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Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Ca´lculo 1 O problema da velocidade instantaˆnea Suponha que um carro se move em uma estrada com velocidade constante e igual a 60 km/h. Se no instante t = 0 ele estava no marco zero da estrada, na˜o e´ dif´ıcil notar que a func¸a˜o que fornece a posic¸a˜o em um instante t > 0 e´ dada por s(t) = 60t. De uma maneira mais geral, se a posic¸a˜o inicial era s0 ∈ R e a velocidade (constante) e´ igual a v0 ∈ R, enta˜o a posic¸a˜o e´ dada por s(t) = s0 + v0t. Voceˆ certamente ja´ se deparou com o problema acima. Na verdade, nos seus estudos do ensino me´dio, considerava-se uma situac¸a˜o mais geral, com o carro tendo uma acelerac¸a˜o constante e igual a a ∈ R. Nesse caso, supondo que a posic¸a˜o inicial e´ s0 e a velocidade inicial e´ v0, sabemos que a equac¸a˜o do espac¸o e´ dada por s(t) = s0 + v0t + 1 2 at2, t > 0, que e´ exatamente a equac¸a˜o do espac¸o do movimento uniformemente variado. Como a acelerac¸a˜o e´ igual a a, podemos facilmente deduzir que a velocidade do carro, em func¸a˜o do tempo, e´ dada pela func¸a˜o v(t) = v0 + at, t > 0. Estamos interessados aqui no seguinte problema: supondo que conhecemos a posic¸a˜o do carro s(t), queremos determinar a sua velocidade v(t) em um dado instante t > 0. No caso em que s(t) e´ um polinoˆmio de grau 1 ou 2, a soluc¸a˜o ja´ foi dada nos dois para´grafos anteriores. O que queremos agora e´ obter uma forma de calcular a velocidade para func¸o˜es s(t) mais gerais. As ideias que vamos desenvolver servem para muitas expresso˜es da func¸a˜o s(t). Pore´m, para fixar essas ideias, vamos supor que s(t) = t3. Tambe´m, para facilitar a exposic¸a˜o inicial, vamos supor que queremos encontrar a velocidade do carro no instante t = 2. Sumarizando, vamos tratar do problema seguinte: Problema: Supondo que a posic¸a˜o do carro seja dada por s(t) = t3, qual e´ a velocidade do carro no instante t = 2? A primeira coisa que deve ser observada e´ que as fo´rmulas aprendidas no ensino me´dio na˜o sa˜o suficientes para obtermos a resposta. De fato, as fo´rmulas anteriores so´ se aplicam para aos casos em que a func¸a˜o s(t) e´ um polinoˆmio de grau 1 (velocidade constante) ou um 1 polinoˆmio de grau 2 (acelerac¸a˜o constante). Desse modo, precisamos desenvolver uma nova te´cnica para resolver o nosso problema. Voceˆ vai se lembrar agora de que, ainda que na˜o saibamos calcular a velocidade v(t), podemos usar a expressa˜o de s(t) para calcular a velocidade me´dia entre dois instantes. A velocidade me´dia entre os instante t = 2 e t = 4 e´ dada pela expressa˜o s(4)− s(2) 4− 2 = 43 − 23 4− 2 = 64− 8 2 = 28. Logo, como na˜o sabemos calcular v(2), podemos aproximar esse valor usando a velocidade me´dia calculada acima. Naturalmente, essa aproximac¸a˜o conte´m algum tipo de erro, porque estamos deixando um intervalo de 2 horas em que o motorista poderia, eventualmente, efetuar mudanc¸as de velocidade, sem com isso mudar o valor de v(2). Parece natural que, se diminuirmos esse intervalo de tempo para 1 hora somente, a aproximac¸a˜o poderia ficar melhor. Assim, podemos agora considerar como velocidade aproximada a velocidade me´dia entre os intantes t = 2 e t = 3, a saber s(3)− s(2) 3− 2 = 27− 8 1 = 19. Procedendo como acima, podemos construir uma tabela que nos fornece, para cada valor h 6= 0, a velocidade me´dia do carro entre o instante inicial t = 2 e o instante final t = 2+ h. Listamos abaixo alguns valores dessa tabela: h 6= 0 instante final velocidade me´dia t = 2 + h s(2+h)−s(2) (2+h)−2 2 4 28 1 3 19 0,5 2,5 15,25 0,1 2,1 12,61 0,01 2,01 12,0601 0,001 2,001 12,006001 Do ponto de vista f´ısico, parece claro que a aproximac¸a˜o que estamos usando (velocidade me´dia) fica mais precisa a` medida em que o intervalo de tempo h se torna mais pro´ximo de zero. Assim, a tabela parece indicar que a velocidade no instante 2 e´ igual a 12. Para melhor justificar a afirmac¸a˜o acima, vamos criar uma nova func¸a˜o. Seja enta˜o vm2(h) a func¸a˜o que associa a velocidade me´dia entre os instantes t = 2 e t = 2 + h. Formalmente, vm2(h) = s(2 + h)− s(2) (2 + h)− 2 = (2 + h)3 − 28 h . (1) 2 Observe que o valor de h nunca pode ser igual a zero. Mais especificamente, como estamos falando de dois instantes distintos t = 2 e t = 2 + h, os valores possiveis para h sa˜o todos aqueles em que h 6= 0 e h ≥ −2. Essa u´ltima restric¸a˜o surge porque, se h < −2, enta˜o 2+h < 0, e na˜o faz sentido falarmos em instante de tempo negativo. Em resumo, o domı´nio da func¸a˜o vm2 e´ dado por Dom(vm2) = [−2, 0) ∪ (0,+∞) = {h ∈ R : h ≥ −2 e h 6= 0}. Estamos interessado em descobrir o que acontece com o valor de vm2(h) quando h fica pro´ximo de zero. Se olharmos para o u´ltimo quociente da definic¸a˜o de vm2 em (1), pode- mos perceber que, a` medida em que h se aproxima de zero, tanto o numerador quanto o denominador desse quociente se aproximam de zero. Para que possamos entender melhor o comportamento do quociente, vamos lembrar que, para todo a, b ∈ R, temos (a + b)3 = a3 + 3a2b+ 3ab2 + b3. Desse modo, a expressa˜o de vm2(h) em (1) pode ser escrita como vm2(h) = (2 + h)3 − 23 h = (23 + 3 · 22 · h + 3 · 2 · h2 + h3)− 23 h = h(12 + 6h+ h2) h , ou ainda vm2(h) = 12 + 6h+ h 2. Vale ressaltar que, ainda que a expressa˜o do lado direito da equac¸a˜o acima possa ser calculada para qualquer valor de h, o domı´nio da func¸a˜o vm2 continua sendo [−2, 0) ∪ (0,+∞). Usando a expressa˜o acima, os valores de vm2(h) da tabela anterior podem ser facilmente calculados. Ale´m disso, fica muito simples perceber o que acontence com vm2(h) quando h se aproxima de zero. De fato, como os termos 6h e h2 ficam pro´ximos de zero, conclu´ımos que vm2(h) se aproxima de 12, conforme espera´vamos. Usamos a seguinte notac¸a˜o para escrever isso de maneira sucinta: lim h→0 vm2(h) = lim h→0 s(2 + h)− s(2) h = 12. Observe que todas essas considerac¸o˜es nos permitem concluir que a velocidade do carro no instante t = 2 e´ igual a 12. Na˜o existe nada de especial no instante t = 2, escolhido para a exposic¸a˜o acima. Para qualquer t > 0, podemos calcular a velocidade no instante t > 0 como sendo v(t) = lim h→0 s(t + h)− s(t) (t + h)− t = lim h→0 (t+ h)3 − t3 h . Usando novamente a expressa˜o do cubo de uma soma, obtemos (t+ h)3 − t3 = (t3 + 3t2h+ 3th2 + h3)− t3 = h(3t2 + 3th+ h2), 3 de modo que v(t) = lim h→0 h(3t2 + 3th+ h2) h = lim h→0 (3t2 + 3th+ h2) = 3t2 + 0 + 0 = 3t2. Na penu´ltima igualdade acima, usamos o fato de, para cada t > 0 fixado, os termos 3th e h2 se aproximarem de zero quando h se aproxima de zero. Assim, podemos enunciar a soluc¸a˜o do nosso problema como se segue: Soluc¸a˜o do problema: Se a posic¸a˜o do carro e´ dada pela func¸a˜o s(t) = t3, enta˜o a velocidade e´ v(t) = 3t2, para todo t > 0. Em particular, a velocidade no instante 2 e´ igual a 12. Finalizamos este pequeno texto com algumas observac¸o˜es importantes: 1. O me´todo desenvolvido aqui nos permite considerar va´rias expresso˜es diferentes para a func¸a˜o s(t). Tudo o que deve ser feito e´ uma manipulac¸a˜o alge´brica da expressa˜o s(t+ h)− s(t) h , de modo a descobrir o que acontece com o quociente quando h se aproxima de zero. 2. A expressa˜o acima na˜o esta´ definida quando h = 0. Isso na˜o e´ importante na aplicac¸a˜o do me´todo, visto que queremos estudar o comportamento do quociente para valores h que sa˜o pro´ximos, mas diferentes de zero. 3. As ideias apresentadas neste texto sera˜o desenvolvidas a` exausta˜o nas pro´ximas sem- anas, quando introduziremos o conceito de derivada. Contudo, se voceˆ chegou vivo ate´ aqui, na˜o tera´ nenhuma dificuldadepara entender o que esta´ por vir. 4. O que foi feito aqui depende somente de sabermos a definic¸a˜o de velocidade me´dia. Assim, voceˆ pode agora tentar explicar isso tudo para aquele seu primo que curso o primeiro ano do ensino me´dio! Como um bom exerc´ıcio, vale a pena refazer as contas acima para o caso em que s(t) = s0 + v0t+ (a/2)t 2, com s0, a ∈ R, para verificar que, nesse caso, temos v(t) = v0 + at. 4
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