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gest%C3%A3o_fraudulenta
https://pt.wikipedia.org/wiki/Crime_organizado
https://pt.wikipedia.org/wiki/Obstru%C3%A7%C3%A3o_da_justi%C3%A7a
https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_fraudulenta_de_c%C3%A2mbio
https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_fraudulenta_de_c%C3%A2mbio
https://pt.wikipedia.org/wiki/Recebimento_de_vantagem_indevida
COMPLIANCE: essência e efetividade
50
Assim, o compliance – não o atualmente praticado – já existia de alguma forma há muitos anos.
O que temos, agora, é a necessidade de um programa eficaz de compliance, que, aindaque com
algumas lacunas, já está regulamentado por lei – Lei 12.846/2013 e Decreto 8.420/2015.
A previsão legal, acrescida dos escândalos decorrentes da Operação Lava Jato, já trouxeram um olhar
mais estratégico para o compliance das companhias. Até mesmo o aumento exponencial da busca por
Compliance Officer3 quando foi deflagrada a Operação, revela o entendimento do empresário, acionistas e
dirigentes de que a área de compliance é uma proteção reputacional e agregadora de valor de mercado.
A reforçar a chegada de uma nova era do compliance, muito recentemente houve o primeiro caso de
condenação com base na lei Anticorrupção: a empresa a THN Fabricação de Auto Peças Brasil S.A terá de
pagar R$ 552 mil por ter oferecido vantagem indevida a um servidor da Receita Federal. Além da multa, a
empresa terá de publicar a decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação4.
Não há mais, portanto, plano estratégico da companhia sem espaço para o compliance.
2 COMO SER ESTRATÉGICO
2.1 Considerações Iniciais
O entendimento da necessidade de uma cultura de compliance e o desejo de torná-la uma prática, deve
começar pela alta administração. Não há forma de disseminar uma cultura que não esteja verdadeiramente no
DNA da companhia. Tanto assim, que o Decreto nº 8.420/2015, ao regulamentar a Lei nº 12.846/2013, define
que um programa de compliance válido para fins de redução da sanção, deve contar “com o comprometimento
da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao
programa”5.
Mas esse patrocínio da alta administração não pode ser mera “fachada”. Deve ser um patrocínio real e
eficaz, no sentido de empoderar o tema, da alta administração se fazer presente na disseminação desta cultura
e na cobrança do engajamento de todos os níveis hierárquicos. A alta administração precisa estar convencida
de que compliance não é um centro de custos, mas sim de oportunidades. Esse trabalho de convencimento da
alta administração cabe ao Compliance Officer.
É importante, por exemplo, que representantes da alta administração participem fazendo a abertura de
treinamentos, deixando sua mensagem de comprometimento com o tema, a sua relevância para a companhia e
como os colaboradores serão avaliados pelo seu efetivo aculturamento.
Já quanto ao programa de compliance como um todo, há que se ter em mente que não existe receita de
bolo para desenhá-lo e implementá-lo. Cada empresa tem um perfil próprio de negócios, de riscos, de
colaboradores e de apetite a riscos, de modo que o programa tem que ser feito sob medida para cada organização.
O que funciona para uma determinada empresa ou nicho de mercado pode não funcionar para outra. O que é
risco para indústria farmacêutica, não é, necessariamente, para indústria de tecnologia, por exemplo. O perfil
dos colaboradores de uma empresa de vendas e de uma empresa de manufatura são distintos. Seria eficaz,
portanto, se utilizássemos as mesmas formas de comunicação em ambas as empresas? A resposta certamente
é não.
Dessa forma, a elaboração do Código de Ética e as políticas internas, espinha dorsal do programa de
compliance, têm que ser em total consonância com o negócio e perfil da empresa e colaboradores, sob pena de
virar letra morta. É aqui que o profissional de compliance precisa transitar muito bem por todos os níveis da
organização para entendê-la, adaptando sua comunicação aos diversos públicos, de modo a garantir sua eficácia
e gerar empatia. Há que se lembrar, sempre, que uma comunicação aberta é a melhor forma de aumentar a
colaboração.
3 Profissional com a missão de garantir que todos os procedimentos realizados pelos funcionários estão de acordo com os regulamentos
internos e com as leis externas à empresa. Geralmente, quem ocupa essa posição responde ao CEO da companhia ou ao conselho
administrativo. (ABDALLAH, Ariane. Conheça o chief compliance officer. Época Negócios, São Paulo, 18 set. 2015. Disponível
em: . Acesso em: 26 out. 2018).
4 PÁDUA, Luciano; PIMENTA, Guilherme. Receita Federal condena primeira empresa com base na Lei Anticorrupção. Jota, São
Paulo, 15 out. 2018. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.
5 BRASIL. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, Art. 42, I. Diário Oficial da União, Brasília, 19 mar. 2015.
51
Imperioso ressaltar, contudo, que um programa de compliance eficaz é, e tem que ser, dinâmico. O
foco tem que estar em questões reais e que, por serem reais, vão variar no tempo. Estamos falando, na mais das
vezes, de comportamento. E comportamento não é algo estático.
O Compliance permeia toda a organização. Não há como ser uma empresa “meio compliance”, assim
como nada, absolutamente nada, que possa afetar a imagem e reputação da empresa, tanto interna quanto
externamente, pode ser relegado a segundo plano pela área de Compliance.
Compliance é o guardião da integridade da companhia, sofra ela risco de um arranhão ou risco de ser
dizimada.
2.2 Conhecer o negócio e firmar parcerias
O primeiro passo para ser um Compliance estratégico, é conhecer o negócio com profundidade. Quais
os fatores de risco? Quais as fortalezas? Qual o histórico da empresa? Qual seu planejamento de curto à longo
prazo?
E como fazer isso? Só há uma forma.
O Compliance Officer tem que se fazer presente em todos os setores e times da empresa. Eleger as
prioridades, e pedir, sim, que atenda reuniões de planejamento, ainda que meramente como ouvinte. Aqui faço
um parêntese para falar que em todas as reuniões – todas, sem exceção - que me propus a atender como ouvinte,
me tornei ativa participante, pois sempre há um viés de Compliance. Surgem aspectos que não teriam sido
levados à apreciação de Compliance, e por uma única razão: pelo fato de que o foco da discussão era outro.
E é aqui que quero chamar a atenção para mais um ponto vital para o sucesso do compliance:
proatividade. Identificar potenciais riscos e antecipar alternativas de solução. E acreditem, se não sempre, na
maioria das vezes, há uma forma de viabilizar as ambições do negócio mitigando riscos.
O bom Compliance Officer tem que ser criativo, saber trazer alternativas de negócio que não coloquem
em risco a imagem e reputação da empresa. Aqui é o momento em que passa a ser visto como parceiro de
negócios. E aí o céu é o limite! Aí sim, vencida essa etapa, o Compliance entra na pauta de prioridades da
companhia para o seu sucesso empresarial, passa a ser “core business”6.
Mas, apenas para relembrar, visto que nunca é demais insistir nesse ponto, não há como propor
alternativas de negócio, quando não se conhece com profundidade como ele funciona.
2.3 Identificar e Mitigar Riscos
Conhecer como uma operação funciona, passa, inexoravelmente, por conhecer quais os riscos ali
envolvidos. Compliance e gestão de riscos são interconectados.
Todo negócio possui riscos, sem nenhuma exceção. E risco só deve ser visto como algo negativo
quando não foi previsto. Por isso é que nenhum risco pode ser ignorado. Se identificado ou reportado, deve ser
avaliado. Risco bem avaliado e trabalhado, pode se transformar em oportunidade.
A correta e oportuna avaliação de riscos, tanto internos quanto externos, com viabilização de ações
mitigadoras tempestivas, é garantia de longevidade das operações. E aqui falamos de todo e qualquer risco:
financeiros; operacionais; regulatórios; fraude; suborno; concorrencial; fornecedores, parceiros e
intermediários; política de informação; trabalhistas; fiscal; ambiental; proteção dos ativos da companhia;
conflito de interesses e etc.
Importante destacar que uma efetiva análise de risco não foca apenas riscos internos, mas avalia
potenciais riscos pelas atividades de mercado que a empresa está inserida, experiência e precedentes de
concorrentes.Desafios adicionais para o compliance de uma empresa são parceiros de negócios, fornecedores e
distribuidores7.
6 Core business significa núcleo do negócio. É um termo da língua inglesa. Core business significa a parte principal de um
determinado negócio, é o ponto forte de uma empresa que deve ser trabalhado estrategicamente. Disponível em:
. Acesso em: 26 out. 2018.
7 Decreto nº 8.420/2015, artigo 42, III.
COMPLIANCE: essência e efetividade
52
Essa gestão de terceiros e parceiros envolve um detalhado processo de due diligence antes de qualquer
contratação; inclusão de cláusulas contratuais de compliance, ciência do Código de Conduta da empresa
contratante; monitoramento constante e auditoria periódica das atividades.
Uma vez identificados os riscos, o compliance atuará por meio de treinamentos (inclusive de terceiros,
se for o caso); correção de processos internos; elaboração de novas políticas; adoção de medidas punitivas, se
cabível.
Definitivamente, não há como se cogitar um programa de compliance eficaz, sem gestão de risco
eficiente. Estamos falando de um dos pilares estruturais do compliance.
Parece óbvio. Contudo, o número de empresas que adotam esta prática ainda é exageradamente baixo.
De acordo com uma pesquisa realizada pela realizada pela Marsh Risk Consulting, apenas 36,2% de
empresas brasileiras declararam utilizar práticas de gestão de risco. Dentre essas, 46% alegaram falta de
conhecimentos sobre a importância do assunto e 14% apontaram que a alta gestão da companhia não apoiava a
implementação dessa prática nos negócios8.
2.4 Comitê de Compliance e Embaixadores
O Compliance Officer é um agente promotor da integridade na organização, o principal gestor do
compliance, mas claro que zelar pela cultura de compliance não pode ser confiado apenas a ele. O envolvimento
de todos os colaboradores na defesa da reputação da empresa é fundamental para gerar uma verdadeira cultura
de integridade.
Importante, pois, que o Compliance Officer eleja parceiros que possam lhe auxiliar diretamente em
sua missão.
Oportuna, para dizer o mínimo, é a formação de um Comitê de Compliance, com representantes das
áreas mais sensíveis da empresa. Esse Comitê deve se reunir periodicamente, para monitorar a evolução dos
riscos e dos planos de mitigação. Deve haver indicadores efetivos de evolução das ações mitigadoras, com
prazo definidos para conclusão, assim como a definição clara dos responsáveis pela sua implementação.
Pode-se, ainda, eleger embaixadores do compliance, pessoas certas para disseminação de boas práticas.
2.5 Treinamentos e Comunicação
Deve haver comunicação e treinamentos periódicos sobre as normas e procedimento da empresa, com
exemplos reais e de fácil compreensão. Tais treinamentos devem ser mandatórios e, caso a empresa conte com
níveis hierárquicos de perfis muito variados, aconselhável que os colaboradores sejam divididos em turmas e
seja adaptado o conteúdo do treinamento e forma de comunicação para cada público. Quanto à periodicidade,
novamente não há uma regra única, mas meu entendimento se faz no sentido de, pelo menos, um treinamento
por ocasião da integração de novos colaboradores e um treinamento anual mais extenso, preferencialmente,
presencial. Claro que essa não é a única forma de comunicação. Comunicados periódicos abordando temas
específicos são uma ferramenta muito utilizada, podendo ser explorados diferentes meios possíveis, bem como
formas criativas e divertidas, como vídeos, desenho animado e etc.
Ainda sobre comunicação, deve haver um sistema, incluindo mecanismos que permitam anonimato e
confidencialidade, para recebimento de denúncias e relatos, por colaboradores ou não. Nesse particular, devem
ser definidos diversos meios de “canal de denúncias”: email; hotline; caixas lacradas estrategicamente
colocadas para colaboradores sem acesso a computadores e outros. O importante é que sejam de fácil acesso e
amplamente divulgados interna e externamente.
De acordo com a décima edição do Report of the Nations 2018, relatório divulgado recentemente pela
maior organização antifraude do mundo, a Association of Certified Fraud Examiners (ACFE)9, quarenta por
cento das 2.690 fraudes ocorridas em 125 países, entre 2016 e 2017, foram detectadas por meio de canais de
denúncias.
8 CASAGRANDE, Diego. Apenas 36% das empresas adotam prática de gestão de riscos. Opinião livre, 7 maio 2018. Acesso em:
26 out. 2018.
9 CANAL de denúncias: 73,5% dos relatos ocorrem no horário de trabalho. E-Commerce News, 18 jul. 2018. Disponível em:
. Acesso em: 26 out. 2018.
53
Uma outra medida de comunicação efetiva é a declaração pública de compromisso com a integridade,
inclusive por meio de suporte a instituições que promovam a ética e o combate à corrupção, é uma forma de
reforçar a credibilidade da empresa perante o mercado e à Administração Pública.
Por fim, pode se buscar o reconhecimento público do comprometimento na implementação de medidas
voltadas para a prevenção, detecção e remediação de atos de corrupção e fraude, por meio do programa
“Empresa Pró-Ética” criado pela Controladoria Geral da União10.
2.6 Alianças
Um grande aliado do compliance é o “contencioso”. Uma análise de causa e efeito dos principais
litígios da companhia; recorrência dos incidentes; impactos financeiros; jurisprudência; fatores que dificultaram
a defesa da empresa, por exemplo, permitirá desenvolver ações mitigadoras. Poderão ser desenvolvidos
treinamentos para áreas ou temas específicos; políticas de retenção de informações e documentos; estudar
medidas coletivas via associações de classe e etc.
E essa sinergia é uma via de duas mãos, não estamos falando apenas da coleta de dados de interesse
do compliance, mas também na prevenção de novos litígios e redução de passivo e aumento das chances de
êxito da empresa para aqueles que não possam evitados.
Como se sabe, cada dia mais o contexto fático de boas práticas empresariais e compromissos com a
ética impactam na solução satisfatória dos litígios administrativos e judiciais.
Outro importante aliado de compliance é a auditoria interna – ambos, aliás, pilares da governança
corporativa.
Enquanto compliance atua mais na estruturação de políticas e procedimentos, divulgação, treinamento
e gestão de riscos, de forma contínua. A auditoria interna, por meio de verificações pontuais e por amostragem,
avalia se a desconformidade relatada foi corrigida, aponta novos riscos identificados.
A auditoria interna poderá avaliar os trabalhos e as evidências colhidas pelo compliance. Já o
compliance avaliará o relatório de auditoria para gerir novos riscos.
2.7 Medidas Disciplinares
Em termos de penalidades, independentemente da que for cabível a cada caso concreto, deve haver
uma reação implacável e consistente para violações comprovadas, sob pena de perda de credibilidade do
programa.
A aplicação de medidas disciplinares, ao certo, deve ser precedida de uma cuidadosa investigação,
preservando, sempre, os colaboradores do processo.
É salutar, ainda, reconhecer a boa conduta de “denunciantes” e demais pessoas que auxiliaram na
identificação e apuração do desvio de conduta, pois estimular as boas práticas é tão importante quanto punir as
más.
Com isso fecha-se o ciclo de vida e estruturação do programa de compliance: prevenir, detectar e
remediar.
3 BENEFÍCIOS DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE ESTRATÉGICO
O primeiro propósito de um programa de compliance efetivo e estratégico é evitar acontecimentos
ílicitos aconteçam.
Ao serem evitados desvios de condutas, fraudes e demais infrações legais, estar-se-á reduzindo custos
e risco de multas que podem atingir um patamar exorbitante, além de outras sanções restritivas. Conformeé possível.
* Advogado e Presidente Nacional da OAB.
SUMÁRIO
A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA BRASILEIRA NO COMBATE À CORRUPÇÃO E NA PROMOÇÃO
DA CULTURA DA ÉTICA ..................................................................................................................................................... 1
Claudio Lamachia
AS MEDIDAS PREVENTIVAS IMPLEMENTADAS PELA CGU NO COMBATE À CORRUPÇÃO ............. 7
Wagner de Campos Rosário
COMPLIANCE: efetividade e combate à corrupção ......................................................................................... 15
Carolina Petrarca
A RELAÇÃO ENTRE SEGURANÇA JURÍDICA E COMPLIANCE PARA A RETOMADA DO
CRESCIMENTO ECONÔMICO ........................................................................................................................................ 23
Grace Mendonça
A HISTÓRIA DA CORRUPÇÃO: um breve apanhado sobre as origens desse mal que aflige o país ... 29
Felipe França
ORIGEM, IMPORTÂNCIA E EFETIVIDADE DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE ................................ 37
Karlis M. Novickis
COMPLIANCE ESTRATÉGICO: da teoria à prática ............................................................................................. 49
Márcia Muniz
CULTURA, COMUNICAÇÃO E TREINAMENTO: o desafio do Compliance de pessoas para
pessoas ................................................................................................................................................................................... 57
Roberta Codignoto / Giovana Martinez Valeriano
COMPLIANCE NO PROCESSO SELETIVO ................................................................................................................. 65
Renato de Almeida dos Santos
MÉTRICAS COMO MEDIDA DA EFETIVIDADE DO COMPLIANCE ............................................................... 73
José Leonélio de Souza
GESTÃO DE INDICADORES: vinculação do compliance à estratégia empresarial .......................... 81
Fábia Daniela Cunha
ANTITRUSTE E ANTICORRUPÇÃO: como incentivar a adoção de programas de compliance
por empresas privadas? ................................................................................................................................................ 89
Fabíola Cammarota / Isabella Urnikes
LEI ANTICORRUPÇÃO, LENIÊNCIA E COMPLIANCE: avanços e desafios ............................................. 101
Beto Vasconcelos / Marina Lacerda e Silva
UM JOGO PELA ÉTICA: como a paixão pelo esporte pode ser um grande aliado do
Compliance ........................................................................................................................................................................ 111
Roberto Armelin
PROGRAMA DE COMPLIANCE NAS EMPRESAS ESTATAIS .......................................................................... 117
Carlos Odon Lopes da Rocha
INTEGRIDADE PÚBLICA............................................................................................................................................... 127
Izabela Frota Melo
COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO COMO ELEMENTO DE DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO ........................................................................................................................................................................ 135
Leandro de Matos Coutinho
A ATUAÇÃO DO ADVOGADO BRASILEIRO NA PRÁTICA DE COMPLIANCE: algumas ideias
para a sua valorização ................................................................................................................................................. 143
André Castro Carvalho
COMPLIANCE E A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO ADVOGADO ............................................................ 149
Bruno Pires Bandarovsky
AUTORREGULAÇÃO E COMPLIANCE: o papel das entidades de classe ............................................... 159
Rodrigo Carril
O FENÔMENO DAS FINTECHS E SEU IMPACTO NAS ATIVIDADES DE COMPLIANCE: o
nascimento de uma nova geração de Compliance Officers ...................................................................... 167
Ana Paula Candeloro
CIÊNCIA DOS DADOS E ANALYTICS COMO RECURSO ESTRATÉGICO PARA PREVENÇÃO DE
RISCOS CORPORATIVOS .............................................................................................................................................. 175
Felipe Dal Belo
CANAIS DE DENÚNCIA E SUA EFICÁCIA ............................................................................................................... 181
Rodrigo de Pinho Bertoccelli
TENDÊNCIAS E DESAFIOS DE COMPLIANCE E ANTICORRUPÇÃO NA AMÉRICA LATINA ............ 189
Claudia Paluszkiewicz
CORRUPÇÃO E COMPLIANCE: um exame da questão à luz das relações entre direito, ética
e moral ................................................................................................................................................................................. 195
Ana Frazão
O (DES)COMPASSO ENTRE A CULTURA CORPORATIVA E OS CÓDIGOS DE CONDUTA ............... 203
Carla Valente Vieira
IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE ........................................................................... 209
Fernanda Nunes Coelho Lana e Souza
FUNÇÕES E FINALIDADES DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE .............................................................. 215
Ricardo Villas Bôas Cueva
1
A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA BRASILEIRA NO COMBATE À CORRUPÇÃO E NA
PROMOÇÃO DA CULTURA DA ÉTICA
Claudio Lamachia*
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A corrupção e seus danos tangíveis e intangíveis. 3 A importância do compliance
e o papel da advocacia. 4 A atuação da Ordem dos Advogados do Brasil. 5 Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
A corrupção é um problema histórico no Brasil. Trata-se de uma verdadeira chaga que desafia
sucessivas gerações. Com efeito, como analisa a professora da Universidade Federal de Minas Gerais Adriana
Romeiro, a malversação dos recursos públicos está enraizada na sociedade pátria desde o Período Colonial1.
Ao longo de séculos, a prática é reiteradamente reproduzida, a despeito da renovação das lideranças
políticas, as quais, com o transcurso dos anos e as mudanças de regimes governamentais, passaram a provir de
origens e grupos sociais muito diversos. Isso evidência que a corrupção é uma questão estrutural no País, na
medida em que não está associada a nenhum setor específico. Assim, independentemente de quem está no
governo, as condutas lesivas ao Erário continuam sendo retroalimentadas, conforme identifica o historiador
Sérgio Buarque de Holanda2, pela persistência de outro fenômeno deletério: o patrimonialismo, que se
materializa na indistinção entre as esferas pública e privada.
Por conseguinte, a superação desse problema envolve um amplo conjunto de ações, como a
promulgação de leis mais rígidas, o fortalecimento dos órgãos de fiscalização e o aperfeiçoamento das
instituições nacionais, por exemplo. Não obstante, em razão da profundidade com que esse fenômeno se insere
no âmbito da sociedade brasileira, o combate efetivo à corrupção relaciona-se intimamente com a necessidade
de mudanças comportamentais e culturais de ampla magnitude.
Nesse cenário, as práticas de compliance cumprem função extremamente valiosa, constituindo um
aliado inestimável para todos os que pugnam pela conformação de uma sociedade mais idônea e justa. Afinal,
por meio dos programas de integridade, são instituídos mecanismos permanentes de promoção da cultura da
ética, tanto nas empresas privadas quanto nas instituições públicas. Em consequência, esses programas
oferecem contribuição fundamental para a batalha contra a corrupção no Brasil.
2 A CORRUPÇÃO E SEUS DANOS TANGÍVEIS E INTANGÍVEIS
A corrupção é um dosjá
citado anteriormente, possibilitar-se-á, também, a diminuição de litígios e passivos da companhia.
A existência de um programa de compliance é, ainda, fator atenuante a ser levado em consideração
quando da aplicação de sanções às empresas, conforme previsto no Decreto nº 8.420/201511. Mas, frise-se, deve
ser um programa de compliance comprovadamente efetivo.
10 CGU. Empresa Pró-Ética 2018-2019. CGU, Brasília, 2018. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.
11 BRASIL, Dec. 8.420/2015, Art. 5°, § 4° e Art. 17, V.
COMPLIANCE: essência e efetividade
54
Possuir um programa de compliance com eficaz gestão de riscos possibilita antever violações,
viabilizando, se for o caso, a celebração de acordos com as autoridades competentes. Além de ser uma atitude
de transparência, permite a redução de multas e não aplicação de determinados tipos de pena.
Nessa mesma linha, o programa de compliance eficaz traz proteção aos executivos, que podem ser,
nos termos da Lei nº 12.846/2013, responsabilizados pessoalmente por infrações ali previstas.
O tema compliance tem sido pauta das reuniões do Conselho de Administração, Comitê de Auditoria,
Conselho Fiscal e das Diretorias Executivas, e as expectativas e as cobranças dos shareholders e dos
stakeholders por uma governança corporativa mais clara e transparente tem sido extremamente requisitada.
Nesse cenário, o IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -, em 2015, promoveu o
lançamento da 5° Edição do seu Código de Melhores Práticas12, dando destaque aos Capítulos 4 e 5, que focam
no compliance: gerenciamento de riscos, controles internos e conformidade.
Há, por óbvio, o benefício da proteção da marca, imagem e reputação da empresa.
O mercado busca e valoriza a transparência, a ética e as boas práticas de conduta corporativa. Assim,
a implementação e manutenção de um programa de compliance efetivo passou, no mínimo, a ser vantagem
competitiva.
Segundo dados da consultoria americana Reputation Institute13, as organizações com reputações
sólidas têm maior probabilidade de resultados mais lucrativos e estáveis, além de facilidade para recrutar e reter
talentos. Portanto, as empresas que aproveitam o poder da reputação ganham vantagem competitiva.
Ainda segundo a referida consultoria, as 10 empresas com melhor reputação superaram
significativamente o Standard & Poor's 50014 desde 2006. Um aumento de um ponto no índice geral de
reputação se traduz em um aumento no valor do preço da ação.
Outro projeto conduzido na Universidade de Kansas (EUA), sugeriu que o “capital reputacional” pode
envolver retornos ainda maiores. Um grupo de professores estudou a correlação entre valor de mercado, book
value, rentabilidade e reputação de todas as empresas listadas na revista “Fortune – As mais admiradas
empresas”, pesquisadas entre 1983 e 1997. A conclusão foi que cada mudança de apenas um ponto em
reputação estaria associada a uma média de US$ 500 milhões em valor de mercado15.
Um estudo denominado “Investor Opinion Survey on Corporate Governance”16 realizado pela
consultoria McKinsey & Co entrevistou 90 investidores estrangeiros com o objetivo de determinar a
importância atribuída por eles à Governança Corporativa. Claramente, a grande maioria (cerca de 80%)
respondeu que estaria disposta a pagar mais por uma empresa que aplicasse as boas práticas.
Uma empresa com boas práticas é, assim, muito mais atraente aos olhos do investidor, que enxergam
mais facilmente o retorno sobre o investimento. Portanto, as ações da empresa são mais valorizadas.
Tais empresas têm, ainda, melhor imagem da companhia perante consumidores e parceiros de
negócios. Conveniente lembrar que, da mesma forma que devemos analisar as práticas de compliance de nossos
fornecedores e terceiros, seremos, também, avaliados por nossos clientes e parceiros. Sem dúvida, nesse
momento um progrma de compliance eficaz fará a diferença.
Não menos importante, a transparência e a integridade impactam direta e positivamente o clima e a
cultura organizacional, refletindo positivamente na sua produtividade.
Aliás, a efetividade do programa de compliance tende a não ser apenas um diferencial competitivo,
chegando a ser um requisito para algumas contratações com setor público. O Rio de Janeiro17 e Distrito
Federal18 já possuem legislação prevendo a obrigatoriedade da implantação de programas de integridade em
empresas que contratem com a Administração Pública, a partir de contratações acima de um determinado valor.
12 Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.
13 REPUTATION INSTITUTE. Home page. 2018. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.
14 S&P 500 é abreviação de Standard & Poor's 500 e também conhecido por "o S&P" trata-se de um índice composto por quinhentos
ativos (ações) cotados nas bolsas de NYSE ou NASDAQ, qualificados devido ao seu tamanho de mercado, sua liquidez e sua
representação de grupo industrial. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2016.
15 CANDELORO, Ana Paula P. Compliance: Inovação estratégica para a sustentabilidade das organizações. Revista Relações com
Investidores, Rio de Janeiro, n. 187, out. 2014. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2016.
16 MC KINSEY & COMPANY. Investor opinion survey. june 2000. Disponível em: . Acesso em: 26 out.
2016.
17 RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
18 out. 2017.
18 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 6.112, de 2 de fevereiro de 2018. Diário Oficial do Distrito Federal, n. 26, 6 fev. 2018. Disponível
em: . Acesso em: 26 out. 2018.
55
A comprovação da efetividade acima citada tem sido exigida, ainda, para obtenção de financiamentos
públicos.
Finalmente, o benefício da longevidade. Há casos, e não são poucos, de empresas que não conseguiram
sobreviver à crise gerada por escândalos de compliance. A título de exemplo, podemos citar o caso Artur
Andersen19, que, no início dos anos 2000, era um das Big Five20. A empresa não sobreviveu ao escândalo
financeiro da distribuidora de energia Enron, da qual era auditora e foi acusada de fraude contábil. A própria
Enron, que superou em 2000 a marca US$ 100 bilhões em receita, atigindo a sétima posição do ranking das 500
(quinhentas) maiores empresas do mundo elaborada pela revista Fortune, faliu, no ano seguinte, como
decorrência do escândalo em referência.
5 CONCLUSÃO
Não restam dúvidas, diante de todo exposto, que o programa de compliance estratégico é benéfico, e
somente benéfico, às empresas, passando do patamar de desejável à essencial, quando se trata de viabilizar
resultados positivos e consistentes ao longo do tempo.
Não basta um olhar para produtividade e lucratividade. A ética é que forma o tripé de sustentação.
Hoje a rentabilidade que não esteja amparada por boas práticas empresariais, não se sustentará no tempo.
Compliance tem que ser pauta das empresas de todos os tamanhos que buscam longevidade com segurança.
Aliás, quanto menor a empresa, menos chances ela tem de superar uma crise reputacional e penalidades daí
advindas.
Há, entretanto, um longo caminho a percorrer até que haja uma conscientização coletiva das empresas
brasileiras acerca do papel estratégico do compliance.
.
.
19 12 empresas famosas que faliram ou falharam ‘com estrondo’. Dinheiro Vivo, 8 nov. 2018. Disponível em:
. Acesso em: 26 out. 2018.
20 “No contexto atual mundial, há quatro grandes empresas de auditoria conhecidas como BIG FOUR, que dominam o setor:
PriceWaterhouseCoopers, Ernest & Young, Deloitte Touche Tohmatsu e KPMG. Essegrupo era conhecido até 2002 como BIG FIVE,
no qual se incluía a empresa Arthur Andersen, que foi desintegrada do grupo por motivos antiéticos”. ACHECO, Marcela Soares;
OLIVEIRA, Denis Renato de; GAMBA, Fabrício La. A história da auditoria e suas novas tendências: um enfoque sobre governança
corporativa. In: SEMEAD Seminários em Administração, 10., 2007, São Paulo. Anais... São Paulo: FEA-USP, 2007. Acesso em: 26
out. 2018.
57
CULTURA, COMUNICAÇÃO E TREINAMENTO: o desafio do Compliance de pessoas
para pessoas
Roberta Codignoto*
Giovana Martinez Valeriano*
RESUMO: Organizações são formadas de pessoas que, sem sombra de dúvidas, são provenientes de diferentes
patamares educacionais e culturais. Assim sendo, independentemente do tamanho de uma organização, seja ela
uma multinacional ou uma PME, sem que haja um bom plano de comunicação, capaz de transmitir a mensagem,
e um programa de treinamento que seja efetivo, não se consegue que o Compliance seja feito de pessoas para
pessoas e, desta forma, transformar e fazer parte da cultura corporativa.
Palavras-chave: Compliance. Comunicação. Treinamento. Cultura corporativa. Efetividade.
1 INTRODUÇÃO
“E se criarmos as políticas e treinarmos as pessoas, então estaremos blindados?”, questão formulada
por um diretor de empresa durante uma palestra sobre o programa de Compliance. E a nossa resposta foi: “Não,
o Compliance não ‘blinda’ nem ‘imuniza’ pessoas ou organizações, ele dá as diretrizes e os mecanismos de
controle, afinal ele é feito para humanos e estes cometem falhas”.
Ao longo de muitos anos lidando com a comunicação e treinamento dos programas de Compliance
dentro de empresas, bem como atuando como voluntárias em iniciativas para a promoção da integridade nos
negócios, identificamos que o tema “Cultura, Comunicação e Treinamento” é fundamental para que um
programa seja criado, de fato, de pessoas para pessoas.
O programa de Compliance, após desenvolvido, precisa ser implantado para efetivamente sair do
papel. Parte fundamental do processo de implantação envolve a educação de Compliance, através de iniciativas
de comunicação e treinamento, de todos os stakeholders relacionados à pessoa jurídica1, incluindo seu capital
humano, fornecedores e prestadores de serviço.
Com relação à efetividade destes programas, Chen e Soltes (2018) descrevem as razões pelas quais
eles fracassam e como deveriam ser corrigidos, já que muitas empresas acreditam que reforçar seus programas
significa apenas contratar mais pessoas, adquirir mais tecnologia e criar mais políticas. No entanto, as empresas
não adotam mecanismos para apurar a qualidade e a efetividade dos treinamentos aplicados, de forma a
identificar se o conteúdo foi útil ou absorvido e colocado em prática.
Chen e Soltes (2018) citam como exemplo a investigação criminal envolvendo a empresa Morgan
Stanley, na qual o executivo envolvido nas práticas criminosas teria recebido sete sessões de treinamento de
Compliance e trinta e cinco avisos sobre proibição de suborno de agentes de governo, exatamente o crime em
que ele se envolveu.
Como forma de auxiliar as autoridades americanas na avaliação da efetividade dos programas de
Compliance, Chen e Soltes (2018) desenvolveram uma série de perguntas que ajudariam a mensurar se os tais
programas eram apenas de fachada ou se eram realmente efetivos. Uma das questões formuladas foi justamente
relacionada às pessoas, para averiguar de que forma as empresas elegiam quem deveria ser treinado e quais
deveriam ser os assuntos abordados.
Neste sentido, para que se possa ter um critério embasado e que garanta a efetividade do programa,
Bandarovsky (2018) ressalta que as definições das pessoas e temas a serem priorizados nas iniciativas de
comunicação e treinamento decorrerão do processo de mapeamento de risco, que é um dos passos iniciais na
* Advogada. Diretora do Instituto Compliance Brasil. Especialista em Compliance pelo Insper e em Negociação pela Harvard Law
School.
* Advogada. Diretora Global de Compliance na empresa Embraer S.A. Com MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo, Curso de Compliance Corporativo Global pela Fordham University Law School e certificação em
Compliance Internacional (CCEP-I).
1 Para a finalidade deste artigo, a expressão “pessoa jurídica” está colocada de forma ampla, abrangendo qualquer tipo de empresa,
tamanho, quantidade de pessoas ou ramo de negócios.
COMPLIANCE: essência e efetividade
58
elaboração do programa, uma vez que cada organização, seja ela uma grande rede de supermercados ou mesmo
um pequeno escritório de contabilidade, terá riscos próprios inerentes à sua atividade, regulação legal, local em
que está inserida, parceiros de negócio, etc. e, principalmente, das pessoas que compõem o seu quadro
organizacional.
Bandarovsky (2018) afirma ainda que o processo destinado a identificar os riscos de Compliance aos
quais a empresa está exposta, envolve avaliar quais são os fatores de risco existentes, qual o impacto potencial
na organização e a probabilidade de materialização, quais são as medidas mitigatórias já implantadas, quais
devem ser aprimoradas ou adicionadas (bem como quais devem ser suprimidas), qual o plano de implantação
dos ajustes às medidas mitigatórias e como este plano será monitorado pela Unidade de Compliance
Dentre os fatores de risco avaliados, certamente o fator humano é o elo mais fraco da cadeia. Não
estamos com isto querendo dizer que as pessoas são ruins ou desonestas. Apenas constatando que o ser humano
não é 100% previsível ou passível de ser “formatado”.
Isso ocorre porque a fraude é produto de uma combinação complexa de condições e motivações, algumas
das quais só podem ser desafiadas por máquinas e processos. O fator mais crítico na decisão de cometer
uma fraude em última análise, um comportamento humano – e isso cria a melhor oportunidade de
combatê-lo. (PRICEWATERHOUSECOOPERS BRASIL LTDA., 2018, p. 30)
Reforçando este entendimento, Cressey (1973) analisa que o comportamento do fraudador, baseado
na teoria chamada Triângulo da Fraude, estaria demonstrado de forma triangular, no que ele denominou
Racionalização, ou seja, a percepção moral do indivíduo sobre o que é certo e errado; Oportunidade, que é a
percepção sobre a vulnerabilidade do que se pretende fraudar; e Pressão, a necessidade que o indivíduo tem
para fraudar.
Portanto, na perspectiva de implantação do programa de Compliance, o fator humano não pode ser
considerado isoladamente. O comportamento do indivíduo deve ser avaliado através de uma perspectiva mais
ampla, que leva em consideração não só a pessoa, mas também a cultura do meio e as características
organizacionais da corporação.
O fator cultural tem significativa contribuição para a forma como o profissional lida com as questões
de seu dia a dia. Crescer ou viver em uma região em que há maior tolerância para pequenos atos de fraude ou
corrupção, pode ser um indicativo de como o indivíduo tende a reagir diante de uma situação de escolha entre
o “processo normal” ou o “mais rápido e conveniente”, por exemplo.
De acordo com a PRICEWATERHOUSECOOPERS BRASIL LTDA. (2018), no Brasil os agentes
internos são os principais autores das fraudes mais graves, sendo que 26% das fraudes internas relatadas foram
cometidas por estes agentes.
Além disto, a região onde a pessoa jurídica faz negócios, justamente em razão do fator cultural,
influenciará também os riscos aos quais ela está sujeita, não só pelas suas pessoas, mas também pelo
comportamento do “microssistema” ao seu entorno.
A PRICEWATERHOUSECOOPERS BRASIL LTDA. (2018) afirma que 63% dos autores de fraudes
eram agentes externos, pessoas com as quais os negócios são celebrados (terceiros, agentes, fornecedores,
prestadores de serviço, etc.),sendo este um dos maiores pontos cegos das organizações no processo de combate
às fraudes.
No entanto, é importante salientar que a cultura não é apenas relevante no tocante ao indivíduo e seu
entorno. Compreender a cultura “interna” ou “organizacional” da empresa, conforme Antonik (2016) também
é de suma importância no momento de confecção do mapa de riscos, bem como na definição do plano de
comunicação e treinamento.
Antonik (2016) afirma que o assunto cultura organizacional refere-se a todos os tipos de entidades
públicas, privadas e mistas. O termo é recente, tendo aparecido em artigos e livros acadêmicos apenas no final
dos anos de 1980. Uma empresa é um organismo composto de meios humanos, materiais e financeiros que
visam a qualquer fim econômico, sejam eles a produção, a venda ou a distribuição de bens e/ou serviços.
Mas no que consiste este plano? Como ele é desenvolvido?
Como mencionamos anteriormente, os critérios que direcionarão como a empresa irá comunicar
seu programa e treinar seu capital humano devem ser extraídos do mapeamento de riscos, avaliando -se
também a cultura interna da organização. Através da análise dos riscos reais ou potenciais, o profissional
59
poderá definir o melhor formato, a abrangência e a periodicidade dos treinamentos e comunicação, como
veremos no item 2 a seguir.
2 COMUNICAÇÃO
Para que se possa cobrar determinada conduta de pessoas que trabalham em sua organização, é preciso
orientá-las sobre o que deve ser seguido. Não é presumível que uma pessoa que não recebeu a informação
adequada sobre as diretrizes da corporação e de sua atuação, possa ser cobrada futuramente por não ter atendido
a determinada conduta. É equivocado presumir que algumas condutas deveriam ser sabidas por todos, como
um senso comum, pois não há padrão de bom senso entre seres humanos, exatamente pelas razões que já
expusemos anteriormente. Tampouco é possível fazer o controle de condutas supostamente baseadas em senso
comum. Portanto, o que não é comunicado formalmente não pode ser efetivamente exigido.
O plano de comunicação deve abordar desde o comprometimento dos donos, líderes e representantes
da organização para se desenvolver a cultura de “tone at the top”2, passando pela publicidade que se dará ao
Código de Ética ou de Conduta e demais políticas integrantes do programa, bem como identificando os meios
onde tais informações poderão ser encontradas.
O Código de Ética pode ser definido como:
O código de ética de uma organização é um conjunto de políticas, diretrizes e procedimentos ou práticas,
conforme a organização, abrangendo os campos mais vulneráveis, geralmente consolidado em um
manual de forma clara e objetiva, com divulgação adequada entre os stakeholders. (NEGRÃO;
PONTELO, 2014, p. 73)
E será que esta comunicação tem que ser complexa e com alto investimento? Não necessariamente.
Quando mencionamos pessoa jurídica ou organização, estamos nos referindo a qualquer perfil de empresa, uma
vez que o programa de Compliance pode ser implantado por qualquer tamanho e tipo de organização.
Atualmente existe um movimento de democratização do programa de Compliance nas PMEs3, as quais
cada vez mais estão se valendo de recursos colaborativos de comunicação disponíveis na Internet, com baixo
custo ou até mesmo gratuitos, tais como webinars, vídeos e podcasts, aplicativos4, testes, e-books, artigos, entre
outros, em busca da disseminação da prática de ética e integridade em seus ambientes de negócio.
Por fim, é necessário mencionar que, de nada vale um intenso esforço de comunicação, se os donos e
líderes da empresa não agirem de forma coerente com os valores destacados no programa de Compliance. A alta
direção deve introduzir no cotidiano corporativo uma série de ações elementares e exemplares, capazes de romper
paradigmas e alinhar o discurso à efetiva ação. Independente da intensidade da comunicação, se não existir conduta
“walk the talk”5 por parte da liderança, o programa de Compliance certamente não sairá do papel.
3 TREINAMENTOS
O treinamento é um aliado fundamental da comunicação durante o processo de educação em
Compliance. Políticas e códigos de condutas raramente são suficientes em si mesmos. É importante que as
empresas invistam tempo e recursos humanos e financeiros na condução de treinamentos de qualidade, que
impliquem em conteúdo útil e adequado ao público alvo.
2“Tone at the top”, expressão do idioma inglês que significa “o tom da alta direção”, muito difundido nos programas de Compliance
para mencionar o compromisso e o exemplo que devem estar no topo das empresas, nas suas lideranças.
3 Conforme a Lei Complementar n.º 123/2006, PME é a abreviação para Pequena e Média Empresa. De acordo com a Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas), os pequenos negócios são divididos
da seguinte maneira: Microempreendedor Individual - Faturamento anual até R$ 81 mil; Microempresa - Faturamento anual até R$
360 mil; Empresa de Pequeno Porte - Faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões; Pequeno Produtor Rural - Propriedade
com até 4 módulos fiscais ou faturamento anual de até R$ 4,8 milhões. (BRASIL. Lei Complementar n.º 123, de 14 de dezembro de
2006. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez. 2006, republicado em 6 mar. 2012. Disponível em: . Acesso
em: 27 out. 2018).
4 Um exemplo de aplicativo é o The Integrity App, disponível em desenvolvido pela iniciativa internacional
Alliance for Integrity, que tem por objetivo ajudar as PME’s com um mecanismo de autoavaliação para que identifiquem como estão
com relação a práticas de integridade e Compliance.
5 “Walk the talk”, expressão do idioma inglês cuja tradução literal é “caminhar de acordo com o que se fala”, significando o exemplo
nas ações e a prática de acordo com o que se prega.
COMPLIANCE: essência e efetividade
60
Mas qual é a melhor forma de treinar? Qual conteúdo devo abordar? Qual público devo priorizar?
Como saber se o treinamento está sendo efetivo?
Existem muitas dúvidas acerca do tema. No mundo ideal, deveria ser possível treinar presencialmente
todos os envolvidos com a atividade da organização, incluindo os terceiros, fornecedores e demais stakeholders
que de alguma forma interagem neste microssistema. No entanto, além de questões de orçamento e de operação
da empresa (não se pode parar todas as áreas da empresa para dar treinamento), deve-se priorizar quem receberá
a formação de acordo com a maior exposição aos riscos avaliados ao longo da implantação e manutenção do
programa de Compliance. Como exemplo, uma empresa que participa de processos de licitação com órgãos
públicos, deve priorizar as áreas de maior risco, tais como áreas de vendas, contratos, regulatória, pagamentos
ou quaisquer outras áreas que tenham interação com os contratos administrativos.
Além do mapeamento de riscos corporativo, as empresas podem também adotar o índice de percepção
da corrupção, conforme a Transparency International (2018), para definir a periodicidade e profundidade de
seus treinamentos. Organizações com negócios em vários países, devem sempre considerar as regiões que estão
mais propensas à corrupção como forma de priorizar o público alvo, definir o conteúdo e aumentar a
periodicidade.
Uma vez definidas quais serão as prioridades de treinamento, deve-se então pensar no melhor formato
e na frequência das sessões. Com relação ao formato, os treinamentos podem ser presenciais, online, workshops,
entre outros, não existindo “fórmula mágica” ou “receita de bolo”. Deve-se sempre buscar o método mais
efetivo considerando o público alvo que será treinado, visto que as sessões devem servir ao propósito de educar,
preparar e inspirar aqueles que estão recebendo o conteúdo, e não ser meramenteum “compartilhamento de
informação”.
Em relação à periodicidade, também não existe regra específica. Para os públicos internos das
empresas, recomendam-se sessões de treinamentos presenciais no momento de lançamento e revisão do
programa de Compliance, assim como das principais políticas a ele relacionado.
Levando-se em conta que as empresas costumam apresentar rotatividade no quadro de pessoas e, por
esta razão, novos funcionários são contratados após o lançamento do programa de Compliance ou das sessões
de treinamento de reforço, é importante definir o prazo em que os novos contratados receberão os principais
treinamentos, para que assim não estejam despreparados em relação às diretrizes adotadas pela organização e,
desta forma, suscetíveis aos riscos inerentes ao negócio.
As sessões de reforço de conteúdo, online ou presenciais, podem ocorrer anualmente ou em menor
escala, a depender do resultado apurado no mapeamento de risco.
Apesar de atualmente existirem excelentes ferramentas online, o treinamento presencial é sempre mais
rico para captar percepções e questionamentos dos funcionários, terceiros e demais envolvidos, ainda mais para
um programa que seja desenvolvido de pessoas para pessoas. Perguntas e comentários feitos durante as sessões
são muito relevantes para compreensão de situações de riscos eventualmente não mapeados e podem ajudar na
melhoria contínua do programa. Ainda que se tenham um número elevado de stakeholders6, através de uma
equipe de multiplicadores, é possível levar o treinamento presencial ao alcance de todos.
Importante aqui salientar que o Compliance deve se valer do auxílio da área de recursos humanos, que
será fundamental para a estruturação de treinamentos mais efetivos. As ferramentas de aprendizagem e
desenvolvimento utilizadas pelos profissionais de gestão de pessoas podem ser um grande diferencial para
garantir que o treinamento não seja inócuo, como no exemplo mencionado envolvendo a empresa Morgan
Stanley.
Uma sugestão de ferramenta para treinamentos eficazes e de fácil absorção pelo público, conforme
NALDONY (2015), é o método 70:20:10, relacionado com a Andragogia (educação de adultos), voltado para
a aprendizagem e desenvolvimento nas organizações. Segundo este método, 70% das pessoas aprendem e se
desenvolvem por meio da experiência, 20% aprendem e se desenvolvem por meio de outras pessoas e 10%
aprendem e se desenvolvem por meio de cursos estruturados e programas. Portanto, através desta metodologia,
é possível que o Compliance Officer defina um modelo de treinamento que mescle conceitos e abordagem
prática, estimulando a interação e o compartilhamento de dúvidas e explorando exemplos e simulações de como
o indivíduo pode agir em situações do dia a dia da organização.
6 “Stakeholders”, expressão do idioma inglês, utilizada para designar os indivíduos ou grupos afetados pela empresa.
61
Baseado nas diversas pesquisas e dados obtidos e que mostraram que profissionais bem sucedidos e
eficazes aprenderam 70% de suas lições realizando trabalho duro, 20% com outras pessoas
(principalmente de seus superiores) e 10% em cursos e palestras, Morgan McCall e seus colegas
desenvolveram o modelo 70:20:10. O método foi desenvolvido no Centro para Liderança Criativa (Center
for Creative Leadership), na Carolina do Norte (NADOLNY, 2015).
Tão importante quanto treinar é documentar e armazenar adequadamente as evidências de entrega das
sessões de treinamento, tais como lista de presença, agenda, convite do evento, registro de gastos, entre outros.
Do ponto de vista de auditoria e fiscalização, treinamento não registrado equivale a treinamento não dado, e a
efetividade do programa fica ameaçada.
Ao final do treinamento, recomenda-se fazer pesquisas de percepção e avaliação. Um breve
questionário para verificar a retenção do conhecimento pode ser um instrumento poderoso na medição da
qualidade do treinamento, além de também ajudar na demonstração de efetividade da capacitação e do programa
de Compliance como um todo.
Somente se basear nas taxas de conclusão do treinamento, verificando quantos funcionários
participaram das sessões, pode não ser considerado um bom parâmetro para medição de efetividade. Ao
contrário, questionar a percepção dos funcionários sobre o conteúdo abordado, a pertinência com a cultura da
empresa, a duração da sessão (se suficiente para cobrir todo o conteúdo ou não) e aplicação prática do que foi
ministrado, pode ser um mecanismo muito efetivo para melhorar a absorção das sessões.
4 CULTURA
Programa implantado, comunicado e treinado. E depois?
Se os valores e princípios do Programa de Compliance não se tornarem parte da rotina da empresa e
não estiverem sendo frequentemente discutido, vivido, revisado e aprimorado, o Compliance não será suficiente
para mudar a cultura organizacional. E tal constatação é facilmente demonstrada pela grande quantidade de
empresas que foram investigadas e punidas nos últimos anos, mesmo possuindo programas até então
considerados “robustos”, porém incapazes de transformar a conduta e impedir o descumprimento da lei e das
políticas internas.
Por isso, os líderes devem provocar em seus liderados discussões sobre os tópicos do Código de
Ética/Conduta, bem como sobre os temas abordados nos treinamentos, como forma de manter vivo o processo
de aprendizagem e de convencimento contínuo. Devem também trazer à tona situações práticas, principalmente
aquelas mapeadas como “situações de risco”. Desta forma, os funcionários poderão refletir sobre qual a melhor
conduta a ser tomada e quais orientações do Compliance deveriam ser adotadas.
Estas discussões podem surgir em reuniões periódicas, eventos corporativos, ou até mesmo em
comunicados internos. Novamente, o apoio da área de recursos humanos7 pode ser um grande diferencial para
que o processo de “aculturamento” do Compliance seja bem-sucedido.
O programa deve ser conhecido e vivido por qualquer integrante da pessoa jurídica, sendo amplamente
divulgado e de fácil disponibilidade para consultas dos funcionários da empresa. Aliás, qualquer integrante da
organização, ao ser consultado, deve conhecer as regras de conduta daquela empresa.
Neste sentido, as pesquisas de clima organizacional podem servir como um termômetro para avaliar
como as questões de ética e conduta são percebidas pelos funcionários, se os gestores estão agindo de acordo
com o programa, se incentivam a discussão dos temas relacionados à integridade e se seguem as políticas da
corporação. Portanto, quando a avaliação é positiva com relação à prática do programa de Compliance pela
empresa, tem-se um bom sinal de que o mesmo está de fato incorporado à cultura organizacional.
O clima organizacional é considerado o principal indicador do grau de satisfação dos membros de
uma empresa, levando em consideração os aspectos relevantes da cultura organizacional ou de sua
realidade aparente, como por exemplo, o modelo de gestão, a política de recursos humanos, a
comunicação, dentre outros fatores. No geral, o clima organizacional se refere à forma como o
7 Importante reforçar que a área de recursos humanos não deve substituir o papel do líder na condução das discussões sobre o programa
de Compliance, sendo um equívoco que muitas empresas praticam, uma vez que o RH deve cuidar das pessoas. No entanto, esta área
deve auxiliar e jamais suprir a atuação da liderança da organização, uma vez que esta última deve atuar pelo exemplo.
COMPLIANCE: essência e efetividade
62
ambiente de trabalho e percebido pelos funcionários e integrantes da companhia, envolvendo uma
visão mais ampla e flexível de sua influência sobre a motivação e sobre o desempenho das pessoas
em suas atividades (BEZERRA, 2015).
Um programa que não é capazde mudar a forma como um funcionário agiria diante de uma situação
de risco, não protegerá a empresa, não sendo, portanto, efetivo nos termos do que dispõe a Lei Anticorrupção
(n.º 12.846/13), servindo apenas como atenuante na dosimetria das eventuais penalidades.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Somente a educação efetiva, em seu sentido mais amplo, será capaz de fazer com que os indivíduos
aprendam de fato e coloquem em prática ações fomentadoras de um ambiente de negócios mais saudável e
sustentável do ponto de vista ético.
O programa de Compliance que efetivamente produz resultado é aquele que consegue impactar e
influenciar positivamente a cultura e os valores das pessoas, integrantes daquela organização ou de qualquer
forma a ela relacionada.
Este é, de fato, o Compliance que deixa legado. E legados, infelizmente, não se constroem apenas
através de treinamento e de comunicação. Quando tratamos de mudança de cultura e quebra de paradigma, de
um programa que seja feito de pessoas para pessoas, é necessário que as corporações e seus líderes exerçam
papéis de educadores sociais, estimulando a conduta ética e íntegra dentro e fora dos muros da empresa.
REFERÊNCIAS
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2018.
ANTONIK, Luis Roberto. Compliance, Ética, Responsabilidade Social e Empresarial: uma visão prática.
Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.
BANDAROVSKY, Bruno Pires. Compliance Risk Assessment em 8 Passos. São Paulo: Legal Ethics
Compliance. 27 p. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.
BEZERRA, Filipe. Pesquisa de Clima Organizacional (Guia Geral). Portal Administração: tudo sobre
administração, [S. I.], 31 dez. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2018.
BRASIL. Lei Complementar n.º 123, de 14 de dezembro de 2006. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez.
2006, republicado em 6 mar. 2012. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2018.
CHEN, Hui; SOLTES, Eugene. Por que os programas de Compliance fracassam e como corrigi-los. Harvard
Business Review Brasil, São Paulo, 10 maio 2018. Disponível em: . Acesso em: 26
out. 2018.
CRESSEY, Donald Ray. Other People’s Money. Montclair: Patterson Smith, 1973.
NALDONY, Ione. 70-20-10 um modelo para o desenvolvimento de competências. Autogestão: Soluções
Integradas em Treinamento e Desenvolvimento, 14 set. 2015. Disponível em: . Acesso
em: 30 out. 2018.
NEGRÃO, Celia Regina P. Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, Controles Internos e Riscos:
a importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac - DF, 2014.
63
PRICEWATERHOUSECOOPERS BRASIL LTDA. Tirando a fraude das sombras: pesquisa global sobre
fraudes e crimes econômicos 2018. São Paulo: PwC, 2018. 40 p. Disponível em: .
Acesso em: 27 out. 2018.
TRANSPARENCY INTERNATIONAL (org.). Índice de percepção da corrupção 2017. São Paulo:
Transparência Internacional, 2018. Disponível em: . Acesso em: 19 maio 2017.
65
COMPLIANCE NO PROCESSO SELETIVO*
Renato de Almeida dos Santos**
RESUMO: A corrupção é um fenômeno de natureza sistêmica, pode ser abordado de muitas formas e, entre
estas, na óptica da literatura sobre compliance, entendida como a reflexão sobre as causas e a mitigação da
fraude, bem como a promoção de ambientes éticos. Na base do compliance está a integridade do indivíduo
quando exposto aos dilemas éticos. O objetivo deste artigo é apresentar uma ferramenta que busca acessar a
resiliência dos profissionais (atuais e candidatos) e stakeholders das organizações quando confrontados em
dilemas éticos que possam se deparar em suas atividades laborais. Foram utilizadas as estratégias metodológicas
de Validação de Conteúdo por meio da técnica Alpha de Cronbach e os resultados apontam que o instrumento
possui validade de conteúdo e de aparência para avaliar o PIR (Potencial de Integridade Resiliente), tendo em
vista que os índices de fidedignidade e concordância nas três dimensões de avaliação em compliance:
“Corrupção”, “Apropriação Indevida” e “Demonstrações Fraudulentas” alcançaram valores acima do padrão
estabelecido pela literatura.
Palavras-chave: Compliance. Corrupção. Teste de Integridade. Ferramentas de Integridade.
1 INTRODUÇÃO
A adequação dos comportamentos éticos dos profissionais nas organizações por meio da compreensão,
identificação, mitigação, análise das consequências e prevenção das atitudes inadequadas é uma tarefa difícil,
e ainda assim, necessária. Este artigo propõe-se apresentar a importância de aplicação de ferramentas no
processo seletivo que tenha por objetivo acessar a resiliência de integridade de profissionais e stakeholders das
organizações quando confrontados em dilemas éticos que por vezes ocorram ou possam se deparar em suas
atividades laborais. Uma vez identificada divergência entre a integridade individual apresentada e a esperada
pela organização, a ferramenta possibilita o desenvolvimento para diminuição do gap apresentado por meio de
programa de treinamento interativo, discutindo e analisando casos profissionais mais próximos da realidade do
profissional, possibilitando a sua vivência de forma prática e direta, tendo como construto teórico a ética
inteligente (LIPOVETSKY, 2005).
Por esse prisma, discutir “integridade” considerando-a como a intensidade de manifestação de
comportamentos dignos e honestos (ONES; VISWESVARAN, 1998), isto é, o quanto o indivíduo compreende
o contexto e pauta suas atitudes na perspectiva moral, é compreender a conduta de acordo com a regra
(compliance) ou a fraudulenta, sendo influenciada pelas circunstâncias. Tomando-a pela epistemologia
complexa, considerando-se que nela cabe a incerteza e contradições internas, não há expectativas quanto a um
código binário bem/mal, justo/injusto, mas antes, considera-se
[...] somente a moral que contempla o conflito ou a incompatibilidade das suas exigências, ou seja, uma
moral inacabada, frágil como o ser humano, problemática, em combate, em movimento como o próprio
ser humano (MORIN, 2003, p. 59).
Mesmo considerando a fraude como um fenômeno complexo, o que obriga o trabalho de abster-se da
pretensão de dirimir todas as suas causas por ser dinâmica não linear, característica que lhe concede habilidade
de mudança a cada momento que é observado, ainda assim,
[...] toda dinâmica é dinâmica porque não se repete, mas em toda dinâmica que não se repete há
componentes repetitivos. A ciência tenta penetrar no fenômeno por essa porta, o que, por vezes, não lhe
permite passar do umbral. (DEMO, 2002, p. 27).
* Revisão de literatura publicada nos anais do XXXVIII Encontro da ANPAD, nos dias 13 a 17 de setembro de 2014, na cidade do
Rio de Janeiro/RJ.
** Mestre e Doutor em Administração pela PUC/SP, Sócio-diretor da S2 Consultoria, Co-fundador do Instituto de Pesquisa do Risco
Comportamental (IPRC).
COMPLIANCE: essência e efetividade
66
A ferramenta a qual este trabalho relata, visa adentrar por uma dessas “portas” na tentativa de adotar
um modelo de aproximação de padrões simplificados da dinâmica da fraude e assédio (OTERO, 2000),
possibilitando assim a sua melhor compreensão e, por conseguinte, desenvolver a integridade nas organizações.
O conceito de fraude se deve à inserção do tema em distintos campos disciplinares, o que confere ao
fenômeno significados variados, ainda que seja imprescindível a junção do direito, da ciência social e da
administração (no mínimo) para a correção das distorções nas instituições nas quais há fraude (SPECK, 2000).
O campo de análise da fraude é vasto, ainda marcado por problemas conceituais. Não obstante, as
organizaçõesestão expostas ao problema, precisam identificá-lo, controlá-lo e preveni-lo. Joseph T. Wells,
então presidente da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), uma das principais e maiores
organizações de estudos de fraude no mundo, apresenta a seguinte definição de fraude:
tudo que a engenhosidade humana pode conceber e é utilizado por um indivíduo para ter vantagem
sobre outro por meio de sugestões falsas ou omissão da verdade. Isto inclui surpresa, engano, esperteza
ou dissimulação e quaisquer outros meios injustos por intermédio dos quais outra pessoa é enganada
(WELLS, 2002, p. 2.201).
Nota-se que não há diferenciação entre os agentes e o ato em si, em outras palavras, a definição se
preocupa em destacar os elementos que compõem a fraude e não quem pode ser o autor dela.
Posteriormente, Wells (2002) apresenta três categorias de fraudes, sendo: “Apropriação indébita”,
“Corrupção” e “Demonstrações fraudulentas”, a classificação das fraudes são apresentadas na The Fraud Tree
desenvolvida e publicada pela Association of Certified Fraud Examiners (ACFE, 2018).
2 MÉTODO
2.1 Instrumento
Apesar de ter ciência de que um fenômeno complexo não se desnuda apenas com modelos, é razoável
que se cerque de cuidados para saber tratá-lo melhor, desde que o faça com uso adequado, crítico e autocrítico.
Isso porque toda dinâmica é passível de decodificação quando suas regularidades são analisadas, mesmo sob
limitações. Também, ao adotar modelos, é possível fazer o esforço bem-intencionado e aberto à crítica de tentar
fazer a “realidade falar” (DEMO, 2002).
Todavia adverte Morin (2004) que age com arrogância aquele que qualifica como “desonesto” os que
contradizem seus conceitos morais, como se fossem capazes de “entrar na consciência” do outro. De certo,
esses que assim agem, brincam de semideuses e, em uma tentativa inócua e desprovida de qualquer senso de
justiça, rotulam pessoas como se estivessem em condições de ser juízes da moral universal. Por outro lado, e
diante do exposto, percebe-se a necessidade das organizações buscarem meios para analisarem não apenas a
capacidade técnica e intelectual dos seus funcionários, candidatos e stakeholders, mas também a capacidade de
discernimento, e mais, a capacidade de resistência a pressões situacionais quando diante de dilemas éticos que
podem sofrer ao longo de suas atividades laborais (CGU, 2009).
Ones, Viswesvaran e Schmidt (1993) realizaram um estudo de meta análise em que revisaram as
evidências de validade de testes de integridade aplicados nos Estados Unidos em cerca de 500.000 participantes.
Os resultados revelaram um coeficiente médio de 0,22, o que confirma a importância da avaliação do fator
integridade nas organizações. Tal coeficiente equivale, inclusive, aos encontrados para o valor preditivo dos
traços de personalidade (BAUMGARTL et al., 2009).
Assim, a proposta apresentada nesse artigo é, por meio de estudo de caso, discutir e testar a eficácia
da ferramenta tecnológica denominada PIR – Potencial de Integridade Resiliente que, se propõe, compreender
a potencialidade de resiliência de profissionais quando se deparam com dilemas éticos no exercício de suas
atividades profissionais em suas organizações.
Com isso, o artigo discute soluções de desenvolvimento dessa resiliência, contribuindo com a mudança
na forma de tratativa da dimensão humana do risco organizacional, não mais apenas em um modelo reativo,
mas em um modelo de prevenção e promoção, baseado nas potencialidades e recursos que o ser humano tem
em si mesmo e no contexto a que se encontra, no caso em tela: as organizações.
Resiliência têm origem do latim resilio significando retornar a um estado anterior, utilizada Física,
para definir a capacidade de um corpo físico voltar ao seu estado normal, depois de haver sofrido uma pressão
67
sobre si. Nas Ciências Sociais, esse conceito tem sido utilizado para descrever a capacidade de um indivíduo
ou grupo de indivíduos, mesmo num ambiente desfavorável, de se construir ou se reconstruir positivamente
frente às adversidades.
Rutter (1991, p. 10) entende por resiliência:
Como uma resposta global em que estão em jogo os mecanismos de proteção, entendendo por estes não
a valência contrária aos fatores de risco, mas aquela dinâmica que permite ao indivíduo sair fortalecido
da adversidade, em cada situação específica, respeitando as características pessoais.
Como supra citado, resiliência não é a invulnerabilidade ao sistema a que está inserido (WALLER,
2001), mas é a relação em que o indivíduo tem com o risco a que está vulnerável (INFANTE, 2005), bem como
seu desenvolvimento quando é confrontado com a adversidade, a partir da relação indivíduo - contexto
(WALLER, 2001). Resiliência no contexto das organizações
[...] refere-se à existência - ou à construção - de recursos adaptativos, de forma a preservar a
relação saudável entre o ser humano e seu trabalho em um ambiente em transformação, permeado
por inúmeras formas de rupturas. (BARLACH; LIMONGI-FRANÇA; MALVEZZI, 2008, p. 8).
O recorte teórico adotado neste estudo pressupõe que resiliência pode ser definida como a construção
de soluções diante das adversidades presentes nas condições de trabalho e dos negócios da sociedade atual, da
qual resulta um duplo efeito: a resposta ao problema em questão e a renovação da integridade ética do indivíduo.
2.2 Amostra
Um instrumento pode ser considerado válido quando sua construção e aplicabilidade permitem a fiel
mensuração daquilo que se pretende mensurar (MARTINS, 2006). A metodologia utilizada é exploratória
(COLLIS; HUSSEY, 2005), utilizando análise estatística social e descritiva (BABBIE, 2003) de dados
secundários cedidos formalmente pela S2 Consultoria, empresa especializada em gestão de compliance e
prevenção de fraudes e perdas. Na análise, será resguardada a confidencialidade da identidade dos participantes
e de suas respectivas organizações.
O banco de dados utilizado no presente trabalho é resultado da ferramenta de gestão PIR – Potencial
de Integridade Resiliente descrito em epígrafe. Este processo foi aplicado para candidatos e funcionários que
ocupam posições sensíveis em suas organizações, sensibilidade essa que pode estar atrelada à vulnerabilidade
das atividades que seu cargo propicia ao lidar com informações confidenciais, bens, dinheiro, negociações,
entre outras. A participação no processo é de caráter voluntário, tendo a opção de não responder alguma questão
ou interromper o processo a qualquer momento, sendo que a ciência e anuência a estes termos são formalmente
registradas por meio de sua assinatura eletrônica antes do início do processo.
A pesquisa analisada trata de amostra não probabilística por conveniência, realizada durante os meses de
janeiro a dezembro de 2017, com 2.435 profissionais de 24 empresas privadas situadas no Brasil. Dos dados
demográficos respondidos, 63,5% eram homens e 36,5% eram mulheres e a idade variou entre 18 e 60 anos, sendo
52% menores de 34 anos e 48% acima. Com relação à escolaridade, 2,6% possuíam até o ensino fundamental
completo, 32,4% até ensino médio completo e 65% já haviam, pelo menos, iniciado o ensino superior.
2.3 Procedimentos de coleta de dados
A coleta de dados para a compreensão da potencialidade de resiliência à manter a integridade do
indivíduo se deu por meio de seis instrumentos, objetivando triangulação dos dados mitigando assim a
subjetividade de análise (MARTINS, 2006), conforme segue: (a) aplicação de questionários, (b) análise de
expressões faciais, (c) pesquisa documental, (d) entrevista estruturada, (e) jogos de negócios e (f) vídeo-aulas.
Antes do início da coleta de dados, o futuro participante recebeu um e-mail convidando-o a participar
do processo e, antes de iniciar assistiu um vídeo explicitando os objetivos do processo, facilitando assim sua
recepção e aumentandosua disposição para responder o questionário que se seguiu (GOUVEIA; GÜNTHER,
1995). Nessa comunicação também foi apresentado ao participante seu direito em não responder qualquer
questão que porventura pudesse se sentir ofendido ao responde-la, reforçando ainda que poderia interromper
em definitivo o processo no ponto que julgar pertinente, sem precisar justificar seus motivos.
COMPLIANCE: essência e efetividade
68
(a) Aplicação de questionários ou survey, termo inglês geralmente traduzido como levantamento de
dados, como “método para coletar informação de pessoas acerca de suas ideias, sentimentos, planos, crenças,
bem como origem social, educacional e financeira” (FINK; KOSECOFF, 1985, p. 13) promove a reflexão de
temas éticos, tanto por questões opinativas quanto pelo posicionamento frente a dilemas éticos em que o
participante se deparou ou pode se deparar em suas atividades profissionais, compreendendo assim seus valores
e conceitos gerais e específicos sobre o que considera ser a conduta mais adequada quando em situações
profissionais no contexto organizacional. O desenvolvimento do questionário se deu com perguntas abertas e
fechadas, possibilitando assim maior amplitude no entendimento da opinião do respondente (GÜNTHER;
LOPES, 1990; SCHUMAN; PRESSER, 1981). Foi realizado um pré-teste para assegurar que cada pergunta
deve ser específica, breve, clara, além de escrita em vocabulário apropriado (FOWLER, 1998) para os três
diferentes públicos que o questionário foi adaptado: Estratégico, Tático e Operacional.
A presente ferramenta pretende aferir as atitudes e opiniões dos respondentes tanto pela vertente
cognitiva, a qual objetiva compreender o grau de conhecimento que o participante tem daquele assunto, como
também pela vertente comportamental, tratando de ações passadas e/ou futuras diante de temas relevantes para
as atividades laborais (ZDEP et al., 1989).
(b) A análise das expressões faciais é uma forma, dentre outras, que a neurociência desenvolveu para
se observar o comportamento, pois constitui um objeto de estudo legítimo em uma pesquisa empírica rigorosa,
pois se baseia na medição de 44 movimentos musculares independentes capazes de codificar os sinais faciais
das emoções (EKMAN, 1969).
(c) A pesquisa documental refere-se à análise de documentos originados de órgãos e instituições ou
pelo próprio participante e são importantes para complementar as informações obtidas por outras técnicas, seja
através da confirmação de um fato ou do acréscimo de um dado novo para a pesquisa. Esse tipo de pesquisa foi
utilizado para analisar informações dos entrevistados, como o histórico profissional (GIL, 1991).
(d) Numa afirmação clássica, Bingham e Moore (1934) definem entrevista como “conversa com um
objetivo”, consistindo em uma conversação com perguntas específicas, com o objetivo de esclarecer a conduta
ou premissas do entrevistado, o que é feito com perguntas abertas que proporcionam mais liberdade para o
informante. A sua importância está em descobrir os fatores que influenciam ou que determinam opiniões,
sentimentos e condutas; em um esforço de comparação da conduta de uma pessoa no presente e no passado
para tentar predizer o futuro (ANDRADE, 2003).
(e) Os jogos de negócios serão aplicados como ferramental para desenvolvimento e aperfeiçoamento
comportamental dos participantes quando simular situações e processos do cotidiano das organizações em
enfrentamento de dilemas éticos. Essa ferramenta se mostra eficaz na absorção de conteúdos passados e na
análise aprofundada dos resultados de suas escolhas (SOUZA; LOPES, 2004).
(f) Por fim, mas não menos importante a plataforma disponibilizou vídeos com conteúdos focados nas
temáticas de fraude e assédio desenvolvidos e/ou apresentados por especialistas, com o foco específico de
desenvolver a compreensão e, por sua vez, a mudança de comportamento e percepção nos temas, sempre com
a abordagem de “integridade inteligente”, apresentando as vantagens e ganhos na adoção de uma conduta
adequada naquele contexto em específico (SUDMAN, 1982). Dessa forma, a organização tratou o risco
operacional em uma nova abordagem epistemológica – do desenvolvimento humano, enfatizando o potencial
humano por meio da resiliência, considerando aspectos específicos da cultura e da responsabilidade coletiva.
2.4 Procedimentos de análise de dados
O presente estudo, de caráter metodológico, analisou o potencial de resiliência em contexto
organizacional com intuito de mensurar o quanto o indivíduo consegue se recuperar em meio às adversidades
e provações em que pode ser exposto nas organizações quando se deparar em dilemas éticos. Com isto, se avalia
a rapidez com que a pessoa se recupera de uma possível tentação em cometer uma fraude ou assédio, caso essa
situação seja relevante para ela a ponto de tornar-se um dilema. Quanto mais rápida é a recuperação, mais
resiliente a pessoa é para manter sua integridade.
Os indicadores analisados têm por objetivo compreender a visão do indivíduo frente a hipóteses de
conflitos éticos e seu nível de resiliência a estes dilemas que poderão estar expostos no ambiente organizacional.
Para este trabalho foram analisados os indicadores das três formas de ocorrência de fraude, conforme a
classificação da “The Fraud Tree” (WELLS, 2002), sendo que cada indicador resulta de oito questões realizadas
69
por meio de questionários e entrevistas individuais, em ambiente organizacional, seguindo uma escala do tipo
Likert entre 1 – baixa e 10 – alto potencial de resiliência de integridade.
Considerando que os dilemas éticos diferem conforme o nível hierárquico, tanto por sua complexidade
como também pela sua linguagem, a título de exemplificação, a Tabela 1 apresenta alguns cargos e funções
classificadas por nível hierárquico.
Tabela 1: Exemplificação de Cargos e Funções por Nível Hierárquico
Fonte: Banco de Dados PIR 2017. S2 Consultoria (2018).
Para a exposição dos dilemas profissionais, os temas foram divididos nos subtemas constantes na
Tabela 2, considerando a relevância destes por nível hierárquico.
Tabela 2: Divisão de Temas por Subtemas
Fonte: Banco de Dados PIR 2017. S2 Consultoria (2018).
Assim, na lógica da aplicação, o cálculo do tema e de seus subtemas foi baseado na média ponderada
dos subtemas pelos pesos, para a hierarquia do questionário em análise, sendo:
• Qh é o questionário em aplicação, pertencente a uma hierarquia h;
• h definido em {estratégico, operacional, táctico} a princípio;
• Ni a nota recebida na pergunta de índice i, sendo;
• i pertencente a um conjunto Is subordinado a um subtema s, onde;
• s pertence a um conjunto St, subordinado a um tema t, de um conjunto de T temas; e
sendo que:
• Psh o peso de um subtema s tem dentro da hierarquia h, sendo que a nota Final fica
expressa conforme demonstrada na figura 1:
Figura 1: Lógica de Cálculo do Potencial de Integridade Resiliente
Fonte: Banco de Dados PIR 2017. S2 Consultoria (2018).
NÍVEL HIERÁRQUICO CARGO/ FUNÇÃO
Estratégico Conselho, Sócio, C-level, Diretoria, Gestão Executiva
Tático Gestão Operacional, Especialistas, Coordenação
Operacional Estagiários, Técnicos, Executores, Analistas, Assistentes
TEMA SUBTEMA
Conflito de Interesse
Suborno
Brindes e Presentes
Desvio
Pagamentos Indevidos
Manipulação de Despesas
Vazamento de Informações
Manipulação de Resultados
Manipulação de Inventário
CORRUPÇÃO
APROPRIAÇÃO
INDEVIDA
DEMONSTRAÇÕES
FRAUDULENTAS
COMPLIANCE: essência e efetividade
70
3 RESULTADOS
O cálculo da precisão do instrumento PIR foi realizado por meio do coeficiente alpha de Cronbach,
método que estima a confiabilidade por meio da medição de sua consistência interna (CRONBACH, 1951),
onde o valor máximo é 1 e seu valor mínimo é 0, sendo que, pela literatura consagrada, um questionário pode
ser considerado com confiabilidadeaceitável se o valor de alfa for maior que 0,7. No entanto, não é desejável
que o valor de alfa seja muito alto (como 0,95 ou mais), pois isso pode estar indicando redundância das questões.
Conforme é possível notar na Tabela 3, todos os temas testados na ferramenta PIR alcançam
coeficiente alpha de Cronbach satisfatórios e não redundantes nos três níveis hierárquicos aplicados.
Tabela 3: Coeficiente alpha de Cronbach por Tema e Nível Hierárquico
Fonte: Banco de Dados PIR 2017. S2 Consultoria (2018).
4 DISCUSSÃO
Este estudo metodológico que teve como objetivo descrever os critérios de construção, validação de
conteúdo e aparência do instrumento Potencial de Integridade Resiliente (PIR). Foram utilizadas as estratégias
de Validação de Conteúdo por meio da técnica Alpha de Cronbach. Conclui-se que o instrumento possui
validade de conteúdo e de aparência para avaliar o PIR, tendo em vista que os índices de fidedignidade e
concordância nas três dimensões de avaliação em compliance: “Corrupção”, “Apropriação Indevida” e
“Demonstrações Fraudulentas” alcançaram valores acima do padrão estabelecido, ou seja, em média 82%.
5 CONCLUSÃO
Ferramentas de compliance contribuem para o enfrentamento da fraude. Daí a importância das
organizações investirem em um programa complexo de gestão da ética que possa compreender e mitigar ações
inadequadas.
Analisar a resiliência de integridade do indivíduo aponta que quanto maior a sua magnitude, menor a
manifestação de comportamentos contraprodutivos no ambiente de trabalho (ONES; VISWESVARAN, 1998;
ONES; VISWESVARAN; SCHMIDT, 2003).
A plataforma tecnológica aqui analisada, pretende agregar, de maneira pragmática e com rigor
científico devido, como mais uma ferramenta às organizações nessa tratativa tão relevante para elas e,
consequentemente, para a sociedade.
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2003.
TEMA NÍVEL HIERÁRQUICO ALPHA
Estratégico 0,80
Tático 0,75
Operacional 0,89
Estratégico 0,82
Tático 0,79
Operacional 0,89
Estratégico 0,84
Tático 0,82
Operacional 0,78
CORRUPÇÃO
APROPRIAÇÃO
INDEVIDA
DEMONSTRAÇÕES
FRAUDULENTAS
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73
MÉTRICAS COMO MEDIDA DA EFETIVIDADE DO COMPLIANCE
José Leonélio de Souza*
RESUMO: Empresas em toda parte do globo têm enfrentado um desafio constante para evidenciar a seu
conselho de administração e a reguladores qual a efetividade de seu programa de Compliance, sob o ponto de
vista de cobertura dos riscos regulatórios e reputacionais, bem como da adesão aos códigos de conduta internos.
Uma alternativa que tem se revelado muito produtiva para o estabelecimento dessa avaliação é o do
estabelecimento de métricas, indicadores que podem atingir níveis de sofisticação muito elevados, permitindo
alcançar uma percepção bastante robusta do alcance do programa. Ainda assim, comprometimento e adesão são
fatores decisivos para garantir sua efetividade.
Palavras-chave: Compliance, métricas, indicadores, efetividade.
1 INTRODUÇÃO
Muitas pesquisas mundo afora têm revelado o enorme desafio que as empresas enfrentam para
demonstrar aos seus próprios comitês internos qual o resultado da equação entre o volume de recursos
empregados ao longo do tempo e a efetividade do Compliance. Mais crítico ainda se torna o problema quando
se trata de demonstrar às autoridades a eficiência de seus programas. Sabemos todos que uma batalha constante
é a de incutir nosconselheiros e executivos das organizações a consciência de que o Compliance tem que ser
visto como investimento e não como custo. Se isto ainda é uma questão que se impõe nos Estados Unidos, onde
a exigência do Compliance para garantir o combate a atos de corrupção das empresas ocorre há décadas, tanto
mais nos países, dentre os quais nos incluímos, onde essa exigência é recente, por conta do cumprimento de
convenções internacionais.
No Brasil muitas empresas ainda discutem a conveniência de implementar uma estrutura de
Compliance e estão muito distantes da discussão de efetividade. Esta realidade, no entanto, tem que ser
considerada por todos e os quantos apenas agora iniciam ou estão por iniciar a estruturação do programa de
Compliance também devem ter em conta a construção de parâmetros de efetividade e estarão queimando etapas
em relação aos demais. É importante fazer ressalva às instituições financeiras, que desde a vigência da
Resolução 2554/98 do Banco Central, instituindo a obrigatoriedade de Controle Internos e da regulamentação
de PLD – Prevenção à Lavagem de Dinheiro com a Lei 9.613/98, entre outras, já vêm tratando do processo de
Compliance, alcançando amadurecimento ímpar, inclusive dentro de sua estrutura de governança, na relação
com seus comitês de Compliance. Mas, ainda assim, como veremos em estatísticas recentes, a questão da
efetividade vem à tona em processos chaves, a respeito dos quais, em geral pouco se tem evoluído.
2 EFETIVIDADE
Longe de colocar a todos em igual patamar de obscurantismo em relação à questão da efetividade, vale
a pena primeiro discutir aqui o que entendemos por efetividade, para então tratarmos de sua medição. Joe
Murphy, em artigo tratando dos custos de Compliance, enfatiza que não há desculpas para qualquer tipo de
negócio ignorar a lei e a conduta ética e que mesmo para pequenos e médios negócios o custo de Compliance
não é excessivo, desde que devidamente estruturado, ou seja, se quem o implementa sabe o que está fazendo.
Também destaca que os custos por violação da lei podem resultar até na quebra do negócio, na falta de um
programa ou se os sinais de alerta de problemas forem ignorados (MURPHY, Joseph – A compliance and Ethics
Program on a Dollar Day). O Compliance tem que ser capaz de produzir mudanças de comportamento quando
necessário, mas levar os representantes da empresa, funcionários ou terceiros a atuar de maneira condizente
com os códigos de conduta, ética e regulações, de forma a reduzir os riscos regulatórios e reputacionais da
empresa na condução dos seus negócios. Estará assim sendo efetivo.
* É Consultor Sênior de Risco Compliance na Refinitiv / Thomson Reuters. Certificado ACAMS – Association of Certified Anti-
Money Laundering Specialist. Professor credenciado dos cursos de Continuing Professional Development em Compliance Avançado,
Antisuborno & AntiCorrupção e Prevenção à Lavagem de Dinheiro Avançada, pelo CISI – Chartered Institute for Securities &
Investments. Especialista na Implantação e Gestão de Complince e PLD. MBA em Finanças pelo Ibemec.
COMPLIANCE: essência e efetividade
74
É fato que não podemos encarar esta postura como um ideal distante, mas um objetivo concreto a ser
constantemente perseguido pelas organizações. Para tanto, é imprescindível que o programa de Compliance
esteja integrado a todos os segmentos da organização, cobrindo suas estratégias e sendo considerado como um
componente intrínseco do negócio. Assim, não se trata apenas de implantar um programa, suportado por equipe
e recursos, mas cujo principal propósito seja o de demonstrar aos reguladores que ele existe. Neste ponto
resgato uma pesquisa citada por Willian Olsen em 2010, em seu livro “The Anti-Corruption Handbook”, na
qual inúmeros executivos seniores nos Estados Unidos foram indagados sobre como encaravam as suas próprias
estruturas de Compliance, sob o ponto de vista de proteger as empresas do risco de estarem envolvidas em
alguma situação de corrupção. Apenas 50% se mostraram confiantes e destes apenas 10% consideraram seus
programas como excelentes na prevenção de um risco regulatório ou reputacional. Estes resultados nos levam
a considerar que empresas detêm um programa e equipe de Compliance como item obrigatório em sua estrutura
organizacional, em razão das exigências regulatórias, mas trazem pouca efetividade na condução do negócio e
proteção aos riscos reputacionais presentes. Vamos ter oportunidade de discutir esta questão logo à frente.
3 NÚMEROS DO DOJ
A Lei americana contra a corrupção de funcionários e governos estrangeiros, o FCPA – Foreign
Corrupt Practice Act, promulgada em 1977, demorou por volta de 30 anos para ganhar efetividade, mas é sem
dúvida o grande paradigma das demais regulações anticorrupção no mundo, em sua grande maioria
promulgados após 2010.
Referida regulamentação embasa as ações do DOJ – Department of Justice - Departamento de Justiça
Americano e da SEC – Securities and Exchange Commission - Comissão de Valores Mobiliários Americana,
no sentido de investigar e punir empresas americanas ou estrangeiras com negócios em território americano, ou
com ações ali comercializadas, que pratiquem atos de corrupção junto a governos estrangeiros.
Ao longo dos últimos 11 anos em que as investigações fizeram parte das estatísticas do FCPA, 143
empresas, dos mais diversos países, fecharam acordos de leniência com as autoridades e concordaram em pagar
a quantia de 13,9 bilhões de dólares para encerrar as investigações (vide quadro a seguir). As multas decorrentes
de tais acordos estão associadas com a gravidade dos atos de corrupção e o nível de comprometimento ou não
das empresas com o combate a esses ilícitos. Em muitos desses casos, a empresa também se sujeita a um
processo de monitoria, sob a orientação do DOJ, para garantir que os procedimentos sejam ajustados ao que
requer a regulação no combate à corrupção.
Famoso comentário de Paul McNulty (ex-vice Procurador Geral dos Estados Unidos) é bastante
representantivo dos custos envolvidos nesses processos, e que não estão apenas representados pelas multas,
mas também pelas longas e onerosas investigações:
If you think compliance is expensive, try non-compliance. (McNULTY, Paul).
Se você pensa que o Compliance é dispendioso, tente não estar em compliance. (McNULTY, Paul,
tradução nossa).
Tabela 1: Valores pagos para resolver casos do FCPA
Fonte: www.fcpablog.com
75
4 A IMPORTÂNCIA DAS MÉTRICAS
Um questionamento recorrente feito pelo DOJ às empresas investigadas era quanto à efetividade de
seus programas de Compliance. De fato este, é um desafio constante para os oficiais de Compliance: como
consigo evidenciar que o programa de Compliance da organização tem efetividade e se justifica frente aos
custos envolvidos, ou mais ainda, como ser capaz de garantir a efetividade e ainda assim racionalizar os custos.
Trata-se de ser capaz de monitorar adequadamente o Programa de Compliance. É seguro que qualquer
avaliação passa antes por dispor de: a) consistente avaliação de riscos e planos de ação eficazes para mitigá-
los; b) dispor de claras políticas, procedimentos e código de conduta; c) treinamento e comunicação adequados
à realidade da empresa e seus funcionários e terceiros; d) canal de denúncias confiável e canal de
aconselhamento para sanar dúvidas; e) níveis de reporte ao comitê de Compliance e aos reguladores; f)
monitoramento eficaz e ininterrupto. Esse processo passa sem dúvida pela clara e consistente adesão da alta
administração ao programa e pela criação de uma cultura de Compliance robusta, com a promoção de uma
cultura organizacional que encoraje a conduta ética e o compromisso da conformidade com a lei.
A solução mais técnica para isso é a de aplicar métricas que avaliem todos os segmentos da estrutura
de Compliance esejam capazes de aferir não só efetividade, mas também as tendências que se revelam.
A KPMG fez pesquisa em 2017, com o propósito de identificar tendências e dificuldades de 6
indústrias, para ter como referência em seus estudos das métricas de Compliance (MATSUO, Amy and
GIRGENTI, Richard. The Compliance Journey). A entrevista foi conduzida junto aos CCOs – Chief
Compliance Officers (Oficial de Compliance Chefe):
Seis foram as indústrias cobertas pela pesquisa nos EUA:
• Mercado Consumidor
• Energia e Recursos Naturais
• Serviços Financeiros
• Cuidados com a Saúde e Ciências da Vida
• Manufaturas Industriais
• Tecnologia, Mídia e Telecomunicações
Vejamos alguns resultados importantes da pesquisa que acabam por reforçar a pesquisa de William
Olsen citada acima, sobre a efetividade do Compliance.
a. Comunicam aos empregados a importância do Compliance:
• 31% dos CCOs não sabem ou não comunicam sobre conduta e cultura
• 29% não mantêm documentação ou não sabem se têm os papéis descritivos das
funções de Compliance e responsabilidades para o staff.
b. Envolvimento da linha de negócios:
• 36% não sabem ou discordam de que a gerência de sua linha de negócios assume
a agenda e a cultura de Compliance
• 15% concordam totalmente
c. Desejo de incutir maior responsabilidade por Compliance
• Para 39% a aderência dos funcionários às políticas e procedimentos de
Compliance não é fator considerado nos ratings de performance ou nas decisões sobre
compensações financeiras e de premiação.
• Mas as ações disciplinares por falhas no Compliance são aplicadas
tempestivamente.
d. A avaliação regular do staff não é uma prática generalizada:
• Apenas 29% das organizações respondentes avaliam as habilidades de
Compliance de seu staff regularmente
e. Atualizar-se com a mudanças regulatórias:
• 31% dizem que não têm ou não sabem se têm processo para identificar tais
mudanças.
• Apenas 27% dos CCOs dispõem de processo para identificar e incorporar as
mudanças regulatórias a suas políticas internas
COMPLIANCE: essência e efetividade
76
f. Monitoramento de terceiros
• Apenas 31% é capaz de monitorar terceiros associando-os aos KRIs (Key Risk
Indicators) e KPIs (Key Performance Indicators) da empresa
g. Comunicação e treinamento
• O treinamento de terceiros precisa ser aprimorado, com muitas empresas sequer
dispondo de um treinamento formal anual de seus terceiros (prestadores de serviços,
representantes e fornecedores).
h. Preparo da Equipe de Compliance
• Os CCOs da maioria das organizações disse não fazer uma avaliação anual das
habilidades de Compliance para o seu pessoal de primeira e segunda linha. Além disso,
uma boa dos parte dos respondentes sequer definiu papéis de Compliance e
responsabilidades para a equipe de Compliance de primeira e segunda linha.
Estes resultados são bastante sugestivos do quanto muitas empresas se mantêm na superfície dos
problemas, resistindo em fazer as mais elementares análises do programa. A consequência imediata é a de que
se o responsável por Compliance não é capaz de fazer diagnósticos maduros, sua atividade é naturalmente
desacreditada pela administração e passa a ser vista como mera área de custos obrigatória para atender os
reguladores.
É por isso que quando se foca nas métricas o propósito é o de criar uma metodologia de avaliação que
seja capaz de percorrer todos os processos essenciais e contribuir com dados para um diagnóstico seguro e
continuado. Sob este enfoque, as métricas devem cobrir todas as linhas de defesa do Compliance e tem que ser
desenhadas para cobrir os requerimentos regulatórios, a avaliação de riscos feita pelo Compliance (foco
essencial no risco regulatório e risco reputacional), o ambiente interno da empresa (board, média gerência e
funcionários), os processos e produtos da empresa, cobertura de cada uma das demais dependências jurídicas
(foco nas regulamentações dos países onde esteja estabelecida a empresa), relação com clientes, relação com
demais terceiros e relação com as autoridades.
As métricas devem tornar fácil a medição das ações e metas do Compliance, permitindo ações
corretivas tempestivas, ao mesmo tempo em que pode ser capaz de apontar oportunidades e tendências que
precisam ser consideradas. Nesse sentido a própria KPMG em seu estudo sobre métricas (MATSUO, Amy and
others. In Pursuit of Compliance Metrics) procura sistematizar os tipos de métricas em a) diretas, b)
quantitativas, c) qualitativas, d) preditivas e) multi-relacionadas. Com certeza não se trata de um modelo
estanque, mas um indicador bastante interessante para se poder criar uma metodologia de análise capaz de
auxiliar no efetivo entendimento sobre a efetividade do Compliance, sem meias palavras. Nesse processo todos
os dados históricos coletados pela área de Compliance e associados a outros, como de recursos humanos, podem
permitir associar dados do passado, e definir tendências. É o caso típico da métrica preditiva. É um processo
que deve ser abrangente, cobrindo todas as jurisdições onde a empresa atue, as exigências dos reguladores
locais, alcançando as nuances culturais que devem dar o tom dos códigos de conduta específicos do país, em
conexão com os objetivos da empresa.
Por mais simples ou complexas que sejam as métricas, elas devem espelhar a realidade do programa
de Compliance inserido no contexto da empresa e no contexto regulatório. A correlação entre elas deve auxiliar
na percepção do que se deseja. Métricas compostas ajudam a tornar mais abrangentes as comparações. Por
exemplo, a frequência com que se utiliza o canal de denúncias para obtenção de aconselhamento, pode ser um
indicador forte de que o treinamento precise ser reforçado em alguns segmentos ou que a atuação da média
gerência na disseminação das políticas não está tão atuante quanto deveria. Semelhante processo de inter-
relação pode ser aplicado a inúmeras métricas, enriquecendo os prognósticos que cabe ao oficial de Compliance
fazer para ser de fato atuante. Treinamentos, investigações, reclamações de clientes, desrespeito ao código de
conduta, uso do canal de denúncias, problemas não alcançados pelo monitoramento, etc., são circunstâncias
que podem ser capturadas na correlação das informações obtidas com as métricas. Um refinamento bastante
relevante, inclusive, é o de se estabelecer métricas matriciais com os terceiros relevantes que fazem parte do
negócio, a fim de capturar evidências, características e fragilidades de seus próprios programas.
Além disso, elas devem ser flexíveis ao ponto de permitir ajustes e adequações continuadas ao
inventário de métricas, por conta dos riscos em evolução, garantindo que estas permaneçam alinhadas com os
principais riscos da organização e não estejam obsoletas ou perdendo valor.
77
Cabe aqui fazer uma ressalva importante. Um dos pré-requisitos para este trabalho é o de considerar
se a equipe de Compliance tem todo o preparo necessário para as implementações. É de se supor por exemplo
que um especialista em estatística e avaliação de grandes volumes de dados sejam necessários. Assim, avaliar
as características e o preparo da própria equipe de Compliance é fator que tem de estar continuadamente nas
métricas. Qualquer percepção na empresa de formação de um “espírito de corpo” dentro da área de Compliance
destrói todo o trabalho desenvolvido.
5 O SALTO CRÍTICO
Ainda que dispondo de controles implementados, as autoridades têm instigado as empresas
investigadas para que deem um passo à frente e sejam críticas em suas avaliações. Este feeling vem da análise
da grande quantidade de empresas que estão sob avaliação do FCPA anualmente. As informações prestadas
pelos executivos e oficiais de Compliance levam a crer que as empresas detinham programas irrepreensíveis,
mas se isso fosse verdade, por que estavam ali sob investigação? Porque foram todasflagelos mais perniciosos que atingem a sociedade brasileira. Seus efeitos
deletérios incluem uma dimensão material evidente, consumada em desvios financeiros assombrosos, que
alcançam a ordem de 200 bilhões de reais anualmente, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas3.
Dessa forma, são usurpados da população recursos que deveriam ser destinados à prestação dos
serviços públicos, os quais são tão precariamente oferecidos pelo Estado. Serviços esses que não representam
favores, mas, sim, deveres constitucionais da Administração, conforme se evidencia a partir da leitura de
diversos dispositivos insculpidos na Carta Magna. A esse respeito, basta lembrar o art. 175, segundo o qual:
“Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos” (grifo nosso).
Contudo, no mínimo tão nocivas quanto essas perdas materiais são as perdas imateriais impostas à
democracia brasileira. Nesse sentido, a corrupção mina a confiança nas instituições públicas, corrói a
legitimidade de nosso sistema representativo e deturpa os padrões de conduta social. Não surpreende que tenha
* Advogado e Presidente Nacional da OAB.
1 ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI e XVIII. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
2 HOLADA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
3 MACEDO, Fausto; ROBERTO NETTO, Paulo. ‘Mapa de risco’ do TCU indica 38 órgãos públicos federais mais vulneráveis à fraude e
corrupção. O Estado de São Paulo, São Paulo, 21 nov. 2018. Disponível em: . Acesso em: 21 nov. 2018.
COMPLIANCE: essência e efetividade
2
sido caracterizada pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, o deputado federal
Ulysses Guimarães, como “o cupim da República”4. Efetivamente, o é – e, como tal, precisa ser extirpada.
Para a consecução desse objetivo, dois caminhos complementares devem ser trilhados – com seriedade
e absoluto senso de urgência. De um lado, é imperioso combater a impunidade, que sempre marcou a atuação
imoral dos “donos do poder”5, conforme definição do eterno Presidente do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, Raymundo Faoro.
Nos últimos anos, obtivemos avanços substanciais nesse quesito. O Poder Judiciário, imune a
considerações ideológicas, tem cumprido sua função com independência e altivez, alcançando não apenas os
cidadãos comuns, mas também alguns dos mais destacados membros da classe política e empresarial no País.
A despeito de eventuais excessos – que também existem e devem ser combatidos –, o saldo tem sido positivo.
Assim, pode-se concluir que o império da lei é, cada vez mais, uma imposição para todos.
De outro lado, é igualmente imprescindível atuar de maneira preventiva. Afinal, o ideal a ser
perseguido há de ser muito mais amplo do que a responsabilização pelas práticas lesivas e o ressarcimento dos
valores concernentes. Nesse sentido, conforme as palavras do Ministro da Transparência e Controladoria-Geral
da União, Wagner Rosário, o propósito maior deverá ser erradicar “a raiz e a cultura da corrupção”6,
interrompendo a perpetuação dessas condutas.
Para tanto, é necessário continuar a promover reformas no sistema político brasileiro. Em anos
recentes, tivemos importantes avanços nesse sentido, como a promulgação da Lei Complementar n. 135, de 4
de junho de 2010 (a “Lei da Ficha Limpa”), o estabelecimento da cláusula de desempenho para partidos
políticos, a instituição de teto de gastos para candidatos a cargos eletivos, a vedação ao financiamento de
campanhas eleitorais por empresas e a proibição às doações para campanhas políticas sem individualização dos
doadores (as chamadas “doações ocultas”).
Não obstante, é preciso ir muito além do que já foi conquistado. Afinal, para que haja governantes
verdadeiramente comprometidos com os preceitos republicanos e os valores que fundamentam a democracia, a
sociedade civil deve dar o exemplo, observando os mais rigorosos padrões de conduta. Nesse âmbito, os
programas de compliance emergem como instrumentos absolutamente relevantes, uma vez que se têm mostrado
capazes de contribuir para a promoção de uma nova cultura empresarial no Brasil.
3 A IMPORTÂNCIA DO COMPLIANCE E O PAPEL DA ADVOCACIA
No contexto jurídico, o conceito de compliance relaciona-se, em linhas gerais, à garantia de
conformidade entre as condutas de governança e os regulamentos e as normas internas e externas. Nos termos
de Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho:
a palavra compliance vem do inglês to comply, que significa cumprir. De forma resumida, um programa
de compliance é aquele que busca o cumprimento da lei. [...]
Um programa de compliance visa estabelecer mecanismos e procedimentos que tornem o cumprimento
da legislação parte da cultura corporativa. Ele não pretende, no entanto, eliminar completamente a chance
de ocorrência de um ilícito, mas sim minimizar as possibilidades de que ele ocorra, e criar ferramentas
para que a empresa rapidamente identifique sua ocorrência e lide da forma mais adequada possível com
o problema7.
A eficiência desses mecanismos decorre, entre outras razões, do fato de colocarem todo o
funcionamento das instituições sob escrutínio permanente, além de fomentarem a observância de rigorosos
códigos de conduta. Por conseguinte, auxiliam diretamente na mitigação de riscos, na redução de custos com
litígios desnecessários, na coibição de fraudes e desvios, assim como na correção ágil de eventuais
irregularidades, com a pertinente punição de infratores. Igualmente, contribuem para melhorar a reputação das
4 GUIMARÃES, Ulysses. Discurso do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 05 de
outubro de 1988, por ocasião da promulgação da Constituição Federal. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 595-602, jul./dez.
2008.
5 A expressão faz referência à magna obra de Raymundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
6 AZEVEDO, Alessandra; KAFRUNI, Simone. Wagner Rosário: é preciso combater raiz e cultura da corrupção. Correio Braziliense,
Brasília, 18 abr. 2018. Disponível em: . Acesso em: 21 nov. 2018.
7 CARVALHO, Vinicius Marques; MENDES, Francisco Schertel. Compliance: concorrência e combate à corrupção. São Paulo:
Trevisan Editora, 2017.
3
empresas e para fomentar a cultura da ética, com efeitos benéficos não apenas no ambiente corporativo, mas
também no conjunto da sociedade e na atuação dos agentes públicos.
Por essas razões, é auspicioso observar a crescente difusão do conceito de compliance, bem como o
aumento da demanda por esse tipo de serviço no Brasil, sobretudo a partir da promulgação da Lei n. 12.846, de
1º de agosto de 2013. A chamada “Lei Anticorrupção” dispõe de meios inovadores para combater as atividades
ilegítimas que marcam, há gerações, a cultura política do País. Notadamente, o diploma normativo prevê a
responsabilização objetiva, no âmbito tanto civil quanto administrativo, de empresas que pratiquem atos lesivos
contra a Administração Pública nacional ou estrangeira.
Ao ressaltar o lugar ocupado pelo corruptor nas relações de improbidade, esse diploma legal constitui
o necessário complemento à “Lei da Ficha Limpa”. Além disso, incentiva as boas práticas de governança,
porquanto estabelece que a existência de mecanismos internos de integridade, bem como a aplicação de códigos
de conduta no âmbito da pessoa jurídica serão levadas em consideração na dosimetria das sanções.
No mesmo sentido, como explica Rodrigo Pironti, a Lei n. 13.303, de 30 de junho de 2016 (“Lei das
Estatais”),
reforça a importância do tema e estabeleceelas vítimas de um acaso
fortuito? Não é o que se tem apurado.
Na realidade, exatamente pelo caráter muitas vezes formal do Compliance, é que executivos o
consideram “uma proteção contra os piores cenários”, como se fosse uma apólice de seguro cara. Tendo
consciência disso, já em 2008 (ano de investigação do caso Siemens) o DOJ já pedia aos seus promotores que
determinassem se o programa de Compliance da organização sob análise era um programa proforma ou se fora
definido, implementado e revisado de fato.
Hui Chen é uma experta em Compliance que foi contratada pelo DOJ em 2015 para dar suporte aos
programas daquele órgão. Era a primeira CCO do DOJ e rapidamente começou a perceber na documentação
apresentada quando das investigações, que as empresas produziam grandes pastas de políticas e procedimentos
e contavam com orgulho a quantidade de controles que haviam produzido.
Todavia, não apresentavam qualquer evidência de terem testado tais políticas, seus procedimentos e
controles, ou sequer demonstravam terem avaliado as eventuais lacunas existentes e era fulminante em seus
comentários, dizendo que não adiantava que demonstrassem perfeição, porque perfeição não havia, já que
estavam ali sob investigação. Por isso, Hui Chen alertava os procuradores para que avaliassem os esforços de
Compliance das empresas sob investigação. O que se esperava é que revelassem esforço contínuo de
aprimoramento.
Em fevereiro de 2017, com o seu apoio, o DOJ publicou um documento intitulado “Avaliação dos
Programas Corporativos de Compliance” (US Department of Justice. Evaluation of Corporate Compliance
Programs). Tratam-se de 46 diretrizes de avaliação para ajudar as empresas a melhor aprofundar o entendimento
dos seus programas. Citaremos algumas delas na sequência, para que sirvam de referência, mais que isso, de
convite para que o leitor interessado se debruce sobre as 46 recomendações, nas quais poderá ver muitas
oportunidades que aprimoramento em suas medições de Compliance:
• Qual nível de conhecimento de Compliance há no Conselho de Administração?
• O Compliance e a equipe de controle têm experiência adequada e qualificação para o papel que exercem?
• Que papel o responsável por Compliance exerce nas decisões estratégicas e operacionais da empresa?
• O Compliance é envolvido em treinamentos e decisões relevantes sobre falhas de conduta na
organização?
• Que tipo de análise a empresa realizou para determinar quem deveria ser treinado em com qual propósito?
• Os gerentes tiveram que assumir sua parcela de responsabilidade por falhas de conduta que
ocorreram sob sua supervisão, mediante medidas disciplinares, tais como redução ou cancelamento de
bônus, advertência escrita, etc.?
• Houve específicas transações ou negócios que foram interrompidos, modificados ou
reexaminados mais atentamente, devido às preocupações de Compliance?
Esta pequena amostra dá o tom do que pretende o regulador americano – estimular que o programa de
Compliance saia da crosta e mergulhe na atividade da empresa. A notícia triste é a de que já se constatou
empresas trabalhando para obter dados seletivos em seus programas apenas para responder a essas 46 questões
do DOJ. Quando não há convicção, tudo é possível.
Eugène Soltes, em sua pesquisa na Harvard Business School, vem estudando quais são os obstáculos
que os Conselhos e os próprios oficiais de Compliance enfrentam para determinar quais os benefícios dos seus
programas de Compliance para suas organizações. A percepção de ambos, Hui Chen e Eugène Soltes, para esta
COMPLIANCE: essência e efetividade
78
questão está na melhoria das medições. A questão está na escolha adequada das métricas que melhor apurem a
qualidade e efetividade dos programas. Em seu artigo conjunto sobre “Por que os programas de Compliance
falham” eles dão como solução:
The answer, we believe, lies in better measurement. At its core, the idea is as simple as it is crucial: Firms
cannot design effective Compliance programs without effective measurement tools. For many firms,
appropriate measurement can spur the creation of leaner and ultimately more-effective Compliance
programs. Put simply, better Compliance measurement leads to better Compliance management (CHEN,
2018, p. 16-125).
A resposta, acreditamos, está na melhoria das medições. Em si, a ideia é tão simples quanto essencial: as
empresas não podem desenhar um efetivo programa de Compliance sem efetivos instrumentos de
avaliação. Para muitas empresas, medições apropriadas podem estimular a criação de programas de
Compliance mais enxutos e, em última instância, mais efetivos. Em outras palavras, a melhoria das
mediações de Compliance leva a melhor gerenciamento de Compliance (CHEN, 2018, p. 16-125,
tradução nossa).
O melhor gerenciamento por eles mencionado leva sem dúvida inclusive à racionalização adequada
dos custos. O fato é que entre as principais razões porque as empresas continuam investindo em Compliance é
porque faltam aferidores adequados. Elas não são capazes de dizer o que funciona e o que não funciona.
Segundo Hui Chen e Soltes, para muitas dessas empresas, o sinônimo de um Compliance sólido é aumentar as
equipes, aumentar significativamente a quantidade de políticas e sistemas, ainda que tudo isso não se transforme
em resultados efetivos, mas em desperdícios.
Não se trata de apenas ter métricas, mas de dispor daquelas que sejam capazes de mensurar os efeitos
do que se propõe. O Departamento de Saúde e Serviços Humanitários dos Estados Unidos desenvolveu e
promulgou 550 indicadores, também em 2017, para mensurar a efetividade de um programa. É preciso entender
quais seriam oportunos e lançar mão deles. O bom senso tem que reger este processo. Por vezes os indicadores
podem ser subjetivos, como por exemplo, sabemos que a média gerência é essencial no sentido de reverberar
para o conjunto de funcionários os valores da organização. Assim, após um treinamento, reuni-los com um
expert para uma seção específica de comportamento ético pode revelar entendimentos muito diversos sobre os
mesmos princípios. Se isto ocorrer, fica claro onde atuar de partida, para conseguir maior efetividade do
treinamento nesse quesito.
Muitas das organizações estão gastando fortunas sempre crescentes com Compliance, mas não têm
segurança sobre seus modelos. Quanto mais eficientes forem os indicadores, mais eficazes e inovadores serão
os programas. É essencial para isso que os objetivos estejam claros, o que se quer alcançar com o programa tem
que ser um ideal a ser perseguido tanto pela alta administração que deve assumir a liderança do processo, quanto
pela equipe de Compliance.
Uma reflexão madura sobre a efetividade do Compliance pode levar a mudanças significativas em relação
ao que se tem praticado, mas que eventualmente pode não refletir o que se espera desse programa na organização.
A determinação dos indicadores essenciais, sua correlação com as informações disponíveis no tempo
e um exercício constante de atualização devem permitir ao Compliance saber como atuar sem desperdiçar
recursos e ganhar o respeito da organização como sendo parte efetiva da estratégia para a conquista de seus
objetivos, dando-lhe segurança quanto à observação de seus valores éticos, aos riscos regulatórios e
reputacionais.
Uma rápida retrospectiva do que discutimos nos leva a inferir que a revisão compulsória dos programas de
Compliance através das duras penas de uma investigação é um caminho por demais oneroso e que sem dúvida deixa
muitas sequelas. O desafio é o de olhar para a efetividade do Compliance como um grande valor, não apenas
agregado por força de regulação, mas valor intrínseco à atividade da empresa e assumido por todos. Claro que isto
passa necessariamente por uma revisão séria ou construção mesmo de indicadores, que aqui chamamos de métricas,
para extrair informações seguras e com a riqueza dedetalhes necessária para a tomada de decisões, evitando
redundâncias e ineficácias, evidenciando se os investimentos estão sendo adequadamente aplicados.
O importante é que esta tarefa seja assumida com seriedade e sem perda de tempo, pois certamente vai
revelar oportunidades de tornar os programas mais eficazes e confiáveis.
79
REFERÊNCIAS
CHEN, Hui and SOLTES, Eugène. Why Compliance Programs fail – and how to fix them. Harvard Business
Review, New Jersey, mar./abr. 2018, p. 16–125.
MATSUO, Amy; GIRGENTI, Richard. The Compliance Journey – Summary of KPMG´s CCO Survey
results, New York, 2017, p. 1-3. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2018.
________. et al. Pursuit of Compliance Metrics – KPMG, New York, 2018, p. 1-12. Disponível em:
. Acesso em: 11 nov. 2018.
MCNULTY, Paul. If you think compliance is expensive, try non-compliance. Compliance Quest, jan. 2018.
Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2018.
MURPHY, Joseph E. – A Compliance & Ethics Program on a Dollar a Day: How Small Companies Can
Have Effective Programs. Minneapolis: SCCE, [201-?], p. 29. Disponível em: .
Acesso em: 11 nov. 2018.
OLSEN, William P. The Anti-Corruption Handbook: How to Protect Your Business in the Global
Marketplace. New Jersey: John Wiley & Sons Inc., 2010.
US Department of Justice. Evaluation of Corporate Compliance Programs. [201-?], p. 1-8. Disponível em:
. Acesso em: 11 nov. 2018.
81
GESTÃO DE INDICADORES: vinculação do compliance à estratégia empresarial
Fábia Daniela Cunha*
1 INTRODUÇÃO
A amplitude de benefícios de um programa de Compliance fez nascer também a necessidade de criar
um processo para mensurar sua efetividade. Assim surgiu o Modelo de Gestão Aplicado, um conjunto de
indicadores que mostrará o quão estratégico e ligado ao negócio o programa de integridade foi montado.
Este capítulo demonstra que a aplicabilidade de indicadores de controle junto com o monitoramento e
a performance determinarão o diálogo estabelecido com a alta direção.
A aproximação da área de Ética e Compliance com a estratégia empresarial vem ratificar que “Estar
Compliance” vai muito além de estar “conforme” com condutas éticas e empresariais, processos e
procedimentos internos e aderentes à legislação brasileira. “Estar Compliance” é acima de tudo a Vinculação
do Compliance à Estratégia Empresarial.
Nesse contexto, adequar a estratégia empresarial aos processos éticos que a empresa se propõe é
um fator crucial para excelência na implantação do Compliance. E com esse formato transformar o Top
Down em Cultura Organizacional.
Mas, esta não é uma agenda fácil. Alcançar a estratégia empresarial necessita de muito esforço do time
de Compliance na conscientização dos riscos de negócios vinculados ao Compliance. É necessário gerar
visibilidade ao custo da “Não ética” e como isso pode impactar o balanço empresarial e os contingentes
jurídicos.
Outra necessidade fundamental é criar Indicadores que demonstrem o diferencial competitivo e de
mercado que o Compliance emprega. E como tarefa mais importante dar visibilidade sobre os riscos gerados
pela responsabilidade objetiva da empresa, que incrimina a Pessoa Jurídica pelos atos praticados pelos
indivíduos de uma corporação, desde o presidente, passando pela alta direção, gestores, operadores até os chegar
aos terceirizados, independentemente de dolo ou culpa.
Ao avaliar cuidadosamente os últimos escândalos de corrupção no Brasil envolvendo grandes
empresas encontramos em ambos um afastamento do Compliance da estratégia empresarial. Se não fosse assim,
poderíamos acreditar que todos tomaram a decisão pela prática da corrupção, desde os Acionistas, Conselho de
Administração, Conselho Fiscal, Presidente C-Level (CEO, CFO), diretores e etc., colocando em risco todo
patrimônio empresarial e a imagem da empresa, construída ao longo dos anos.
Será que esta decisão foi tomada com base na análise de risco de negócio? Será que toda alta direção
foi conscientizada sobre as inciativas de corrupção que estariam sendo praticadas? Podemos acreditar que fazia
parte da estratégia empresarial destas empresas a prática de corromper e ser corrompido para alcançar o sucesso
empresarial?
A resposta para as três perguntas é NÃO. As investigações comprovaram que o esquema de corrupção
foi, isoladamente, uma decisão pessoal e não empresarial, portanto, um esquema afastado da estratégia
empresarial.
Os exemplos deixados pelas companhias acima nos trazem o desafio de evitar que atos de desvios
éticos e de corrupção sejam replicados em outras corporações. Nesse sentido, é necessário blindar a pessoa
jurídica contra os atos praticados por pessoas físicas, dando visibilidade aos riscos e impactos empresariais aos
quais a empresa está exposta.
Um bom exemplo público de afastamento do Compliance da estratégia empresarial e da falta de
blindagem da empresa é o caso Enron. Em 2001, uma gigante empresa norte americana entrou em falência após
uma sucessão de casos de fraudes praticados pelos seus dirigentes, considerados talentos natos dos negócios. A
Enron contratou grandes talentos, com salários milionários e alta confiança.
No artigo “The Talent Myth”, publicado no portal New Yorker, Gladwell (2002) escreve: “Esse
mindset do talento é a nova ortodoxa dos mundos dos negócios nos Estados Unidos ´Ele definiu a cultura
organizacional da Enron e semeou sua ruina”.
* Advogada, Especialista em Indicadores de Desempenho e Qualidade – Unicamp (2005) e Direito Processual Civil - PUC SP (2012).
MBA em Gestão de Serviços – FGV (2015). Coordenadora do Curso Gestão Jurídica e Coordenadora MBA de Compliance – FIA
Fundação Instituído de Administração.
COMPLIANCE: essência e efetividade
82
Mas confiando exclusivamente bom talento fez algo fatal: afastou os controles, auditorias e concedeu
alçada completa de atuação resultando em perda da real visibilidade de indicadores de gestão.
2 DIAGNÓSTICO DE COMPLIANCE: Blindagem da “Pessoa Jurídica” contra os atos praticados pelas
pessoas
O conceito de blindagem refere-se a uma forma de proteção da empresa. Tem por objetivo garantir
que a visibilidade de todos os riscos e impactos da tomada de decisão, garantindo dar transparência aos maiores
escoamentos de dinheiro realizados e de perda de reputação por fraudes, corrupção, desvios de conduta e falta
de ética empresarial.
Para tratar da proteção empresarial é importante detalhar cada um dos itens elencados como esforço
da atuação da Área de Compliance:
a) Conscientização dos riscos de negócios vinculados ao projeto de conformidade
Talvez este seja o tema mais difícil de inclusão na agenda empresarial, frente ao grande desafio
de dar visibilidade a algo aparentemente intangível. Para conseguir esta conscientização o Compliance Officer
deve promover um workshop de risco em todas as áreas da empresa e, em conjunto com os demais diretores,
repassar os riscos de negócio vinculados a práticas não Compliance. Desta forma, conseguir apoio para
documentar, em um Painel de Risco todos os processos estratégicos identificando aqueles que estão vulneráveis
pela probabilidade ou impacto causado. Feito isto, O Programa de Compliance ganha grandes aliados na
conscientização: todas as diretorias operacionais já estão informadas dos riscos gerados em operações.
b) Visibilidade do custo da “não ética” impactando o balanço empresarial e os contingentes
jurídicos.
Esta é uma das formas mais eficientes de demonstração do custo da não ética. Basta abrir os relatórios
externos do contingente jurídico para materializar quais os valores envolvidos nos processos não Compliance.
Aqui o olhar deve ser nos valores envolvendo processosde não pagamento assertivo de verbas rescisórias,
linhas pedidos envolvendo dano moral e assédio, processos administrativos e multas por fiscalizações e
descumprimentos tributários. A soma dos valores envolvidos é o custo da não ética assumido pela empresa.
c) Diferencial competitivo e de mercado que o Compliance emprega.
O Compliance assume outro papel estratégico com o alto volume de novas legislações que estão
surgindo fruto desta transformação do Compliance anticorrupção em Compliance corporativo. Esta ampliação
de função agrega um valor de viabilizador de negócios.
Hoje podemos afirmar que o Programa de Compliance é diferencial competitivo para todas as empresas
que licitam com governo, pois as novas legislações estaduais trazem esta obrigatoriedade à empresa privada,
quando a determinam a ter Compliance implantado na contratação e proíbem qualquer empresa em investigação
a participar e ou continuar um processo licitatório que eventualmente esteja participando.
Mais uma evolução de grande importância no atual momento brasileiro: Empresas privadas sendo
obrigadas a implantar Compliance caso queiram ter empréstimos e financiamentos do BNDES.
d) Visibilidade sobre os riscos gerados pela responsabilidade objetiva da empresa que a
responsabiliza pelos atos praticados pelas pessoas, independentemente de dolo ou culpa.
O desafio está em mapear todas as pessoas envolvidas na cadeia de negócio da empresa e estabelecer
uma visão dos riscos gerados por pessoa, por área, por função e por responsabilidade / atividade desempenhada.
A atuação é fundamentalmente preventiva, visa mitigar o risco de pessoas atuando sob a perspectiva e
interesse pessoal. Tem a finalidade de identificar as pessoas com mais alto apetite ao risco e, neste grupo, aplicar
um red flag de Compliance garantindo periodicidade e assertividade de auditoria e monitoramento.
Feita uma análise completa, a área de Compliance está munida de todas as importantes informações
para um assertivo diagnóstico de Compliance. Este documento será a base para formação do Programa de
Qualidade.
Do ponto de vista de qualidade, a empresa consegue sobreviver ao mercado quando de forma direta
gera uma correlação entre os processos de produção, satisfação do cliente, custo/qualidade, produtividade,
competitividade e sobrevivência.
83
Esta correlação gerará um painel com indicadores de controle, monitoramento e performance. Esta é
a melhor forma de manter a transparência e certificar a credibilidade da alta administração. Segundo o professor
Vicente Falconi, em seu livro “TQC – Controle da Qualidade Total” (1992, p. 08), “o que realmente garante a
sobrevivência das empresas é a garantia de sua competitividade. No entanto, estas coisas estão todas
interligadas: a garantia de sobrevivência decorre da competitividade, a competitividade decorre da
produtividade e esta da qualidade”.
3 MODELO DE GESTÃO APLICADO: Gestão por indicadores de Monitoramento, Controle e
Performance
Quando uma empresa implanta a Gestão por Indicadores, adota uma maneira estratégica de
materializar todos os índices de controle e de desempenho do Compliance. Todas as informações ficam
concentradas em um painel de gestão que demonstre de forma clara e objetiva o impacto em custo, reputação,
risco de negócio, competitividade e rentabilidade da marca.
A principal diferença entre indicadores de controle, indicadores de monitoramento e indicadores de
performance é a sua importância estratégica para o negócio:
Indicadores de controle: Controlam os processos - São índices numéricos estabelecidos sobre os
efeitos de cada processo para medir a sua qualidade;
Indicadores de monitoramento: Monitoram os desvios de um processo - São mapas apontando a
probabilidade e impacto de cada processo sob a visão do risco;
Indicadores de performance: Dão visibilidade da performance daquele processo perante índices de
estratégia empresarial.
Abaixo detalhamento de cada um dos indicadores.
Indicadores de Controle
Com os indicadores de controle conseguimos aferir a qualidade do Programa de Compliance e com
isso identificar o nível de assertividade e qualidade de cada processo. Abaixo alguns dos mais usuais
indicadores:
1. Quantidade de denúncias x Tipo
2. Veracidade das denúncias = Quantidade de denúncias realizadas x Quantidade de denúncias
identificadas como verdadeiras
3. Desvios identificados x processos revisados / monitorados
4. Desvios identificados x sanções
5. Desvios identificados x áreas
6. Desvios identificados x cargos
7. Quantidade de Processos monitorados x Tipo
8. Porcentagem de redução de desvios = realizados período x período atual
9. Horas de treinamento de Compliance
10. Quantidade de pessoas treinadas
Indicadores de Monitoramento: Matriz semi-qualitativa de risco: Probabilidade e Consequência para
empresa
Através da matriz de consequência você consegue monitorar os processos identificados como Red Flag
de Compliance e demonstrar, à alta direção, os riscos de Compliance envolvendo os processos empresariais.
COMPLIANCE: essência e efetividade
84
Figura 1: Matriz de Riscos e Consequências
Identificados os processos e enquadrados conforme o risco (trivial, aceitável, moderado, substancial e
intolerável) o próximo passo é estabelecer ações de mitigação para todos os processos considerados como de
grande impacto. A recomendação é garantir uma ação de mitigação para cada risco com classificação acima de
moderado. Desta forma, a empresa está resguardada com uma ação sempre que o apetite ao risco começar a
aumentar. Este é um controle mensal e deve ser auditado, minimamente a cada seis meses.
Indicadores de Performance
Tem como foco demonstrar a performance do Programa de Compliance e os impactos causados nos
indicadores de gestão empresarial. São eles:
1. Fraudes identificadas x Valores envolvidos – Valor total envolvido em fraudes
2. Valor total envolvido em fraudes x área de negócio
3. Reclamações trabalhistas x Pedidos de Assédio / Discriminação / = Total geral pedido x pago
nestas linhas
4. Multas e indenizações por erro de não pagamentos dos tributos = Total geral pago
5. Impacto no contingente jurídico = Total provisionado por desvio de conduta / fraude x Total
provisionado geral = índice de impacto de fraudes e desvios de conduta no contingente jurídico
6. Porcentagem de desvalorização de empresa (valor de ação no mercado) x após incidente de
fraude e desvio de conduta na empresa
7. Porcentagem de churn (perda de cliente) x após incidente de fraude publica
8. Faturamento mensal x Valor total envolvido em fraudes = Porcentagem de impacto em
faturamento
Estes indicadores são aplicáveis a empresas pequenas médias e grandes empresas, nacionais e
internacionais e de variados segmentos de atuação, basta escolher o que melhor se adequa a sua realidade e
especificidade.
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Implantação e medição dos indicadores
O objetivo é apresentar um modelo ágil e fácil de se construir indicadores que reflitam a realidade e
necessidade da empresa. A implantação do Painel de Indicadores deve ser gradativamente construída com o
programa. O processo de implantação é dividido em quatro grandes etapas:
1ª etapa: Construção dos indicadores de monitoramento
O Compliance officer deve promover workshops de risco com todas as áreas de negócio da empresa,
identificar através da matriz de consequência, os processos Red Flag de Compliance e demonstrar à alta direção
os riscos de Compliance envolvendo os processos empresariais.
Com os processos identificados, deve se estabelecer o item de controle de cada processo e as ações de
mitigação para cada um dos riscos.
Ao final desta etapa você terá concluído o diagnóstico e terá como resultado: Riscos maiores
identificados, definido os itens de controle para cadarisco e determinado as ações de mitigação para os riscos
identificados
2ª etapa: Construção dos indicadores de controle do Programa de Compliance
Após a identificação dos processos, fica mais simples estabelecer os itens de controle do Compliance,
pois é a partir do processo que se estabelece o formato. De forma simples e direto, estes indicadores devem ser
diariamente monitorados como eficiência interna da área.
Ter os registros de Compliance em uma base de dados que contenha informações sobre denúncias,
desvios éticos, fraudes nos processos internos, ações das áreas de negócio, atitudes dos gestores e balanço do
centro de custo ajudará a evidenciar processos que precisam ser mudados. Tal processo monitora áreas de
negócio com alto apetite ao risco e alto viés à fraude e gestores que confundam os objetivos empresariais com
seus interesses pessoais, adotando modelo de gestão desalinhado com a missão, visão e valores empresariais.
3ª etapa: Construção dos indicadores de performance
Como forma prioritária estes indicadores estarão vinculados aos indicadores financeiros, pois tem
como maior objetivo demonstrar os impactos financeiros das práticas não Compliance e a economia gerada
quando o sistema já está implantado e em funcionamento.
Aqui o foco será vincular valores e impactos à estratégia da empresa. Ao final desta terceira etapa, o
Compliance officer terá concluído todo diagnóstico do momento atual da companhia e terá definido, em
conjunto com as demais áreas, os índices que serão amplamente divulgados no Painel de Reporte.
4ª etapa: Formação do Comitê de Compliance
O modelo ideal para este comitê é ser composto por um membro de cada área da empresa, incluindo
um representante da alta direção. O coordenador deve ser o Compliance que apresentará os resultados, registrará
a ata de reunião e acompanhará todas as ações oriundas do comitê.
Mensalmente este comitê se reúne para analisar, discutir em conjunto os resultados dos indicadores e
decidir as melhorias necessárias à operação. Desta forma, o comitê garantirá visibilidade a toda operação dos
números de Compliance e seus impactos no negócio.
Nos cenários onde não há viabilidade de se criar um comitê de compliance pelo tamanho da empresa
(pequena ou média) ou pelo modelo de governança constituído, uma reunião com os gestores das áreas já supre
a questão e conclui a etapa de apresentação dos indicadores.
Vinculação com a Estratégia Empresarial
Concluída etapa de apresentação para todas as equipes de gestão da operação, o Compliance está
pronto para alcançar a alta direção, mostrando os indicadores que estão impactando os negócios empresariais.
COMPLIANCE: essência e efetividade
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De forma eficiente, toda operação já está alinhada e participando ativamente do plano de ação. A
próxima etapa é a apresentação oficial a alta direção. O Programa de Compliance deve ser utilizado no momento
dedicado às questões de Ética e Compliance no Conselho de administração e levará: o Indicador, desvio, risco
do negócio e o PDCA.
Para as empresas pequenas e médias, onde o modelo de governança estabelecido liga a estratégia
empresarial diretamente aos sócios, e não há conselho de administração, da mesma forma o Compliance deve
apresentar aos sócios os indicadores de Compliance reportando os riscos aos negócios. Para estas empresas a
resposta é ainda mais rápida, pois o risco reputacional é sentido diretamente por aqueles que estruturaram a
empresa, agindo diretamente na visão, missão e valores empresariais.
Com este modelo de gestão implantado, o risco de erro na tomada de decisão é baixo, pois a alta
direção será municiada de informações completas, com visão do risco de Compliance nos processos estratégicos
e visibilidade necessária dos impactos financeiros em processos e em gestão.
Para gerar credibilidade e municiar o ciclo 360º de gestão, os indicadores devem continuar sendo
medidos, retroalimentando a operação no comitê de Compliance e garantindo a correta visibilidade periódica
ao Conselho de Administração.
Se algum fato novo surgir, tal como uma evidência de fraude ou um desvio ético, o Compliance deve,
em caráter emergencial, reportar o tema a alta direção, pedindo uma seção extraordinária para cuidadosamente
se instalar uma gestão de crise.
Transformação do Compliance Top Down em Cultura Organizacional.
Transformar o Top Down em cultura organizacional é, principalmente, eliminar o Compliance check
in the box, ou seja, o Compliance implantado por obrigatoriedade legal. Um Programa de Compliance genuíno
nasce da vontade dos sócios e da alta direção de uma companhia em manter a idoneidade da corporação,
garantindo que todos os colaboradores estejam envolvidos com missão, visão e valores da instituição onde estão
inseridos.
Para esta transformação cultural, precisamos garantir que a alta direção se conscientize dos riscos
empresariais e, por isso, assuma o papel de proteger a pessoa jurídica dos atos praticados pelas pessoas físicas.
A melhor forma de fazê-lo é com uma visão 360° de Compliance apontada aqui neste capítulo: um
modelo de gestão transparente e eficiente por indicadores de controle, monitoramento e performance; com
reuniões de Compliance periódicas composta por todas as áreas da empresa, garantindo análise de causa dos
desvios e elaboração conjunta de um plano de ação.
Trazer para a cultura organizacional a visão de indicador, risco e plano de ação, garante que as ações
corretivas, pactuadas com as áreas, chegue à alta direção, possibilitando correção imediata. Desta forma, o
Compliance nunca está sozinho! Ele sempre está acompanhado das áreas de negócio desde a análise do risco,
da causa e no momento de apresentação do PDCA para toda a empresa. Resultado: Risco e resultado assumidos
pela gestão e pela alta direção.
Abaixo fluxo PDCA prática da implantação dos Indicadores:
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Figura 2: Plano de Ação para Implantação de Painel de Indicadores
Concluímos que não basta ter Compliance, precisa ser Compliance como cultura organizacional. É
necessário mudar o mindset da corporação, trazendo o envolvimento de toda a cadeia empresarial com o
programa. Carol S. Dwek, em seu livro “Mindset”, enfatiza:
Embora as pessoas possam diferir umas das outras de muitas maneiras – em seus talentos e aptidões
iniciais, interesses ou temperamentos – cada uma de nós é capaz de se modificar e se desenvolver por
meio do esforço e da experiência [...] Mas acreditam que o verdadeiro potencial de uma pessoa é
desconhecido e que não se pode prever o que alguém é capaz de realizar com anos de paixão, esforço e
treinamento. (DWECK, 2017, p. 15)
Este envolvimento deve ser feito em pequenas, médias e grandes empresas, independente da estrutura
de governança. O objetivo é criar um diálogo com aqueles que decidem pelo negócio e conscientizar a todos a
fazerem o que é certo, sem riscos de fraudes e impactos financeiros e reputacionais ao negócio.
Neste sentido, a melhor forma de transformação das pessoas será feita por meio da paixão, do
engajamento, do esforço e do treinamento contínuo.
REFERÊNCIAS
DWECK, Carol. Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso. São Paulo: Objetiva, 2017.
FALCONI, Vicente. TQC – Controle da Qualidade Total (no estilo japonês). Belo Horizonte: QFCO. 1992.
GLADWELL, Malcolm. The Talent Myth. The New Yorker, New York, 22 jul, 2002. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2018.
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ANTITRUSTE E ANTICORRUPÇÃO: como incentivar a adoção de programas de
compliance por empresas privadas?*
Fabíola Carolina Lisboa Cammarota de Abreu**
Isabella Costa Urnikes**
RESUMO: O presente artigo visa abordar os possíveis incentivos que podem ser adotados pelo legislador
brasileiro para a efetiva implementação de programasde compliance nos âmbitos antitruste e anticorrupção.
Para tanto, a análise partirá das disposições já existentes na legislação e na regulamentação brasileiras, tratará
também dos benefícios advindos da adoção desse tipo de programa, para ao final sugerir medidas que podem
ser adotadas, adicionalmente ao que já existe, para que se tenha de fato a adoção de programas efetivos.
Palavras-chave: Compliance. Antitruste. Anticorrupção. Integridade Corporativa.
ABSTRACT: This article aims to address the potential incentives that can be adopted by the Brazilian
lawmaker to encourage the effective implementation of compliance programs regarding antitrust and anti-
corruption matters. For such purposes, the analysis will start from the existing provisions contained in the
Brazilian legislation and regulation, will then address the benefits resulting from the adoption this type of
program, to lead to the suggestion of measures that can be adopted, in addition to what already exists, so that
the adoption of programs becomes an effective measure.
Keywords: Compliance. Antitrust. Anti-corruption. Business Integrity.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Corrupção e Anticompetição. 3 Programa de Compliance. 3.1 A Corrupção
Privada. 3.2 O Programa de Compliance Antitruste. 4 Benefícios ao Investir em um Programa de Compliance.
5 A Falta de Incentivo. 6 Como Incentivar a Adoção de Programas de Compliance. 7 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
A consciência global acerca da ética nas relações empresariais amadureceu ao longo dos últimos anos
de tal forma que a legislação internacional passou a exigir uma postura ética das empresas que, por qualquer
razão, estejam sujeitas à sua jurisdição.
No entanto, até meados de 2013, o Brasil não havia introduzido em seu ordenamento jurídico diretriz
decorrente dos compromissos internacionais assumidos. Pressionado não só pela comunidade internacional,
* Artigo originalmente publicado no Livro: JESUS, Agnes Macedo de. et al. (org.). Mulheres no Antitruste. São Paulo: Editora
Singular, 2018. v. 1.
** Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 1996. Pós-graduada
em Direito Comparado, pela Anglia Plytechnic University, Cambridge, Inglaterra, 1998. Master of Business Administration (MBA)
pela University of Manchester, 2017. Pós MBA em Advanced Boardroom Program for Women pela Saint Paul Escola de Negócios,
com conclusão prevista para 2019. Certificada pela Society of Corporate Compliance & Ethics como Certified Compliance & Ethics
Professional - CCEP, em 2014 e como Certified Compliance & Ethics Professional-International – CCEP-I, em 2017. Advogada em
São Paulo, SP, é palestrante e autora de artigos sobre temas envolvendo Direito da Concorrência, Compliance e Anticorrupção para
revistas e sites especializados.
** Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2018, tendo recebido
Prêmio “Menção Honrosa” pelo Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado, intitulado: “Direito Constitucional à Educação
das Pessoas com Deficiência: educação inclusiva e seus reflexos nas instituições de ensino privado do Brasil”. Participou do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
tendo realizado a pesquisa acadêmica intitulada: “Pecunia Non Olet: Tributação de Rendimentos Decorrentes de Atos de Corrupção
nos Termos da Lei nº 12.846/13”.
COMPLIANCE: essência e efetividade
90
mas também por protestos internos, em 1º de agosto de 2013 foi promulgada a Lei nº 12.8461 (Lei
Anticorrupção).
Embora o crime de corrupção já fosse assim tipificado desde o Código Penal Brasileiro2 de 1940, não
havia, no ordenamento brasileiro, regra de responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção
praticados por seus representantes. Na prática, isso significava um eventual processo crime para as pessoas
físicas diretamente envolvidas na conduta, mas nenhum tipo de consequência para a pessoa jurídica
representada por aquela pessoa física, muito embora, na grande maioria dos casos, a pessoa jurídica fosse a real
beneficiária das violações praticadas.
Assim, a grande inovação da Lei Anticorrupção foi a responsabilização, nas esferas civil e
administrativa, das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública. Além de especificar
as regras de responsabilização da pessoa jurídica, a Lei Anticorrupção também tratou de outros temas relevantes
à matéria, como o incentivo à adoção de programas de compliance.
Já no que se refere ao direito da concorrência, cerca de dois anos antes, em 2011, foi editada a Lei nº
12.5293 (Lei de Defesa da Concorrência) que, dentre outras disposições, e embora de forma não explícita,
previu um incentivo adoção das práticas de compliance. E tamanha foi a importância do assunto compliance
em matéria concorrencial que em janeiro de 2016 o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE,
lançou o guia “Programas de Compliance”, com orientações sobre estruturação e benefícios da adoção dos
programas de compliance concorrencial, o Guia de Compliance do CADE.
O objetivo do Guia de Compliance do CADE, conforme constou da Seção 1, é “estabelecer diretrizes
não vinculantes para as empresas a respeito desses programas, especificamente no âmbito da defesa da
concorrência, no que eles consistem, de que modo podem ser implementados e quais as vantagens em sua
adoção”4.
Não há dúvidas, portanto, que o assunto compliance passou a ter relevância para as empresas que
atuam no mercado brasileiro. Assim como entender como os programas podem ser estruturados, e quais os
benefícios que podem ser por meio deles alcançados.
Diante deste cenário, o objetivo do presente artigo é analisar o contexto legislativo que enaltece a
adoção de programas de compliance, nos âmbitos anticorrupção e antitruste, bem como promover a reflexão
dos possíveis embates ainda existentes quanto à sua adoção pelas empresas privadas.
É certo que por se tratar de legislação recente, e que ainda carece de precedentes, seja administrativos
seja judiciais, ainda existem medidas que precisam ser melhor delineadas a fim de conceder segurança à
comunidade empresarial e, principalmente, para conscientizar essa mesma comunidade acerca do impulso que
se pode proporcionar aos negócios a partir do investimento na adoção de programas de compliance, não só, mas
principalmente, com o Poder Público.
2 CORRUPÇÃO E ANTICOMPETIÇÃO
Para que se possa contextualizar a análise que se pretende desenvolver, serão abordados os fatos
históricos relacionados com a Lei Anticorrupção e com a Lei de Defesa da Concorrência, para que então
possamos passar ao estudo da adoção dos programas de compliance sob essas duas óticas.
De todo modo, e desde o início, é importante notar que embora disciplinas distintas, tanto o aspecto
anticorrupção quanto o concorrencial podem se beneficiar mutuamente de programas de compliance que sejam
estruturados para contemplar as duas áreas. Seja pela similaridade dos sistemas na aplicação de penalidades,
1 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
2 ago. 2013.
2 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
3 BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a
prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, oDecreto-Lei no
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no
8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
1º dez. 2011, retificado em 2 dez. 2011.
4 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). Guia Programas de Compliance: orientações sobre
estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília: CADE, jan. 2016, p. 14. Disponível em:
. Acesso em: 13 ago. 2018.
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seja pela similaridade de procedimentos em investigações, ou seja ainda em razão de condutas que são, ao
mesmo tempo, ilícito concorrencial e ato lesivo ao Poder Público, o programa de compliance que endereça os
potenciais riscos anticorrupção e concorrencial tende a mitigar consequências que podem ser desastrosas para
a empresa.
Em um primeiro momento, a análise dos dispositivos da Lei Anticorrupção, também chamada de Lei
da Empresa Limpa, é de caráter fundamental, visto que embora o texto legislativo possua algumas lacunas,
trata-se de aparato inovador de combate à corrupção, na medida que inseriu no ordenamento jurídico novas
hipóteses de responsabilização, introduziu a possibilidade de celebração de acordos de leniência e tratou
explicitamente da adoção de Programas de Compliance – cerne do presente artigo.
Além de inovar ao adotar a responsabilidade objetiva, civil e administrativa de pessoas jurídicas pela
prática de atos de corrupção contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, a Lei Anticorrupção, pela
primeira vez, abordou expressamente o tema da adoção de Programas de Compliance.
Historicamente, pelo que se tem notícia, a primeira noção de compliance surgiu no ano de 1913, com
a criação do Banco Central Norte-Americano (“Federal Reserve”)5, que objetivou adotar um sistema financeiro
mais flexível, mas que também fosse consistente e seguro. Posteriormente, mas já na década de 1960, houve
forte estímulo para a adoção de programas de compliance, impulsionado pela U.S. Securities and Exchange
Comission (SEC)6, que incentivou as empresas norte-americanas a contratarem “Compliance Officers” que
fossem habilitados para criar regras e procedimentos internos de controle, treinar funcionários e monitorar o
cumprimento de regras internas. A campanha gerou resultados, e a partir de então o tema dos programas de
compliance passou a estar na pauta das principais empresas norte-americanas de capital aberto.
Já no cenário brasileiro, com a edição da Lei Anticorrupção, e com as recentes investigações no âmbito
da chamada “Operação Lava Jato”7, que demonstraram que a mera existência de um programa de compliance
na empresa pode não ser suficiente para que de fato a empresa viva e incorpore, em seu dia a dia, uma cultura
ética e de integridade, o Brasil também passou a tratar dos programas de compliance, inclusive para distinguir
os programas de compliance efetivos daqueles ditos “de prateleira”. Isso porque, como se verá a seguir, a
tendência global, que já ganha força no Brasil, é estimular a adoção de mecanismos de controle nas relações
firmadas com o Poder Público.
De toda forma, em razão das incertezas que ainda circundam a aplicação da Lei Anticorrupção, o
benefício efetivo ainda é de difícil medição, muito embora a adoção de um programa de compliance efetivo
seja a melhor ferramenta para monitorar práticas e identificar possíveis violações a tempo de corrigi-las, com o
menor volume de danos possível. No que se refere à adoção dos programas de compliance, a máxima popular
de que “é melhor prevenir do que remediar” é de fácil verificação, especialmente quando comparamos as
potenciais penalidades decorrentes da aplicação da Lei Anticorrupção ou da Lei de Defesa da Concorrência
com os investimentos necessários para que se realize o mapeamento dos riscos de cada empresa e a elaboração
de um programa que lhe seja específico.
A Lei de Defesa da Concorrência, por sua vez, pautada nos princípios constitucionais de liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do
poder econômico, foi editada em 30 de novembro de 2011, com o objetivo de prevenir e repreender as infrações
contra a ordem econômica, tendo no CADE, entidade judicante, com jurisdição em todo o território brasileiro,
constituído sob a forma de autarquia federal, seu órgão máximo.
Ao regular a conduta dos agentes econômicos, a Lei de Defesa da Concorrência busca proteger a livre
concorrência, além de promover um ambiente de legítima competição entre os participantes de cada mercado.
5 “The Federal Reserve Act of 1913 established the Federal Reserve System as the central bank of the United States to provide the
nation with a safer, more flexible, and more stable monetary and financial system. The law sets out the purposes, structure, and
functions of the System as well as outlines aspects of its operations and accountability. Congress has the power to amend the Federal
Reserve Act, which it has done several times over the years.” Disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2018.
6 “The mission of the U.S. Securities and Exchange Commission is to protect investors, maintain fair, orderly, and efficient markets,
and facilitate capital formation.” Disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2018.
7 “A operação Lava Jato é a maior iniciativa de combate a corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil. Iniciada em março
de 2014, com a investigação perante a Justiça Federal em Curitiba de quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, a Lava
Jato já apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, bem como em contratos vultosos, como o da construção da usina
nuclear Angra 3. Possui hoje desdobramentos no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, além de inquéritos criminais junto ao Supremo
Tribunal Federal para apurar fatos atribuídos a pessoas com prerrogativa de função.” Disponível em: .
Acesso em: 7 ago. 2018.
COMPLIANCE: essência e efetividade
92
Assim, busca como objetivo final atingir o bem-estar comum, por meio de um mercado com menores preços e
melhores produtos, possibilitando que o consumidor exerça seu poder de escolha; afinal, um ambiente com
melhores produtos, menores preços e livre concorrência, interessa a todos.
A partir do panorama legislativo brasileiro podemos identificar a possibilidade de um diálogo aberto
entre a defesa da concorrência e o combate à corrupção, uma vez que diversos atos lesivos à Administração
Pública, assim como aqueles praticados no âmbito de licitações e contratos administrativos, podem ensejar a
aplicação de penalidades tanto sob a Lei de Defesa da Concorrência como sob a Lei Anticorrupção.
A colaboração entre a defesa da concorrência e o combate à corrupção é capaz de resultar em grandes
e importantes avanços para o bem-estar social, vez que abrange desde a colaboração entre as autoridades na
investigação de atos ilícitos, pelo compartilhamento de informações e provas, e até mesmo pela possibilidade
de negociação de soluções conjuntas, entre autoridades, de um lado, e investigados, de outro, para o
encerramento de condutas lesivas e adoção de práticas éticas e íntegras.
3 PROGRAMA DE COMPLIANCE
O termo “compliance” é proveniente do verbo inglês “to comply”, cujo significado se traduz em
cumprir, executar. Resumidamente, e conforme usado no mundo empresarial, é um conjunto de procedimentos
adotados que visa, a partir do mapeamento dos riscos específicos de cada negócio, cumprir normas,
regulamentos e políticas, internos e externos, e por consequência, mitigar os riscos identificados.
Como derivação, o programa de compliance pretendeestabelecer mecanismos e procedimentos que
tornem o cumprimento de todo o arcabouço normativo aplicável a cada atividade parte da cultura institucional
de determinada empresa. E vai além, busca permitir o monitoramento constante dos colaboradores, em especial
aqueles que possam estar mais expostos a situações de risco, e corrigir eventuais violações tão logo quanto
possível, minimizando, por consequência, o seu impacto para a empresa e seus negócios. Não faz parte de seu
objetivo eliminar completamente a ocorrência de ilícitos – que é inerente à condição humana, mas sim
minimizar o quanto possível a possibilidade de que ele ocorra e, caso ocorra, que a empresa possua as devidas
ferramentas para identificá-los e contorná-los de forma a não só minimizar os eventuais impactos e danos,
inclusive aqueles relacionados à imagem da empresa envolvida, mas também permitir a melhoria contínua do
próprio programa de compliance.
Partindo do princípio de que a atividade empresarial é desenvolvida por indivíduos, totalmente
distintos e cada qual com suas características e valores, a empresa está sujeita a riscos decorrentes dos atos e
condutas desses indivíduos, enquanto representantes das empresas. Isto porque no âmbito empresarial a
responsabilidade não se limita àquele que praticou o ato ilegal, mas se estende à pessoa jurídica a qual ele está
vinculado. Assim, com a intenção de minimizar os desvios de conduta de seus funcionários, percebeu-se a
necessidade de minimizar os riscos através de ações que envolvem, em um primeiro momento, a
conscientização, para então partir para o monitoramento e fiscalização de seus integrantes.
As empresas, então, com a intenção de salvaguardar seus negócios de práticas contrárias à conduta
ética esperada, devem, comprovadamente, afastar a prática de ilícitos na empresa e estar aptas a demonstrar
que, na iminência de uma crise causada pela realização de conduta ilícita, fez todo o possível e ao seu alcance
– que obviamente varia de empresa para empresa, e setor para setor, para solucionar ou mitigar a ocorrência. E
mais do que isso, que atuou junto a seus representantes e colaboradores e a eles ofereceu treinamento para
prevenir a ocorrência de condutas lesivas.
Nesse sentido, o programa de compliance pode ser considerado como a “chave de ouro”. O mecanismo,
previsto no Art. 7º, VIII da Lei Anticorrupção, estabelece a possível atenuação das sanções em virtude da
existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva dos códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. A Lei
Anticorrupção, portanto, visa estimular a adoção de mecanismos de integridade corporativa, muito embora não
isente a aplicação das penalidades. Funciona, na verdade, como causa atenuante quando se fala em dosimetria
da pena, mas não impede que ela seja aplicada.
Embora a Lei Anticorrupção tenha introduzido no ordenamento jurídico brasileiro os programas de
compliance, ao tratar dos “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
93
jurídica”8, como um dos elementos a serem considerados na aplicação das sanções, ela não especifica quais são
os elementos essenciais a um programa de compliance para que ele seja considerado suficiente e efetivo sob a
ótica da Lei Anticorrupção, apto, portanto, a gerar os efeitos nela previstos – com a mitigação de penalidades.
Da mesma forma, a Lei Anticorrupção também não especificou quais os benefícios específicos decorrentes da
adoção dos programas de compliance.
Cerca de dois anos após a promulgação da Lei Anticorrupção, e 14 meses após o início de sua vigência,
em 18 de março de 2015, foi editado o Decreto nº 8.4209 (Decreto Regulamentador) que regulamentou a Lei
Anticorrupção, e que dedicou um capítulo exclusivo ao “Programa de Integridade”. No entanto, mesmo com o
Decreto Regulamentador, ainda restam dúvidas sobre como será medida a efetividade dos programas de
compliance, e o atendimento a cada um dos requisitos estabelecidos no Decreto Regulamentador, bem como o
real benefício a ser recebido em contrapartida à implementação de um programa de compliance, exclusivamente
sob a ótica da legislação. Até porque, o fomento a um ambiente de negócios ético, que a todos é benéfico, sem
contar com o reflexo que a adoção desse tipo de programa pode ter para a imagem da empresa, já deveriam
funcionar como incentivos suficientes para a sua adoção.
Há quem defenda que a Lei Anticorrupção e sua generalidade são adequadas e devem ser vistas com
bons olhos na medida em que possibilitam uma análise sobre a efetividade de cada programa, considerando as
especificidades de cada setor, tamanho da empresa, além de outras características específicas.
No entanto, e mesmo após a edição do Decreto Regulamentador, ainda existem lacunas que somente
serão preenchidas nos próximos anos, na medida em que as autoridades fiscalizadoras e os órgãos de controle
passem a emitir suas decisões sobre a efetividade dos programas de compliance. E, eventualmente, que
tenhamos o pronunciamento dos Tribunais brasileiros sobre a questão, caso tais decisões administrativas
venham a ser questionadas.
Até porque não há um modelo único a ser considerado como parâmetro. O desenvolvimento de um
programa de compliance depende do entendimento das nuances de cada organização – implica em compreender
a cultura corporativa, verificar as leis e regulamentos a que ela está sujeita, os riscos a que está exposta, quais
os riscos serão priorizados em seu programa, como serão aplicadas as regras, qual o tempo de adaptação que os
colaboradores terão, entre outras questões. E, acima de tudo, o desenvolvimento de um programa de compliance
depende, antes de mais nada, do real envolvimento da alta administração de cada empresa, responsável pelo
“tone at the top”, elemento essencial de qualquer programa10.
É relevante do ponto de vista de negócios que a empresa seja adepta de políticas de compliance, mas,
socialmente, ainda mais importante é que o programa de compliance seja efetivo e plenamente
institucionalizado pela empresa.
3.1 A Corrupção Privada
Embora inovadora do ponto de vista do combate à corrupção pública, a Lei Anticorrupção não tratou
dos atos de corrupção cometidos na esfera privada que, ao considerarmos o bem-estar do mercado como um
todo, podem ser tão lesivos quanto os atos de corrupção praticados na esfera pública.
Internacionalmente, alguns países já possuem mecanismos jurídicos para o combate da corrupção na
esfera privada – como é o caso do UK Bribery Act11.
Muito embora a tipificação dos atos de corrupção privada já seja objeto de diversos projetos de lei e
tenha sido incluída como uma das medidas necessárias dentre as Ações de 2018 da Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (“ENCCLA”)12, , até o presente momento, não há no Brasil um
8 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, Art. 7º, VIII.
9 BRASIL. Decreto nº 8420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19 mar. 2015.
10 GIOVANINI, Wagner. Programa de Compliance. In: ________. Compliance: a excelência na prática, 1. ed. São Paulo: [s. n.],
2014. Cap. 2.
11 UNITED KINGDOM. Bribery Act 2010. An Act to make provision about offences relating to bribery; and for connected purposes.
8 abr. 2010. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2018.
12 “Ação 5. Elaborar propostas de medidas voltadas ao combate à corrupção privada.”. Acesso em:
13 ago. 2018.
COMPLIANCE: essência e efetividade
94
diploma legal que trate da corrupção privada, ou que tipifique tal conduta como crime ou ainda ilícito civil e
administrativo.. Assim, a corrupção privada não é considerada como crime no Brasil, muito embora o país seja
signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, pela qual se obrigou, conforme disposto no
Art. 21, a tipificar como crime também o suborno no setor privado.
Importante notar, no entanto, que embora a corrupção privada não tenha sido tipificada como crime na
legislação brasileira, nem tampouco tenham sido estabelecidas regras de responsabilidade das empresas
envolvidas, a exemplo das regras introduzidas pela Lei Anticorrupção, o programa de compliance pode sim
tratar do assunto, e estabelecer normas de comportamento que passam a ser obrigatórias para todos os
colaboradores e representantes daquela determinada empresa, além de reforçarem as iniciativas para um
ambiente ético e de integridade nos negócios.
3.2 O programa de compliance antitruste
Do ponto de vista jurídico, o compliance traduz uma acepção ampla em termos de observância e
cumprimento dos postulados legais13. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE)14, os cinco pilares fundamentais de um programa de compliance são: (i) avaliação de risco;
(ii) compromisso da alta direção; (iii) monitoramento; (iv) treinamento, registro e documentação; e
(v) aperfeiçoamento continuo. Embora estes sejam os elementos essenciais, não há um modelo específico que
se aplique a todos os programas, de todas as empresas. Isso porque, fatores que são alheios ao alcance do
legislador devem ser considerados, como o ramo de atuação, o porte da empresa, a localização e os riscos
inerentes ao negócio.
Com relação à defesa da concorrência, os programas de compliance tornaram-se cada vez mais
relevantes, vez que se criou maior consciência acerca dos prejuízos causados por condutas anticompetitivas.
Nesse sentido, e com o objetivo de auxiliar as empresas na adoção de regras de compliance, o CADE,
como já mencionado anteriormente, publicou o Guia de Compliance do CADE, que contém orientações não-
vinculantes sobre a estruturação e os benefícios da adoção dos programas de compliance com foco na defesa
da concorrência.
É possível verificar, a partir da publicação do Guia de Compliance do CADE, a relevância que o
assunto tomou, ao levar as autoridades a, em conjunto com a iniciativa privada, publicarem um guia com
recomendações, especialmente ao considerarmos que a adoção de programas dessa natureza sequer constou da
Lei de Defesa da Concorrência. Trata-se, portanto, de iniciativa louvável que busca um ambiente ético e íntegro
para os negócios.
O Guia de Compliance do CADE estabelece que o escopo do programa de compliance concorrencial
“almeja, em primeiro lugar, prevenir e reduzir o risco de ocorrência de violações específicas à Lei de Defesa
da Concorrência e, em segundo lugar, oferecer mecanismos para que a organização possa rapidamente detectar
e lidar com eventuais práticas anticoncorrenciais que não tenham sido evitadas em um primeiro momento15”.
Ainda o Guia de Compliance do CADE, indicou as características consideradas essenciais para um
Programa de Compliance Antitruste eficaz, sem desconsiderar as peculiaridades de cada negócio quando da sua
implementação. Para a plena efetividade, considera-se que o comprometimento é a peça principal, sendo que a
adoção do programa não deve visar a prevenção de represálias, mas sim a intenção de manter a conformidade
e a ética nos negócios. Em outras palavras, o Programa de Compliance Antitruste não deve ser adotado para
13 TRAPP, Hugo Leonardo do Amaral Ferreira. Compliance na Lei Anticorrupção: uma análise da aplicação prática do art. 7º, VIII,
da Lei 12.846/2013. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, ano 13, n. 1237, 3 mar. 2015. Disponível em: . Acesso
em: 13 ago. 2018.
14 “The mission of the Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) is to promote policies that will improve
the economic and social well-being of people around the world. The OECD provides a forum in which governments can work together
to share experiences and seek solutions to common problems. We work with governments to understand what drives economic, social
and environmental change. We measure productivity and global flows of trade and investment. We analyse and compare data to
predict future trends. We set international standards on a wide range of things, from agriculture and tax to the safety of chemicals.”.
Disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2018.
15 CADE, op. cit., p. 14.
95
satisfazer autoridades, ou apenas com o propósito de evitar punições, ou de atenuar as possíveis punições, mas
para genuinamente servir de instrumento na atuação ética de cada empresa que o adota.
É importante notar também que os benefícios da adoção de um Programa de Compliance Antitruste
não se restringem à prevenção de condutas que possam ser violadoras da Lei de Defesa da Concorrência, mas
também podem alcançar a condução de atos de concentração de acordo com a legislação vigente. Quando bem
estruturado, o programa pode, por exemplo, reduzir as chances de agentes econômicos realizarem atos de
integração antes da obtenção da aprovação do CADE – passíveis de punição caso verificado o “gun jumping”.
Por fim, vale ressaltar que apesar da ausência de previsão sobre os programas de compliance na Lei
de Defesa da Concorrência, o CADE reconhece o seu valor na medida em que confere possíveis benefícios para
as empresas que os adotam, como redução de multas para aquelas que já tinham programas implementados à
época da conduta investigada (e não à época das investigações).
4 BENEFÍCIOS AO INVESTIR EM UM PROGRAMA DE COMPLIANCE
A adoção de programas de compliance é capaz de propiciar uma ampla gama de benefícios. O primeiro
deles, mitigar os riscos de condenações e das respectivas penalidades dela decorrentes.
É sabido que a existência de um programa de compliance, por si só, não elimina os riscos aos quais a
empresa pode estar sujeita e tampouco a imuniza de possíveis condutas perpetradas por seus representantes que
sejam violadoras da legislação aplicável. Mas, quando implementado de forma eficaz, ele possibilita que as
relações entre os diversos entes, sejam privados ou públicos, sejam pautadas na ética corporativa, promovendo
o alinhamento de todos os integrantes quanto às condutas esperadas.
Neste cenário, não só as violações se tornam exceções, mas, quando tratadas de forma coerente com
os objetivos do programa, servem para tratar a conduta desconforme e para estabelecer parâmetros internos,
além de um alinhamento de discurso teórico com a prática. É a partir desse alinhamento que se verifica, no dia
a dia, a construção efetiva de uma cultura ética e de integridade nos negócios.
Ainda, possuir um programa de compliance eficaz possibilita a realização de acordos (e.g. leniência,
termo de compromisso de cessação) com as autoridades competentes, na medida em que permitem a
identificação de violações antes de possíveis investigações por parte de autoridades. Estes acordos, verdadeiros
artifícios previstos pela legislação para os casos de violação às normas de defesa da concorrência e
anticorrupção cuja implementação depende da verificação dos requisitos estabelecidos pela legislação e
regulamentação aplicáveis, permitem aos investigados, ou potenciais investigados, a depender do caso, a
colaboração com as autoridades, mediante o encerramento das práticas violadoras da Lei Anticorrupção ou da
Lei de Defesa da Concorrência, em troca de determinadas vantagens, como redução de multas e não aplicação
de determinados tipos de pena.Além da efetiva redução da exposição a possíveis penalidades, a boa reputação da empresa que adota
um programa de compliance efetivo é fato de destaque e que colabora como parte dos múltiplos esforços para
manutenção dessa boa reputação entre pares, fornecedores e clientes.
5 A FALTA DE INCENTIVO
Como se verá a seguir, o Brasil ainda não adquiriu maturidade suficiente quando o assunto é
compliance. Em especial, a pouca idade da legislação que trata da matéria (lei promulgada em 2013, que entrou
em vigor em 2014, tendo sido regulamentada apenas em 2015), que impede, neste momento, saber de que
maneira a legislação e a sua regulamentação serão aplicadas pelas autoridades competentes.
Ainda, do ponto de vista prático, e considerando o cenário atual brasileiro, em especial as investigações
de corrupção até o momento conduzidas pelas autoridades, o que se tem é a estruturação de programas de
compliance voltados única e exclusivamente para fins de prevenção a uma possível aplicação de sanção, já que
sua existência, como estudado, é causa atenuante.
COMPLIANCE: essência e efetividade
96
Tamanha é a falta de incentivo para que os programas de compliance passem a ser rotineiros e habituais
que em quatro anos de vigência da Lei Anticorrupção apenas 15 (quinze) Estados da Federação editaram normas
(decretos) para a regulamentação do compliance no âmbito de suas jurisdições, sendo eles: Alagoas16; Distrito
Federal17; Espírito Santo18; Goiás19; Maranhão20; Mato Grosso21; Mato Grosso do Sul22; Minas Gerais23;
Pernambuco24; Paraná25; Rio de Janeiro26; Rio Grande do Norte27; Santa Catarina28; São Paulo29; e Tocantins30.
Fato é que o Estado e a sociedade brasileira ainda precisam adquirir consciência com relação à efetiva
adoção de cultura do compliance e seus reais benefícios, migrando do estágio atual de “contenção de danos”.
Além disso, pela também conscientização das empresas quanto ao cumprimento da legislação, desvios de
condutas seriam minimizados, de tal modo que a Administração Pública poderia concentrar seus esforços na
promoção de políticas públicas e sociais. Some-se a isso, ainda, o volume de recursos que ainda são
desperdiçados nos âmbitos público e privado em razão da corrupção e que poderiam, a partir de um estágio de
maturidade da adoção dos programas de compliance, ser investidos em áreas carentes de recursos, como saúde,
educação e segurança31.
Assim, na medida em que a adoção de programas de compliance serviria não apenas para a melhoria
do relacionamento entre entes públicos e privados, mas também poderia levar à economia de recursos que hoje
escoam pelos ralos da corrupção, caberia ao Poder Público, em todas as suas esferas, mas especialmente na
Federal, atuar de forma mais incisiva para estimular a implementação de programas de compliance, tanto sob a
ótica antitruste quanto anticorrupção, visando promover a criação de uma cultura verdadeiramente ética.
6 COMO INCENTIVAR A ADOÇÃO DE PROGRAMAS DE COMPLIANCE
Conforme exposto, os normativos brasileiros, seja relativos ao programa de compliance anticorrupção,
seja relativos ao programa de compliance antitruste, são genéricos a ponto de não possuírem a força necessária
para impor às empresas a efetiva adoção de tais programas – muito embora o objetivo principal das normas
analisadas não seja tornar mandatória a adoção de tais programas, como já analisado acima, a sua adoção traz
benefícios relevantes para a sociedade, em especial a construção de uma sociedade ética e verdadeiramente
intolerante à corrupção.
Assim, para que possamos usar a adoção dos programas de compliance como um mecanismo efetivo
para criação de uma cultura empresarial ética, além de contribuir para um novo ambiente de negócios no Brasil,
que inclusive estimule o investimento estrangeiro, faz-se necessário o ajuste dos dispositivos legais já
existentes.
Neste sentido, no que diz respeito à Lei Anticorrupção, alguns embates ainda propiciam certo
desconforto para as empresas de fato enxergarem nos programas de compliance, e em todo o arcabouço que os
cercam, os benefícios estabelecidos pela legislação – que como já afirmado repetidas vezes, embora não sejam
um fim em si mesmos, servem como incentivadores para que se construa uma sociedade ética.
Um desses embates diz respeito à questão da “pluralidade” de competências – federal, estadual ou
municipal, e até concorrente em alguns casos, além de diversos órgãos em cada esfera de poder, para a investigação
e aplicação de penalidades; ou mesmo a dificuldade de definir a efetiva redução das penalidades possíveis – na
16 Vide Decreto Estadual AL nº 52.555/2017.
17 Vide Decreto nº 37.296/2016.
18 Vide Decreto Estadual ES nº 3.956/2016.
19 Vide Lei Estadual GO nº 18.672/2014.
20 Vide Decreto Estadual MA nº 31.251/2015.
21 Vide Decreto Estadual MT nº 522/2016.
22 Vide Decreto Estadual MS nº 14.890/2017.
23 Vide Decreto Estadual MG nº 46.782/2015.
24 Vide Lei Estadual PE nº 16.309/2018.
25 Vide Decreto Estadual PR nº 10.271/2014.
26 Vide Decreto Estadual RJ nº 46.366/2018.
27 Vide Decreto Estadual RN nº 25.177/2015.
28 Vide Decreto Estadual SC nº 1.106/2017.
29 Vide Decreto Estadual SP nº 60.106/2014.
30 Vide Decreto Estadual TO nº 4.954/2013.
31 SEIXAS, Beatriz. Estima-se que 2,3% do PIB brasileiro, cerca de USD 40 bilhões, sejam “perdidos”, anualmente, em razão de práticas
corruptas. Gazeta do Povo, Curitiba, maio 2017. Economia. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2018.
97
medida em que os parâmetros estão estabelecidos em decreto e não na lei. Já no que concerne à Lei da Defesa da
Concorrência, a ausência de regulamentação vinculante sobre os programas de compliance antitruste é preocupante
e figura como um entrave à segurança jurídica – como assegurar aos administrados a obtenção de benefícios efetivos,
já que os programas de compliance antitruste não constam da legislação vigente?
O primeiro ajuste que se sugere é, com relação à Lei Anticorrupção, a uniformização da competência
para julgamento e aplicação das sanções. Atualmente, são competentes para aplicação de sanções a
Controladoria-Geral da União (CGU), o CADE, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM), o Ministério
Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU), além de magistrados responsáveis por casos
concretos. Esta descentralização do poder de punir causa insegurança dada a incerteza de como e por quem o
agente será apenado.
A título de exemplificação, em um ato lesivo que envolve agente público federal, a CGU pode aplicar
as seguintes sanções: (a) multa de até 20% (vinte por cento) do faturamento bruto da empresa no exercício que
preceder à instauração do processo administrativo; (b) publicação extraordinária da decisão condenatória e; (c)
inclusão da empresa no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNPE). Caso este mesmo ato lesivo também
seja uma violação à Lei de Defesa da Concorrência, o CADE, por sua vez, pode aplicar multas de 20% (vinte
por cento) do faturamento bruto obtido pelo infrator no exercício que preceder a instauração do processo
administrativo e pode, cumulativamente ou não, aplicar sanções como (a) publicação, às expensas do infrator,
em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3
(três) semanas consecutivas; (b) proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de
licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos,
na Administração Pública Federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da
administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos; (c) inscrição do infrator no Cadastro Nacional
de Defesa do Consumidor; (d) cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos oucessação parcial de atividade; (e) determinar a prática de qualquer outro ato ou providência necessários para a
eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. Já o TCU pode aplicar multa de até 100% (cem por cento)
do dano causado ao erário e declarar a inidoneidade para licitações e contratações com o poder público por 5
(cinco) anos. Além das sanções impostas pelos órgãos acima mencionados, o agente poderá ser apenado no
âmbito do Poder Judiciário, com penalidades que variam desde o perdimento de bens, direitos ou valores até a
interdição e dissolução compulsória da companhia.
Fica claro, portanto, que a possibilidade de aplicação de tantas sanções, sem qualquer limitação entre
uma ou outra, ou ainda uma limitação global quando o mesmo ato puder ser objeto de penalização por mais de
uma autoridade, pode ocasionar duplicidade de sanções, além de, quando somadas, serem desproporcionais ao
tamanho do negócio ou mesmo ao ilícito praticado. Ainda, até que tais órgãos alcancem um consenso sobre a
aplicação das várias regras, o incentivo de atenuação da sanção imposta pela Lei Anticorrupção não figura como
benefício efetivo, já que o agente, ainda que tenha colaborado com a autoridade em uma esfera, e celebrado
acordo de leniência, poderá vir a ser apenado com multa aplicada por diversos outros órgãos que não tenham
participado do acordo.
Assim, faz-se necessário que as autoridades competentes não só busquem um entendimento entre si
para tornar viável a aplicação harmônica de todas as possíveis regras a um mesmo caso, como se beneficiem
das experiências já existentes – como a exitosa experiência do CADE na celebração de acordos de leniência
com participação do Ministério Público Federal e Estadual, para desenvolver modelos que tragam segurança
jurídica aos administrados. Ao invés de compartilharem a competência para punir, seria mais interessante
compartilharem o conteúdo das investigações individuais, para fins de coletar o maior número possível de
evidências capazes de justificar a punição da pessoa jurídica. Em oposição ao cenário ideal, o que se tem hoje
é a plena aplicação da teoria do domínio do fato32 e, em contrapartida, a falha tentativa probatória de fato
negativo.33
Já o segundo ajuste possível, para fins de viabilizar a adoção de programas de compliance, seria a
inclusão, na Lei de Defesa da Concorrência, de previsão específica sobre os programas de compliance e os
benefícios dele decorrentes. Isto porque, o que se tem até o momento é o Guia de Compliance do CADE, que
32 Hoje, no Brasil, a teoria do domínio do fato é usada como instrumento de imputação de responsabilidade, ou seja, aquele com
ascendência hierárquica ou gestão de terceiros ou de bens, pode ser responsabilizado pelos danos pela posição de domínio. No entanto,
a teoria do domínio do fato, desde sua origem, até a hoje consagrada releitura de Claus Roxin, tem como objetivo indicar a figura
central do acontecer típico, ou seja: quem é o autor e quem são os partícipes.
33 Prova de fato negativo é a chamada prova impossível: não há como provar, por exemplo, que alguém não estava em determinado lugar.
COMPLIANCE: essência e efetividade
98
não tem qualquer força vinculante, tratando-se apenas de recomendação e orientação. Quando presente em lei
federal, haveria então força vinculante. Além disso, haveria também uma segurança econômica e jurídica às
pessoas jurídicas que adotassem os programas permitindo inclusive auferir de forma mais direta o potencial
benefício econômico decorrente da sua implementação. Por fim, e não menos importante, evitar-se-iam
discussões infindáveis junto ao Poder Judiciário brasileiro sobre a efetividade e abrangência do programa, além
de aplicação dos benefícios dele decorrentes.
Percebe-se, assim, que com pequenos ajustes na Lei Anticorrupção e na Lei de Defesa da
Concorrência, o cenário de combate à corrupção e às práticas anticompetitivas seria igualmente modificado.
Com maior segurança jurídica oferecida aos administrados, somente deixariam de implementar programas de
compliance os sujeitos desavisados. Na realidade, é fato que as leis e regras de compliance servem para proteger
os indivíduos de si próprios.
7 CONCLUSÃO
Diante dos recentes escândalos de corrupção, e das consequências que tais escândalos trazem para as
políticas públicas brasileiras, como a redução de verbas para investimento em setores relevantes como saúde,
educação e segurança, além do desgaste do Brasil frente a seus parceiros internacionais, que também leva à
redução da confiabilidade do país para investimentos de longo prazo, não há dúvidas de que o combate à
corrupção e demais formas de atos lesivos contra o Estado (como é o caso dos carteis) é medida de urgência, e
deve ser abraçado por todos, de forma que tenhamos uma sociedade ética, e um ambiente de negócios íntegro,
que leve ao bem-estar da população em geral.
As questões de natureza anticorrupção guardam relevante similaridade com as questões de natureza
concorrencial, de modo que a adoção de programas de compliance efetivos que contemplem tanto umas quanto
outras, tende a ser benéfica para as empresas em geral e, consequentemente, para o mercado. Mais do que isso,
considerando que determinados atos lesivos podem se enquadrar tanto nos ilícitos da Lei Anticorrupção, quanto
nas condutas tipificadas pela Lei de Defesa da Concorrência, combatê-los e adotar medidas que se apliquem a
ambos, passa a ser necessário.
Embora a Lei Anticorrupção já traga de forma expressa a adoção de programas de compliance como
um dos fatores a ser levado em consideração na aplicação de penalidades em razão de violações da lei, fato é
que ainda existe bastante dúvida e insegurança com relação ao real alcance dos benefícios previstos na
legislação, seja pela multiplicidade de órgãos com competência para investigar e punir, seja pela ausência de
normas e procedimentos que harmonizem essa competência múltipla.
Desse modo, e ainda que o objetivo final dos programas de compliance não deva ser o de reduzir a
aplicação de penalidades (mas sim a construção de uma cultura ética, benéfica a toda a sociedade), é a partir
desse incentivo que a prática passa a ser disseminada. E podemos ir além: elaborado o programa, e verificado
o real benefício dele decorrente (assumindo, por óbvio, que se trate de programa plenamente eficaz), seja nas
decisões administrativas ou judiciais, é que a comunidade empresarial de fato passará a adotá-los.
Já no que se refere à Lei de Defesa da Concorrência, a inserção da adoção dos programas de compliance
como medida mitigadora das possíveis sanções em lei, e não apenas em regulamentos e cartilhas de
recomendação e orientação, é passo importante para reforçar a segurança jurídica dos administrados e, ao final,
alcançarmos a tão almejada disseminação da cultura ética em nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 8420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que
dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19 mar. 2015.
________. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no
8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo
Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994,
e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1º dez.
2011, retificado em 2 dez. 2011.
99
________. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobrea exigência de regras de governança corporativa e práticas de
compliance nas atividades de empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais refletirão não
apenas em seus processos internos, mas também em suas contratações e relacionamentos com o público
externo (fornecedores, terceiros, agentes públicos etc.).8
Nesse contexto de incremento da demanda por serviços de compliance – incentivado também pela
repercussão de operações como a Lava Jato –, os advogados (tanto públicos quanto privados) têm
desempenhado papel absolutamente central, em virtude de sua incontestável expertise na área jurídica. As
funções a eles concedidas nos programas de integridade são numerosas e inestimavelmente relevantes. De um
lado, esses profissionais têm integrado de modo protagonista os programas de integridade das instituições; de
outro, os escritórios têm formado ou ampliado seus departamentos destinados à prestação de consultorias
voltadas à implementação e ao aprimoramento de mecanismos de compliance nas entidades.
As atribuições da advocacia vão desde a concepção e elaboração de códigos de ética e regulamentos
internos, incluindo sistemas disciplinares, até a avaliação constante dos riscos concretos aos quais a organização
está exposta em termos de conformidade a normas aplicáveis. Além disso, esses profissionais promovem a
contínua revisão e adequação dos mecanismos de compliance estabelecidos, bem como oferecem treinamento
para funcionários e gestores. Igualmente, monitoram a estrita observância das práticas de boa governança
instituídas na instituição.
O desempenho dessas e de tantas outras funções nos programas de integridade impõe também vultosos
desafios à classe advocatícia, os quais devem ser enfrentados com seriedade e temperança. Entre eles, destaca-
se a necessidade de realizar o acompanhamento constante da evolução legislativa atinente ao ramo de atuação
da organização – não apenas no Brasil, mas também no âmbito internacional.
Além disso, conforme ensina o advogado e Presidente do Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do
Sul, Ricardo Breier:
todo advogado inicialmente deve ampliar seus conhecimentos em temas extrajurídicos (administrativo,
financeiro, contábil, sistemas de auditorias e due diligence, etc.), sendo este um requisito importante para
uma efetiva orientação, elaboração e identificação do melhor programa de compliance a ser adaptado e
operacionalizado no universo específico de cada empresa.9
Paralelamente, destaca-se também a importância de as bancas criarem seus próprios programas de
integridade, a fim de usufruir dos benefícios do compliance e dar à sociedade e ao próprio Estado o exemplo
no incentivo às boas práticas.
Diante desse quadro, a Ordem dos Advogados do Brasil tem atuado de maneira expressa para difundir
a importância dos programas de integridade. Para tanto, instituiu a Comissão Especial de Estudos Permanentes
8 PIRONTI, Rodrigo. Práticas de compliance nas empresas estatais e o prazo que se esgota. Consultor Jurídico, São Paulo, 16 fev.
2018. Disponível em: . Acesso em: 22 nov. 2018.
9 BREIER, Ricardo. Atuação de advogado na área de compliance impõe desafios. Consultor Jurídico, São Paulo, 7 fev. 2014.
Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2018.
COMPLIANCE: essência e efetividade
4
Sobre o Compliance, que realiza louvável trabalho, como evidenciado, entre tantos exemplos, pela promoção
do evento “Anticorrupção e Compliance: a ação da Ordem e a atuação do Advogado”, no dia 8 de novembro
de 2018, e pelo lançamento da Cartilha Nacional de Compliance da OAB, destinada a orientar todos aqueles
que pretendem estabelecer programas de integridade em suas organizações.
Por meio dessas ações, a Ordem reitera o seu compromisso inquebrantável com a cultura da ética e o
combate à corrupção, o que tem sido uma de suas mais destacadas contribuições ao aprimoramento do Estado
Democrático de Direito no País.
4 A ATUAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Desde a sua fundação, em 1930, a OAB tem sido enfática na promoção dos valores republicanos no
Brasil. Exemplo recente e emblemático disso pode ser verificado no ajuizamento da Ação Declaratória de
Constitucionalidade – ADC 30, que ensejou o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da
constitucionalidade da já mencionada “Lei da Ficha Limpa”. Esse diploma legal representa um marco
inescapável na luta da sociedade contra a improbidade administrativa, ao exigir de candidatos a cargos eletivos
conduta pregressa condizente com as elevadas responsabilidades que pretendem assumir.
Ainda no âmbito eleitoral, mencionam-se a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI 4650,
que assegurou a vedação ao financiamento de campanhas eleitorais por empresas, e a ADI 5394, que levou à
proibição das “doações ocultas” a candidatos. Sem sombra de dúvidas, essas duas ações contribuíram para
aperfeiçoar o sistema representativo brasileiro, uma vez que reduzem os efeitos do poder econômico sobre a
política e fortalecem a efetivação do princípio da transparência.
Igualmente, destacam-se as ações impetradas pelo Conselho Federal para questionar dispositivos de
constituições estaduais que condicionavam a instauração de ação penal contra Governador de Estado à prévia
aprovação pela respectiva Assembleia ou Câmara Legislativa. Nesse sentido, no ano de 2017, por ocasião do
julgamento da ADI 4777, juntamente com o das ADIs 4674 e 4362, o Supremo declarou a inconstitucionalidade
de normas das constituições da Bahia, do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal que estabeleciam a referida
necessidade de autorização pelo Legislativo estadual.
Considerando-se que, por via de regra, os governadores contam com maioria expressiva nas
respectivas Assembleias Legislativas, não se pode conceder à base aliada o poder de autorizar ou obstar o curso
de ações investigativas contra o chefe do Poder Executivo estadual. Diversamente, o interesse público deve ser
sempre defendido contra os efeitos nocivos das conveniências e dos acordos políticos. A governabilidade não
pode ser arquitetada de forma a promover a impunidade – notadamente em se tratando de representantes do
povo, dos quais se deve exigir, invariavelmente, o respeito absoluto aos princípios que regem a Administração
Pública, como a moralidade e a legalidade.
A essas ações de controle de constitucionalidade somam-se inúmeras outras, como exemplificam a
ampla campanha de conscientização acerca da importância do voto, a implementação de Comitês de Combate
ao Caixa 2 nas diversas Seccionais da Ordem e a disponibilização de aplicativo de celular para denúncia de
práticas de caixa 2.
No mesmo sentido, no primeiro ato da atual Gestão da OAB Nacional, solicitamos ao Supremo
Tribunal Federal o afastamento do então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Pouco tempo
depois, a Instituição apresentou solicitação similar em relação ao então senador Delcídio do Amaral.
Também com o propósito de defender os valores republicanos, a Ordem dos Advogados do Brasil
protocolou (com pesar, mas também com a certeza de cumprir um nobilitante dever) dois pedidos de
impeachment contra Presidentes da República, em um intervalo de apenas 14 meses. Esses pedidos
testemunham o inquestionável apartidarismo da Ordem dos Advogados do Brasil, na medida em que foram
impetrados em face de mandatários pertencentes a grupos político-ideológicos distintos. Ao mesmo tempo,
evidenciam a magnitude da crise que o País atravessa atualmente. Para que se tenha uma visão clara do cenário,
basta notar que, ao longo de 87 anos, a OAB havia solicitado uma única vez o impedimento de um Chefe de
Estado, em 1992.
Estamos, efetivamente, vivendo uma quadra história complexa, que desafia a própria legitimidade de
nossa classe política. Afinal, em nenhuma outra nação,a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 ago. 2013.
CHAVES, Anna Cecília Santos. A corrupção privada no Brasil. RJESMPSP, São Paulo, v. 4, p. 231-260,
2014. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2018.
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orientações sobre estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília:
CADE, jan. 2016. Disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2018.
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Brasília: CGU, set. 2015. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2018.
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em: . Acesso em: 13 ago. 2018.
MENDES, Francisco Schertel. Compliance: concorrência e combate à corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
TRAPP, Hugo Leonardo do Amaral Ferreira. Compliance na Lei Anticorrupção: uma análise da aplicação
prática do art. 7º, VIII, da Lei 12.846/2013. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, ano 13, n. 1237, 3 mar. 2015.
Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2018.
VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017.
UNITED KINGDOM. Bribery Act 2010. An Act to make provision about offences relating to bribery; and for
connected purposes. 8 abr. 2010. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2018.
101
LEI ANTICORRUPÇÃO, LENIÊNCIA E COMPLIANCE: avanços e desafios
Beto Vasconcelos*
Marina Lacerda e Silva**
RESUMO: Os regimes de colaboração e composição, previstos na colaboração premiada e no acordo de
leniência, em suas mais diversas modalidades, buscam atingir grau satisfatório de prevenção e repressão de
práticas ilícitas nocivas ao interesse público, consideradas de difícil alcance pelos meios investigatórios
clássicos. O debate que se coloca no presente trabalho é o estágio de maturação da implementação da legislação
e, portanto, da prática administrativa e judicial dela decorrente. Analisa-se, para tanto, os pontos críticos e
desafios para momento, diante da existência de disciplina normativa e jurisprudencial diversa para as distintas
modalidades de instrumentos de colaboração e leniência, e ainda reduzida previsão de conciliação, com
segurança jurídica, entre eles. Faz-se necessário modelar arranjo institucional transparente e previsível, que
deixe patente aos agentes envolvidos, públicos ou privados, os moldes de sua atuação, de forma coordenada,
respeitando-se a competência, objetivo e interesse de cada um. Neste texto, destaca-se a importância da
cooperação entre as instâncias sancionadoras, na tentativa de corrigir pelo menos duas questões relevantes de
impacto social e econômico: (i) a sobreposição institucional e (ii) a metodologia para o cálculo das penalidades
pecuniárias aplicáveis. Somente por meio da cooperação dos órgãos públicos em seu braço repressivo, em
especial, para definição de limites e campos de atuação transparentemente delimitados e no estabelecimento de
metodologias, dosimetrias e procedimentos padronizados, será possível garantir segurança jurídica e
credibilidade aos novos institutos de um novo sistema de colaboração, leniência, prevenção, repressão e
reparação.
Palavras-chave: Anticorrupção. Compliance. Acordo de leniência. Colaboração premiada. Cooperação.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Fragilidades dos regimes de colaboração e composição. 3 Cooperação entre as
instâncias sancionatórias. 4 Metodologia. 5 Considerações Finais.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil vivencia momento importante na evolução dos mecanismos administrativos e jurídicos, de
prevenção, controle, fiscalização e de repressão à corrupção1. Houve, nos últimos anos, intensa preocupação
social e institucional com os crimes ligados às atividades corruptivas, como a lavagem de dinheiro e o crime
organizado.
Brei (1996, p. 65) em artigo que busca investigar as diversas definições para corrupção (centradas no
mercado, no interesse público, na lei e na opinião pública) aponta para a dificuldade em se chegar a um consenso
sobre o conceito de corrupção:
O termo corrupção inclui uma enorme diversidade de atos: trapaça, velhacaria, logro, ganho ilícito,
desfalque, concussaõ, falsificação, espólio, fraude, suborno, peculato, extorsão, nepotismo e outros. Isso
cria razoável dificuldade para se chegar a uma definição consensual. O fenômeno pode ser observado
numa gradação quase infinita. Vai de pequenos desvios de comportamento à total impunidade do crime
organizado, por parte das várias áreas e níveis governamentais. Pode ocorrer suborno para a compra de
um benefício legalmente previsto - e o que se compra é maior rapidez ou precedência sobre outros
interessados -, como pode haver compra de um benefício ilegal. A natureza da ação, suas conseqüências
e a punição prevista seraõ totalmente diferentes.
* Advogado, ex-Secretário Nacional de Justiça, ex-Secretário para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, pós-graduado pela
Universidade de São Paulo, foi pesquisador visitante na Universidade de Columbia, Nova York.
** Advogada, mestranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-assessora da Secretaria de
Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
1 Ferreira Filho (1991, p. 3), reconhecendo ser um fenômeno que acomete várias sociedades no mundo, apresenta o seguinte conceito
de corrupção: “Em sentido estrito, o termo se refere à conduta de autoridade que exerce o poder de modo indevido, em benefício de
interesse privado, em troca de uma retribuição de ordem material.”.
COMPLIANCE: essência e efetividade
102
Assim, o aprimoramento desses mecanismos está na pauta do dia e só é possível a partir de uma atuação
conjunta dos três poderes da República, de Ministérios Públicos, de entes da Federação2 e da sociedade civil,
enquanto formação de uma grande rede colaborativa de combate à essa transgressão ética3 e moral4 que é o
crime de corrupção5. A cooperação entre essa rede, especialmente entre os atores institucionais, tende a trazer
mais transparência, eficiência e segurança jurídica para todos os agentes públicos e privados envolvidos na
aplicação das ferramentas previstas, por exemplo, na Lei Anticorrupção6 (Lei n. 12.846, de 2013) e na Lei de
Combate ao Crime Organizado (Lei n. 12.850, de 2013)7.
Promulgadas com um dia de diferença, logo após as manifestações de junho de 2013, as normas, que
hibernaram por muito tempo, entraram em vigor em momento turbulento do país. Pouco mais de um ano após
sua vigência, iniciava-se fase excepcional e de grande comoção da operação Lava Jato, que, naquela época,
começava a descobrir contratos superfaturados entre empreiteiras e a Petrobras.
Em razão desse cenário, e do foro por prerrogativa de função, não ocorreram as tradicionais fases de
experimentação das normas em primeira instância, de aperfeiçoamento e de harmonização pelas instâncias
superiores. Tudo isso permeado, ainda, por caótica disputa institucional do uso dos instrumentos, novos ou
repaginados, da colaboração premiada e do acordo de leniência, entre os órgãos de prevenção, controle e
repressão, nos casos de corrupção. É nessa seara que o presente artigo se apresenta.
2 FRAGILIDADES DOS REGIMES DE COLABORAÇÃO E COMPOSIÇÃO
Os regimes de colaboração e composição, previstos na colaboração premiada e no acordo de leniência8,
possuem como finalidade potencializar a obtenção de informações e dados que deem suporte a processos de
apuração eo povo enxerga seus representantes com tão elevado
5
grau de desconfiança, conforme relatório publicado em 2017 pelo Fórum Econômico Mundial. O Brasil
amargou o último lugar nesse quesito, na pesquisa que avaliou 137 países10.
Lamentavelmente, o índice não chega a surpreender, tendo em vista que uma pesquisa publicada em
julho de 2017 pela Revista Congresso em Foco revelou que cerca de 40% dos senadores da República e
deputados federais são alvo de inquéritos ou ações penais no Supremo Tribunal Federal11. Essas constatações
evidenciam a relevância e a urgência de combater a corrupção e de promover a cultura da ética. Como sabemos,
não existe democracia sem política – e não existe política sem políticos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O clamor da sociedade brasileira pelo efetivo combate à corrupção no País é cada vez mais intenso. A
despeito do longo caminho que ainda se deve percorrer para extirpar esse mal que há séculos causa danos à
política e à sociedade pátrias, é certo que temos alcançado importantes avanços jurídicos na matéria – tanto em
termos legislativos quanto em termos jurisprudenciais.
Além disso, recentes casos de condenação de integrantes das elites econômica e política no Brasil
demonstram um empenho salutar das autoridades no sentido de acabar com o histórico de impunidade no
território nacional.
Paralelamente, o crescimento da demanda por programas de compliance tende a contribuir para
promover uma transformação cultural em favor da ética e da moralidade, o que é imprescindível para nosso
progresso como civilização.
Nesse processo, a advocacia tem exercido função primordial. Esse protagonismo espelha o múnus
público exercido pela profissão, consagrada na Constituição da República de 1988 como indispensável à
administração da justiça, nos termos de seu art. 133. Coaduna-se, ademais, com a atuação da Ordem dos
Advogados do Brasil, que, ao longo dos anos, tem sido uma mais das aguerridas e proeminentes instituições da
sociedade civil a lutar contra a corrupção epidêmica no País.
REFERÊNCIAS
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Correio Braziliense, Brasília, 18 abr. 2018. Disponível em: . Acesso em: 21 nov.
2018.
BREIER, Ricardo. Atuação de advogado na área de compliance impõe desafios. Consultor Jurídico, São
Paulo, 7 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em 26 nov. 2018.
CARVALHO, Vinicius Marques; MENDES, Francisco Schertel. Compliance: concorrência e combate à
corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo: Globo,
2012.
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HOLADA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MACEDO, Fausto; ROBERTO NETTO, Paulo. ‘Mapa de risco’ do TCU indica 38 órgãos públicos federais
mais vulneráveis à fraude e corrupção. O Estado de São Paulo, São Paulo, 21 nov. 2018. Disponível em:
. Acesso em: 21 nov. 2018.
10 WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiveness Report 2017–2018. Geneva: World Economic Forum, 2017.
11 MACEDO, Isabella. Quem são e o que dizem os 238 deputados e senadores investigados no STF. Congresso em Foco, 25 jul.
2017. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2018.
COMPLIANCE: essência e efetividade
6
MACEDO, Isabella. Quem são e o que dizem os 238 deputados e senadores investigados no STF. Congresso
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ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI e XVIII. Belo Horizonte:
Autêntica, 2017.
WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiveness Report 2017–2018. Geneva: World Economic
Forum, 2017.
7
AS MEDIDAS PREVENTIVAS IMPLEMENTADAS PELA CGU NO COMBATE À
CORRUPÇÃO
Wagner de Campos Rosário*
1 INTRODUÇÃO
A corrupção é um mal que atinge todas as sociedades e que, segundo Efing, Efing e Misugi1, pode ser
definida como uma sobreposição do interesse pessoal sobre as necessidades coletivas, resultando em um dano
à sociedade, por meio da utilização indevida dos poderes concedidos a um agente por um determinado sistema
normativo, que ameaça o desenvolvimento do Estado Democrático de direito.
Trata-se de um fenômeno multifacetado, que atua de mãos dadas com o crime organizado. Ocorre
tanto no âmbito privado como no âmbito público, onde particularmente encontra um campo frutífero face às
atividades altamente diversificadas.
Pela sua característica de ocorrência oculta, a corrupção normalmente é mais sentida pelas suas
consequências. Conforme Ann Elliot2 o número e a variedade de países sofrendo escândalos de corrupção nos
anos recentes enfatizam o fato da corrupção diferir mundialmente em sua forma, disseminação e consequências.
Em países pobres a corrupção pode diminuir o crescimento econômico, impedir o desenvolvimento social, e
minar a legitimidade, consequências estas que exacerbam a pobreza e a instabilidade política. Em países
desenvolvidos os efeitos econômicos tendem a ser menos severos, apesar de que, mesmo nesses países, os
recursos desviados não estarão disponíveis para melhorar a qualidade de vida da população.
Iglesias Rio y Medina Arnáiz afirmam ser possível distinguir uma série de prejuízos oriundos da
corrupção, e os divide em materiais diretos e indiretos ou espiritualizados. Os prejuízos materiais diretos podem
ser o desvio da tomada de grandes decisões macroeconômicas, o rompimento da confiança econômica, a
distorção da distribuição eficiente dos bens, o desvio de recursos para atividades improdutivas, a piora da
qualidade e dos custos da produção, a afetação negativa à política exterior com numerosos Estados receptores
de ajuda, a provocação de falidas expectativas de inversões nacionais e estrangeiras por meio da extorsão e da
intimidação, a eliminação da competitividade, a destruição da moral geral econômica e da ética profissional
dos empresários3.
Conhecedores que somos das consequências perversas da corrupção em todos os seus aspectos, surge
a necessidade do desenvolvimento de estratégias que visem combater este mal de maneira efetiva. Segundo
Boehm4, a corrupção é um problema complexo que requer diferentes soluções. O autor levanta algumas
perguntas que devemos fazer quando nos deparamos com o problema e desejamos propor soluções. Falamos
de alto ou de baixo nível de corrupção administrativa? Estamos enfrentando a corrupção política, de estado ou
de captura regulatória? Existe um problema de desfalque, fraude, suborno, extorsão, nepotismo ou
favorecimento ou talvez a coalizão entre empresas? Conforme o autor, tentar absorver todo este fenômeno sob
uma noção elástica de corrupção seria como se um médico quisesse falar sobre diversas enfermidades de uma
maneira geral.
Dessa maneira é necessário que um país que tenha por objetivo lutar contra a corrupção, desenvolva
um plano muito bem montado que atinja todos os aspectos vinculados a este mal. Como muito bem descrito na
Convenção da Organização dos Estados Americanos contra a Corrupção, absorvida no Brasil pelo Decreto nº
* Ministro da Transparência e CGU.
1 EFING, Antônio Carlos; EFING, Ana Carla; MISUGI, Guilherme. Corrupção e Direito Civil:A corrupção como fator impeditivo
de desenvolvimento e o papel da sociedade civil. In: ________. Corrupção: Uma Perspectiva entre as Diversas Áreas do Direito.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 50-56.
2 ELLIOTT, Kimberly Ann. Introduce. In: ________. Corruption and the global economy. Washington D.C.: Institute for
International Economics, 1997, p. 1.
3 IGLESIAS RÍO, Miguel Ángel. MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas preventivas en la luchas contra la corrupción en el ámbito de
la Unión Europea. In: VVAA. Anuario de Derecho Constitucional Latino Americano. Montevideo: Uruguay, 2004. t. 2, p. 914-915.
4 BOEHM, Fréderic. 2008. Risks and Challenges of Corruption in Developing Countries' Infrastructures. Network Industries
Quarterly, Odyssea (SUI), v. 10, n. 2, p. 4-6, 2008.
COMPLIANCE: essência e efetividade
8
44105, de 7 de outubro de 2002, as medidas e ações adotadas por um país com a finalidade de lutar efetivamente
contra a corrupção passam necessariamente pela detecção, punição e prevenção de casos dessa natureza.
Serão abordados nos próximos parágrafos os aspectos preventivos da corrupção implementados pelo
Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União - CGU, não deixando de considerar, conforme
bem apontado por Della Porta e Vanucci6, em sua obra que trata do lado oculto da corrupção, que as causas da
corrupção estão presentes em diversas investigações, mas necessitamos conhecer seu lado obscuro,
compreender a complexa rede de intercâmbios corruptos que variam de um país a outro, para depois
implementar medidas efetivas de prevenção e luta contra este mal.
Importante a citação acima, pois, para a criação de mecanismos efetivos de prevenção da corrupção, é
necessário o conhecimento profundo do interior dos casos de corrupção recorrentes na sociedade em que
vivemos. E para o atingimento desse objetivo é preciso que os órgãos de Estado tenham capacidade de detecção
e de investigação.
Em razão do tema desta obra, não se pode deixar de ressaltar os diversos trabalhos desenvolvidos pela
CGU no campo específico do combate à corrupção, trabalhos esses desenvolvidos em parceria com os demais
órgãos de defesa do Estado. Os resultados dessas investigações conjuntas servem e serviram de base para a
implementação de diversos mecanismos preventivos que aqui serão apresentados.
2 A CGU E SEU PAPEL NA LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO
A criação da CGU em muito se relaciona com a Convenção Interamericana contra a Corrupção, visto
que na referida convenção, em seu Art. 3º, Item 9, que trata das Medidas Preventivas contra a corrupção, está
previsto o seguinte:
Para os fins estabelecidos no artigo II desta Convenção, os Estados Partes convêm em considerar a
aplicabilidade de medidas, em seus próprios sistemas institucionais destinadas a criar, manter e fortalecer:
9. Órgãos de controle superior, a fim de desenvolver mecanismos modernos para prevenir, detectar, punir
e erradicar as práticas corruptas.
Como já mencionado, o Estado Brasileiro ratificou a Convenção da OEA em 07 de outubro de 2002,
e em seguida, mais precisamente em 28 de maio de 2003, foi publicada a Lei 10.6837, já revogada pela Lei
13.502/20178, alterando a composição e o nome da Corregedoria-Geral da União para Controladoria-Geral
da União, bem como suas atribuições, conforme o artigo 17 da lei:
Art. 17. À Controladoria-Geral da União compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da
República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do
Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública,
à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da
transparência da gestão no âmbito da administração pública federal.(Redação dada pela Lei nº 11.204, de
2005) (grifo nosso).
Em 2017, a Controladoria-Geral da União passou a se chamar Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União, mantendo a mesma sigla de antes, ou seja, CGU. Além da sigla, o órgão manteve
as mesmas atribuições anteriores, tendo agora também, como ministério, a responsabilidade de criação de
políticas anticorrupção de nível nacional.
Segue cópia do inciso I do Art. 66 da lei 13.502, de 01 de novembro de 2017, que traz parte das
competências da CGU:
5 BRASIL. Decreto nº 4410, de 7 de outubro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 8 out. 2002. Disponível em:
.
6 DELLA PORTA, Donatella. VANUCCI, Aberto. The hidden order of corruption: an institutional approach. Farnham: Ashgate
Publishing Limited, 2012, p. 30-33.
7 BRASIL. Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, 29 maio 2003. Disponível em:
.
8 BRASIL. Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 3 nov. 2017. Disponível em:
.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11204.htm#art1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11204.htm#art1
9
I - providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à
correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência
da gestão no âmbito da administração pública federal;
3 AÇÕES PREVENTIVAS DA CORRUPÇÃO DESENVOLVIDAS PELA CGU
Acerca das ações preventivas desenvolvidas pela CGU, serão abordadas as iniciativas focadas na
transparência, ouvidoria e fomento à integridade nos âmbitos público e privado.
3.1 Transparência
A adoção de medidas preventivas da corrupção passa necessariamente pela transparência das
informações. O primeiro passo a ser dado por um país que tenha por objetivo vencer a luta contra a corrupção
é o aprimoramento da transparência, pois essa, além de ser um direito previsto no Art. 5º da Constituição
Federal, é um dever de todos os Estados.
A Transparência não é simplesmente a disponibilização de dados públicos ao cidadão. A Transparência
é uma política, que envolve a Transparência Ativa, a Transparência Passiva, a política de dados abertos e o
fomento ao controle social.
Transparência Ativa, segundo a CGU9, é a divulgação de dados por iniciativa do próprio setor público,
ou seja, quando são tornadas públicas informações, independente de requerimento, utilizando principalmente a
Internet. Um exemplo são as seções de acesso às informações dos sites dos órgãos e entidades.
A principal medida de Transparência Ativa da CGU é o Portal da Transparência. O portal foi lançado
em 2004 e, em 2017, atingiu mais de 21 milhões de visitas, alcançando uma média de mais de 850.000 visitantes
por mês e propiciando centenas de reportagens produzidas a partir dos dados disponibilizados.
Casos de corrupção foram detectados a partir desse instrumento de transparência ativa, como o caso
dos estudantes da UFPR que detectaram, sozinhos, uma fraude na Universidade, sem saber que em sigilo estava
em andamento uma operação de órgãos do Governo Federal (Operação Research) que resultou em 29 prisões
temporárias e 36 mandados de busca e apreensão.
Mais recentemente, em 2018, e passados cerca de 14 anos do lançamento do primeiro portal, o mesmo
foi relançado com uma série de aprimoramentos. Com a adoção de uma linguagem mais cidadã, foram
promovidas melhorias em suas funcionalidades, tais como a diversidade de formas de navegação e o
estabelecimento de recursos de pesquisa, de consolidação de dados e de monitoramento de despesas.
No campo da Transparência Passiva destaca-se o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao
Cidadão (e-SIC), que é um sistema que centraliza as entradas e saídas de todos os pedidos de acesso dirigidos
ao Poder Executivo federal. O objetivo do e-SIC é organizar e facilitar os procedimentos de acesso à informaçãotanto para os cidadãos quanto para a Administração Pública10. O sistema permite que qualquer pessoa
encaminhe pedidos a órgãos e entidades do Poder Executivo federal – PEF, bem como faça o acompanhamento
dos seus pedidos.
O trabalho de fiscalização e acompanhamento do cumprimento da LAI, executado pela CGU em todos
os órgãos e entidades do Poder Executivo federal, gera respostas efetivas no campo da transparência
passiva. O Brasil apresenta atualmente um tempo médio de resposta de 15 dias às solicitações de acesso
a informação, quando a Lei de Acesso a Informação prevê 20 dias prorrogáveis por mais 10, estando o
nível de omissão de respostas em apenas 0,2%.
Importante lembrar que a ideia de transparência atual passa pela disponibilização de dados abertos. Assim
sendo, foi editado o Decreto 8.77711, de 11 de maio de 2016, que institui a Política de Dados Abertos do
Poder Executivo federal. Em que pese o decreto atribuir a gestão da política ao Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG, essa atribuição já foi repassada à CGU.
O Decreto também atribuiu à CGU o monitoramento da execução dos planos de dados abertos dos órgãos
e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. A CGU vem
9 CGU. Perguntas Frequentes 9: O que é transparência ativa? 2018. Disponível em: . Acesso em: 29 out.
2018.
10 CGU. Perguntas Frequentes 13: O que é o e-SIC? 2018. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2018.
11 CGU. Decreto nº 8.777, de 11 de maio de 2016. Diário Oficial da União, Brasília, 12 maio 2016. Disponível em:
.
COMPLIANCE: essência e efetividade
10
acompanhando a execução do plano e, com a finalidade de permitir o controle social do cumprimento
dos planos, lançou o Painel de Monitoramento de Dados Abertos12. Atualmente, das 3150 bases previstas
para abertura, 75% já estão abertas, 9% estão em processo de abertura, e 16% estão em atraso.
Porém, a transparência dos dados públicos não se resume ao fornecimento de informações. É
necessário a implementação de uma cultura de transparência que permita o desenvolvimento do tão falado
controle social. De nada adianta disponibilizar dados ao cidadão se este não os utiliza para os fins desejados.
Vale recordar que a geração dessa cultura da transparência não é tão simples quanto se parece.
Rothstein e Uslaner13 alegam que em sistemas políticos nos quais as políticas governamentais são ineficientes,
parciais e corruptas, se torna difícil o desenvolvimento de um sentimento de solidariedade social. Em seu lugar,
estimula-se a confiança particularizada em diferentes grupos sociais em sobreposição à confiança generalizada
em toda a sociedade.
Sabedores dessa consequência danosa da corrupção, ou seja, a destruição do sentimento de
pertencimento à sociedade que destrói a participação da sociedade na coisa pública, o Ministério da
Transparência vem desenvolvendo atividades de fomento ao controle social.
Ressalta-se a realização de mais de 400 eventos versando sobre o fomento ao engajamento de cidadãos
e organizações na fiscalização de recursos públicos. As capacitações acerca do tema já atingiram mais de 2700
municípios e mais de 50.000 participantes.
Vale ressaltar ainda a Escala Brasil Transparente (EBT), uma metodologia que visa medir a
transparência pública em estados e municípios brasileiros. A EBT foi desenvolvida para fornecer os subsídios
necessários ao Ministério da Transparência para o exercício das competências que lhe atribuem os artigos 59
da Lei Complementar nº 101/200014 e 41 (I) da Lei de Acesso à Informação15, assim como os artigos 68 (II)
do Decreto nº 7.724/201216 e 18 (III), do Decreto nº 8.910/201617.
A EBT avalia o grau de cumprimento de dispositivos da Lei de Acesso à Informação (LAI). Suas três
versões iniciais concentraram-se na transparência passiva e, por isso, foram realizadas solicitações reais de
acesso à informação aos entes públicos avaliados. Foram atingidos 2355 entes federativos, sendo 2301
municípios, 26 capitais de estados, 26 estados e o Distrito Federal. A escala está sendo reestruturada para as
próximas edições com fins de abarcar também outros aspectos que fomentem cada vez mais a transparência em
estados e municípios.
3.2 Ações de ouvidoria
A Ouvidoria-Geral, pertencente anteriormente à estrutura do Ministério da Justiça, foi incorporada à
CGU em 28 de março de 2002, por determinação constante do Decreto 417718. Após 16 anos, a Ouvidoria-
Geral da União (OGU) se desenvolveu e inovou através de iniciativas que visam prevenir e detectar casos de
corrupção além de desburocratizar o serviço público.
A OGU possui competência para exercer a coordenação técnica do segmento de ouvidorias do Poder
Executivo federal, que atualmente conta com 386 ouvidorias espalhadas pelos diversos órgãos e entidades.
No campo da detecção de casos de corrupção no Brasil, destaca-se incialmente, a criação do Sistema
e-Ouv, em 2015. Trata-se de um canal integrado para encaminhamento de manifestações (denúncias,
reclamações, solicitações, sugestões e elogios) a órgãos e entidades do Poder Executivo federal, canal este que
se encontra disponível na Internet e funciona 24 horas/dia, inclusive sábados, domingos e feriados19.
12 CGU. Painel de monitoramento de dados abertos. 2018. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2018.
13 ROTHSTEIN, B.; USLANER, E. All for all: equality, corruption and social trust. World Politics, Cambridge, v. 48, 2005, p. 41.
14 BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 5 maio 2000. Disponível em:
.
15 BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Diário Oficial da União, Brasília, 18 nov. 2011. Disponível em:
.
16 BRASIL. Decreto nº 7724, de 16 de maio de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, 16 maio 2012 e retificado em 18 maio 2012.
Disponível em: .
17 BRASIL. Decreto nº 8910, de 22 de novembro de 2016. Diário Oficial da União, Brasília, 23 nov. 2016. Disponível em:
. Acesso em: 13 nov. 2018.
18 BRASIL. Decreto nº 4177, de 28 de março de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 1º abr. 2002. Disponível em:
.
19 CGU. Perguntas Frequentes 7: o que é decreto 7.724/2012? 2018. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7724.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8910.htm
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Em 2017, das mais de 80 mil manifestações de cidadãos recebidas pelo Poder Executivo federal por
meio do e-Ouv, 15.000 eram referentes a denúncias de casos de corrupção e fraude. De maneira a facilitar a
implementação de canais de denúncia nos municípios brasileiros, que possuem sérias dificuldades financeiras
e estruturais, a CGU desenvolveu, em 2017, o e-Ouv Municípios, uma ferramenta destinada para o recebimento
das manifestações de ouvidoria no âmbito municipal nos mesmos moldes da existente no âmbito federal.
Em 2018, fruto do trabalho intenso de estruturação e racionalização do serviço público, o Governo
Federal editou o Decreto 9.492, de 05 de setembro de 2018, que instituiu o Sistema de Ouvidoria do Poder
Executivo federal, e ratificou o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União – CGU, por meio
da OGU, como órgão central do sistema. Além disso, o decreto deixou claro que as manifestações dirigidas ao
governo deveriam ser feitas preferencialmente por meio digital, e obrigatoriamente pelo e-Ouv.
Todas essas medidas vêm gerando resultados positivos para a detecção de casos de corrupção,destacando-se os resultados apresentados pelo Barômetro Global da Corrupção da Transparência
Internacional20. Segundo o documento mencionado, o Brasil é o país que mais acredita que os cidadãos podem
fazer a diferença na luta contra a corrupção (83% dos entrevistados) e o segundo país da América Latina e
Caribe em que os cidadãos mais acreditam no canal de denúncia (74%), mesmo sem a existência de uma lei
específica de proteção ao denunciante.
Importante também destacar a iniciativa da OGU na avaliação cidadã de programas de governo. Como
é de conhecimento geral, muitos programas do Governo Federal impactam diretamente a vida dos cidadãos,
tais como o Programa de Alimentação Escolar e o Programa Nacional de Transporte Escolar.
Com uma iniciativa inédita e tecnológica, a OGU, aproveitando toda a riqueza existente na base de
dados do e-Ouv, passou a compilar as informações disponíveis e proceder a uma avaliação dos programas de
governo por meio da visão do cidadão. Esses relatórios são repassados à área de auditoria da CGU e aos gestores
dos programas federais com fins de melhoria dos serviços entregues ao cidadão.
Outra iniciativa que segue o mesmo caminho é a criação de aplicativos que objetivam fortalecer o
controle social, prevenir a corrupção e melhorar a prestação dos serviços públicos. Vale citar o aplicativo da
merenda escolar. Trata-se de uma parceria da CGU com a Universidade Federal do Pará e do Massachusetts
Institute of Technology - MIT. Por meio do aplicativo, as crianças podem tirar fotos da merenda e dessa maneira
permitir que o fornecimento da merenda seja fiscalizado à distância. Os resultados iniciais representaram uma
melhoria sensível na qualidade da merenda e no engajamento cívico de crianças, pais e professores.
Tendo em mente, também, que uma das atribuições precípuas das ouvidorias é promover a participação
do usuário na administração pública (art. 13, I, Lei n° 13.460/2017), a Ouvidoria-Geral da União tem buscado
não somente expandir a adoção do Sistema e-Ouv por parte de entidades públicas, estados e municípios, mas,
também, facilitar sua utilização por parte do cidadão. Nesse sentido, um dos projetos desenvolvidos pela CGU
foi de permitir a integração do e-Ouv com outras plataformas que visam permitir a manifestação de usuário de
serviços públicos com aplicativos da sociedade civil ou com sistemas utilizados pelos órgãos e entidades
públicas. A integração significa, na prática, que o cidadão poderá optar por realizar sua manifestação por meio
de outras plataformas que não o e-Ouv, mas ela continuará sendo registrada no banco de dados oficial do
governo federal e deverá ser tratada e respondidas em observâncias a legislação e normas aplicáveis à matéria.
Na área de desburocratização a OGU vem se destacando pelas inovações trazidas. Sabe-se que a
burocratização dos serviços públicos é condição facilitadora para a que a corrupção prospere. Como é de
conhecimento geral, uma administração pública corrupta cria dificuldades para vender facilidades. Destaca-se
neste tema a criação do sistema SIMPLIFIQUE.
A ferramenta, promovida pelos ministérios da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU)
e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, é a maneira pela qual qualquer usuário de serviços públicos
pode contribuir e participar do processo de simplificação do país, fiscalizando os padrões de atendimento
definidos pelo Decreto nº 9.094, de 17 de julho de 2017.
O sistema permite o encaminhamento de solicitação de simplificação dos serviços prestados por
qualquer órgão ou entidade do Poder Executivo federal. Basta acessar o sistema, dizer qual o serviço que se
deseja simplificar e encaminhar a solicitação. A iniciativa é analisada e encaminhada para o Comitê de
Desburocratização do órgão responsável. O prazo para resposta é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30.
20 TRANSPARENCY INTERNATIONAL (org.). Global Corruption Barometer: Citizens`Voices from around the world. 15 nov.
2017. Disponível em: .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9094.htm
COMPLIANCE: essência e efetividade
12
Visando ampliar ainda mais os mecanismos de acesso dos cidadãos à Administração Pública, encontra-
se em desenvolvimento no âmbito do Ministério da Transparência instrumento de interlocução denominado
chatbot. Trata-se de aplicativo baseado em regras e inteligência artificial, que interagirá de forma automática
com o cidadão, auxiliando-o a registrar uma manifestação no sistema e-Ouv. Assim que estiver concluído, o
chatbot da CGU funcionará diretamente em sua página do Facebook, bem como em número exclusivo de
Whatsapp a ser amplamente divulgado.
3.3 Ações de integridade
Para atuar efetivamente na prevenção da corrupção os países sabem que devem desenvolver ações que
atinjam os dois lados da moeda, ou seja, o público e o privado. Dessa maneira, a CGU, de forma inovadora,
começou a tratar o assunto integridade em dezembro de 2010, quando, na semana das comemorações do Dia
Internacional de Combate à Corrupção, em parceria com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social, instituiu o Cadastro Empresa Pró-Ética, iniciativa pioneira na América Latina, criada para promover
junto ao setor empresarial a adoção voluntária de medidas de integridade e de prevenção da corrupção,
fomentando a criação de um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente21.
A iniciativa recebeu diversos reconhecimentos internacionais. Em 2012 foi reconhecida como boa
prática no âmbito da 4ª avaliação da OEA, pela Comissão de Peritos do MESICIC (Mecanismo de
Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana contra a Corrupção). Em 2013 a UNODC22
se referiu ao Pró-Ética como um dos melhores exemplos de incentivos para que empresas invistam
voluntariamente em programas anticorrupção e outras medidas que fortaleçam a integridade corporativa. E em
2014, por ocasião da 3ª rodada de avaliação da Convenção da OCDE, a organização a considerou como um
esforço positivo do Governo Brasileiro.
Buscando cada vez mais fomentar iniciativas de integridade no âmbito privado, em 2013, o Governo
Federal sancionou a lei 12.846, conhecida no Brasil como Lei da Ficha Limpa ou Lei Anticorrupção. O referido
dispositivo legal trouxe a previsão de se levar em conta, na aplicação das sanções previstas, a existência de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta.
Essa previsão legal veio impulsionar ainda mais a implementação de planos de integridade no âmbito
privado. Dessa maneira, entre 2014 e 2015 a CGU reestruturou o Pró-Ética, adaptando-o à lei e criando uma
nova metodologia de avaliação e divulgação do cadastro Pró-Ética.
Na mesma esteira, e conhecendo a realidade das empresas brasileiras, que em sua grande maioria se
caracterizam por ser de micro e pequeno porte, a CGU em parceria com o SEBRAE lançou o programa
“Empresa Íntegra”. Trata-se de um programa de fomento à integridade para esse público específico de
empresas. Foram produzidos materiais de divulgação23 além de capacitações e sensibilização sobre o tema.
No âmbito público, a CGU vinha atuando no governo federal, para a melhoria da integridade, através
de suas macros funções. Em que pese o esforço empreendido, não existia base legal e organização metodológica
para que os órgãos do Governo Federal implementassem programas de integridade de forma a prevenir casos
de corrupção em suas atividades corriqueiras.
O primeiro passo nesse sentido foi dado com a implementação da Instrução Normativa Conjunta nº 1
MP/CGU, de 2016. A IN trata da adoção de medidas para sistematização de práticas relacionadas à gestão de riscos,
aos controles internos, e à governança. Na Seção I, onde são abordados