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Livro-Texto Unidade tempo e espaço na antropologia

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TEORIA ANTROPOLÓGICA
Unidade II
5 TEMPO E ESPAÇO NA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA
Para iniciarmos nossa interlocução, partimos de alguns pressupostos acerca das noções de tempo 
e espaço para as Ciências Sociais, em específico, a antropologia: 1) tempo e espaço são conjuntos de 
processos simbólicos; 2) ambos passam por transformações e não existe como algo dado, a priori, da 
vida social; 3) seus significados diferem de acordo com o contexto sócio-histórico; e 4) são categorias 
do entendimento humano – ou representações coletivas –, nos termos de Émile Durkheim (1978). Assim, 
depende de uma construção que envolve processos sociais e históricos e, embora construídos na vida 
social, seus sentidos são compartilhados coletivamente. Mas Durkheim não foi o único autor a escrever 
sobre o tema. Propõe-se, então, uma discussão desses conceitos ao longo das Ciências Sociais.
5.1 A noção de tempo
A passagem do tempo, como a percebemos, não é “natural”. Tempo – como espaço – é uma unidade 
de medida da passagem dos dias que é arbitrária. Isso quer dizer que os parâmetros estabelecidos para 
mensurar a passagem do tempo hoje – ano, mês, dia, hora, minuto, segundo etc. – foi estabelecido 
em dado momento da história. Em diferentes ocasiões, houve medidas diferentes para compreender a 
passagem do tempo. Assim, a contribuição da antropologia é entender os contornos específicos deste 
processo em contextos socioculturais e históricos diferentes daquele que percebemos como “o único 
possível”.
5.1.1 Tempo em Émile Durkheim
Para Durkheim, em seu manuscrito As Formas Elementares da Vida Religiosa, o tempo constitui um 
elemento de estruturação da realidade humana. Isso quer dizer que se o tempo há de significar alguma 
coisa, deve ser um tempo compartilhado, social, ou então não é nada. Para o autor, o tempo não é 
pré-social, homogêneo e vazio. Ele é uma categoria objetiva e coletiva. Ainda, o tempo é uma forma de 
estruturação do real. A passagem do nível individual ao coletivo – entendida como o reconhecimento 
do tempo e da experiência da vida coletiva – não pode ser tomado como autoevidente.
5.1.2 Tempo em Georg Simmel
Na perspectiva de Simmel (2006), a reflexão sobre a vida é historicamente construída. Tempo, 
consciência e causalidade são formas de manifestar a fissura do ser. Desejo e fruição estão na base 
de uma mudança que instaura o processo de humanização no ser humano. Nesse contexto, percebe a 
vida como êxtase, como uma potência em si mesma: o sentido e a finalidade última da existência não 
lhe é externa, mas a própria existência. Esta é uma fronteira entre o “ser” e o “não ser”: este limite é a 
transcendência do finito na direção de sua própria finitude, e não na direção de sua superação.
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Unidade II
O tempo deve ser reconhecido como fator estruturante do “ser-no-mundo” e da possibilidade 
do saber. Em Heidegger, esta indeterminação ontológica é uma consequência inevitável do 
reconhecimento de nossa temporalidade (finitude ou “ser-para-a-morte”). Nessa concepção ser 
e tempo são conceitos correlatos. Para Simmel, o “não ser” é um caso especial do “ser”, portanto 
ainda é “ser”. A tradição crítica define tempo como fundamento ontológico do acesso ao mundo 
(possibilidade de cognição, práxis e autorreflexão). Na concepção de Simmel, a temporalidade 
funda a possibilidade do “ser humano” e está intimamente relacionada à sua “futuridade”, ao seu 
“ser-não-mais”, à sua morte.
O tempo, conforme o vemos, é um tempo compartilhado. Isso implica aceitar a coexistência, 
em que o ser é no mundo sempre lançado em um mundo de existentes. Este tempo compartilhado 
também corresponde ao programa cultural no qual nascemos, é o tempo recebido de nossos ancestrais 
(fazer face à morte). Assim, a determinação do tempo compartilhado por meio do tempo socialmente 
programado (calendário, de rituais, trabalho, lazer etc.) constitui uma resposta existencial a nossa própria 
mortalidade. Ele é o outro lado do reconhecimento de nossa futuridade, de nosso “ser-para-a-morte”. 
O tempo compartilhado significa o esquecimento do possível reflexo de nosso “ser-temporal”. Todo 
convívio social pressupõe um programa cultural, uma tradição em que compreendemos nosso presente 
como uma determinação do passado.
Quadro 1 
Presente, passado e futuro em Simmel
Passado Presente Futuro
– Atinge o presente como 
memória.
– Aquilo cuja atualidade 
tem que ser negada, mas 
cuja realidade tem que ser 
recuperada continuamente.
– Da mesma forma que o ponto 
não é espaço o presente 
também não é tempo.
– Transcendência em duas 
direções opostas:
1) estica-se em direção ao 
passado;
2) espreita o futuro como 
memória ou ansiedade.
– Movimento natural de 
transcendência do agora.
A relação entre presente e passado é ambígua e complexa: o presente dirige-se ao passado a partir 
de uma tradição, do reconhecimento de nossa historicidade. O presente se dispõe em relação a um 
futuro e não se desloca de si em relação a este. Como as fronteiras do passado, presente e futuro são 
indefinidas, indaga-se prontamente a possibilidade de criar um pensamento que elabora a condição 
ontológica do ser humano (do “ser-no-mundo”) como eminentemente temporal.
 Lembrete
Tempo, consciência e causalidade são formas de manifestar a fissura 
do ser.
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5.1.3 Tempo em Norbert Elias
Para Elias (1998), o tempo costuma ser associado a fenômenos da natureza, à duração dos 
acontecimentos e à linguagem. Contudo, é preciso que se faça a crítica aos referenciais que o consideram 
fora das relações humanas. Em quase todos os momentos de nossas vidas somos marcados pela sutileza 
temporal – nos referimos ao tempo como se tivesse uma forma objetiva de existência, uma natureza. 
Temos a falsa compreensão de que o tempo é concebido igualmente por todas as pessoas. Por esta 
razão, o ideal seria perguntar: “o que estamos perguntando?”, “o que é?”, “quem o percebe?”, “do que 
falamos?”. A natureza do tempo é social, pois é dependente da experiência e das convenções das diferentes 
sociedades. Tanto tempo quanto espaço são conjuntos de processos, passam por transformações, não 
existem como coisa dada e seus significados diferem de acordo com o contexto. A experiência é um 
aspecto primordial para sua compreensão.
Elias também desenvolve a noção de tempo social. Este funciona como um relógio, que indica o 
tempo. A diferença é que o faz por meio de símbolos. O tempo é uma instituição social aprendido na 
socialização. Assim, ele não é absoluto, tem caráter ficcional e é um padrão criado de diferentes formas 
em diferentes tempos e espaços. Cumpre a função de ordenação social, uma vez que esta exige a 
aplicação de padrões à totalidade, para que o grupo funcione devidamente.
Se a história não é universal e um acontecimento não é experimentado por todos do mesmo modo, 
haverá sempre a possibilidade de novas interpretações e refutações, o mesmo ocorre com o tempo. Isso 
porque os saberes humanos sempre partem de outro saber humano. 
O tempo é coisa humana, algo social, e cada sociedade o cria e o compreende à sua maneira. 
Um mesmo grupo pode passar por vários estágios de utilização do tempo. Desse modo, é possível 
percebermos que o capitalismo contemporâneo é o tempo histórico mais dependente do tempo, uma 
vez que tudo em nossa sociedade é submetido à regulação temporal.
As sociedades complexas (urbanas) usam uma ordenação do tempo para que os eventos possam ser 
localizados conformeocorreram, por exemplo, matematicamente (sistema de horas, datas etc.).
O que chamamos de “tempo” é um elemento comum a uma diversidade de processos específicos nos 
quais os homens procuram marcar com a ajuda de relógios ou calendários. Por isso, ele é uma instituição 
padronizada socialmente, que responde à necessidade de precisarmos ordenar os eventos. É justamente 
a institucionalização do tempo que faz com que o pensemos como exterior, que não ele não pertence 
a uma padronização socialmente organizada. Ainda, vale dizer, o tempo associa-se ao território: ambos 
são referências da fundação das sociedades nacionais.
5.1.4 Tempo em Jeffrey Alexander 
Para Alexander (2011), as origens de quase todas as comunidades são imaginadas e localizadas em 
um tempo sagrado/mítico (mitos de origem). A temporalidade cria ordem de civilidade no tempo: uma 
ordenação de qualidades categóricas que se transforma no fundamento de reivindicações de privilégios 
no interior da sociedade civil. A passagem do tempo pode atenuar diferenças (por exemplo: marcas de 
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assimilação no caso de deslocamento de outras sociedades capturadas e incorporadas em um tempo 
anterior).
5.2 A noção de espaço
Assim como o tempo, a forma como compreendemos a espacialidade é produzida no interior da 
vida social. A própria noção de medida que conhecemos data da época imediatamente posterior da 
Revolução Francesa, período em que o governo daquele país fez um pedido à academia francesa de 
ciências para que fosse estabelecida uma unidade de medida única – o metro – para cessar os conflitos 
inerentes à convivência de diferentes sistemas de medidas na sociedade da época. Assim, se uma das 
formas de avaliação de espaço mais técnicas que possuímos foi estabelecida arbitrariamente, é possível 
inferirmos que a maneira como nos apropriamos do espaço e o percebemos também tem relação a 
coisas que aprendemos da vida social, e ela não é linear em todos os lugares.
5.2.1 Espaço em Erving Goffmann
Para Goffmann (apud FREHSE, 2008), autor interessado nas interações face a face, estas não se 
desenvolvem uniformemente entre todos os presentes em um contexto espaço-temporal. As interações 
sociais, para além de se desenrolarem diferentemente “no” e “em função do” espaço tem a capacidade 
de produzir infinitamente novas configurações no interior das quais os atores sociais se prendem ou 
desprendem de determinados papéis sociais.
Espaço é aquilo que organiza a noção de pertencimento a um lugar, a um “grupo” fixado a partir 
um lugar. Ou seja, mesmo que não parece em um primeiro momento, depende das formas explícitas ou 
implícitas de relações sociais que estabelecemos. 
5.2.2 Espaço em Anthony Giddens 
Giddens (1991) foca sua análise na contextualidade da vida social e das instituições sociais. 
Toda a vida social ocorre em interseções de presença e ausência no “escoamento” do tempo 
e na “transformação gradual” do espaço. Aqui percebemos um deslocamento da ideia clássica 
sociológica de sociedade como sistema bem delimitado. Este conceito é, ao cabo, substituído pela 
perspectiva que centraliza na “forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do 
espaço’” (GIDDENS apud HALL, 1997, p. 72).
Segundo o autor, caso o espaço nas sociedades pré-modernas coincidisse com o lugar e a vida 
social nesse contexto social, esta era dominada pela presença, e o espaço na modernidade mostrava-se 
diferente de lugar. Giddens entende que a noção de lugar remete àqueles espaços que permanecem 
fixos, àqueles em que temos raízes.
Já sua noção de espaços vai além. Para o pesquisador, eles podem ser cruzados em um piscar de 
olhos, por meio do uso das tecnologias de comunicação – do telefone à internet - ou os transportes 
velozes – como aviões e trens-bala. Alinhado com esta perspectiva, Hall argumenta que 
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Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de 
estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da 
mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as 
“identidades” se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, 
histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente” (Ibidem, p. 
80, grifo nosso).
O impacto disso na vida social é que as relações com os indivíduos ausentes são possíveis via 
interações que não sejam face a face.
5.2.3 Espaço: autores contemporâneos e globalização
O espaço tende a comprimir-se e esvaziar-se nas sociedades contemporâneas em fluxos emaranhados 
e interfaces eletrônicas, e pode sumir (ou reaparecer) no apertar de um botão ou de uma tecla. A 
velocidade anulou a experiência concreta do lugar que originalmente ancorava os conteúdos das 
interações sociais. Assim, Henri Lefebvre (2008) destaca que é preciso reconhecermos que o tempo é 
indissociável do espaço, que ele se inscreve no espaço e toda realidade no espaço se expõe e explica 
por uma gênese no tempo. Nessa direção, Hall argumenta, ainda, que os lugares permanecem fixos e os 
espaços podem ser cruzados.
Para Hall (1997), desde os anos 1970, o ritmo da integração global e seu alcance aumentaram 
de forma expressiva, o que acelerou fluxos e laços entre nações. Hoje há uma ideia de “mundo 
menor” e “menos distância”: o que acontece em dado local logo impacta a outros. Este processo 
se caracteriza pela compressão “espaço-tempo” ou, nos termos de Harvey (2005), parece que tudo 
o que há é o presente.
A internet é uma das grandes responsáveis pela diminuição de distância entre fronteiras e 
redução do tempo de compartilhamento de informações no mundo contemporâneo. Este sistema 
de comunicação modificou intensamente as formas como nos relacionamos e lidamos com a 
distância e as temporalidades. 
É preciso reconhecer que diferentes épocas culturais combinam de modo diverso o tempo e o espaço. 
Estes são coordenadas básicas de todos os sistemas de representação, e é por isso que as mudanças 
que sofrem impactam as identidades, uma vez que estas “[...] estão localizadas no espaço e no tempo 
simbólicos. Elas têm aquilo que Edward Said chama de suas ‘geografias imaginárias’” (HALL, 1997, p. 76, 
grifo do autor).
O autor também cita alguns exemplos de sistemas de representação: escrita, pintura, desenho 
(dimensões = espacialidades), narrativas (começo, meio, fim = temporalidade). Estas representações 
afetam o senso de lugar (casa/lar) ou suas localizações no tempo: 1) as tradições inventadas 
que ligam passado e presente; 2) as narrativas de nação que conectam o indivíduo aos eventos 
históricos nacionais e, portanto, lhe conferem importância; 3) os mitos de origem que situam o 
presente no passado.
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5.2.4 Marc Augé e o debate sobre os “não-lugares”
Segundo Augé (1994), vivemos em mundo ao qual ainda não aprendemos a olhar, num lugar em que 
transformações aceleradas geram três figuras de excesso: do tempo, do espaço e da individualização das 
referências, um local em que imperam a circulação, a comunicação e o consumo, originando a situação 
atual a qual ele chama de supermodernidade, e dela se originam espaços inéditos, os quais o autor 
denomina de não-lugares.
O não-lugar seria um espaço que não é identitário, nem relacional, nem histórico. São espaços não 
simbolizados, construídos para determinados fins. Também podem ser instalações luxuosas necessárias 
à circulação de pessoas e bens (vias rápidas, aeroportos), assim como os próprios meios de transporte, 
cadeias de hotéis ouos grandes centros comerciais. Nele, estamos apenas de passagem.
Embora a perspectiva de Augé tenha tido algum impacto para se pensar locais de passagem, hoje 
se faz uma crítica a essa concepção: mesmo que existam enunciados de que a noção de tempo-espaço 
hipercomprimido dominará todas as formas de relacionamento social, resultando daí uma fragmentação 
dos laços sociais e, consequentemente, causando a erosão dos lugares, os espaços têm resistido à 
globalização.
Figura 6 – Aeroporto Internacional de Brasília Presidente Juscelino Kubitschek (2014)
Para Augé, em razão do fluxo intenso de pessoas e da forma como é ocupado, o aeroporto é uma 
imagem ideal de não-lugar. 
Para Tim Cresswell (2006), os não-lugares, nos termos de Augé, não substituíram e nem se 
impuseram hegemonicamente à forma espacial e ao conteúdo social dos “lugares-lugares”. Isso ocorre 
porque não-lugares (aeroportos, rodovias etc.) não incorporaram uma negação tão radical dos locais 
tradicionais. Há uma apropriação e vivência localizada desses espaços pelos indivíduos/grupos que 
vivem neles diariamente. O conceito de não-lugar é insustentável, pois é preciso “historicizar” o espaço 
para o contextualizar.
Um aeroporto, por exemplo, é usado como metáfora das plataformas globais (“nós” das redes), 
constituído por fluxos intensos e infindáveis trajetos de circulação internacional. Assim, um aeroporto, 
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como qualquer outro lugar, não deve ser entendido como mera abstração que levita acima da vida 
de todos os dias. Ele também revela diferentes contextos de apropriação de um espaço que não é tão 
neutro ou tão uniforme como parece à primeira vista (CARMO, 2008).
A reação de alguns autores contra o anúncio prematuro da “morte dos lugares” não é conservadora, 
pois não se entende os locais como meros reservatórios de resistência em relação às forças que emanam 
da globalização (econômicas, sociais e culturais). Dessa forma, percebem que a metanarrativa dos 
“lugares perdidos” nas Ciências Sociais é uma submissão da categoria espaço a uma lógica binária 
(abstrata e exígua de materialidade):
• Local – global;
• Centro – periferia;
• Lugar – não-lugar.
Figura 7 – Panorama da Cidade de Brasília, DF (2014) 
A forma como nos relacionamos com o espaço na metrópole, sua ocupação, diferencia-se da de 
outros modos de viver e morar, assim como transitar pelo mundo. 
O caráter dicotômico simplificou excessivamente a composição socioespacial das sociedades 
(sobretudo nas visões de cidade). A vida social, o cotidiano, é multidimensional, – assim como o espaço 
vivido, e é difícil de se fazer uma classificação como 1 e 0, ou seja, em pares de oposição binária. A 
lógica binária é hierárquica e não contempla a realidade em sua complexidade. No caso dos lugares, 
isso fica evidenciado se compreendermos que qualquer lugar remete a várias dimensões diferenciadas, 
que extrapolam as fronteiras físicas. Assim, trajetos de mobilidade abarcam o cruzamento de diversas 
dimensões – portas que se abrem e fecham e produzem uma gama de lugares concretos.
A noção de dimensões também não torna, por si só, o espaço menos abstrato e próximo do concreto. 
A questão aqui é não transformar o mundo em um plano destituído de lugares, tampouco reduzi-lo a 
um aglomerado fragmentado de lugares.
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Uma solução para o debate seria investir em uma proposição analítica, na qual as dimensões sejam 
aglutinadas e colidam entre si em vez de se sobreporem, catapultando diferentes significados a partir de 
dinâmicas consideradas como contraditórias ou antagônicas.
 Observação
O espaço como campo de forças é gerador de tensões que podem 
resultar em oposições irredutíveis, mas também em associações e ligações.
As mobilidades geram novas espacialidades, que informam e redirecionam os circuitos (globais, locais 
etc.). As dinâmicas espaciais não são lineares e não podem ser consideradas uniformes. Por este motivo, é 
importante refletir a partir da ideia de que a espacialidade produz e é produzida por assimetrias. O mundo 
é menos plano, mais “nuançado” do que algumas perspectivas defendem e, portanto, é importante fazer 
sua perspectiva em várias dimensões. A abolição das dimensões no estudo da composição socioespacial 
pode ter como efeito perverso a despolitização dos lugares. Trata-se aqui de não perceber os lugares a 
partir de uma utopia emancipatória, mas empreender uma noção sociológica, que inscreva nos lugares 
as múltiplas dimensões que os constituem. Ou seja, de compreender os lugares como produzidos por 
produtores da própria globalização. 
 Lembrete
O não-lugar seria um espaço que não é identitário, nem relacional, nem 
histórico. São espaços não simbolizados, construídos para determinados 
fins.
5.3 Determinismo geográfico e biológico e a noção de tempo e espaço
O determinismo biológico diz respeito às teorias que atribuem capacidades específicas inatas a 
“raças” ou a outros grupos humanos. Em outras palavras, é uma teoria que entende as características 
genéticas e/ou biológicas como determinantes da cultura de um povo. Apesar de os antropólogos 
constatarem que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais, ainda é um 
pensamento bastante comum na vida social. Frases como “o samba está no sangue” ou “todo japonês 
é bom em matemática” são representativas desse tipo de pensamento, uma vez que se pressupõe que 
a aptidão para uma atividade ou aprendizado diz respeito à ascendência daquele indivíduo. O que a 
antropologia compreende é que, ao contrário desse pensamento, aprender a dançar bem ou desenvolver 
a aptidão para o cálculo ou qualquer outra matéria tem relação com as influências do meio social a que 
um indivíduo pertença. Ou seja, a pessoa aprende porque é um atributo cultural valorizado no grupo 
social ao qual está inserido.
O determinismo geográfico, por sua vez, diz respeito às teses que defendem que diferenças de 
ambiente físico (clima, relevo etc.) condicionam a diversidade cultural. Nesse pensamento, fatores 
geográficos e ambientais são condições importantes na dinâmica do progresso (ou atraso) de um povo. 
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Um exemplo desse tipo de visão é a ideia de que povos de regiões frias não demonstram emoções 
e aqueles que vivem em áreas quentes tendem a ser mais afetivos. Cita-se, ainda, que pessoas que 
moram em locais frios são mais afeitas ao trabalho enquanto os indivíduos de zonas quentes são mais 
preguiçosos. A partir de estudos antropológicos, é possível contestar esse tipo de pensamento. Isso 
porque, para eles, é possível existir uma grande diversidade cultural localizada na mesma categoria de 
ambiente físico. Significa quer dizer que povos podem desenvolver modos de vida bastante diferentes 
entre si, mesmo vivendo em condições ambientais e climáticas semelhantes. Por exemplo, no Parque 
Nacional do Xingu, onde vivem diversos grupos indígenas, como Kamayurá, Kalapalo, Trumai e Waurá, 
estes povos se dedicam à pesca e à caça de aves. Já os Kayabi preferem os mamíferos de grande porte 
como a anta, o veado etc. Outro exemplo vem dos índios do sudoeste estadunidense: enquanto os 
Pueblo são aldeões, com economia agrícola baseada no milho, os Navajo, que durante muito tempo 
viveram da coleta de castanha e da caça, atualmente se abastecem do pastoreio de ovinos.
Tais exemplos indicam que não é possível admitir a ideia do determinismo geográfico ou biológico. 
A posição da antropologia moderna é que a “culturaage seletivamente”, e não casualmente, sobre seu 
meio ambiente. Ainda, as diferenças de comportamento entre os homens não podem ser explicadas 
mediante diversidades somatológicas (biológicas) ou mesológicas (geográficas). Os determinismos 
geográficos e biológicos não explicam a diversidade dos seres humanos. Isso implica compreender que 
a cultura diversifica a humanidade de forma expressiva, apesar de sua comprovada unidade biológica. 
Ainda, é preciso reconhecer que a grande qualidade da espécie humana é romper com suas próprias 
limitações.
Figura 8 – A persistência da memória (Salvador Dalí) 
O quadro apresentado pode nos ajudar a pensar sobre o lugar do tempo na vida social (e em nossas 
próprias vidas). A partir da adoção da perspectiva antropológica na análise do tempo e do espaço, 
podemos relativizar essas noções e perceber seu caráter construído e contingencial. 
A multiplicidade cultural é proveniente da criatividade humana. Diferentes grupos buscam soluções 
distintas para questões e problemas que, em geral, são compartilhados por toda a humanidade. 
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Sobrevivência, relação com a natureza, assim como o tempo e o espaço são algumas dessas indagações 
que são postas à vida de todas as pessoas. Tempo e o espaço, longe de serem noções comuns a todas 
as culturas, são percebidos de maneira distinta por diferentes povos. A forma como um pescador se 
relaciona com o espaço não é a mesma com que um morador de uma grande metrópole. O modo como 
um pequeno agricultor lida com o tempo não é igual ao de um trabalhador assalariado na fábrica. Em 
alguns contextos, a organização da vida se dá a partir de noções de tempo que não são as das horas do 
relógio, mas tem ligação com a posição do sol, o amanhecer e o anoitecer. 
Assim, não precisamos nos deslocar para sociedades muito diferentes das nossas, como fizeram 
os primeiros antropólogos, para perceber que diferentes povos lidam de modos diferentes com essas 
questões.
 Saiba mais
De qualquer modo, a fim de obter informações mais específicas sobre 
tempo e espaço, leia: PRITCHARD, E. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva, 1978.
6 ANTROPOLOGIA EM COMUNIDADES RURAIS E MIGRAÇÕES
De uma forma ou de outra, ao longo da história da humanidade, os fenômenos migratórios sempre 
existiram. Podemos encontrar diversos exemplos, como as Grandes Navegações, o povoamento dos 
países que foram colônias dos países europeus, a migração involuntária dos africanos trazidos à força 
no período da escravidão, nas intensas migrações dos pós-guerras mundiais, entre vários outros fluxos, 
que acompanhamos cotidianamente por meio das notícias de telejornal, pelos deslocamentos de nossos 
amigos e parentes ou mesmo com as nossas locomoções. 
Esses fluxos sempre foram fundamentais para a compreensão das dinâmicas da vida social ao longo 
da história. Se em alguns momentos podemos encontrar fluxos internacionais, nas migrações internas – 
como o deslocamento de inúmeras pessoas das zonas rurais para as cidades – também são intensificadas. 
Entender os motivos e as consequências desses fluxos e suas percepções é muito importante, já que 
impactam a vida na sociedade em muitos aspectos e, certamente, ampliam o contato entre modos de 
vida e visões de mundo diferentes, e os conflitos e contradições inerentes a esta aproximação.
6.1 Culturas nacionais, identidades culturais e globalização
Stuart Hall (1997) define as identidades culturais como “[...] aqueles aspectos de nossas identidades 
que surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, 
nacionais” (p. 8). Assim, podemos depreender que as identidades culturais informam as identidades 
nacionais e, portanto, as noções de pertencimento a um país que todos nós temos quando somos 
socializados dentro da (ou em relação ao) nação em que nascemos. A cultura nacional funciona como 
um sistema de representação e indica tudo aquilo que pensamos e como vivemos a experiência deste 
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pertencimento. Embora seja uma identidade solidificada de maneira bastante peculiar durante a 
socialização, é também, como as outras identidades sociais e culturais, produzida de forma relacional. 
A identidade nacional não está impressa nos nossos genes, mesmo que a pensemos como parte 
de nossa “natureza”. Não nascemos com ela, uma vez que é formada e transformada no interior das 
representações sociais. Assim, também não são tão lineares, homogêneas e unificadas como parecem 
ser. Ainda, é preciso pensá-las de modo relacional: quando dizemos que somos brasileiros, dizemos mais 
do que “nasci no Brasil”. Queremos expressar a ideia de que não somos de uma ampla lista de outros 
pertencimentos nacionais. Ou seja, ao afirmarmos o que somos, também renegamos o que não somos. 
A nação, nesse contexto, não diz respeito apenas a uma entidade política. A ideia de nação produz 
sentidos, é um sistema de representação cultural. As pessoas participam deste conceito, de sua produção. 
Não são apenas cidadãos legais: ajudam a criar os significados e sentidos deste pertencimento.
Tomaz Tadeu da Silva (2007) nos alerta que é fácil reconhecer a identidade (a nacional e todas 
as outras) quando a pensamos como aquilo que se é ou, de forma autorreferencial, como aquilo que 
somos. Nesta linha de raciocínio, o autor questiona,
A identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou brasileiro”, “sou negro”, 
“sou heterossexual”, “sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim concebida 
parece ser uma positividade (“aquilo que sou”) [...] Nessa perspectiva, 
a identidade só tem como referência a si própria: ela é autocontida e 
autossuficiente. Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é 
concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em 
oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é: “ela é italiana”, 
“ela é branca”, “ela é homossexual”, “ela é velha”, “ela é mulher”. Da mesma 
forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como 
autorreferenciada, como algo que remete a si própria. A diferença, tal como 
a identidade, simplesmente existe (SILVA, 2007, p. 74).
Contudo, a proposição da diferença não se esgota na categorização de si ou do outro. O que é 
proposto pelo autor, então, é uma (re)significação do conceito de diferença, provocando a ruptura 
com a visão cristalizada da identidade como norma. Desse modo, a inclusão das diferenças seria um 
pressuposto para uma boa prática pedagógica, e não o resultado obtido. Destaca-se, então, a seguinte 
proposta por ele apresentada, que: 
Assim como a definição da identidade depende da diferença, a definição do 
normal depende da definição do anormal. Aquilo que é deixado de fora é 
sempre parte da definição e da constituição do “dentro”. A definição daquilo 
que é considerado aceitável, desejável, natural, é inteiramente dependente 
da definição daquilo que é considerado abjeto, rejeitável, antinatural. A 
identidade hegemônica é permanentemente assombrada pelo seu Outro, 
sem cuja existência ela não faria sentido (SILVA, 2007, p. 84).
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Quando falamos em diferenças precisamos reconhecer que identidade e diferença são produzidas 
nas interações entre indivíduos na vida social. Ambas são produzidas durante o processo de socialização, 
um sistema contínuo de aprendizado cultural, que se inicia no nascimento e perdura até a morte de um 
indivíduo. Nesse curso de socialização é que aprendemos e assimilamos os valores e experiências de umacultura, aquela à qual pertencemos. 
Cabe perguntar como a globalização – fenômeno de expansão mundial do sistema capitalista, mas 
que não diz respeito apenas à economia, mas também à cultura – afeta as identidades nacionais?
Vivemos hoje em um mundo globalizado. Este processo, iniciado na última década do século XX, 
mudou a forma de relacionamento global e, portanto, afeta a ideia de fronteiras e identidades nacionais 
de modo particular.
A globalização diz respeito a processos atuantes em escala global, que atravessam fronteiras nacionais, 
integrando e conectando comunidades e organizações, recombinando-as e estruturando novas formas 
de se pensar espaço e tempo. O impacto disso é a construção de um mundo mais conectado, do ponto de 
vista da realidade e da experiência. Assim, produz inclusive uma nova percepção da definição sociológica 
clássica de “sociedade” como um sistema bem-delimitado. 
O que ocorre é um novo arranjo dessa perspectiva, uma substituição por outra visão da vida social, 
que se concentra no modo como esta se ordena ao longo do espaço e do tempo, pensando trânsitos, 
deslocamentos, migrações e a própria produção dos processos históricos e culturais.
Dessa forma, podemos cogitar que a identidade nacional e o pertencimento a ela constitui uma 
“comunidade imaginada”. As diferenças entre nações estão mais nos modos como são imaginadas e, a 
partir disso, são construídas em contrastes umas com as outras, do que em diferenças “naturais” dentre 
os diferentes povos do mundo.
As culturas nacionais representam um discurso, um modo de construir sentido e organizar nossas 
ações no mundo e nossas concepções sobre nós mesmos. São compostas por instituições culturais, 
símbolos e representações. Em geral, a narrativa da cultura nacional é contada a partir de elementos 
como:
• narrativas da nação: englobam as histórias e as literaturas nacionais pela mídia e pela cultura 
popular. Podemos dizer que são estórias, imagens, panoramas, cenários, símbolos e rituais 
nacionais que, do modo como são narrados, dão sentido à nação;
• narrativas sobre as origens, a continuidade, a tradição e a intemporalidade: representações que revelam 
a verdadeira natureza das coisas, algo primordial, que pode estar “adormecido”, mas “está lá”.
• invenção da tradição: refere-se a um conjunto de práticas, de origem ritual ou simbólica, que 
“[...] buscam inculcar certos valores e normas de comportamentos através da repetição, a qual, 
automaticamente,implica em continuidade com um passado histórico adequado” (HOBSBAWN; 
RANGER apud HALL, 1997, p. 59).
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• mito fundacional: história que localiza a origem/fundação da nação, do povo e de seu caráter 
nacional num passado tão distante, que lhe lança não a um tempo “real”, mas a um tempo 
“mítico”. Um exemplo disso é, no caso brasileiro, o mito das três raças. 
Esse mito, desenvolvido pelo antropólogo Darcy Ribeiro e incorporado no discurso social acerca 
da produção do povo brasileiro, é uma concepção que prega que a cultura e a sociedade brasileira 
foram constituídas, de forma harmônica e igualitária, a partir da influência cultural de “três raças”: 
europeia, africana e indígena. Nele, a miscigenação, biológica e cultural, ocorre a partir dessas três 
influências, que dão uma característica única e peculiar ao povo brasileiro. Esta perspectiva ainda 
é bastante forte dentro da forma como se pensa a identidade nacional brasileira, embora seja 
criticada por fornecer uma visão simplista do processo colonizador no país. Isso porque, o mito das 
três raças minimiza a violência da dominação colonialista exercida por europeus (portugueses) sobre 
povos indígenas e africanos. Assim, desconsidera que não houve uma contribuição equilibrada, já 
que sabemos quem exercia o predomínio e que nossa visão de história nacional é contada a partir 
do ponto de vista do colonizador. A crítica reconhece que há contribuições de todos estes povos, 
mas que não há como pensar esta história sem estimar a dominação e a desigualdade inerente às 
relações estabelecidas ao longo da história do país. Ainda, avalia-se esta perspectiva por encobrir 
as lógicas de exclusão e discriminação, como o racismo, que afeta aquelas pessoas que não são 
brancas ao longo da história do país. 
Cita-se, ainda, a:
• ideia de um povo puro e original: concepção que pensa o povo que pertence a uma identidade 
natural a partir de uma noção de originalidade, a qual desconsidera as migrações e os processos 
históricos que contribuíram para que cada nação fosse constituída com base em diversas 
influências, e não apenas de uma.
De acordo com tais observações, podemos imaginar que o discurso da identidade nacional não é tão 
moderno quanto parece, já que não pertence ao presente, e sim a uma espécie de narrativa mítica do 
passado. Ainda, que constrói identidades que se posicionam de modo ambíguo entre passado e futuro. 
Vejamos o quadro a seguir: 
Quadro 2 
tempo de 
grandeza e 
glória
Passado 
 
mítico
+
Luta pela 
purificação 
 
(Hoje)
◄
expulsar os 
“outros”, que 
ameaçam sua 
identidade
Os ideais nacionalistas no mundo moderno revelam um desejo ambíguo de, por um lado, fazer uma 
assimilação daquilo que é universal e, por outro, da adesão ao particular articulada a uma reinvenção 
das diferenças. Trata-se, portanto, de um universalismo por meio do particularismo que, ao mesmo 
tempo, busca um particularismo via universalismo cultural.
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Isso porque as culturas nacionais buscam unificação mesmo entre membros de uma nação que 
são muito diferentes entre si – podemos pensar aqui na articulação dos marcadores sociais das 
distinções, por exemplo, – e na ideia de que todos pertencem a uma mesma família nacional. Nesse 
ínterim, é importante notar que a cultura nacional é mais que um simples ponto de lealdade, de 
união e de identificação simbólica. Ao cabo, ela revela também uma estrutura de poder cultural, 
em que os membros estão agrupados mediante uma lógica de exercício da dominação. Isso 
se dá, de acordo com Hall (1997), por fatores como: 1) a maior parte das nações consiste de 
culturas separadas, que só foram unificadas por um longo processo de triunfo violento –, isto 
é, pela supressão forçada da disparidade cultural. Cada conquista foi fruto da subjugação de 
povos dominados e de seus hábitos, costumes, línguas e tradições e tentou impor uma hegemonia 
cultural mais unificada de forma, em geral, violenta; 2) nações são formadas por diferentes classes 
sociais, grupos étnicos e de gênero; 3) nações ocidentais modernas foram também os centros de 
império ou de esferas neoimperiais de influência, exercendo hegemonia cultural sobre a cultura 
dos povos colonizados.
Partindo dessas contradições, torna-se ainda mais difícil tentar unificar a identidade nacional em 
torno da ideia de “raça”. 
Raça não diz respeito a uma característica biológica, genética ou científica. É uma categoria 
discursiva, pois lança mão de discursos sobre as diferenças físicas como marca simbólica, a fim de 
distinguir um grupo de outro. Vale lembrar que as diferenças genéticas, no plano discursivo, são com 
frequência utilizadas como refúgio das ideologias racistas que defendem a eugenia (ideia de raça pura), 
o nazismo e o fascismo.
Mais recentemente, tivemos o início do racismo cultural, que implica a substituição da ideia da 
superioridade ou inferioridade biológica substituída por uma imagem de cultura nacional homogênea 
em sua “branquidade”, porém precária interna e externamente e, portanto, sujeita a questionamentos 
acerca de sua veracidade.
Analisandoesses fatores, podemos pensar sobre a inadequação de imaginar as culturas nacionais 
como unificadas; é preciso encará-las como constituintes de um “dispositivo discursivo”, que representa 
a diferença como unidade ou identidade. Isso porque as culturas nacionais são permeadas por profundas 
divisões e distinções internas, unificadas por meio do exercício de diversos modos de poder cultural. 
Assim, antes em pensarmos as nações modernas e as identidades nacionais como “puras”, devemos 
interpretá-las como culturas híbridas, pensando criticamente acerca de seu processo de formação ao 
longo do tempo.
A ideia de identidade cultural unificada não resiste às diferenças sobrepostas ou ao evidenciamento 
das divisões e contradições internas existentes dentro de uma nação. Ao discutirmos deslocamentos de 
identidades nacionais, devemos observar como as culturas nacionais operam na costura das diferenças 
sociais em uma única identidade. 
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6.2 Migrações
Podemos definir migração, dentro do contexto da antropologia, como todo deslocamento e 
movimentação de populações e/ou indivíduos que vão de um lugar (seu lugar de origem) para outro lugar 
(de destino). Implica, necessariamente, em maior ou menor grau, deixar para trás redes de sociabilidade, 
parentela ou em uma mudança de residência, de cidade, de estado ou de país. 
Boa parte do mundo tal qual a concebemos é fruto de ou é permeado por inúmeros fluxos migratórios 
ao longo da história.
Diversos autores se dedicaram a compreender os fenômenos migratórios, sobretudo a partir 
da virada para o século XX. A migração foi tema de análise para diversos teóricos clássicos, que a 
abordaram de modos distintos. Malthus a compreendia como uma consequência direta e inevitável da 
superpopulação. O autor pensava principalmente nos fluxos migratórios da Europa para o Novo Mundo, 
em que migrantes fugiam dos ciclos de pobreza e miséria a que estavam submetidos em seus países de 
origem (SASAKI; ASSIS, 2000).
Já Durkheim, Marx e Weber tentavam compreender as migrações como consequências diretas da 
industrialização e do crescimento do capitalismo. O desenvolvimento do sistema capitalista, para estes 
autores, dava-se muito em razão da industrialização, da urbanização e da mobilidade populacional 
(Idem). De qualquer modo, a questão da locomoção dos povos era um tema secundário dentro da 
análise social.
Só no início do século XX que pesquisadores da Escola de Chicago, preocupados com o grande 
fluxo de migrantes para os Estados Unidos, pesquisam-na como tema central para a análise da vida 
social. Nesse período, estudando sobre o grande fluxo migratório de poloneses para os EUA, objetivam 
compreender se haveria uma assimilação cultural dos imigrantes, que incorporariam então a cultura do 
local de destino, deixando de lado os seus próprios valores culturais.
Cunha-se, neste período, o termo melting pot – algo que tem um sentido de fusão de culturas – que 
passaria a indicar “... esse processo de assimilação e/ou americanização dos imigrantes, não implicando, 
no entanto, o total abandono de seus valores e modo de vida, mas sim em se tornar grupos cada 
vez mais amplos e inclusivos” (SASAKI; ASSIS, 2000, p. 4). Ocorre que, ao longo do tempo, não houve 
uma concretização do melting pot. O que houve foi que estes grupos tornaram-se grupos étnicos, que 
afirmavam suas diferenças em relação à cultura local.
Durante os anos 1950, no pós-guerra, houve uma reconfiguração dos circuitos migratórios 
internacionais. Grupos que antes não migravam passaram a fazê-lo, em busca de melhores 
condições de vida. Assim, destaca-se esse processo com os povos asiáticos, latino-americanos e 
outros grupos não brancos. A partir desses novos deslocamentos, os pressupostos “assimilacionistas” 
são postos novamente em cheque; houve, novamente, um reforço da ideia de grupos étnicos 
e um enfraquecimento da ideia original de melting pot. Ainda, com relação aos processos de 
industrialização, os estudos sobre migração reconhecem que, enquanto as populações tradicionais 
locais tendem a se apropriar e utilizar das benesses dos sindicatos e do Welfare State, os imigrantes, 
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as minorias étnicas e as mulheres tendem a permanecer em empregos marginais e com acesso 
restrito aos bens sociais, às leis trabalhistas e à cidadania.
Grupo étnico: conjunto de indivíduos que partilham de certa uniformidade cultural. Partilham, 
portanto, da mesma cultura e seus traços, tais como: tradições, conhecimentos, técnicas, habilidades, 
língua e comportamento.
Melting pot: expressão que vem da ideia de cadinho, recipiente em que são fundidos ou derretidos 
diversos metais ou outras substâncias. Quando aplicado à ideia de sociedade, diz respeito aos lugares 
que agrupam pessoas com diferentes modos de vida, culturas, religiões e raças/etnias. A concepção do 
mito das três raças, criadora da identidade nacional brasileira, é um exemplo deste pensamento, ao 
pressupor que o Brasil é um cadinho de três raças, uma mistura de indígenas, negros e brancos.
Welfare State: ou políticas de bem-estar social, é 
[...] um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal 
promovidos pelo Estado, com a finalidade de garantir uma certa “harmonia” 
entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, 
suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos 
indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão 
de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de 
produção capitalista desenvolvida e excludente (GOMES, 2006, p. 203). 
Como exemplos desses serviços, podemos citar as políticas de previdência e seguridade social.
Ao longo da história, embora sejam reconhecidas as contribuições dos imigrantes na 
construção de países como os do Novo Mundo, também encontramos resistências a esses 
processos migratórios, muitas vezes permeados por visões racistas, xenofóbicas e etnocêntricas 
das populações migrantes. Isso ocorre especialmente quando esta migração é realizada por 
populações oriundas de países e lugares mais pobres e/ou de populações não brancas. No Brasil, 
país que se reconhece como um “cadinho de três raças”, ou nos EUA, nação em que há também o 
reconhecimento da importância da migração para a formação do país, a rejeição aos imigrantes 
também é elevada. Não é incomum encontrarmos na vida social um discurso que defende o 
fechamento de fronteiras e que encara tais povos como perigosos, marginais e que colocam em 
risco os empregos e a vida social como um todo. 
Este fenômeno, que chamamos de xenofobia, é compartilhado em diversos lugares do mundo ao longo 
da história. Ocorre que, enquanto discurso de exclusão e de ódio, deixa de reconhecer as contribuições 
que os migrantes dão para os lugares de destino. Um exemplo disso é o reiterado ódio a nordestinos, 
que eventualmente ocorre em lugares como São Paulo ou no sul do Brasil. Diversos estereótipos são 
acionados sobre migrantes que vieram dos estados do nordeste, como o de que não trabalham e não se 
empenham para melhorar de vida, diferente do que fazem as populações que estavam nesses lugares 
antes de sua chegada. 
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Migração e xenofobia 
O processo migratório e a globalização formaram um elo inseparável desde a última 
metade do século passado. Os motivos são vários: eficácia dos meios de transporte e 
comunicação, desenvolvimento do setor turístico, desigualdades socioeconômicasentre os 
países etc.; porém, houve várias consequências, umas positivas e outras negativas. Nos países 
mais desenvolvidos, onde há maior contingente de imigrantes, ocorre um sério problema: a 
xenofobia (termo derivado do grego – xénos: “estrangeiro”; ephóbos: “medo”).
As migrações geram vários encontros de povos de diferentes culturas, raças, credos e 
religiões. No geral, é algo positivo. O Brasil, por exemplo, é um país rico em diversidade 
cultural e étnica. Entretanto, quando os nativos passam a não aceitar os imigrantes, há um 
grave problema social.
A história recente da humanidade nos dá vários exemplos de como a xenofobia é 
algo grave. No Holocausto, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, os 
nazistas exterminaram aproximadamente 6 milhões de judeus. Isso porque acreditavam 
que os judeus eram uma raça inferior e manchavam o nome da Alemanha de Hitler, e, logo, 
deveriam ser exterminados.
A xenofobia ocorre frequentemente nos países mais ricos e desenvolvidos, principalmente 
na Europa. Os nativos acreditam que os imigrantes são responsáveis pelo desemprego, 
criminalidade e todos os problemas sociais do país. Na Europa, alguns grupos xenófobos são 
conhecidos entre nós, como os skinheads, na Inglaterra, e os neonazistas, na Alemanha. Outros 
grupos não são tão conhecidos assim, como os bloc identitaire (França), casapound (Itália) 
e english defence league (Reino Unido).
A xenofobia pode ocorrer também dentro de um mesmo país, como acontece no Brasil e 
nos Estados Unidos, por terem dimensões territoriais enormes. Nos Estados Unidos há uma 
discriminação histórica contra negros, considerados como “lixos” e inferiores aos brancos. O 
seriado de tevê Todo Mundo Odeia o Chris (originalmente Everybody Hates Chris, do canal 
The CW Television Network, dos EUA), transmitido no Brasil pela Rede Record, demonstra 
de forma cômica e sarcástica como o negro é visto e tratado nos EUA. É um programa 
humorístico baseado na infância e parte da adolescência do humorista Chris Rock, que vale 
a pena conferir e entender melhor a problemática.
No caso do Brasil, tem-se o exemplo das discriminações sofridas pelos nordestinos no 
sudeste brasileiro. Geralmente, são atribuídos estereótipos de forma pejorativa, tais como 
“cabeça chata”, “baianos”, “paraíbas”, entre outros. Essas pessoas preconceituosas são, no 
mínimo, desinformadas a respeito da constituição do território, da história e da economia 
brasileira.
A xenofobia, portanto, trata-se de um racismo, um preconceito cultural, uma 
discriminação racial, econômica e social ao estrangeiro. O encontro de diversos povos, 
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religiões, sotaques, classes econômicas e sociais, no geral, é positivo. Contribuem para a 
riqueza cultural e econômica de uma nação.
Fonte: Almeida (2013). 
É necessário desconfiar desses discursos. Se pensarmos em uma cidade como São Paulo, por exemplo, 
é impossível não reconhecer que muitos prédios da cidade contaram, em sua construção, com a mão de 
obra – em geral submetida a um regime de precarização do trabalho – de pessoas vindas do nordeste 
do país. O mesmo tipo de desconfiança é lançado aos trabalhadores bolivianos hoje, que diversas vezes 
são submetidos a regimes de trabalho escravo ou semi-escravo e que são discriminados nos discursos 
sociais acerca da migração. Cabe fazer a pergunta – incômoda, porque mexe nos sistemas de exclusão 
étnico-racial culturalmente construídos em todos nós ao longo do processo de socialização – por que 
ao mesmo tempo diz-se com orgulho que italianos, alemães e outros migrantes europeus ajudaram a 
construir o país e não reconhecemos a mesma ajuda em migrantes não brancos? Quais são os elementos 
sociais que fazem com que alguns migrantes façam história e outros sejam excluídos dela? Não há 
resposta simples para estas questões, mas a antropologia nos ajuda justamente a tentar olhar para as 
lógicas existentes nesses discursos, que respeitam e enaltecem algumas diferenças e fazem o oposto 
com algumas outras.
6.3 Antropologia em comunidades rurais
Durante certo período, a antropologia preocupou-se com a possibilidade da “morte do nativo”, ou 
seja, do desaparecimento das sociedades tradicionais pelo avanço inegável e avassalador do sistema 
capitalista em todo o mundo. Assim, a ameaça do desaparecimento de indígenas, aborígenes e outros 
grupos tornou-se um temor também para a própria continuidade da disciplina.
Inicialmente, e em alguns lugares do mundo, alguns antropólogos passaram, então, a dedicar-se 
a outras populações tradicionais, como aqueles que vivem em comunidades rurais, que vivem da 
agricultura e da pecuária e que, se incorporaram os modos de vida capitalista, fizeram-no de modo 
peculiarmente diferente do que aconteceu nas grandes cidades do mundo.
De acordo com Seyferth (2011), tínhamos uma variação conceitual dessa análise, que partia da ideia 
de que as sociedades camponesas constituiriam sociedades parciais e com culturas igualmente parciais, 
comparando esses grupos com aqueles que residiam nas cidades, e culminava na concepção de que há 
uma elasticidade significativa nisso, a qual pode ser entendida como comunidade rural e seus modos 
de vida. 
Ao longo do tempo, as pesquisas nesse campo foram se intensificando e indicando a possibilidade de 
haver modos de vida bastante peculiares dentre essas populações – que podem incluir de agricultores 
a pescadores – demonstrando que suas percepções acerca de si e do que fazem podem variar bastante 
contextualmente.
A própria migração do campo para a cidade, que sofreu momentos diversos a partir da Revolução 
Industrial, constitui-se num objeto de análise importante. As razões pelas quais se migra variam e 
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indicam uma dificuldade inerente a este campo de pesquisas em conseguir dar definições objetivas e 
fechadas de “comunidade”, “ruralidade” ou “campesinato”.
Outra questão, cuja equação não se dá facilmente, é pensar como ocorrem as relações de trabalho 
nos contextos rurais. A ideia de família que produz conjuntamente questiona o conceito clássico de 
patrão e empregados, que usamos para analisar as sociedades industriais. Ao mesmo tempo, as relações 
de poder entre o pai (pai-patrão) e os demais membros da família são contraditórias e importantes para 
compreendermos a relação social e a vida cultural dessas pessoas. 
Destaca-se, ainda, que precisamos pensar como a globalização impacta os modos de vida 
e produção rurais. Afinal, a emergência de novas tendências e atores – como o agronegócio e 
a pesca em escala industrial – também modificam a relação dos pequenos produtores com a 
sociedade mais ampla. Dessa forma, intensificam uma série de questões e problemas – como 
as desigualdades que atingem essas populações em grande escala. Por vezes, a necessidade da 
agroindústria impulsiona novos processos migratórios do campo para a cidade, em busca de 
melhores oportunidades de vida. Cabe a nós, nas Ciências Sociais, tentarmos compreender essas 
mudanças e quais os impactos delas na vida desses grupos e da cultura, em seu sentido mais 
profundo.
Embora no Brasil o campo da antropologia urbana tenha se ampliado muito nas últimas décadas e, 
dadas as mudanças sociais, houve também questionamentos acerca do fim do campesinato como objeto 
de análise, este é ainda uma importarte área de pesquisa, mesmo que tenha passado por ressignificações 
a partir das inúmeras contradições internas a que foi submetida ao longo do tempo.
 Saiba mais
Para entender melhor a questão do campesinato, leia: SEYFERTH, G. 
Campesinato e o Estado no Brasil. Revista Mana, Rio de Janeiro,v. 17, n. 
2, ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar
ttext&pid=S010493132011000200006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 5 
dez. 2014. 
7 ANTROPOLOGIA URBANA
7.1 Contextualizando a antropologia urbana
Na origem das duas disciplinas, havia uma ideia compartilhada e difundida no meio 
científico de que os objetos de estudo da sociologia e da antropologia deveriam ser distintos e 
distantes uns dos outros. Enquanto se pensava que a sociologia deveria estudar as sociedades 
pós-industriais, ocidentais e urbanas, caberia à antropologia, em contrapartida, debruçar-se 
sobre as sociedades não ocidentais, distantes geográfica e culturalmente e, em tese, “exóticas”. 
Contudo, ao longo dos anos, essa perspectiva foi se alterando. Para Enrico Spaggiari (2011), 
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a tentativa de compreender o mundo contemporâneo é um desafio instigante para a 
antropologia, assim como a delimitação de suas subáreas tem mudado de forma profunda o 
fazer antropológico.
Atualmente, essa divisão encontra-se bastante distorcida, em especial no contexto brasileiro. 
Apesar dessa distinção em alguns espaços, no Brasil, desde a década de 1970, inicia-se a tendência 
de se fazer a pesquisa antropológica nas cidades, nos contextos urbanos, por vezes em locais 
próximos e conhecidos do pesquisador. Seguindo essa inclinação, é possível afirmar que hoje, no 
país, há uma vertente consolidada da antropologia, em cuja fonte outras áreas das ciências bebem 
constantemente – como a comunicação social, a educação, a psicologia e outras mais. Podemos 
dizer que no presente muitos campos científicos se valem da antropologia urbana e da etnografia 
em contextos urbanos para pensar a realidade social ou para compreender o contexto sociológico 
que é pertinente às suas pesquisas.
Analisando do ponto de vista da tradição antropológica em pesquisar povos que vivem em contextos 
outros que o das cidades, talvez, numa primeira avaliação, pudesse se inferir que há duas antropologias 
atualmente: uma que mantém a tradição da área em pesquisar “longe de casa” e outra que busca 
compreender as relações sociais que perpassam nossa própria sociedade. Contudo, vale seguir a pista 
de Michel Agier, quando nos relata que “[...] não há duas antropologias, mas sim maneiras diferentes 
de fazer antropologia com objetos diferentes e, portanto, campos diferentes, maneiras de pesquisar 
diferentes” (2011, p. 192).
Para Gilberto Velho (2009), a complexidade dos contextos urbanos é justamente o que faz necessário 
que qualquer a abordagem científica da cidade não possa abrir mão da inter e da multidisciplinaridade. 
Para o autor, é a heterogeneidade da vida urbana que leva ao desenvolvimento desta área de estudos. Desde 
o seu advento das cidades, ela se torna um objeto de interesse de cientistas e romancistas, que buscam, 
cada um a seu modo, compreendê-las e dissecá-las. Nesse contexto, “a cidade é um dos palcos e desafios 
principais para essa busca de compreensão e conhecimento da sociedade moderno-contemporânea” 
(Ibidem, p.11).
A vida da cidade é repleta de contradições, problemas, ambiguidades e complexidades. Nela temos 
a convivência de hábitos, costumes, realidades diferentes. Tradição e modernidade coabitam na cidade, 
ora de forma conflitante, ora integradas uma a outra. Contudo, é preciso admitir que a definição de 
cidade, seus contornos e suas formas, depende da sociedade e/ou país em que estão inseridas. Assim, 
antes de pensar em uma visão essencialista de cidade, em um modelo universal de, é preciso debruçar-se 
sobre suas organizações socioespaciais específicas, assim como ao modo como cada contexto diferente 
produz relações sociais que lhe são próprias (LE GUIRRIEC, 2008). 
Se podemos admitir que as cidades não são todas iguais, também podemos concluir de que há várias 
formas de realizar uma pesquisa sobre cada uma delas ou sobre seu contexto interno. Partindo dessa 
percepção, torna-se fundamental compreender que se há várias maneiras de se fazer antropologia, há 
igualmente diferentes possibilidades de fazer antropologia em contextos urbanos. Assim, destaca-se 
que uma das principais características desse campo de estudo é justamente a riqueza de enfoques e 
metodologias de que se pode lançar mão para pesquisar cidades.
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Figura 9 – Árvore dos pedidos
Um exemplo de que tradição e modernidade encontram-se na vida na cidade: menina brasileira 
pendurando seus pedidos na árvore no Festival das Estrelas (Tanabata Matsuri), festa tradicional japonesa 
replicada anualmente no bairro da Liberdade, em São Paulo.
A ideia da antropologia urbana é, nos termos de Agier (2011), entender as dinâmicas da cidade por 
“sobre os ombros” daquelas pessoas que vivem nela. Importa analisar como os indivíduos percebem a 
dinâmica de suas vidas nas diferentes cidades, seus fluxos pelo espaço da cidade, as ocupações, usos e 
significados que cada lugar pode ter para cada um deles. Assim, esse modo de fazer a antropologia pode 
nos levar a compreender como a vida na cidade e as relações sociais estabelecidas a partir desse contexto 
“fabrica” os indivíduos que vivem nela. Ao mesmo tempo, também faz que compreendamos como essas 
pessoas, em contrapartida, produzem as dinâmicas sociais e interações com outras por onde passam. As 
relações sociais na cidade contemplam várias dimensões, que constantemente se entrecruzam. 
A etnografia, como método de pesquisa, é fundamental para tal compreensão. Sem ela, torna-se 
impossível apreender as tão diversas situações de comunicação de indivíduos que vivem ou passam 
pelas cidades, assim como de que forma essas interações ocorrem em contextos específicos. A etnografia 
da cidade pode se debruçar sobre situações, interações, espaços, movimentos, deslocamentos, saberes, 
situações, lugares, crenças, vivências, entre tantos outros aspectos da vida.
7.2 Escola de Chicago e a antropologia urbana
Tanto a sociologia urbana quanto a antropologia urbana são grandes tributárias dos estudos 
realizados no âmbito da Escola de Chicago, iniciados em meados das décadas de 1920 e 1930, nos Estados 
Unidos da América. Bastante pautados no método etnográfico e nas teorias que levavam em conta o 
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interacionismo simbólico, esta escola foi responsável pela introdução de uma série de novos métodos de 
pesquisa, embasados no empirismo, na coleta de dados, e que buscava levantar, compreender e catalogar 
as mais diversas expressões das patologias sociais da época. Dessa forma, aqueles comportamentos 
vistos como “desviantes” eram o foco dos estudos de tais trabalhos.
Alguns conceitos importantes:
Desvio: comportamentos desviantes são aqueles que infringem as normas sociais por acaso, 
por desconhecimento ou intencionalmente. Para Émile Durkheim, todo crime é resultado de um 
comportamento desviante, mas nem todo comportamento desviante resulta em crime. Assim, a 
categorização do desvio vai depender de aspectos como: gravidade do descumprimento da regra (que 
regra social foi descumprida) e ser ou não flagrado no ato. Laraia (2009), considerando que nenhum 
indivíduo domina todas as regras da cultura em que está inserido ou mesmo concorda com elas, destaca 
que todos estamos sujeitos a desrespeitar normas sociais. Por exemplo, pessoas que seguem os preceitos 
da Igreja Católica e que usam métodos contraceptivos descumprem as normas desta instituição. Nesse 
contexto, portanto, adotam um comportamento desviante.
Marginalidade: refere-seà ausência de pertencimento social. O indivíduo marginal é aquele que, 
abandonando os preceitos de seu grupo social de origem, não se ajusta satisfatoriamente a nenhum 
outro. Questões como subordinação a sociedades dominantes, restrição à participação nas estâncias 
decisórias na arena política, pobreza, más condições habitacionais, privação dos bens da cidadania podem 
ser características inerentes à marginalidade. Por ser uma questão estrutural de um dado contexto 
social, esta tem contornos próprios em diferentes contextos sócio-históricos.
Interacionismo simbólico: Hebert Blumer cunhou o termo interação simbólica, teoria cujos princípios 
básicos são: 1) os atores agem em função do sentido que os indivíduos dão à ação, que é reciprocamente 
orientada; 2) a expressão dada à ação depende da interação; 3) as interações ocorrem dentro de uma lógica 
que lhes é própria. Nessa teoria, a sociedade é um processo, e não uma estrutura. Dessa maneira, a estrutura 
não teria influência direta na determinação das ações dos indivíduos. Como é uma teoria da interação, em 
especial face a face, propõe um método de investigação e análise microssociológica. Erving Goffman, um 
dos principais expoentes dessa perspectiva teórica, discorda de Blumer por reconhecer que as estruturas de 
fato influenciam as ações sociais. Nesse sentido, a partir da metáfora do teatro, desenvolve a ideia de papéis 
sociais. Para o autor, quando as pessoas participam de uma interação social, já conhecem previamente o 
quadro da interação (regras, estrutura etc.). Assim, lançam mão desse conhecimento prévio para projetar 
as suas ações de acordo com o que pensam que é esperado daquela situação. Goffmann entende que há, 
por vezes, situações inesperadas que mudam o quadro e se sobrepõem a ele. Assim, mesmo que os atores 
sociais busquem seguir um roteiro, a cada representação de si na vida cotidiana elementos novos surgem e 
modificam a cena inicialmente conhecida.
Robert Park, um de seus grandes nomes, incentivava os alunos a fazer pesquisas in loco, dizendo 
que eles deveriam sujar as mãos e as calças. A busca por dados coletados pelo estudioso permeou esta 
geração de pesquisadores, que desejavam obter relatos de vida de indivíduos ou grupo que viviam 
em situações marginais diretamente do grupo consultado. Assim, valorizava-se a voz e a experiência 
relatada pelas pessoas conforme percebiam suas próprias vidas e ações na vida social, o que produz uma 
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forma de fazer pesquisa que valorizava os sentidos e significados fornecidos pelas pessoas analisadas 
ao que vivenciavam ou sentiam. 
Figura 10 – Vitrine de estúdio de tatuagem
A fotografia apresentada é da vitrine de um estúdio de tatuagem na Galeria do Rock (São Paulo), 
espaço comercial frequentado por pessoas adeptas de diversas tendências musicais, dentre eles punks, 
skinheads, metaleiros, rockabillies, entre outros, e que poderia ser considerado como um local de pesquisa 
entre os pesquisadores da Escola de Chicago. 
Dessa maneira, grupos historicamente marginalizados puderam ser ouvidos, como migrantes, 
grupos de marginais e criminosos, jovens membros de gangues, músicos, frequentadores de guetos 
etc. Essas pesquisas foram realizadas nas regiões mais carentes da cidade, em que havia deterioração 
das instituições sociais (família, escola etc.), muitas vezes com alto índice de criminalidade. Conforme 
Renato Cancian (2009, p. 55), “ao centrar seus estudos nos problemas sociais, [...] ela foi criticada por 
negligenciar a elaboração de teorias sociológicas a partir da reflexão intelectual dissociada da sociologia 
aplicada”. Embora a crítica faça sentido, isso não invalida as inúmeras contribuições que a Escola de 
Chicago forneceu às Ciências Sociais.
A Escola de Chicago influenciou gerações de pesquisadores estadunidenses após a década de 1930 e 
teve grande impacto na formação da antropologia urbana no Brasil. Alguns de seus estudantes vieram 
ao Brasil para realizar suas pesquisas, como Ruth Landes e Donald Pierson. Robert Park chegou a visitar 
o país em idade avançada. Outro estudioso que teve um diálogo estreito com o Brasil foi Howard Becker, 
que mantinha expressiva troca intelectual com Gilberto Velho. 
 Saiba mais
Para saber mais sobre a Escola de Chicago, acesse: BECKER, H. A escola 
de Chicago. Revista Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, out. 1996. Disponível 
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010493131
996000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 9 dez. 2014.
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7.3 Gilberto Velho
O antropólogo fluminense Gilberto Velho (1945-2012), professor titular e decano, até sua morte, 
do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ, é o mais proeminente autor da área de 
antropologia urbana no Brasil. Possui diversas publicações sobre teoria e método em antropologia 
urbana, tendo formado diversas gerações de pesquisadores que realizaram estudos dentro desse campo. 
Autor de uma obra extensa, também orientou a pesquisa de mais de 100 (cem) alunos ao longo de 
sua carreira, o que faz dele o dirigente com maior número de orientandos da antropologia brasileira. 
Ganhou diversos prêmios, além de haver ocupado posições de destaque nas instituições mais relevantes 
da área. Foi também membro da Academia Brasileira de Ciências.
 Saiba mais
Para conhecer melhor o pesquisador, leia: VELHO, G. Antropologia 
urbana: encontro de tradições e novas perspectivas. Sociologia, Problemas 
e Práticas, n. 59, jan. 2009. Disponível em: <http://sociologiapp.iscte.pt/
fichaartigo.jsp?pkid=10120>. Acesso em: 8 dez. 2014.
7.4 Etnografia na antropologia urbana
Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia 
tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o trouxe 
afastar-se no mar até desaparecer de vista. Suponhamos, além disso, que você seja 
apenas um principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem ninguém 
que o possa auxiliar. Isso descreve exatamente a minha iniciação na pesquisa de 
campo, no litoral sul da Nova Guiné. Lembro-me bem das longas visitas que fiz 
às aldeias durante as primeiras semanas; do sentimento de desespero e desalento 
após inúmeras tentativas obstinadas mais inúteis para estabelecer contato real 
com os nativos e deles conseguir material para minha pesquisa. Passei por fases 
de grande desânimo, quanto então me entregava à leitura de um romance como 
um homem que, numa crise de depressão e tédio tropical, se entrega à bebida 
(MALINOWISKI, 1976, p. 23).
Vale discutir e analisar brevemente o método etnográfico, o qual foi inaugurado por Bronislaw 
Malinowski (1976) a partir de autores como Clifford Geertz (1997) e Gilberto Velho (1999), a fim 
de discutir sobre a antropologia urbana. Importa pensar aqui o impacto das noções de “experiência 
próxima” e “experiência distante” de Geertz, traçando um paralelo com o debate sobre a pesquisa do 
que é “familiar” proposta por Velho. Conjuntamente a tal avaliação, articula-se aos conceitos de Geertz 
a questão que diferencia o que é “familiar” e “conhecido”, proposta por Velho, em relação ao estudo feito 
pelo pesquisador em seu próprio grupo.
Ainda, é necessário acrescentar que, se o método – qualquer método – funciona como uma régua, 
como uma medida, cada um corresponde a uma necessidade de avaliação. Assim, para obter várias 
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medidas, é preciso utilizar várias metodologias. A realidade é tão rica que não existem modelos suficientes 
queconsigam mensurar toda a realidade da vida (social). 
Geertz, ao pensar sobre as noções de “experiência próxima” e “experiência distante”, parte da 
publicação do Diário de Malinowski para desenvolver seu argumento. Assim, faz-se necessária uma 
abordagem sobre o autor antes de entrar no tema da etnografia propriamente dita.
Malinowski é conhecido como o pai da etnografia, como o primeiro antropólogo a “ir a campo” e 
fazer uma “observação participante”. É evidente que, na época, o interesse da etnografia era descrever 
(e quiçá entender) as sociedades tribais, cujo modelo de sociedade era bastante diferente da europeia. 
Portanto, a distinção e distância entre a sociedade a que pertencia o investigador e as populações 
pesquisadas era, em si, um pressuposto da pesquisa.
Seu manuscrito, o clássico Argonautas do Pacífico Ocidental, publicado em 1922, já na introdução 
define o que entende por etnografia: 
A meu ver, um trabalho etnográfico terá valor científico irrefutável se nos 
permitir distinguir claramente, de um lado, os resultados da observação 
direta e das declarações e interpretações nativas e, de outro, as inferências 
do autor, baseadas em seu próprio bom-senso e intuição psicológica. [...] Na 
etnografia, é frequentemente imensa a distância entre a apresentação final 
dos resultados da pesquisa e o material bruto das informações coletadas 
pelo pesquisador através de suas próprias observações, das asserções dos 
nativos, do caleidoscópio da vida tribal. O etnógrafo tem que percorrer essa 
distância ao longo dos anos laboriosos que transcorrem desde o momento 
em que pela primeira vez pisa numa praia nativa e faz as primeiras tentativas 
no sentido de comunicar-se com os habitantes da região, até a fase final 
dos seus estudos, quando redige a versão definitiva dos resultados obtidos. 
Uma breve apresentação acerca das atribulações de um etnógrafo – as 
mesmas por que passei – pode trazer mais luz à questão do que qualquer 
argumentação muito longa e abstrata (MALINOWSKI, 1976, p. 23-23).
Figura 11 – Turistas na Torre Panorâmica, em Curitiba (2012)
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O pesquisador em antropologia urbana pode fazer de qualquer espaço de sociabilidade da cidade 
fonte de pesquisa. Os lugares turísticos são espaços de interação social e, portanto, de trocas sociais 
entre pessoas de pertencimentos sociais. 
Em sua obra clássica, Malinowski, (polonês com tradição intelectual britânica), traça alguns 
pressupostos do trabalho etnográfico: 1) define seus princípios metodológicos (hipóteses x preconceitos); 
2) relata o contato com os nativos (solidão, cotidiano); 3) defende a etnográfica como meio de descobrir 
a “ordem nativa”; 4) os objetivos da etnografia seriam: 4.1) recusa do exótico: busca da “totalidade 
da cultura tribal”, “trabalho construtivo” e observação; 4.2) chegar aos “imponderáveis da vida real” 
– a importância do diário de campo no desvelamento das peculiaridades dos costumes nativos; 4.3) 
apreender as perspectivas e opiniões nativas sobre seus costumes e modos de vida.
É preciso viabilizar, contudo, uma passagem entre a experiência de campo e as interpretações 
analíticas. Para tanto, devemos desdobrar o método etnográfico em cinco etapas: 
– estranhamento (de algum acontecimento no campo); 
– esquematização (dos dados empíricos);
– desconstrução (dos estereótipos preconcebidos); 
– comparação (com exemplos análogos tirados da literatura 
antropológica);
– sistematização do material em modelos alternativos (FONSECA, 1999, 
p. 66).
Dentro da perspectiva proposta pela autora, concentrar-se em casos exemplares que ocorram 
durante o trabalho de pesquisa é um meio eficaz de fazê-lo. Podemos, para tanto, retirar inspiração do 
modelo proposto por Max Gluckman (1987) e seguido por J. Clyde Mitchell (1959). Gluckman propõe 
como padrão de análise uma descrição diacrônica, em que se torna possível, por meio da reconstrução 
de processos sociais de um dado evento ou situação, compreender como aquele grupo ou sociedade se 
pensa e se articula e quais são as questões que fazem com que elas signifiquem de uma forma ou de 
outra aquilo que fazem. A partir dessa análise, torna-se possível destacar os elementos que nortearão 
as bases para os argumentos desenvolvidos ao longo de toda a análise proposta pelo antropólogo e que 
podem servir de guia para compreender como o grupo pesquisado pensa e significa o que está fazendo 
(GEERTZ, 1997). Em certo sentido, esse modo de fazer pesquisa se insere dentro de uma tradição de 
análise microssociológica (GEERTZ, 1978) e diz respeito às situações vivenciadas e observadas com o 
grupo estudado ao longo da pesquisa etnográfica.
A tradição antropológica, ao falar da relação do pesquisador com quem pesquisa, com os nativos, 
desde o início se preocupou em situar o antropólogo como alguém que está naquele local e que participa, 
de certo modo, da construção de sentido das coisas que observa ou ao menos as traduz por meio de seus 
próprios conceitos culturais o que lhe é relatado ou que observa em campo. Busca-se, ainda, apesar de 
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sua tendência a realizar estudos que parecem “micro”, fugir de qualquer reducionismo individualizante. 
O objetivo é escrutinar as relações e inserções sociais de quem é pesquisado. Nesse contexto, foge-se da 
ideia de que “cada caso é um caso” (FONSECA, 1999). 
A pesquisa antropológica funciona como um meio de coibir esse tipo de reducionismo. O aspecto 
social da análise deve ser reforçado como meio de combater uma tendência do individualismo 
metodológico de isolar o sujeito de seu contexto (FONSECA, 1999). Assim, vale dizer também que a 
pesquisa etnográfica almeja descrever o nativo de forma “simpática”, no sentido de não etnocêntrica. 
É nessa questão que voltamos à publicação dos diários de Malinowski. Essa ação rompe com uma 
tradição antropológica que entendia que o antropólogo deveria tentar ver o mundo do ponto de 
vista dos nativos. A quebra desse paradigma se explica pelo fato de que se encontram nos relatos as 
impressões pessoais de Malinowski sobre seus informantes, nem sempre complacentes ou, para usar 
termos boasianos, “relativizadores”.
Malinowski chega a declarar que gostaria de estar longe dali e faz comentários pouco amistosos, 
inclusive relatando a chatice de alguns indivíduos. Evans-Pritchard é explícito em sua etnografia Os Nuer 
ao afirmar, na introdução, que é possível desenvolver “neuroses” ao pesquisar seus nativos. Para Geertz, 
daí se pode depreender dois modelos conceituais que substituiriam este último, em que o antropólogo 
tenta apreender a realidade por meio da mesma lente com que o nativo vê o mundo: a noção de 
experiência próxima e a noção de experiência distante.
 Observação
Experiência próxima é aquela utilizada pelo informante para definir 
sua própria cultura. Já a experiência distante é empregada por qualquer 
especialista para atingir seus objetivos científicos, práticos ou filosóficos. 
Para Geertz (1997), alguns pressupostos fazem-se fundamentais: 
• entender uma pessoa não nos transforma nela; 
• um antropólogo não se transforma em seu “nativo” e não apreende e toma para si o “eu” deste 
apenas por pesquisar sua cultura; 
• este seria o grande “racha” provocado pela publicação do Diário de Malinowski; 
• o etnógrafo não percebe o que seus informantes percebem; 
• o etnógrafo percebe (com insegurança) “com que” e/ou “por meio de que” os outros percebem 
suas realidades.
De acordo com Gilberto Velho (1999), há um envolvimento de quem pesquisa com seu objeto de 
estudo, o que não é necessariamente prejudicial ao desenvolvimento

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