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Terror além do medo

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TERROR ALÉM DO MEDO
Ivanir França*1
MONSTER. Produção Isabel Perez; Annmeree Bell.
Direção: Jennifer Kent. 20052.
Um menino (Samuel) vestido de cavaleiro Cruzado salta da cama, empunha sua espada de
madeira, imobiliza seu inimigo – inerte no chão – com o pé esquerdo e desfere vários golpes
ao indefeso boneco de pano. Com um grito estridente, típico de crianças menores de 10 anos,
o garoto “finaliza” seu adversário com uma panelada. 
A cena, corriqueira da brincadeira é cortada pelo título do filme: Monster. Há, neste pequeno
trecho inúmeros elementos narrativos suficientes para posicionar o espectador sobre a
abordagem do curta. 
A textura desaturada da película, filmada em preto e branco, dá ao curta - de Jennifer Kent -
um tom de filme dos anos 30, década em que o terror teve seu boom. Stephen King comenta
em seu livro Dança Macabra (2012) que os anos 30 deram vazão ao gênero, principalmente
como escape à grande depressão. 
Desde então o terror consagrou-se como um dos gêneros mais “atraentes” do cinema.
Contudo, o que nos atrai a ele? King (2012) comenta: “O terror nos atrai porque ele diz, de
uma forma simbólica, coisas que teríamos medo de falar abertamente, aos quatro ventos; ele
nos dá a chance de exercitar emoções que a sociedade nos exige manter sob controle”. Em
outras palavras, você pode chafurdar no obscuro da sua alma ao ver um feixe de luz emitido
por um projetor, desde que eles “realmente” não existam. 
É essa concepção que Jennifer parece querer quebrar. Ela utiliza-se de uma linguagem já
usada e reusada no gênero e ao mesmo tempo confronta essas ideias por meio de uma
abordagem de terror psicológico, não carregando a película de estereótipos clássicos do
1 Jornalista graduado pelo Centro Universitário Estácio de Sá; pós graduando em Cinema pela 
Universidade Tuiuti do Paraná e mestrando em Literatura pela Universidade Federal de Santa 
Catarina.
2 Resenha crítica apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso para a obtenção do título de 
Pós graduação em Cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná. 
1
terror. Isto é, partindo dos conceitos de King (2012), uma mescla entre o mal interior
(vontade consciente de se praticar o mal) e o mal exterior (maldade predestinada, que é
atribuída a você).
O filme ‘recomeça’ com um plano geral externo. O espectador visualiza a mãe de Samuel em
frente à pia com louças sujas e ao fundo ele corre pela casa, com espada em punho, aos urros.
Entre os gritos, há frases em referência ao monstro – até então representado pelo boneco.
Além disso, uma tomada rápida sobre um prato com sobras de comida mostra insetos
alimentando-se dos restos. Trata-se de uma cena característica de filmes de terror, onde
constrói-se a ideia de elementos demoníacos ou possessões. No entanto, a cena é confrontada
com uma tomada da mãe olhando o vazio em transe.
Sua concentração é quebrada por um grito de horror do menino. A tomada mostra Samuel
olhando por entre a porta entreaberta do armário. A cena é interessante, pois o garoto não
está horrorizado, mas sim curioso. Essa evocação, contrastando elemento sonoro e visual,
provoca no espectador uma dúvida sobre a real intenção do garoto. 
Sua mãe aparece, ele corre aos seus braços. Há por parte dela o revés, a negação à existência
do monstro. O garoto se desvencilha dos braços dela e corre a outro cômodo. Ela afirma: “é
só um boneco”. Ele, em tom de curiosidade e desafio, dispara: “Não, ele existe de verdade!”. 
Algumas partes da cena são filmadas em primeira pessoa – pelo vão da porta do armário – o
que sugere ao espectador que há algo ali. E, ele está ao lado de quem, em posição de voyer,
visualiza a cena na segurança proporcionada pela quarta parede. A tomada segue com a mãe
abrindo o armário e o garoto a interpelando com a frase: “Ele disse que vai me devorar”. A
mãe tem uma reação imediata, violenta, sacudindo o garoto e mandando-o parar. Pós
explosão, há o tradicional arrependimento pela agressividade e o convite para passar a noite
no quarto com a ela. 
A tensão da cena é quebrada pelo chio de uma panela sem água sobre o fogo. O corte
providencial tem como objetivo levar o espectador a outro ambiente, fora da cena
visualizada. A mulher joga a panela vazia na água e o espectador é levado com ela ao
banheiro, com Samuel mergulhado na banheira brincando com aviões e navios de guerra. 
2
A cena dura alguns segundos e enquanto Samuel rende-se à brincadeira, a mãe vai até o
armário buscar roupas. A tomada, gravada no contra luz, traz ao espectador a silhueta do
rosto da mãe escolhendo as roupas. 
Ao finalizar a tarefa, ela detém-se e olha ao fundo do armário e vê o monstro pela primeira
vez. Também, entre curiosidade e medo ela dá alguns passos para trás, e a porta do armário
se fecha. Um pouco receosa ela volta a abri-lo, para notar com alívio que não há nada ali.
Essa estrutura de terror não é explícita, quer dizer, não há elementos suficientes de impacto
no ecrã que divulguem ao espectador o horror vivenciado na cena. São sutis pontos que
fazem com que o espectador atue na montagem do que está acontecendo. King (2012)
defende: “o trabalho de terror se transforma realmente em uma dança – uma busca ritmada,
em movimento. E o que ela procura é o lugar onde você, o espectador ou leitor, viva no seu
nível mais primário”.
A assertiva de King (2012) é comprovada no ato final do curta. No quarto, ao lado da
pretensa segurança da mãe, Samuel distrai-se com a história dos três porquinhos, narrada
pela progenitora. Dá-se início à parte mais carregada do filme, onde o terror explícito
trabalha em parceria com o terror psicológico.
Ouve-se barulhos vindos de fora do quarto, a mãe levanta-se e abre a porta. E pela primeira
vez explicitamente vemos o monstro. A mãe depara-se com ele cara a cara e ele some.
Samuel grita. A mãe fecha a porta, olha para ele e diz: “está tudo bem!”. Ele responde com
um sussurro: “embaixo da cama”. Ela volta a abrir a porta e sai do quarto. À suas costas a luz
apaga-se e Samuel emite um grito de terror.
Note que, embora o espectador já tenha ficado frente a frente com o monstro, ele ainda é um
ser obscuro, distante. Que age nas sombras. King (2012) salienta que este processo é o que
torna o terror uma arte, pois ele está em busca de alcançar algo além do que é visual. “Está
procurando pelo que eu chamaria de pontos de pressão fóbica. A boa história de terror vai se
embrenhar no seu centro mais vital e encontrar a porta secreta para a sala que você
acreditava que ninguém além de você conhecia”. 
3
E é nesse ponto que Jennifer surpreende. A tomada final do filme é primordial e ao mesmo
tempo completamente aterrorizadora. A mãe volta ao quarto, o monstro está sobre a cama,
Samuel no chão encolhido com a cabeça entre as pernas. A mãe resolve confrontar o
monstro. E em um ato de “coragem” ameaça-o de morte: “Se você voltar aqui, sem minha
autorização, eu vou matá-lo”. 
A cena que segue e a frase dão ao espectador elementos narrativos suficientes para entender
que o monstro que aterroriza o garoto é um monstro criado pela mãe. A mãe vai até o armário
e encarando o monstro fecha-o ali. Samuel, alheio ao que ocorreu neste lapso temporal,
dorme tranquilamente. 
O dia amanhece, a mãe levanta-se e numa referência ao que menciona King (2012), esconde
seu monstro no lugar mais escuro da casa – armário -, mas o alimenta com um copo de leite.
Ou seja, retornamos ao terceiro parágrafo: “O terror nos atrai porque ele diz, de uma forma
simbólica, coisas que teríamos medo de falar abertamente, aos quatro ventos; ele nos dá a
chance de exercitar emoçõesque a sociedade nos exige manter sob controle”.
4
REFERÊNCIAS
KING, Stephen, Dança Macabra. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
MONSTER. Produção Isabel Perez; Annmeree Bell. Direção: Jennifer Kent. 2005. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=s6n7MpB8xdU>. Acesso em 15 fev. 
2015.
 
5

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