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. 1 SEE-BA Coordenador Pedagógico As diferentes correntes do pensamento pedagógico brasileiro e as implicações na organização do sistema de educação brasileiro. ............................................................................................................... 1 A didática e o processo de ensino/aprendizagem: planejamento, estratégias, metodologias e avaliação da aprendizagem. A sala de aula como espaço de aprendizagem. ........................................................ 59 As teorias do currículo. .................................................................................................................... 124 Os conhecimentos socioemocionais no currículo escolar.. .............................................................. 149 Aspectos legais e políticos da organização da educação brasileira. Políticas educacionais para a educação básica: as diretrizes curriculares nacionais. ......................................................................... 174 A Interdisciplinaridade e a contextualização no Ensino Médio. ........................................................ 218 Os fundamentos de uma escola inclusiva. ....................................................................................... 231 Convenção da ONU sobre direitos das pessoas com deficiência. .................................................... 239 Educação para as relações étnico-raciais. ....................................................................................... 261 Decreto federal nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969 (promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial). ................................................................... 274 O Decreto federal nº 4.738, de 12 de junho de 2003 (reitera a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial). ................................................................... 286 Educação e trabalho: o trabalho como princípio educativo. ............................................................. 287 Ação da escola, protagonismo juvenil. ............................................................................................. 299 A Lei estadual nº 13.559, de 11 de maio de 2016: o Plano Estadual de Educação. ......................... 303 A avaliação da Educação Básica. .................................................................................................... 328 As licenciaturas interdisciplinares como paradigma atual da formação docente. ............................. 355 Os movimentos de aproximação entre a educação básica e educação superior na Bahia no momento presente: contexto do Decreto estadual nº 16.718, de 11 de maio de 2016. ........................................ 357 O paradigma da supralegalidade como norma constitucional para os tratados dos direitos humanos: sua importância para os sistemas de educação e para a cultura escolar. ............................................ 361 Legislação educacional: principais marcos regulatórios da Educação Básica: a) A LDB – Lei federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e Lei federal nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 que converte a MP 746 em alterações na LDB; a Lei federal nº 11.494, 20 de junho de 2007 e as demais normativas legais sobre o FUNDEB; ...................................................................................................................... 395 b) as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica do Conselho Nacional de Educação – DCNs (para a educação infantil, para a educação de jovens e adultos, para o ensino fundamental, para o ensino médio, para a educação profissional, para a educação do campo, para a educação ....... especial, para a educação das relações étnico-raciais, para a educação quilombola, para a educação escolar indígena, para o ensino fundamental de 9 anos), a Resolução CNE/CEB nº. 4/2010. .................................................................................................. 443 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 2 Constituição Federal ............................................................................................................ 459 Documentos orientadores da Secretaria de Educação do Estado da Bahia: Portaria SEC nº. 6.562/2016 (que dispõe sobre a sistemática de avaliação do ensino e da aprendizagem das unidades escolares da Rede Estadual de Ensino, em todas as etapas da Educação Básica e suas modalidades); .................................................................................................................. 487 Portaria SEC/BA nº 1.128/2010 (que institui a Reorganização Curricular das Escolas da Educação Básica da Rede Pública Estadual); ....................................................................................................... 490 Lei estadual nº 8.261, 29 de maio de 2002, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público do Ensino Fundamental e Médio do Estado da Bahia e dá outras providências. ....................................... 495 O planejamento da Jornada Pedagógica anual da rede pública estadual: função e resultados. ...... 513 Candidatos ao Concurso Público, O Instituto Maximize Educação disponibiliza o e-mail professores@maxieduca.com.br para dúvidas relacionadas ao conteúdo desta apostila como forma de auxiliá-los nos estudos para um bom desempenho na prova. As dúvidas serão encaminhadas para os professores responsáveis pela matéria, portanto, ao entrar em contato, informe: - Apostila (concurso e cargo); - Disciplina (matéria); - Número da página onde se encontra a dúvida; e - Qual a dúvida. Caso existam dúvidas em disciplinas diferentes, por favor, encaminhá-las em e-mails separados. O professor terá até cinco dias úteis para respondê-la. Bons estudos! 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 1 Caro(a) candidato(a), antes de iniciar nosso estudo, queremos nos colocar à sua disposição, durante todo o prazo do concurso para auxiliá-lo em suas dúvidas e receber suas sugestões. Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação ou dúvida conceitual. Em qualquer situação, solicitamos a comunicação ao nosso serviço de atendimento ao cliente para que possamos esclarecê-lo. Entre em contato conosco pelo e-mail: professores@maxieduca.com.br História da Educação Brasileira Conforme o texto de Bello1, a História da Educação Brasileira não é uma História difícil de ser estudada e compreendida. Ela evolui em rupturas marcantes e fáceis de serem observadas. A primeira grande ruptura travou-se com a chegada mesmo dos portugueses ao território do Novo Mundo. Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu. Num programa de entrevista na televisão, o indigenista Orlando Villas Boas contou um fato observado por ele numa aldeia Xavante que retrata bem a característica educacional entre os índios: Orlando observava uma mulher que fazia alguns potes de barro. Assim que a mulher terminava um pote seu filho, que estava ao lado dela pegava o pote pronto e o jogava ao chão quebrando. Imediatamente ela iniciava outro e, novamente, assim que estava pronto, seu filho repetia o mesmo ato e o jogava no chão. Esta cena se repetiupor sete potes até que Orlando não se conteve e se aproximou da mulher Xavante e perguntou por que ela deixava o menino quebrar o trabalho que ela havia acabado de terminar. No que a mulher índia respondeu: "- Porque ele quer". Podemos também obter algumas noções de como era feita a educação entre os índios na série Xingu, produzida pela extinta Rede Manchete de Televisão. Neste seriado podemos ver crianças indígenas subindo nas estruturas de madeira das construções das ocas, numa altura inconcebivelmente alta. Quando os jesuítas chegaram por aqui, eles não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade europeia; trouxeram também os métodos pedagógicos. Este método funcionou absoluto durante 210 anos, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. Se existia alguma coisa muito bem estruturada em termos de educação o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. Tentou-se as aulas régias, o subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na Europa, resolve transferir o Reino para o Novo Mundo. Na verdade não se conseguiu implantar um sistema educacional nas terras brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para preparar terreno para sua estadia no Brasil, D. João VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns autores, o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a ter uma complexidade maior. A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Basta ver que, enquanto nas colônias espanholas já existiam muitas universidades, sendo que em 1538 já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e a de Lima, a nossa primeira Universidade só surgiu em 1934, em São Paulo. Por todo o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez pela educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim. Com a Proclamação da República tentaram-se várias reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas se observarmos bem, a educação brasileira não sofreu um processo de evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em termos de modelo. Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do mundo, que é a de manter o "status quo" para aqueles que frequentam os bancos escolares. Concluindo podemos dizer que a Educação Brasileira tem um princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. E é isso que tentamos passar neste texto. 1 Texto adaptado de BELLO, J. L. P. As diferentes correntes do pensamento pedagógico brasileiro e as implicações na organização do sistema de educação brasileiro. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 2 Os períodos foram divididos a partir das concepções do autor em termos de importância histórica. Se considerarmos a História como um processo em eterna evolução, não podemos considerar este trabalho como terminado. Novas rupturas estão acontecendo no exato momento em que esse texto está sendo lido. A educação brasileira evolui em saltos desordenados, em diversas direções. Período Jesuítico A educação indígena foi interrompida com a chegada dos jesuítas. Os primeiros chegaram ao território brasileiro em março de 1549. Comandados pelo Padre Manoel de Nóbrega, quinze dias após a chegada edificaram a primeira escola elementar brasileira, em Salvador, tendo como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, contando apenas 21 anos. Irmão Vicente tornou-se o primeiro professor nos moldes europeus, em terras brasileiras, e durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé religiosa. No Brasil, os jesuítas se dedicaram à pregação da fé católica e ao trabalho educativo. Perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que soubessem ler e escrever. De Salvador a obra jesuítica estendeu-se para o sul e, em 1570, vinte e um anos após a chegada, já era composta por cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). Quando os jesuítas chegaram por aqui, eles não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade europeia; trouxeram também os métodos pedagógicos. Todas as escolas jesuítas eram regulamentadas por um documento, escrito por Inácio de Loiola, o Ratio Studiorum, que tinha como objetivos de organização social e cultural, bem como de catequese baseada na “cristandade”. O ensino era essencialmente de caráter humanístico. Eles não se limitaram ao ensino das primeiras letras; além do curso elementar mantinham cursos de Letras e Filosofia, considerados secundários, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes. No curso de Letras estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso de Filosofia estudava-se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais. E quem tinha interesse em estudar Medicina ou Direito deveria ir estudar na Europa. Este modelo funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. Se existia algo muito bem estruturado, em termos de educação, o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. No momento da expulsão, os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. Período Pombalino Com a expulsão saíram do Brasil 124 jesuítas da Bahia, 53 de Pernambuco, 199 do Rio de Janeiro e 133 do Pará. Com eles levaram também a organização monolítica baseada no Ratio Studiorum. Desta ruptura, pouca coisa restou de prática educativa no Brasil. Continuaram a funcionar o Seminário Episcopal, no Pará, e os Seminários de São José e São Pedro, que não se encontravam sob a jurisdição jesuítica; a Escola de Artes e Edificações Militares, na Bahia, e a Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro. Os jesuítas foram expulsos das colônias em função de radicais diferenças de objetivos com os dos interesses da Corte. Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o proselitismo e o noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência em que se encontrava diante de outras potências europeias da época. Além disso, Lisboa passou por um terremoto que destruiu parte significativa da cidade e precisava ser reerguida. A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado. Através do alvará de 28 de junho de 1759, ao mesmo tempo em que suprimia as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias, Pombal criava as aulas régias de Latim, Grego e Retórica. Criou também a Diretoria de Estudos que só passou a funcionar após o afastamento de Pombal. Cada aula régia era autônoma e isolada, com professor único e uma não se articulava com as outras. Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava estagnada e era preciso oferecer uma solução. Para isso instituiu o "subsídio literário" para manutenção dos ensinos primário e médio. Criado em 1772 o “subsídio” era uma taxação, ou um imposto, que incidiasobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente. Além de exíguo, nunca foi cobrado com regularidade e os professores ficavam longos períodos sem receber vencimentos a espera de uma solução vinda de Portugal. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 3 Os professores geralmente não tinham preparação para a função, já que eram improvisados e mal pagos. Eram nomeados por indicação ou sob concordância de bispos e se tornavam "proprietários" vitalícios de suas aulas régias. O resultado da decisão de Pombal foi que, no princípio do século XIX, a educação brasileira estava reduzida a praticamente nada. O sistema jesuítico foi desmantelado e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado para dar continuidade a um trabalho de educação. Período Joanino A vinda da Família Real, em 1808, permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para atender às necessidades de sua estadia no Brasil, D. João VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns autores, o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a ter uma complexidade maior. O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as ideias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada, preparando terreno propício para as questões políticas que permearam o período seguinte da História do Brasil. A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Para Lima, "a 'abertura dos portos', além do significado comercial da expressão, significou a permissão dada aos 'brasileiros' (madeireiros de pau-brasil) de tomar conhecimento de que existia, no mundo, um fenômeno chamado civilização e cultura". Período Imperial D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822 seu filho D. Pedro I proclama a Independência do Brasil e, em 1824, outorga a primeira Constituição brasileira. O Art. 179 desta Lei Magna dizia que a "instrução primária é gratuita para todos os cidadãos". Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores institui-se o Método Lancaster, ou do "ensino mútuo", onde um aluno treinado (decurião) ensinava um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor. Em 1826 um Decreto institui quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Em 1827 um projeto de lei propõe a criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de professores, para nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas. Em 1834 o Ato Adicional à Constituição dispõe que as províncias passariam a ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Graças a isso, em 1835, surge a primeira Escola Normal do país, em Niterói. Se houve intenção de bons resultados não foi o que aconteceu, já que, pelas dimensões do país, a educação brasileira perdeu-se mais uma vez, obtendo resultados pífios. Em 1837, onde funcionava o Seminário de São Joaquim, na cidade do Rio de Janeiro, é criado o Colégio Pedro II, com o objetivo de se tornar um modelo pedagógico para o curso secundário. Efetivamente o Colégio Pedro II não conseguiu se organizar até o fim do Império para atingir tal objetivo. Em 1872, a população brasileira era de 10 milhões de habitantes, e apenas150.000 estavam matriculados em escolas primárias. O analfabetismo era da ordem de 64%. Até a Proclamação da República, em 1889 praticamente nada se fez de concreto pela educação brasileira. O Imperador D. Pedro II, quando perguntado que profissão escolheria não fosse Imperador, afirmou que gostaria de ser "mestre-escola". Apesar de sua afeição pessoal pela tarefa educativa, pouco foi feito, em sua gestão, para que se criasse, no Brasil, um sistema educacional. O resultado do ensino no Brasil Império foi deficiente, sem uma plano nacional que lhe desse um sistema ou estrutura adequada. As políticas foram sucessivas e caracterizadas pela falta de continuidade e articulação. Período da Primeira República A República proclamada adotou o modelo político americano baseado no sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se influência da filosofia positivista. A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária. Estes princípios seguiam a orientação do que estava estipulado na Constituição brasileira. Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores e não apenas preparador. Outra intenção era substituir a predominância literária pela científica. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 4 Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os princípios pedagógicos de Comte; pelos que defendiam a predominância literária, já que o que ocorreu foi o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enciclopédico. O Código Epitácio Pessoa, de 1901, inclui a lógica entre as matérias e retira a biologia, a sociologia e a moral, acentuando, assim, a parte literária em detrimento da científica. A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o curso secundário se tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte. Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais, e de frequência. Além disso, prega ainda a abolição do diploma em troca de um certificado de assistência e aproveitamento e transfere os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para a educação brasileira. Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma João Luiz Alves que introduz a cadeira de Moral e Cívica com a intenção de tentar combater os protestos estudantis contra o governo do presidente Arthur Bernardes. A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes no processo de mudança das características políticas brasileiras. Foi nesta década que ocorreu o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do Partido Comunista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927). Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas diversas reformas de abrangência estadual, como as de Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, a de Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas, em 1927, a de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928 e a de Carneiro Leão, em Pernambuco, em 1928. Período da Segunda República A Revolução de 30 foi o marco referencial para a entrada do Brasil no mundo capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior, permitiu com que o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma Francisco Campos". Em 1932, um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores da época. Em 1934, a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos. Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando SallesOliveira, foi criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, cria a Universidade do Distrito Federal, no atual município do Rio de Janeiro, com uma Faculdade de Educação na qual se situava o Instituto de Educação. Período do Estado Novo Refletindo tendências fascistas é outorgada uma nova Constituição em 1937. A orientação político- educacional para o mundo capitalista fica bem explícita em seu texto sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado. Neste sentido, a nova Constituição enfatiza o ensino pré-vocacional e profissional. Por outro lado propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. Também dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas normais, primárias e secundárias. No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a historiadora Otaíza Romanelli, faz com que as discussões sobre as questões da educação, profundamente ricas no período anterior, entrem "numa espécie de hibernação". As conquistas do movimento renovador, influenciando a Constituição de 1934, foram enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937. Marca uma distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes mais desfavorecidas. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 5 Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados alguns ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino profissionalizante. O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar dessa divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial. Período da Nova República O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção de uma nova Constituição de cunho liberal e democrático. Esta nova Constituição, na área da Educação, determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a nova Constituição fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros anos da década de 30. Ainda em 1946 o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o Ensino Primário e o Ensino Normal, além de criar o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, atendendo as mudanças exigidas pela sociedade após a Revolução de 1930. Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de 1946, o Ministro Clemente Mariani, cria uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma geral da educação nacional. Esta comissão, presidida pelo educador Lourenço Filho, era organizada em três subcomissões: uma para o Ensino Primário, uma para o Ensino Médio e outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este anteprojeto foi encaminhado à Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das propostas apresentadas. Num primeiro momento, as discussões estavam voltadas às interpretações contraditórias das propostas constitucionais. Num momento posterior, após a apresentação de um substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação, inspirados nos educadores da velha geração de 1930, e a participação das instituições privadas de ensino. Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros. Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional foi o fato marcante, por outro lado, muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no Estado da Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), dando início a sua ideia de escola-classe e escola- parque; em 1952, em Fortaleza, Estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didática baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953 a educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação e Cultura; em 1961 tem início uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos; em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e, ainda em 1962 é criado o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire. Período do Regime Militar Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram "comunizantes e subversivas". O Regime Militar espelhou na educação o caráter antidemocrático de sua proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades foram invadidas; estudantes foram presos e feridos, nos confronto com a polícia, e alguns foram mortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar; o Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores. Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Para acabar com os "excedentes" (aqueles que tiravam notas suficientes para serem aprovados, mas não conseguiam vaga para estudar), foi criado o vestibular classificatório. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 6 Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, aproveitando-se, em sua didática, do expurgado Método Paulo Freire. O MOBRAL propunha erradicar o analfabetismo no Brasil. Não conseguiu. E, entre denúncias de corrupção, acabou por ser extinto e, no seu lugar criou-se a Fundação Educar. É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar à formação educacional um cunho profissionalizante. Período da Abertura Política No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais já haviam perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Para isso contribuiu a participação mais ativa de pensadores de outras áreas do conhecimento que passaram a falar de educação num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si mesma. Impedidosde atuarem em suas funções, por questões políticas durante o Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico, passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber pedagógico. No bojo da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma nova LDB foi encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado Octávio Elísio, em 1988. No ano seguinte o Deputado Jorge Hage enviou à Câmara um substitutivo ao Projeto e, em 1992, o Senador Darcy Ribeiro apresenta um novo Projeto que acabou por ser aprovado em dezembro de 1996, oito anos após o encaminhamento do Deputado Octávio Elísio. Neste período, do fim do Regime Militar aos dias de hoje, a fase politicamente marcante na educação, foi o trabalho do economista e Ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Logo no início de sua gestão, através de uma Medida Provisória extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou o Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho menos burocrático e mais político. Mesmo que possamos não concordar com a forma como foram executados alguns programas, temos que reconhecer que, em toda a História da Educação no Brasil, contada a partir do descobrimento, jamais houve execução de tantos projetos na área da educação numa só administração. O mais contestado deles foi o Exame Nacional de Cursos e o seu "Provão", no qual os alunos das universidades têm que realizar uma prova ao fim do curso para receber seus diplomas. Esta prova, em que os alunos podem simplesmente assinar a ata de presença e se retirar sem responder nenhuma questão, é levada em consideração como avaliação das instituições. Além do mais, entre outras questões, o exame não diferencia as regiões do país. Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do mundo, que é mais o de manter o "status quo", para aqueles que frequentam os bancos escolares, e menos de oferecer conhecimentos básicos, para serem aproveitados pelos estudantes em suas vidas práticas. Concluindo, podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturas marcantes, e em cada período determinado teve características próprias. A bem da verdade, apesar de toda essa evolução e rupturas inseridas no processo, a educação brasileira não evoluiu muito no que se refere à questão da qualidade. As avaliações, de todos os níveis, estão priorizadas na aprendizagem dos estudantes, embora existam outros critérios. O que podemos notar, por dados oferecidos pelo próprio Ministério da Educação, é que os estudantes não aprendem o que as escolas se propõem a ensinar. Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados como norma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no período da Educação jesuítica. Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas propostas desencontradas que pouco contribuíram para o desenvolvimento da qualidade da educação oferecida. É provável que estejamos próximos de uma nova ruptura. E esperamos que ela venha com propostas desvinculadas do modelo europeu de educação, criando soluções novas em respeito às características brasileiras, como fizeram os países conhecidos como Tigres Asiáticos, os quais, buscaram soluções para seu desenvolvimento econômico, investindo em educação; ou, como fez Cuba que, por decisão política de governo erradicou o analfabetismo em apenas um ano e trouxe para a sala de aula todos os cidadãos cubanos. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 7 Assim, na evolução da História da Educação brasileira a próxima ruptura precisaria implantar um modelo que fosse único e que atendesse às necessidades de nossa população e que fosse eficaz. Duas instituições educativas, em particular, sofreram uma profunda redefinição e reorganização na Modernidade: a família e a escola, que se tornaram cada vez mais centrais na experiência formativa dos indivíduos e na própria reprodução (cultural, ideológica e profissional) da sociedade. As duas instituições chegaram a cobrir todo o arco da infância – adolescência, como “locais” destinados à formação das jovens gerações, segundo um modelo socialmente aprovado e definido. Período Moderno 2A família, objeto de uma retomada como núcleo de afetos e animada pelo “sentimento da infância”, que fazia cada vez mais da criança o centro-motor da vida familiar, elaborava um sistema de cuidados e de controles da mesma criança, que tendiam a conformá-la a um ideal, mas também a valorizá-la como mito, um mito de espontaneidade e de inocência, embora às vezes obscurecido por crueldade, agressividade etc. Os pais não se contentavam mais em apenas pôr filhos no mundo. A moral da época impõe que se dê a todos os filhos, não só ao primogênito, e no fim dos anos seiscentos também as filhas, uma preparação para a vida. A tarefa de assegurar tal afirmação é atribuída à escola. Ao lado da família, à escola: uma escola que instruía e que formava que ensinava conhecimentos, mas também comportamentos, que se articulava em torno da didática, da racionalização da aprendizagem dos diversos saberes, e em torno da disciplina, da conformação programada e das práticas repressivas (constritivas, mas por isso produtoras de novos comportamentos). Mas, sobretudo, uma escola que reorganizava suas próprias finalidades e seus meios específicos. Uma escola não mais sem graduação na qual se ensinavam as mesmas coisas a todos e segundo processos de tipo adulto, não mais caracterizada pela “promiscuidade das diversas idades” e, portanto, por uma forte incapacidade educativa, por uma rebeldia endêmica por causa da ação dos maiores sobre os menores e, ainda, marcadas pela “liberdade dos estudantes”, sem disciplina interna e externa. Com a instituição do colégio (no século XVI), porém, teve início um processo de reorganização disciplinar da escola e de racionalização e controle de ensino, através da elaboração de métodos de ensino/educação – o mais célebre foi a Ratio Studiorum dos jesuítas – que fixavam um programa minucioso de estudo e de comportamento, o qual tinha ao centro a disciplina, o internato e as “classes de idade”, além da graduação do ensino/aprendizagem. Também é dessa época a descoberta da disciplina: uma disciplina constante e orgânica, muito diferente da violência e autoridade não respeitada. A disciplina escolar teve raízes na disciplina religiosa; era menos instrumento de exercício que de aperfeiçoamento moral e espiritual, era buscada pela sua eficácia, como condição necessária do trabalho em comum, mas também por seu valor próprio de edificação. Enfim, a escola ritualizava o momento do exame atribuindo-lhe o papel crucial no trabalho escolar. O exame era o momento em que o sujeito era submetido ao controle máximo, mas de modo impessoal: mediante o controle do seu saber. Na realidade, o exame agia, sobretudo como instrumento disciplinar, de controle do sujeito, como instrumento de conformação. Uma reflexão sobre o ponto histórico da Educação no Brasil 3A História está aí para mostrar os resultados e provar a viabilidade ou não de cada lei. A análise de Marçal4 é bastante pertinente a esta questão: “A história mostra que a educação escolar no Brasil nunca foi considerada como prioridade nacional: ela serviu apenas a uma determinada camada social, em detrimento das outras camadas da sociedade que permaneceram iletradas e sem acesso à escola. Mesmo com a evolução histórico-econômica do país (...); mesmo tendo, ao longo de cinco séculos de história, passado de uma economia agrária-comercial-exportadora para uma economia baseada na industrialização e no desenvolvimento tecnológico; mesmo comas oscilações políticas e revoluções por que passou, o Brasil não priorizou a educação em seus investimentos político-sociais e a estrutura educacional permaneceu substancialmente inalterada até nossos dias, continuando a agir como transmissora da ideologia das elites e atendendo de forma mais ou menos satisfatória apenas a uma pequena parcela da sociedade.” Quando se faz propostas educacionais, é necessário que se conheça toda a História percorrida até nossos dias, para que se crie a partir dos resultados dos trabalhos que foram desenvolvidos até o presente, para que os erros cometidos não se repitam, e os aceitos de outrora sirvam de base para que 2 http://www.pedagogia.com.br/historia/moderno.php 3 História da educação escolar no Brasil: notas para uma reflexão. RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Paidéia (Ribeirão Preto) [online]. 1993, n.4, pp.15-30. 4 MARÇAL RIBEIRO, P. R. Educação Escolar no Brasil: Problemas, Reflexões e Propostas. Coleção Textos, Vol. 4. Araraquara, UNESP, 1990. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 8 se amadureçam as propostas educacionais. Não se pode ignorar a bagagem educacional que o tempo nos legou, pois, se assim o fizermos, estaremos regredindo historicamente. Os governos devem aproveitar as ideias e projetos que deram ou estão dando certo, aperfeiçoando cada trabalho, mesmo se forem de adversários políticos, pois a História nos tem mostrado que, no Brasil, se julga uma obra ou um trabalho não pelo seu mérito ou pelo benefício que está trazendo, mas sim pelo seu autor e pela ideologia que este traz. A história da estrutura e da organização do Sistema de ensino no Brasil5 A história da estrutura e da organização do ensino no Brasil reflete as condições socioeconômicas do país, mas revela, sobretudo, o panorama político de determinados períodos históricos. A partir da década de 1980, por exemplo, o panorama socioeconômico brasileiro indicava uma tendência neoconservadora para a minimização do Estado, que se afastava de seu papel de provedor dos serviços públicos, como saúde e educação. Na década de 1990, esse modelo instalou-se e, no primeiro decênio do século XXI, ainda não foi superado. Paradoxalmente, as alterações da organização do trabalho, resultantes, em grande parte, dos avanços tecnológicos, solicitam da escola um trabalhador mais qualificado para as novas funções no processo de produção e de serviços. Ausentando-se o Estado de suas responsabilidades com educação pública, como e onde formar, então, o trabalhador? As constantes críticas ao desempenho do poder público remetem ao setor privado, apontado como o mais competente para essa tarefa. Apresenta-se uma questão crucial para o entendimento do papel social da escola: é sua função formar especificamente para o trabalho ou ela constitui espaço de formação do cidadão participe da vida social? O teórico Hayek (1990), considerado o pai do neoliberalismo, contrapõe-se à ingerência estatal na educação. Sua referência, porém, são os países em que a educação básica já foi universalizada e as condições sociais são mais favoráveis, em razão de anterior consolidação do Estado de bem-estar social. Mas como pensar a atuação do Estado no Brasil, país considerado periférico, com grandes desigualdades sociais, perversa concentração de renda, baixo índice de escolaridade, escola básica não universalizada? Certamente, para países com estas condições socioeconômicas, a receita deveria ser outra. Organismos financiadores dos países terceiro-mundistas, como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, também chamado Banco Mundial (BM), sugerem a garantia de educação básica mantida pelo Estado, isto é, gratuita, o que não significa, todavia, que ela seja ministrada em escolas públicas. Os neoliberais criticam o fato de a escola pública manter o monopólio do ensino gratuito. Sugerem que o Estado dê aos pais vales-escolas ou cheques com o valor necessário para manter o estudo dos filhos, cabendo ao mercado de escolas públicas e particulares disputar esses subsídios. Assim, as escolas públicas não recebe- riam recursos do Estado, mas manter-se-iam com o recebimento desses valores em condições iguais às das particulares, alterando-se, assim, o conceito de instituição "pública". Trata-se da implementação da política de livre escolha, uma das propostas mais caras ao ideário neoliberal. Os defensores de posições neoconservadoras alegam que países mais pobres, como o Brasil, devem dar primazia à educação básica (leia-se ensino fundamental), o que significa menor aporte de recursos para a educação infantil e para o ensino médio e superior. Também, no caso do ensino superior, o Estado financiaria o aluno que não pudesse pagar seus estudos, e este devolveria os valores do empréstimo depois de formado. O estudo Primary Education, de 1996, patrocinado pelo BM, diz que a educação escolar básica “é o pilar do crescimento econômico e do desenvolvimento social e o principal meio de promover o bem-estar das pessoas” (Netz, 1996, p. 41-2). A média de escolaridade dos trabalhadores no Brasil é de aproximadamente 4 anos, contra 7,5 anos no Chile, 8,7 anos na Argentina e 11 anos na França. Há a preocupação dos empresários brasileiros em ampliar essa média, não só para “promover o bem-estar das pessoas”, como diz o documento do BM, mas também para oferecer ao mercado uma mão de obra mais qualificada. Um fabricante de armas gaúcho declarou que “os processos de produção estão cada vez mais sofisticados. (...) Não podemos deixar equipamentos de 500 mil, 1 milhão de dólares, nas mãos de operários sem qualificação” (Netz, 1996, p. 44). Como se pode observar, não é possível discutir educação e ensino sem fazer referência a questões econômicas, políticas e sociais. Daí a escolha da década de 1930, começo do processo de industrialização do país, para iniciarmos o estudo sobre o processo de organização do ensino no Brasil. Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais da década de 1930 imprimiram novo perfil à sociedade brasileira. A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, mergulhou o Brasil na crise do café, 5LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, João Ferreira e TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10ª. Ed., São Paulo: Cortez, 2012. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 9 mas em contrapartida encaminhou o país para o desenvolvimento industrial, por meio da adoção do modelo econômico de substituição das importações, alterando assim o comando da nação, que passou da elite agrária aos novos industriais. De 1930 a 1937, motivada pela industrialização emergente e pelo fortalecimento do Estado-nação, a educação ganhou importância e foram efetuadas ações governamentais com a perspectiva de organizar, em plano nacional, a educação escolar. A intensificação do capitalismo industrial alterou as aspirações sociais em relação à educação, uma vez que nele eram exigidas condições mínimas para concorrer no mercado, diferentemente da estrutura oligárquica rural, na qual a necessidade de instrução não era sentida nem pela população nem pelos poderes constituídos (Romanelli, 1987). A complexidade do período histórico que abrange desde a década de 1930 até o momento atual e sua repercussão na evolução da educação escolar no país requerem, para apropriada compreensão, a utilização de outras categorias além das econômicas e políticas. Vamos, pois, a partir de agora, analisar a história da estrutura e da organização da educação brasileira com base em pares conceituais que acompanharam historicamente o debate da democratização do ensino no Brasil, permeando os diferentes períodos e alternando-se em importância, de acordo com o momento histórico.Centralização/descentralização na organização da educação brasileira A Revolução de 1930 representou a consolidação do capitalismo industrial no Brasil e foi determinante para o consequente aparecimento de novas exigências educacionais. Nos dez primeiros anos que se seguiram, houve um desenvolvimento do ensino jamais registrado no país. Em vinte anos, o número de escolas primárias dobrou e o de secundárias quase quadruplicou. As escolas técnicas multiplicaram-se – de 1933 a 1945, passaram de 133 para 1.368, e o número de matrículas, de 15 mil para 65 mil (Aranha, 1989). Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp). A reforma elaborada por Fran- cisco Campos, ministro da Educação, atingiu a estrutura do ensino, levando o Estado nacional a exercer ação mais objetiva sobre a educação mediante o oferecimento de uma estrutura mais orgânica aos ensinos secundário, comercial e superior. De 1937 a 1945 vigorou o Estado Novo, período da ditadura de Getúlio Vargas, em que a questão do poder se tornou central. Aliás, o poder é categoria essencial para compreender o processo de centralização ou descentralização na problemática da organização do ensino. O chileno Juan Casassus, ao escrever sobre o processo de descentralização em países da América Latina (incluindo o Brasil), observa que a base de todos os enfoques da descentralização ou da centralização se encontra na questão do poder na sociedade. Diz ele: “A centralização ou descentralização tratam da forma pela qual se encontra organizada a sociedade, como se assegura a coesão social e como se dá o fluxo de poder na sociedade civil, na sociedade militar e no Estado, explorando aspectos como os partidos políticos e a administração” 0995, p. 38). Por tratar-se de um processo de distribuição, redistribuição ou reordenamento do poder na sociedade, no qual uns diminuem o poder em benefício de outros, a questão reflete o tipo de diálogo social que prevalece e o tipo de negociação que se faz para assegurar a estabilidade e a coesão social – daí sua relação com o processo conflituoso de democratização da educação nacional. Os anos 1930 a 1945 no Brasil são identificados como um período centralizador da organização da educação. Com a Reforma Francisco Campos, iniciada em 1931, o Estado organizou a educação escolar no plano nacional, especialmente nos níveis secundário e universitário e na modalidade do ensino comercial, deixando em segundo plano o ensino primário e a formação dos professores. Esta atitude, à primeira vista voltada para a descentralização – como definia a Constituição de 1891, ao instituir a União como responsável pela educação superior e secundária e repassar aos estados a responsabilidade da educação elementar e profissional –, na realidade revelava o desapreço pela educação elementar. Nesse período, educadores católicos e liberais passaram a envolver-se na elaboração da proposta educacional da primeira fase do governo Vargas, sob a alegação de que o governo não possuía uma proposta educacional. Tão logo, porém, Francisco Campos tomou posse no recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública, impôs a todo o país as diretrizes traçadas pelo Mesp. Já na Constituição Federal de 1934, em meio a disputas ideológicas entre católicos e liberais, foi incluí- da boa parte da proposta educacional destes inscrita no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) por uma escola pública única, laica, obrigatória e gratuita, fortalecendo a mobilização e as iniciativas da sociedade civil em torno da questão da educação. Com a Constituição de 1937, que consolidou a ditadura de Getúlio Vargas, o debate sobre pedagogia e política educacional passou a ser restrito à sociedade política, em clara demonstração de que a questão do poder estava mesmo presente no processo de centralização ou descentralização. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 10 O escolanovista Anísio Teixeira foi ardoroso defensor da descentralização por meio do mecanismo de municipalização. A seu ver, a descentralização educacional contribuiria para a democracia e para a sociedade industrial, moderna e plenamente desenvolvida. Assim, a municipalização do ensino primário constituiria uma reforma política, e não mera reforma administrativa ou pedagógica. Enquanto os liberais, grupo em que se incluíam os escolanovistas, desejavam mudanças qualitativas e quantitativas na rede pública de ensino, católicos e integralistas desaprovavam alterações qualitativas modernizantes e democráticas. Essa situação conferia um caráter contraditório à educação escolar. Tinha início, então, um sistema que – embora sofresse pressão social por um ensino mais democrático numérica e qualitativamente falando – estava sob o controle das elites no poder, as quais buscavam deter a pressão popular e manter a educação escolar em seu formato elitista e conservador. O resultado foi um sistema de ensino que se expandia, mas controlado pelas elites, com o Estado agindo mais pelas pressões do momento e de maneira improvisada do que buscando delinear uma política nacional de educação, em que o objetivo fosse tornar universal e gratuita a escola elementar (Romanelli, 1987). Os católicos conservadores opunham-se à política de laicização da escola pública, conseguindo acrescentar à Constituição Federal de 1934 o ensino religioso. Por força dessa mesma Constituição, o Estado passou a fiscalizar e regulamentar as instituições de ensino público e particular. As leis orgânicas editadas entre 1942 e 1946 – a chamada Reforma Capanema, que recebeu o nome do então ministro da Educação – reafirmaram a centralização da década de 1930, com o Estado desobrigando-se de manter e expandir o ensino público, ao mesmo tempo, porém, que decretava as reformas de ensino industrial, comercial e secundário e criava, em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A lei orgânica do ensino primário e as do ensino normal e agrícola foram promulgadas em 1946, assim como a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). A partir de então, as esquerdas e os partidos progressistas retomaram o debate pedagógico a fim de democratizar e melhorar o ensino, apesar da centralização federal do sistema educacional não só na administração, mas também no aspecto pedagógico, ao fixar currículos, programas e metodologias de ensino (Jardim, 1988). O debate realizado durante a votação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), exigência da Constituição Federal de 1946, envolveu a sociedade civil, e a lei resultante, nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, instituiu a descentralização, ao determinar que cada estado organizasse seu sistema de ensino. Porém, o momento democrático que o país vivia não combinava com o centralismo das ditaduras e durou pouco. Em 1964, o golpe dos militares provocou nova- mente o fortalecimento do Executivo e a centralização das decisões no âmbito das políticas educacionais. Embora a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (Brasil, 1971), prescrevesse a transferência gradativa do ensino de 1º grau (ensino fundamental) para os municípios, a concentração dos recursos no âmbito federal assim como as medidas administrativas centralizadoras tornaram estados e municípios extremamente dependentes das decisões da União. A fragilidade do Legislativo, nesse período, impedia mais ainda a participação da sociedade, uma vez que esse poder era o mais próximo da sociedade civil. Conforme Casassus (1995), o processo de descentralização coincidiu com a universalização da cobertura escolar, isto é, iniciou-se quando se passou da preocupação quantitativa para a busca da qualidade na educação. Paradoxalmente, a descentralização adveio quando o Estado se esquivou de sua responsabilidade com o ensino, fato que, segundo esse autor, foi perceptível na AméricaLatina a partir do fim dos anos 1970. Há ainda, na atualidade, um discurso corrente nos meios oficiais de que a questão quantitativa está resolvida, escondendo o fato de que os dados estatísticos são frequentemente maquiados, as salas de aula estão superlotadas e a qualidade das aprendizagens deixa a desejar. Em contrapartida, a centralização mantém-se no que o autor chama de alma do processo educativo – quer dizer, a centralização, especialmente a dos currículos, tem lógica diferente da administrativa. Com aquela se pretende garantir a integridade social almejada, o que facilitará a mobilidade dos indivíduos, tanto no território nacional como na escala social. No fim da década de 1970 e início da de 1980, esgotava-se a ditadura militar e iniciava-se um pro- cesso de retomada da democracia e reconquista dos espaços políticos que a sociedade civil brasileira havia perdido. A reorganização e o fortalecimento da sociedade civil, aliados à proposta dos partidos políticos progressistas de pedagogias e políticas educacionais cada vez mais sistematizadas e claras, fizeram com que o Estado brasileiro reconhecesse a falência da política educacional, especialmente a profissionalizante, como evidencia a promulgação da Lei nº 7.044/1982, que acabou com a profissionalização compulsória em nível de 2º grau (ensino médio). O debate acerca da qualidade, no Brasil, iniciou-se após a ampliação da cobertura do atendimento escolar. Reconhece-se que, durante o período militar, particularmente com o prolongamento da duração da escolaridade obrigatória, se estendeu o atendimento ao ensino de 1º grau (ensino fundamental), embora muito da qualidade do ensino ministrado tenha sido perdido. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 11 Segundo Cunha (1995), a contenção do setor educacional público constituiu condição de sucesso do setor privado. Apesar disso, foi possível a criação de uma rede de escolas públicas que atendia, com qualidade variável, parte da sociedade, o que levou as famílias de classe média a optar pela escola particular, mesmo com sacrifícios financeiros, como forma de garantir educação de melhor qualidade aos filhos. O descontentamento com a deterioração da gestão das redes públicas, o rebaixamento salarial dos professores, a elevação das despesas escolares pela ampliação da escolaridade sem aumento dos recursos, os inúmeros casos de desvio de recursos, além de abrirem portas à iniciativa privada, levaram a sociedade civil a propor soluções que se tornaram ações políticas concretas por ocasião das eleições de 1982. Foi nesse contexto que intelectuais de esquerda passaram a ocupar cargos na administração pública, em vários estados brasileiros, em virtude da vitória do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o principal partido de oposição aos militares. Embora a transição democrática tenha tido início nos municípios em 1977, neles não se observaram as mudanças ocorridas nos estados. Esse fato leva Cunha a afirmar que a precedência política da democratização da educação se localiza nos níveis mais elevados do Estado. Assim, as mudanças democráticas, para serem efetivas, devem ocorrer dos níveis federal e estadual para o municipal. As principais alterações realizadas pelos novos administradores oposicionistas tiveram como meta a descentralização da administração, com formas de gestão democrática da escola, com participação de professores, funcionários, alunos e seus pais e também com eleição direta de diretores. Outro ponto foi a suspensão de taxas escolares, a criação de escolas de tempo integral, a organização sindical dos professores. A retomada da discussão sobre a municipalização do ensino com o apoio dos privatistas, aliada à busca da escola privada por pais (em boa parte, para evitar as greves nas escolas públicas), reforçou a tese da privatização do ensino e diminuiu o suporte popular à escola pública. A modernização educativa e a qualidade do ensino, nos anos 1990, assumiram conotação distinta ao se vincularem à proposta neoconservadora que inclui a qualidade da formação do trabalhador como exigência do mercado competitivo em época de globalização econômica. O novo discurso da modernização e da qualidade, de certa forma, impõe limites ao discurso da universalização, da ampliação quantitativa do ensino, pois traz ao debate o tema da eficiência, excluindo os ineficientes, e adota o critério da competência. A política educacional adotada com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República, concebida de acordo com a proposta do neoliberalismo, assumiu dimensões tanto centralizadoras como descentralizadoras. A descentralização, nesse caso, não apareceu como resultado de maior participação da sociedade, uma vez que as ações realizadas não foram fruto de consultas aos diversos setores sociais, tais como pesquisadores, professores de ensino superior e da educação básica, sindicatos, associações e outros, mas surgiram das propostas preparadas para campanha eleitoral. No primeiro ano de governo (1995), assumiu-se o ensino fundamental como prioridade e foram defini- dos cinco pontos para as ações: currículo nacional, livros didáticos melhores e distribuídos mais cedo, aparte de kits eletrônicos para as escolas, avaliação externa, recursos financeiros enviados diretamente às instituições escolares. Em 1996, considerado o Ano da Educação, a política incluiu a instauração da TV Escola, cursos para os professores de Ciências, formação para os trabalhadores, reformas no ensino profissionalizante e a convocação da sociedade para contribuir com a educação no país. Dessas ações, a única orientada para a descentralização foi a destinação dos recursos financeiros diretamente para as escolas - ressaltando-se que, no primeiro ano, a merenda escolar foi garantida com eles e, em seguida, os reparos nas instalações físicas das instituições, com recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), advindos do salário-educação. As demais ações caracterizaram-se por certo tipo de centralismo entendido até como antidemocrático, uma vez que não ocorreram discussões com a sociedade – como as relativas à avaliação da educação básica e da superior, à instauração da TV Escola e aos kits eletrônicos nas escolas – e se procurou estabelecer mecanismos de controle do trabalho do professor. A política de escolha e de distribuição do livro didático poderia ter recebido preciosa colaboração de professo- res, especialistas e pesquisadores da área. O centralismo apresentou-se mais nitidamente na formação dos parâmetros curriculares nacionais (PCN), os quais, embora tenham contado com a participação da sociedade civil em um dos momentos de sua discussão, pecaram por ignorar a universidade e as pesquisas sobre currículo e não contemplaram, desde o início de sua elaboração, o debate com a sociedade educacional. A ampla utilização da mídia no processo de adoção dos PCN trouxe aprovação para o governo, apesar da manutenção de uma política mais centralizadora, especialmente na alma do processo educativo. Paiva (1986) observa que a questão centralização/ descentralização deve ser remetida à história da própria formação social brasileira e às tendências econômico-sociais presentes em cada período 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 12 histórico. Assim, descentralização e democratização da educação escolar no Brasil não podem ser discutidas independentemente do modo pelo qual é concebido o exercício do poder político no país. Uma das formas de descentralização política é a municipalização, que consiste em atribuir aos municípios a responsabilidade de oferecimento da educação elementar. Conforme já mencionado, a municipalização foi proposta por Anísio Teixeira, na década de 1930, para o estabelecimento do ensino primáriode quatro anos de duração, não como reforma administrativa, mas com o caráter de reforma política, uma vez que isso significaria reconhecer a maioridade dos municípios e discutir a necessidade de democratização e de descentralização do exercício do poder político no país. A Lei nº 5.692/1971, editada durante a ditadura militar, repassou arbitrariamente a tarefa da gestão do ensino de 1º grau (ensino fundamental) aos governos municipais, sem oferecer ao menos as condições financeiras e técnicas para tal e em uma situação constitucional que nem sequer reconhecia a existência administrativa dos municípios. Somente com a Constituição Federal de 1988 o município se legitimou como instância administrativa e a responsabilidade do ensino fundamental lhe foi repassada prioritariamente. A Constituição ou uma lei, porém, não conseguem sozinhas e rapidamente descentralizar o ensino e fortalecer o município. Essa é tarefa política de longo prazo, associada às formas de fazer política no país e às questões de concepção do poder. Descentralização faz-se com espírito de colaboração, e a tradição política brasileira é de competição, de medição de forças. As categorias centralização/descentralização estão vinculadas à questão do exercício do poder político, mesmo porque, desde o final do século XX, a descentralização vem atrelada aos interesses neoliberais de diminuir gastos sociais do Estado. Isso ficou evidente após a promulgação da Lei nº 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, que centraliza no âmbito federal as decisões sobre currículo e avaliação e atribui à sociedade responsabilidades que deveriam ser do Estado, tal como ocorreu, por exemplo, com o trabalho voluntário na escola. Os Projetos Família na Escola e Amigos da Escola e a descentralização de responsabilidades do ensino fundamental em direção aos municípios são outros exemplos concretos de uma política que centraliza o poder e descentraliza as responsabilidades O debate qualidade/quantidade na educação brasileira O debate qualidade/quantidade na educação brasileira começou muito cedo. Ainda no século XIX, na transição do Império para a República, apareceram dois movimentos sociais os quais Nagle (1974) denominou Entusiasmo pela Educação e Otimismo Pedagógico. O movimento Entusiasmo pela Educação revelava preocupação de caráter quantitativo, ao propor a expansão da rede escolar e a alfabetização da população que vivia um processo de urbanização decorrente do crescimento econômico. A adoção do trabalho assalariado, aliada a outras questões de modernização do país, fez com que a escolarização aparecesse como fator promotor da ascensão social. Já o Otimismo Pedagógico caracterizou-se pela ênfase nos aspectos qualitativos da educação nacional, pregando a melhoria das condições didáticas e pedagógicas das escolas. Este movimento surgiu nos anos 1920 e alcançou o apogeu nos anos 30 do século XX. Entre 1930 e 1937, o debate político incorporava diferentes projetos educacionais. Os liberais, que preconizavam o desenvolvimento urbano-industrial em bases democráticas, desejavam mudanças qualitativas e quantitativas na rede de ensino público, ao pro- porem a escola única fundamentada nos princípios de laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação. Alegando que os liberais destruíam os princípios da liberdade de ensino e retiravam das famílias a educação dos filhos, os católicos aproximaram-se das teses dos integralistas, defensores do nazismo e do fascismo europeus, e com estes desaprovavam as alterações qualitativas modernizantes e democráticas objetivadas pelos primeiros, além de acusá-los de defender propostas comunistas. Durante o Estado Novo, regime ditatorial de Vargas que durou de 1937 a 1945, oficializou-se o dualismo educacional: ensino secundário para as elites e ensino profissionalizante para as classes populares. As leis orgânicas ditadas nesse período, por meio de exames rígidos e seletivos, tornavam o ensino antidemocrático, ao dificultarem ou impedirem o acesso das classes populares não só ao ensino propedêutico, de nível médio, como também ao ensino superior. O processo de democratização do país foi retomado com a deposição de Vargas em 1945. A industrialização crescente, especialmente nos anos 1950 e 1960, levou à adoção da política de educação para o desenvolvimento, com claro incentivo ao ensino técnico-profissional. O golpe de 1964 atrelou a educação ao mercado de trabalho, incentivando a profissionalização na escola média a fim de conter as aspirações ao ensino superior. A Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, ampliou a escolaridade mínima para oito anos (ensino de 1º grau) e tornou profissionalizante, obrigatoriamente, o ensino de 2º grau. A evolução quantitativa do 1º grau – 100% na primeira fase do 1º grau (1ª a 4ª séries) e 700% em suas últimas séries em apenas dez anos – não foi acompanhada de melhora qualitativa. Ao contrário, a expansão da oferta de vagas, nos diversos níveis de ensino, teve como consequência o comprometimento 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 13 da qualidade dos serviços prestados, em razão da crescente degradação das condições de exercício do magistério e da desvalorização do professor. “A expansão das oportunidades, nos vinte anos de ditadura militar, foi feita através de um padrão perverso”, sublinha Azevedo (1994, p. 461). A ampliação das vagas deu-se pela redução da jornada escolar, pelo aumento do número de turnos, pela multiplicação de classes multisseriadas e uni docentes, pelo achatamento dos salários dos professores e pela absorção de professores leigos. O trabalho precoce e o empobrecimento da população, aliados às condições precárias de oferecimento do ensino, levaram à baixa qualidade do processo, com altos índices de reprovação. Atualmente, o país está sendo vítima dessa política. O atraso técnico-científico e cultural brasileiro impede sua inserção no novo reordenamento mundial. A escolaridade básica e a qualidade do ensino são necessidades da produção flexível, e a educação básica falha constitui fator que tolhe a competitividade internacional do Brasil. Para Azevedo (1994), o problema é que as propostas neoliberais e os conteúdos da ideia de qualidade esvaziam-se de condicionamentos políticos e tornam-se questão técnica, restringindo o conceito de qualidade à eternização do desempenho do sistema e às parcerias com o setor privado no que tange às estratégias da política educacional. A qualidade do ensino consiste em desenvolver o espírito de iniciativa, a autonomia para tomar decisões, a capacidade de resolver problemas com criatividade e competência crítica - visando, porém, atender aos interesses dos grandes blocos econômicos internacionais. A questão é, antes, ético-política, uma vez que se processa na discussão dos direitos de cidadania para os excluídos. Por isso, ensino de qualidade para todos constitui, mais do que nunca, dever do Estado em uma sociedade que se quer mais justa e democrática. Na reflexão e no debate sobre a qualidade da educação e do ensino, os educadores têm caracterizado o termo "qualidade" com os adjetivos social e cidadã – isto é, qualidade social, qualidade cidadã –, para diferenciar o sentido que as políticas oficiais dão ao termo. Qualidade social da educação significa não apenas diminuição da evasão e da repetência, como entendem os neoliberais, mas refere-se à condição de exercício da cidadania que a escola deve promover. Ser cidadão significa ser partícipe da vida social e política do país, e a escola constitui espaço privilegiado para esse aprendizado, e não apenas para ensinar a ler, escrever e contar, habilidades importantes, mas insuficientes para a promoção da cidadania. Além disso, a qualidade social da educação precisa considerar tanto os fatores externos (sociais, econômicos, culturais,institucionais, legais) quanto os fatores interescolares, que afetam o processo de ensino-aprendizagem, articulados em função da universalização de uma educação básica de qualidade para todos. O embate entre defensores da escola pública e privatistas na educação brasileira Compreender a educação pública no Brasil supõe conhecer como se deram, historicamente, os embates entre os defensores da escola pública e as forças privatistas, presentes ao longo da história educacional brasileira. A gênese da educação brasileira ocorreu com a vinda dos jesuítas, que iniciaram a instauração, no ideário educacional, dos princípios da doutrina religiosa católica, a educação diferenciada pelos sexos e a responsabilidade da família com a educação. Esses princípios, a partir da década de 1920, chocavam- se com os princípios liberais dos escola novistas que publicaram, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, propondo novas bases pedagógicas e a reformulação da política educacional. A Constituição de 1934 absorveu apenas parte dessas propostas, atribuindo papel relevante ao Estado no controle e na promoção da educação pública. Essa Constituição instituiu o ensino primário obrigatório e gratuito, criou o concurso público para o magistério, conferiu ao Estado o poder fiscalizador e regulador de instituições de ensino públicas e particulares e fixou percentuais mínimos para a educação. Os católicos, porém, não foram totalmente tirados de cena. A educação religiosa tornou-se obrigatória na escola pública, contrariando o princípio liberal da laicidade, os estabelecimentos privados foram reconhecidos e legitimou-se o papel educativo da família e a liberdade de os pais escolherem a melhor escola para seus filhos, o que mais tarde foi usado como argumento a favor da destinação de recursos financeiros públicos também para as escolas privadas. Imposta pelo Estado Novo, a Carta Constitucional de 1937 atenuou o dever do Estado como educador, instituindo-o como subsidiário, para preencher lacunas ou deficiências da educação particular. Em vez de consolidar o ensino público e gratuito como tarefa do Estado, a Carta de 1937 reforçou o dualismo educacional que provê os ricos com escolas particulares e públicas de ensino propedêutico e confere aos pobres a condição de usufruir da escola pública mediante a opção pelo ensino profissionalizante. Com a promulgação das leis orgânicas – a chamada Reforma Capanema – entre 1942 e 1946, foram desenvolvidos empreendimentos particulares no ensino profissionalizante, com o objetivo de preparar melhor a mão de obra em uma fase de expansão da indústria, por causa das restrições às importações 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 14 no período da Segunda Guerra Mundial. O Senai foi organizado e dirigido pelos industriais, e o Senac, pelos comerciantes. Atualmente, essas duas instituições têm peso significativo no ensino profissional oferecido no país, embora em ritmo decrescente a partir do final dos anos 1980, diante do crescimento do atendimento público gratuito. Nos primeiros anos do século XXI passaram a atuar, também, em cursos tecnológicos de nível superior e em programas de educação a distância. Quando o anteprojeto da primeira LDB iniciou sua tramitação em 1948, a maioria das escolas particulares de nível secundário estava nas mãos dos católicos, atendendo à classe privilegiada. Alegando que o projeto determinava o monopólio estatal da educação, os católicos defendiam a liberdade do ensino e o direito da família de escolher o tipo de educação a ser oferecida aos filhos. Na verdade, essa questão impedia a democratização da educação pública, ao incorporar no texto legal a cooperação financeira para as escolas privadas em uma sociedade em que mais da metade da população não tinha acesso à escolarização. Opondo-se a essa postura elitista, os liberais, apoiados por intelectuais, estudantes e sindicalistas, iniciaram campanha em defesa da escola pública que culminou, em 1959, com o Manifesto dos Educadores. Este propunha o uso dos recursos públicos unicamente nas escolas públicas e a fiscalização estatal para as escolas privadas. A expansão da escola privada foi mais intensa após o golpe militar de 1964, que instaurou a ditadura militar e beneficiou grandemente a iniciativa privada, especialmente no ensino superior. Durante o processo de elaboração da Constituição de 1988, verificou-se novamente o confronto entre publicitas e privatistas. No entanto, os privatistas apresentavam novas feições, uma vez que passaram a ser compostos não apenas de grupos religiosos católicos, mas também de protestantes e empresários do ensino. Ideologicamente, atacavam o ensino público, caracterizado como ineficiente e fracassado, contrastando-o com a suposta excelência da iniciativa privada, mas ocultando os mecanismos de apoio governamental à rede privada, tais como imunidade fiscal sobre bens, serviços e rendas, garantia de pagamento das mensalidades escolares e bolsas de estudo. Esses mecanismos mantiveram-se mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Como que reforçando as disparidades entre uma e outra rede, o descompromisso estatal com a educação pública deteriorou os salários dos professores e as condições de trabalho, o que gerou greves e mobilizações. A preferência pela escola particular ampliou-se por sua aparência de melhor organização e eficácia. Muitas famílias fizeram sacrifícios em muitos gastos para propiciar um ensino supostamente de melhor qualidade em uma escola particular. A análise de que a escola privada é superior à pública não se sustenta, em geral, por não haver homogeneidade em nenhuma das redes – há boas e más escolas em ambas –, como demonstram as análises do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Além disso, é nas escolas públicas que se encontram os segmentos economicamente menos favorecidos da sociedade. Conforme o Censo Escolar da Educação Básica de 2010 (Tabela 1 e Gráfico 1): Nos 194.939 estabelecimentos-de educação básica do país estão matriculados 51.549.889 alunos, sendo que 43.989.507 (85,4%) estão em escolas públicas e 7.560.382 (14,6%) em escolas da rede privada. As redes municipais são responsáveis por quase metade das matrículas – 46,0% –, o equivalente a 23.722.411 alunos, seguida pela rede estadual, que atende a 38,9% do total, o equivalente a 20.031.988. A rede federal, com 235.108 matrículas, participa com 0,5% do total (Brasil. MEC/lnep, 2010, p. 3-4). Por esses dados, fica clara a importância da educação pública no país e para a democratização da sociedade, uma vez que ela desempenha papel significativo no processo de inclusão social. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 15 Tabela 1- Número de matrículas na Educação Básica por Dependência Administrativa Brasil 2002-2010 Fonte: MEC/Inep/DEED Notas: 1) Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar. 2) O mesmo aluno pode ter mais de uma matrícula. Gráfico 1 - Evolução do número de matrículas na Educação Básica por Dependência Administrativa Brasil - 2002 a 2010 Fonte: Brasil (2010). A partir de meados da década de 1980, com a crise econômica internacional e o desemprego estrutural que levaram ao arrocho salarial, a classe média, pressionada pelo custo de vida, buscou retirar do orçamento familiar o gasto com mensalidades escolares e foi à procura da escola pública. A inadimplência cresceu nas escolas particulares e nova ofensiva apresentou-se: a ideia do público não estatal. Público passou a ser entendido como tudo o que se faz na sociedade e nela interfere. Nessa perspectiva, haveria o público estatal e o público privado, definindo a gratuidade do ensino apenas em estabelecimentosoficiais, como assegura o art. 206 da Constituição Federal de 1988. Essa concepção deve-se à política neoliberal, que prega o Estado mínimo, incluindo até mesmo a privatização ou a minimização da oferta de serviços sociais. Na educação básica, orientado até mesmo por organismos internacionais como o Banco Mundial, o Estado deveria atender o ensino público, uma vez que esse nível de educação é considerado imprescindível na organização do trabalho. Tal atendimento, no entanto, deveria ser conduzido por parâmetros de gestão da iniciativa privada e do mercado, tais como diversificação, competitividade, seletividade, eficiência e qualidade. Essa orientação aponta, mais uma vez, o beneficiamento das forças privatistas na educação. Verifica-se, no entanto, considerável esforço de segmentos sociais no âmbito oficial e em associações e movimentos de educadores, sobretudo a partir da segunda metade da década de 2000, em favor da retomada do protagonizo-o do Estado na área educacional. Nesse sentido, cumpre destacar a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2007; a Emenda Constitucional nº 59, que torna obrigatório o ensino de 4 a 17 anos; as iniciativas que visam ao aumento dos investimentos públicos na educação; a expansão da oferta de educação superior por meio das universidades federais; a ampliação da educação profissional e tecnológica mediante a criação de institutos federais de educação, ciência e tecnologia. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 16 Questões 01. Os Jesuítas chegaram ao Brasil em 1549 e tiveram uma forte influência na formação escolar e cultural do Brasil Colônia. No decorrer do século XVIII passa a ocorrer no contexto das Reformas Pombalinas, uma forte animosidade entre a Coroa Portuguesa e a Companhia de Jesus, que levou: (A) ao fortalecimento da Companhia de Jesus. (B) ao oferecimento da educação de base protestante na Colônia. (C) a descentralização político-administrativa do Estado Português. (D) ao enfraquecimento do Estado Português. (E) a expulsão dos Jesuítas do Brasil. 02. Por que devemos estudar sobre a história da educação no Brasil hoje? Pergunta um aluno ao seu professor e este responde exemplificando com uma frase que retrata um fenômeno iniciado no século XX: "A destruição do passado- ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossas experiência pessoais à das gerações passadas- é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX.(...) Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim desse segundo milênio" Essa frase de Eric Hobsbawn explica a importância do estudo sobre a história da educação no Brasil pois: (A) É fundamental que os educadores e toda a sociedade percebam que a situação na qual o trabalho educativo se processa, suas rupturas e permanências, os problemas que os educadores enfrentam são produtos de construções históricas. (B) Buscar recuperar os conhecimentos do passado evidencia as principais necessidades econômicas de uma sociedade. (C) É importante apenas para o professor, único agente responsável pelo ensino, perceber que a educação é um fenômeno contínuo e imutável. (D) Cabe lembrar ao educador que a educação do presente não apresenta relação com o passado, devendo o professor preocupar-se, sobretudo, com fenômenos cotidianos do presente. (E) É preciso que alunos, professores e a sociedade notem que as determinações do passado não se relacionam com a prática do ensino aprendizado, mas apenas com a compreensão daquilo que aconteceu no passado. 03. O primeiro ministro Marques de Pombal procura através de uma reorganização administrativa e econômica superar o atraso de Portugal frente às potencias europeias no século XVIII. Como metas da Reforma Pombalina no Brasil temos: (A) a formação de Universidades na Colônia. (B) a criação das aulas régias avulsas em substituição da ação educativa dos jesuítas. (C) a possibilidade do uso da língua tupi em detrimento do ensino da gramática da língua portuguesa. (D) o fortalecimento da aliança do Estado Português e a Companhia de Jesus. (E) o incentivo a escolas de ofícios na Colônia. 04. A construção da memória histórica da educação brasileira é importante uma vez que: (A) Toda a produção historiográfica depende de sua compreensão. (B) É fundamental para a elaboração de manuais didáticos para universitários. (C) Está ligada à preservação da memória da educação brasileira. (D) É matéria presente nos currículos de ensino fundamental I e II das escolas do Brasil. (E) Relaciona-se apenas ao ensino da história no cotidiano de sala de aula. Respostas 01. E / 02. A / 03. C / 04. C Fundamentos sócio históricos e Políticos da Educação6 A educação para Severino, é processo inerente à vida dos seres humanos, intrínseco à condição da espécie, uma vez que a reprodução dos seus integrantes não envolve apenas uma memória genética mas, com igual intensidade, pressupõe uma memória cultural, em decorrência do que cada novo membro do grupo precisa recuperá-la, inserindo-se no fluxo de sua cultura. Ao longo da constituição histórico- 6SEVERINO, A. J. Fundamentos Ético-Políticos da Educação no Brasil De Hoje. Fundamentos da Educação Escolar do Brasil Contemporâneo. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 17 antropológica da espécie, esse processo de inserção foi se dando, inicialmente, de forma quase que instintiva, prevalecendo o processo de imitação dos indivíduos adultos pelos indivíduos jovens, nos mais diferentes contextos pessoais e grupais que tecem a malha da existência humana. Porém, com a ‘complexificação’ da vida social, foram implementadas práticas sistemáticas e intencionais destinadas a cuidar especificamente desse processo, instaurando-se então instituições especializadas encarregadas de atuar de modo formal e explícito na inserção dos novos membros no tecido sociocultural. Nasceram então as escolas. Sem prejuízo dos esforços e investimentos sistemáticos que ocorrem no seio de suas práticas formais, o processo abrangente de educação informal continua presente e atuante no âmbito da vida social em geral, graças às atividades interativas da convivência humana. Mas a formalização cada vez maior da interação educativa decorre da própria natureza da atividade humana, que é sempre intencionalmente planejada, sempre vinculada a um télos que a direciona. Desse modo, todos os agrupamentos sociais, quanto mais se tornaram complexos, mais desenvolveram práticas formais de educação, institucionalizando-as sistematicamente. Desde sua gênese mais arcaica, essa inserção sociocultural envolve sempre uma significação valorativa, ainda que o mais das vezes implícita nos padrões comportamentais do grupo e inconsciente para os indivíduos envolvidos, pois se trata de um compartilhamento subjetivamente vivenciado de sentidos e valores. A cultura, como conjunto de signos objetivados, só é apropriada mediante um intenso processo de subjetivação. O existir histórico dos homens realiza-se objetivamente nas circunstâncias dadas pelo mundo material (a natureza física) e pelo mundo social (a sociedade e a cultura) como referências externas de sua vida. No entanto, essa condição objetiva de seu existir concreto está intimamente articulada à vivência subjetiva, esfera constituída de diferentes e complexas expressões de seus sentimentos, sensibilidades, consciência, memória, imaginação. Esses processos põem em cena a intervenção subjetiva dos homens no fluxo de suas práticas reais, marcando-as intensamente. Mas, ao mesmo tempo, as referências objetivas condicionantes da existênciaatuam fortemente na gestação, na formação e na configuração dessa vivência. Daí falar-se do processo de subjetivação, modo pelo qual as pessoas constituem e vivenciam sua própria subjetividade. A percepção dos valores integra esse processo tanto quanto a intelecção lógica dos conceitos. Esse processo de subjetivação é que permite aos homens atribuir significações aos dados e situações de sua experiência do real, o que eles fazem sempre de forma plurivalente, pois essa atribuição de significações não leva a sentidos unívocos, porém, o mais das vezes, plurais e mesmo equívocos. A discussão dos fundamentos éticopolíticos da educação, objeto desta reflexão, envolve necessariamente a esfera da subjetivação, uma vez que implica referência a valores. Para conduzir essa discussão, o presente ensaio, elaborado de uma perspectiva filosófico-educacional, foi desenvolvido em três movimentos, cada um deles se desdobrando em dois percursos. O primeiro movimento, de caráter antropológico, procura, no primeiro percurso, situar a educação como prática humana, mediada e mediadora do agir histórico dos homens; e, no segundo, fundamentar teoricamente a necessária intencionalidade ético-política dessa prática, explicitando a sua relação com o processo de subjetivação. No segundo movimento, de cunho histórico, busca-se no primeiro momento mostrar como a experiência socioeducacional brasileira marcou-se por diversas subjetivações ideológicas, enquanto no segundo são destacados, por sua relevância, os desafios e dilemas da educação brasileira atual no contexto da sociabilidade neoliberal. No terceiro movimento, que tem uma perspectiva político pedagógica, ressalta- se, inicialmente, o compromisso éticopolítico da educação como mediação da cidadania, para enfatizar, em seguida, a importância que a escola pública ainda tem como espaço público privilegiado para um projeto de educação emancipatória. A educação como prática histórico-social Falar de fundamentos éticos e políticos da educação pressupõe assumi-la na sua condição de prática humana de caráter interventivo, ou seja, prática marcada por uma intenção interventiva, intencionando mudar situações individuais ou sociais previamente dadas. Implica uma eficácia construtiva e realiza-se numa necessária historicidade e num contexto social. Tal prática é constituída de ações mediante as quais os agentes pretendem atingir determinados fins relacionados com eles próprios, ações que visam provocar transformações nas pessoas e na sociedade, ações marcadas por finalidades buscadas intencionalmente. Pouco importa que essas finalidades sejam eivadas de ilusões, de ideologias ou de alienações de todo tipo: de qualquer maneira são ações intencionalizadas das quais a mera descrição objetivada obtida mediante os métodos positivos de pesquisa não consegue dar conta da integralidade 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 18 de sua significação. O lado visível do agir educacional dos homens fica profundamente marcado por essa construtividade e historicidade da prática humana e, como tal, escapa da normatividade nomotética e de qualquer outra forma de necessidade, seja ela lógica, seja biológica, física ou mesmo social, se tomado este último aspecto como elemento de pura objetividade. Os fenômenos de natureza política e educacional não se determinam por pura mecanicidade, ou melhor, só a posteriori ganham objetividade mecânica, transitiva, mas, a essa altura, já perderam sua significação especificamente humana. É que eles se dão num fluxo de construtividade histórica, construção está referenciada a intenções e finalidades que comprometem toda a logicidade nomotética de seu eventual conhecimento. O caráter práxico da educação, ou seja, sua condição de prática intencionalizada, faz com que ela fique vinculada a significações que não são da ordem da fenomenalidade empírica dessa existência e que devem ser levadas em conta em qualquer análise que se pretenda fazer dela, exigindo diferenciações epistemológicas que interferem em seu perfil cognoscitivo. Educação é prática histórico-social, cujo norteamento não se fará de maneira técnica, conforme ocorre nas esferas da manipulação do mundo natural, como, por exemplo, naquelas da engenharia e da medicina. No seu relacionamento com o universo simbólico da existência humana, a prática educativa revela-se, em sua essencialidade, como modalidade técnica e política de expressão desse universo, e como investimento formativo em todas as outras modalidades de práticas. Como modalidade de trabalho, atividade técnica, essa prática é estritamente cultural, uma vez que se realiza mediante o uso de ferramentas simbólicas. Desse modo, é como prática cultural que a educação se faz mediadora da prática produtiva e da prática política, ao mesmo tempo que responde também pela produção cultural. É servindo- se de seus elementos de subjetividade que a prática educativa prepara para o mundo do trabalho e para a vida social7. Os recursos simbólicos de que se serve, em sua condição de prática cultural, são aqueles constituídos pelo próprio exercício da subjetividade, em seu sentido mais abrangente, sob duas modalidades mais destacadas: a produção de conceitos e a vivência de valores. Conceitos e valores são as referências básicas para a intencionalização do agir humano, em toda a sua abrangência. O conhecimento é a ferramenta fundamental de que o homem dispõe para dar referências à condução de sua existência histórica. Tais referências se fazem necessárias para a prática produtiva, para a política e mesmo para a prática cultural. Ser eminentemente prático, o homem tem sua existência definida como um contínuo devir histórico, ao longo do qual vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática. Essa prática coloca-o em relação com a natureza, mediante as atividades do trabalho; em relação com seus semelhantes, mediante os processos de sociabilidade; em relação com sua própria subjetividade, mediante sua vivência da cultura simbólica. Mas a prática dos homens não é uma prática mecânica, transitiva, como o é a dos demais seres naturais; ela é uma prática intencionalizada, marcada que é por um sentido, vinculado a objetivos e fins, historicamente apresentados. Além disso, a intencionalização de suas práticas também se faz pela sensibilidade valorativa da subjetividade. O agir humano implica, além de sua referência cognoscitiva, uma referência valorativa. Com efeito, a intencionalização da prática histórica dos homens depende de um processo de significação simultaneamente epistêmico e axiológico. Daí a imprescindibilidade das referências éticas do agir e da explicitação do relacionamento entre ética e educação. A prática educacional como prática ético-política Na esfera da subjetividade, a vivência moral é uma experiência comum a todos nós. Pelo que cada um pode observar em si mesmo e pelo que se pode constatar pelas mais diversificadas formas de pesquisas científicas e de observações culturais, todos os homens dispõem de uma sensibilidade moral, mediante a qual avaliam suas ações, caracterizando-as por um índice valorativo, o que se expressa comumente ao serem consideradas como boas ou más, lícitas ou ilícitas, corretas ou incorretas. Hoje se sabe, graças às contribuições das diversas ciências do campo antropológico, que muitos dos padrões que marcam o nosso agir derivam de imposições de natureza sociocultural, ou seja, os próprios homens, vivendo em sociedade, acabam impondo uns aos outros determinadas normas de comportamento e de ação. Mas a incorporação dessas normas pressupõe uma espécie de adesão por parte das pessoas individualmente, ou seja, é preciso que elas vivenciem, no plano de sua subjetividade, a força do valor que lhe é, então, imposto. Os usos, os costumes, as práticas, os comportamentos, as atitudes que carregamconsigo essas características e que configuram o agir dos homens nas mais diferentes culturas e sociedades constituem a moral. A moralidade é fundamentalmente a qualificação desses 7 SEVERINO, A. J. Educação, Sujeito e História. São Paulo: Olho d’Água, 2001. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 19 comportamentos, aquela ‘força’ que faz com que eles sejam praticados pelos homens em função dos valores que essa qualificação subsume. Podemos constatar que é em função desses valores que as várias culturas, nos vários momentos históricos, vão constituindo seus códigos morais de ação, impondo aos seus integrantes um modo de agir que esteja de acordo com essas normas. Porém, por mais que se encontre premido por essas normas, o homem defronta-se com a experiência insuperável de que participa pessoalmente da decisão que o leva a agir dessa ou daquela maneira; sente-se responsável por sua ação e muitas vezes bem ciente das consequências dela. Assim, a norma moral tem um caráter imperativo que o impressiona. Os valores morais impõem-se ao homem com força normativa e prescritiva, quase que ditando como e quando suas ações devem ser conduzidas. Quando não as segue, tem a impressão de estar fazendo o que não devia fazer, embora continue com um nível proporcional de liberdade para não fazer como e quando a norma parece lhe impor. Se toda e qualquer ação do homem dependesse deterministicamente de fatores alheios à sua vontade livre, então não seria o caso de se sentir responsável por elas; mas ocorre que, apesar de toda a gama de condicionamentos que o cercam e o determinam, há margem para a intervenção de uma avaliação de sua parte e para uma determinada tomada de posição e de decisão. Goza, por isso, de um determinado campo de liberdade, de vontade livre, de autonomia, não podendo alegar total determinação por fatores externos à sua decisão. Hoje, os conhecimentos objetivos da realidade humana, proporcionados pelas ciências humanas, de modo especial a psicologia, a sociologia, a economia, a etologia, a psicanálise, a antropologia e a história, permitem identificar com bastante precisão aquelas atitudes que são tomadas por imposição de forças superiores à vontade pessoal. Mas permitem ver igualmente mais claro o alcance da vontade e o nível de arbítrio de que se dispõe quando se tem de escolher entre várias alternativas, assim como a possibilidade de saber qual a ‘melhor’ opção cabe em cada caso. Pode-se falar então da consciência moral, fonte de sensibilidade aos valores que norteiam o agir humano, análoga à consciência epistêmica, que permite ao homem o acesso à representação dos objetos de sua experiência geral, mediante a formação de conceitos. Assim, como tem uma consciência sensível aos conceitos, tem igualmente uma consciência sensível aos valores. Do mesmo modo que a filosofia sempre se preocupou em discutir e buscar compreender como se formam os conceitos, como se pode acessá-los, o que os funda, ela procura igualmente compreender como se justifica essa sensibilidade aos valores. Desenvolveu então uma área específica de seu campo de investigação, no âmbito da axiologia, para conduzir essa discussão: a ética. Cabe aqui um breve esclarecimento semântico. Moral e ética não são propriamente dois termos sinônimos, apesar da etimologia análoga, em latim e em grego, respectivamente. É certo que, na linguagem comum do dia-a-dia, já não se distingue um conceito do outro. Mas, a rigor, moral refere-se à relação das ações com os valores que a fundam, tais como consolidados num determinado grupo social, não exigindo uma justificativa desses valores que vá além da consagração coletiva em função dos interesses imediatos desse grupo. No caso da ética, refere-se a essa relação, mas sempre precedida de um investimento elucidativo dos fundamentos, das justificativas desses valores, independentemente de sua aprovação ou não por qualquer grupo. Por isso, fala-se de ética em dois sentidos correlatos: de um lado, frisa-se a sensibilidade aos valores justificados mediante uma busca reflexiva por parte dos sujeitos; de outro, convencionou-se chamar igualmente de ética a disciplina filosófica que busca elucidar esses fundamentos. Mas de onde vem o valor dos valores? Onde se funda a consciência moral? Se o homem é um ser histórico em construção, em devir, sem vinculação determinante com a essência metafísica e a natureza física, naquilo que lhe é específico, onde ancorar a referência valorativa de sua consciência moral? O valor fundador dos valores que fundam a moralidade é aquele representado pela própria dignidade da pessoa humana, ou seja, os valores éticos fundam-se no valor da existência humana. É em função da qualidade desse existir, delineado pelas características que lhe são próprias, que se pode traçar o quadro da referência valorativa, para se definir o sentido do agir humano, individual ou coletivo. O próprio homem já é um valor em si, nas suas condições contingenciais de existência, na sua radical historicidade, facticidade, corporeidade, incompletude e finitude. Assim, a filosofia, por meio da ética, busca dar conta dos possíveis fundamentos desse nosso modo de ‘vivenciar’ as coisas, tendo sempre em vista que é necessário ir além das justificativas imediatistas, espontaneístas e particularistas das morais empíricas de cada grupo social. A ética coloca-se numa perspectiva de universalidade, enquanto a moral fica sempre presa à particularidade dos grupos e mesmo dos indivíduos. Mas é possível encontrar um fundamento universal para os valores éticos? A filosofia ocidental, como mostra sua história milenar, sempre o procurou e continua a procurá-lo, dada a permanência das demandas da consciência ética. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 20 A educação brasileira: determinação histórica e subjetivação valorativa A presença da educação formal e institucionalizada é traço marcante das sociedades ocidentais, com destaque para a sociedade europeia. No caso do Brasil, em que pese sua ainda pequena trajetória na era moderna da sociedade ocidental e a lentidão de seu desenvolvimento nos três primeiros séculos de sua inserção histórica nessa sociedade, ela não ocorreu de forma diferente. O Brasil conta com uma já bastante visível experiência de educação formal, experiência esta herdeira da experiência europeia, forjada sob a marca da perspectiva cristã, mas tributária igualmente das circunstâncias históricas próprias do contexto local. Instaurada então nos idos da fase colonial sob a concepção escolástica da formação humana, a educação no Brasil nasce como obra do trabalho missionário dos jesuítas, fundada sob uma perspectiva ideológica católica, de origem na Contrarreforma, e operacionalizada pedagogicamente sob o modelo da escolástica. Em que pese a pequena expressão de um aparelho escolar nesse período, a cultura brasileira dos períodos colonial e imperial foi impregnada pelo catolicismo. Com seus conceitos e valores, o catolicismo marcou a vida social e cultural do país, contribuindo significativamente para um forte processo de subjetivação de seus habitantes, sob a representação dos dogmas doutrinários católicos. No que concerne às relações entre a educação e a ideologia católica, fundada, de um lado, na teologia cristã e, de outro, na metafísica da escolástica tomista, prevalece a postulação de uma ética essencialista, articulada ao voluntarismo moral. A dimensão política não tem autonomia como dinâmica de pulsão de valores propriamente sociais. Toda a defesa dos valores cristãos é baseada na crença do poder da vontade individual para a condução da vida, uma vez que da postura ética de todas as pessoas decorreria necessariamente uma vida coletiva harmoniosa, independentemente das condiçõescontextuais, da hierarquização das pessoas e da arbitrariedade das ações dos mais fortes. Não sem razão, durante todo esse longo período de Colônia e Império, a evolução do sistema educacional do país, tanto do ponto de vista organizacional como do ponto de vista de sua função social, foi pouco significativa, uma vez que a finalidade da escola encontrava-se na continuidade da finalidade evangelizadora e pastoral da Igreja, não se podendo falar de referências políticas para a configuração da ética. Visava-se a uma ética fundada na vontade individual das pessoas, o que podia se realizar preferencialmente na esfera privada, não se atribuindo à educação a contribuição para a instauração de um espaço público de vida. Desse modo, o pouco que houve de institucionalização de educação escolar serviu de reforço para a reprodução da ideologia dominante e das condições econômico-sociais, marcadas pela degradação, pela opressão e pela alienação da maioria da população em relação às situações de trabalho, de participação política e de vivência cultural. O modelo econômico era o agrário exportador, voltado para a produção agrícola destinada à exportação aos países centrais. Todo o aparato político da época visava dar sustentação aos segmentos dominantes, que, além de possuírem os meios de produção e até a força de trabalho (detinham a posse da terra, a força escrava, a renda financeira), utilizavam o controle ideológico pela divulgação e ‘inculcação’ da concepção cristã do mundo. Assim, ao lado da alienação objetiva em que as pessoas se encontravam lançadas pelas condições socioeconômicas, ocorria o reforço de uma percepção enviesada dessas condições pela consciência, que instaura então uma alienação subjetiva. Coube ao ideário católico exercer esse papel, funcionando então como ideologia adequada ao momento histórico. Pode-se afirmar que o cristianismo, a par de seus princípios teológicos, apresentava igualmente uma ética individual, da qual decorreram as referências também para o convívio social, dada a suprema prioridade da pessoa sobre a sociedade. É a qualidade moral dos indivíduos que devia garantir a qualidade moral da sociedade. Mas o caráter idealizado dessas referências comprometia sua eficácia histórica, pois esta dependeria da causalidade da vontade, insuficiente para mover a realidade social. Daí transformar-se numa ideologia, atuando apenas como ideologia. É o que explica sua incapacidade de impedir a prática da escravidão, apesar de, no plano teórico, tratar-se de prática incompatível com os valores apregoados. Mas a ideologia católica dos primeiros séculos de formação da sociedade brasileira foi perdendo aos poucos sua hegemonia em decorrência da mudança socioeconômica pela qual o país igualmente sofreu em decorrência da lenta, extensa e intensa expansão do capitalismo. Embora a imersão do Brasil no capitalismo não tivesse ocorrido com características idênticas ao que havia acontecido na Europa e na América do Norte, não se podendo nem mesmo falar de uma revolução burguesa que o implantasse em nossas paragens, o país não podia escapar à influência dessa expansão comandada inicialmente pelos ingleses e, posteriormente, pelos americanos. Assim, a sociedade brasileira, embora conservando muitos elementos de sua fase escravista, incorporou as forças produtivas do modo de produção capitalista e as consequentes configurações no plano político e cultural. Da mesma forma, novos valores passaram a 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 21 marcar a subjetividade das pessoas, dando nova fisionomia à vida da sociedade. Com o capitalismo, a oligarquia rural e o campesinato perderam poder social, emergindo uma burguesia urbano-industrial, as camadas médias e o proletariado, que se tornaram os novos sujeitos a conduzir a vida nacional, impondo alterações significativas no perfil da vida político-social do país. Em que pesem suas reconhecidas limitações, o processo republicano espelhou essa nova realidade, ligando-se a novas referências ideológicas, decorrentes de outros paradigmas filosóficos, como o iluminismo, o liberalismo, o laicismo, o positivismo.8 A nova ideologia que se configurou entrou em conflito com a ideologia conservadora do catolicismo, embora se trate de conflito que não chegou a gerar uma ruptura radical na coesão da sociedade, em função das peculiaridades da própria configuração das classes sociais do país. A Revolução de 1930 é um marco representativo desse novo momento vivido pela sociedade brasileira, referendando-o e dando- lhe maior identidade. O processo se consolidou com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o capitalismo, sob a égide americana, se instalou de forma irreversível. Com a Revolução de 1964, esse ciclo se completou, mediante uma estruturação tecnocrática, inserindo de vez a economia do país no fluxo do capitalismo mundial. Essa modernização econômica e cultural do país levou à paulatina substituição da ideologia religiosa do catolicismo por uma ideologia laica, de inspiração liberal e republicana. Nesse novo ambiente de desenvolvimentismo e modernização, a educação institucionalizada teve seu papel extremamente revalorizado, uma vez que lhe cabiam então tarefas importantes não só na formação cultural das pessoas mas também na profissionalização dos trabalhadores para as indústrias e para os diversos serviços. Além disso, as camadas médias viam na educação um dos principais caminhos para a ascensão social, o que suscitou forte demanda pela educação. Esta deveria ser fornecida por um sistema público, laico, imune às interferências de cunho religioso. À educação cabia então cuidar da preparação de mão-de-obra para a expansão industrial e dos serviços, bem como da oferta de cultura e status social. Este passava a ser o perfil do novo cidadão, imbuído de espírito público e identificado com a construção de sua pátria nacional. Todo o complexo conjunto de valores, de forte inspiração iluminista e liberal, passou a ganhar contornos específicos, constituindo uma nova hegemonia ideológica. O modelo academicista, literário e humanístico da educação cristã foi considerado alienado em relação aos problemas sociais do país e não tinha condições de superar os desafios do atraso nacional. Só um humanismo lastreado no conhecimento científico e expresso mediante valores liberais poderia levar o país a seu verdadeiro destino. E a educação pública era o grande instrumento de que dispunha a sociedade para alcançar esse objetivo. Pública, laica, obrigatória e gratuita, a nova educação, nascida no bojo de uma reconstrução educacional, seria a única via para a reconstrução social. São apregoados os valores ligados ao espírito científico, à ordem democrática, às metodologias renovadas de ensino, à esfera pública, à cidadania e ao desenvolvimento econômico e social do país. Mas esse novo projeto encontrou dois obstáculos insuperáveis que fizeram com que esses novos valores continuassem sendo apenas valores ideológicos. De um lado, a ideologia religiosa do catolicismo, embora não mais hegemônica no plano oficial, continuou impregnando, capilarmente, a vida cultural brasileira, da qual constitui, na verdade, uma camada arcaica da subjetivação das massas, arraigada que era no espírito do povo – e, como tal, impôs resistência à recepção das novas referências. Por isso, o impacto da nova ideologia, do lado da subjetivação, foi muito lento e superficial. De outro lado, o modo de produção capitalista tem suas exigências férreas, suas cláusulas pétreas, e não atua nos termos dos valores que apregoa. As políticas educacionais e culturais efetivamente implementadas não foram necessariamente coerentes, em seu caráter radical, com os valores declarados. Com isso, não se nega o efetivo desenvolvimento ocorrido no país, mas ele não aconteceu por força da realização dos novos valores;ao contrário, ocorreu muito mais pela violência das determinações do capitalismo em sua incansável busca da acumulação, com sensibilidade mínima às necessidades objetivas da maioria da população. De qualquer modo, é correto afirmar que a ideologia que prevaleceu como elemento aglutinador da constituição da subjetividade social brasileira desse segundo período da trajetória sociopolítico- educacional do país foi a ideologia liberal burguesa, laicizada, modernizada e modernizadora, com pretensão de ser fundada na ciência e no reconhecimento da liberdade e da igualdade humanas. Impôs- se assim uma concepção liberal do mundo, da cultura e da educação. Essa ideologia atendia aos interesses da burguesia nacional urbano industrial e justificava a modernização de todos os setores da 8 SEVERINO, A. J. Educação, Ideologia e Contra Ideologia. São Paulo: EPU, 1986. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 22 vida social. Na verdade, estava lançando raízes para um projeto que deveria consolidar cada vez mais o capitalismo monopolista, a serviço do qual deveria ser colocado o próprio Estado.9 No entanto, assim como a ideologia católica, a ideologia liberal não conseguiu implementar uma educação efetivamente voltada para a emancipação de toda a população, como pressupunha o ideário republicano, liberal e iluminista, limitando-se a exercer apenas seu papel ideológico, ou seja, proclamar, como se fossem universais, valores que são realizados apenas para atender a interesses particulares de grupos privilegiados. Enquanto as camadas dominantes mantiveram e ampliaram seus privilégios e as camadas médias usufruíram de algumas conquistas, vendo atendidas algumas de suas reivindicações, graças a seu poder de negociação e de aliança, os segmentos populares alcançaram objetivamente poucas conquistas econômicas, sociais e culturais, aí incluída a educação, que sequer se universalizou em seus níveis iniciais. Apesar de o atendimento das necessidades do povo fazer parte explícita do discurso político oficial, como se fosse o objetivo primordial das políticas públicas, na realidade, no tecido socioeconômico, não ocorreram mudanças significativas, nem quanto à quantidade nem quanto à qualidade. É o que mostram a injusta distribuição não só da renda como também dos bens culturais e os índices da desigualdade social, que permanecem até hoje.10 Agregou-se a essa ideologia liberal a crença no caráter redentor e equalizador da educação, que, se fosse difundido universalmente, eliminaria os conflitos de classe, promoveria o progresso econômico e social e asseguraria a condição de cidadania a todas as pessoas.11 Com o regime militar autoritário que se estabelece no país em 1964, os elementos básicos dessa concepção socioeducacional foram mantidos tecendo a política educacional, mas agregando agora um referencial a mais, que é aquele do valor técnico especializado da educação. Essa peculiaridade dará às políticas públicas do período e, em particular, às políticas educacionais um feitio explicitamente tecnicista sob uma perspectiva ideológica tecnocrática. Foi característica do movimento conduzido pela elite empresarial e pelo estamento militar a ideia-força de que o desenvolvimento tecnológico é a grande matriz de todo desenvolvimento econômico, desde que possa ocorrer num clima de total harmonia político- social. Daí ser a educação chamada a implementar uma vocação eminentemente dedicada à formação profissional, visando à preparação de mão-de-obra técnica bem qualificada de cidadãos ordeiros e pacíficos. Foi imbuído desse espírito que o próprio mote do novo sistema de gerenciamento da nação se expressou, retomando o anacrônico lema comtiano ‘ordem e progresso’, que então passou a ser ‘desenvolvimento e segurança’. Politicamente, o regime levou aos estertores as últimas veleidades do discurso liberal populista, sufocando, inclusive pela repressão violenta, todas as iniciativas atreladas ao ideário libertário do período anterior, pondo fim ao populismo sob todas as suas expressões. Ao mesmo tempo, o atrelamento da economia nacional ao capitalismo internacional se consolidou definitivamente, mediante uma política de associação e de dependência. A função do Estado nacional se redefine, gerando um Executivo forte e centralizador, com poder de controle político-policial, modernizando e centralizando a administração pública e repelindo brutalmente toda contestação. Trata-se de um regime tecnoburocrático, assumidamente autoritário e repressor. Valores proclamados, seja pela ideologia católica, seja pela ideologia liberal, são reenquadrados nas coordenadas da ideologia tecnocrática, que passa a ser o critério de sua validade e sobrevivência no novo contexto social. Suas contribuições só são aproveitadas quando não se contrapõem aos novos interesses, não provocando interferências e questionamentos nos negócios de Estado da nova ordem político-social. Ao mesmo tempo, o governo militar apoiava, incentivava e induzia iniciativas, em todos os campos da vida social, que concretizassem os valores de sua nova política plenamente em sintonia com o capitalismo. Assim, no campo educacional e cultural, favoreceu e incentivou a privatização, uma vez que a educação deve ser entendida e praticada como um serviço, no seio de um mercado livre. A demanda por educação, tão cara às camadas médias da população, deverá ser atendida pela oferta do mercado dos serviços educacionais. Trata-se de uma política de expansão pela privatização. Ademais, o Estado pós-64 tem uma visão instrumentalista da educação, organizada em função do crescimento econômico.12 O conteúdo do ensino deve ser técnico, sem conotação política de cunho crítico. Visa-se à maior produtividade possível, a baixo custo, mediante o preparo de uma mão-de-obra numerosa, com qualificação puramente técnica, disciplinada e dócil, adequada ao atendimento das necessidades do sistema econômico. A ideologia tecnocrática do período pratica um autoritarismo disciplinar intrínseco ao 9 BRESSER PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1939-1967. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. 10 IBGE. PNAD: Relatório 2004. Brasília: IBGE, 2005. 11 XAVIER, M. E. S. P. Políticas educacionais, modelos pedagógicos e movimentos sociais. In: MIGUEL, M. E. B. & CORRÊA, L. T. (Orgs.). A Educação Escolar em Perspectiva Histórica. Campinas: Autores Associados, Capes, 2005. p.283-291. (Memória da educação) 12 MARTINS, C. B. Ensino Privado, um Retrato sem Retoques. São Paulo: Global, 1981. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 23 processo de engenharia social que deve comandar todos os aspectos da vida da sociedade. Alicerçada epistemologicamente no mesmo cientificismo positivista, que se julga legitimado pela sua eficácia tecnológica, opera a modernização da sociedade pelo uso da sofisticação técnico-informacional, ao mesmo tempo que, investindo pesado nos meios de comunicação, desenvolve um intenso programa de indústria cultural destinado à formação da opinião pública, banalizando ainda mais os conteúdos do conhecimento disponibilizado para as massas. Após 25 anos de autoritarismo exacerbado, o regime, no início da década de 1980, começa a dar sinais de exaustão. Devorando seus próprios filhos, não mais satisfazia aos interesses capitalistas que pretendiam se universalizar mundo afora. Considerou-se superada essa fase da imposição tecnocrática, entendendo-se que os 25 anos foram suficientes para aplainar o terreno para uma nova etapa, agora não mais baseada na repressão violenta pela força, mas pela impregnação sutil da subjetivação ideológica por si mesma. Nos últimos trinta anos, o país vivencia então uma nova fase marcada pela implementação da agenda neoliberal,nova proposta do capitalismo internacional. Os desafios da educação no contexto da sociabilidade neoliberal A partir dos anos 1980, o Brasil, como de resto todo o Terceiro Mundo, é instado a inserir-se no novo processo de desenvolvimento econômico e social do capitalismo em expansão. De preferência isso deveria ser feito sem o uso da violência física de regimes repressivos. Ao contrário, deveria acontecer num ambiente político-social de redemocratização. Nessa linha, os grandes agentes desse capitalismo internacional sem pátria especificam, além de cobrar, via mecanismos propriamente econômicos, a adoção de suas práticas produtivas, monetárias e financeiras, comprometendo todos os países por meio de acordos mundiais, passando a exigir também adequações nos campos político e cultural. A meta continua sendo aquela da plena expansão do capitalismo, agora sem concorrências ideológicas significativas e numa perspectiva declarada de globalização. Fala-se então da agenda neoliberal, ou seja, de uma retomada dos princípios do liberalismo clássico, mas com a devida correção de seus desvios humanitários. O que está em pauta é a total liberação das forças do mercado, a quem cabe a efetiva condução da vida das nações e das pessoas. Daí a pregação do livre-comércio, da estabilização macroeconômica e das reformas estruturais necessárias, em todos os países, para que o sistema tenha alcance mundial e possa funcionar adequadamente. Opera-se então severa crítica ao Estado do Bem- Estar Social, propondo-se um estado mínimo, em seu papel e funções. A iniciativa política deve dar prioridade à iniciativa econômica dos agentes privados. Graças às impressionantes inovações tecnológicas, mormente na esfera da informática, mudam-se igualmente as relações industriais, o sistema do trabalho e o gerenciamento da produção. Os mercados financeiros são liberados e expandidos. Os Estados nacionais tornam-se reféns das políticas internacionais do grande capital. A política interna dos países, por sua vez, é forçada a esse ajuste econômico, impondo a queda dos salários reais, o crescimento do desemprego estrutural, a estatização da dívida externa e a elevação da taxa de juros. Isso implica também a ruptura do esquema de financiamento do setor público.13 Assim como nas fases anteriores, também agora desencadeia-se um processo ideológico para justificar o modelo imposto, apresentando-o como o único capaz de realizar os objetivos emancipatórios da sociedade e, nesse sentido, superando os anteriores. Mais uma vez, tem-se um conjunto articulado de valores que são proclamados, mas não realizados. Uma retórica, que não deixa de encontrar apoios estratégicos em formulações teóricas do pensamento pós moderno, se torna insistentemente presente em todas as frentes do debate social, fazendo sua cerrada defesa. Ao mesmo tempo, por meio da legislação e das medidas programáticas, o governo passa a aplicar políticas públicas que vão efetivando as diretrizes neoliberais, mais uma vez adiando e talvez inviabilizando uma educação que possa ser mediação da libertação, da emancipação e da construção da cidadania. Não sem razão, o ceticismo e a desesperança constituem a conclusão de estudiosos da questão educacional brasileira. Ao falar da escola brasileira, em conclusão a seus estudos históricos sobre a educação escolar, conclui Xavier: 14 Ela parece ser uma instituição, se não dispensável, secundária para o funcionamento da sociedade brasileira, tal como se encontra estruturada. Entretanto, é fundamental, para o controle das insatisfações populares e a neutralização dos movimentos sociais contestatórios e reivindicatórios, alimentar a crença 13 IANNI, O. O cidadão do mundo. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. & SANFELICE, J. L. (Orgs.). Capitalismo, Trabalho e Educação. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2004. p.27-34 14 XAVIER, M. E. S. P. Políticas educacionais, modelos pedagógicos e movimentos sociais. In: MIGUEL, M. E. B. & CORRÊA, L. T. (Orgs.). A Educação Escolar em Perspectiva Histórica. Campinas: Autores Associados, Capes, 2005. p.283-291. (Memória da educação) 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 24 no caráter redentor da educação escolarizada. Daí a ênfase no discurso pedagógico, nos debates e na elaboração de projetos educacionais e a falta de pressa em realizá-los. Para essa autora, ocorre uma mitificação da escola, mitificação que atua como um dos pilares da doutrina liberal produzida na transição capitalista e que penetrou cedo em nossa sociedade como parte da ideologia do colonialismo. E quanto mais o capitalismo avançou no país, mais se solidificou essa crença. O poder se concentrava, a riqueza crescia e supostamente não se distribuía porque a expansão da escola não acompanhava o crescimento populacional, ou sua qualidade não atendia às demandas sociais. “A escola não revoluciona ou transforma a sociedade que a produz e à qual serve; ela apenas consolida e maximiza as transformações em curso quando a aparelhamos para tanto”. Essa forma atual de expressão histórica do capitalismo, sob predomínio do capital financeiro, conduzido de acordo com as regras de um neoliberalismo desenfreado, num momento histórico marcado por um irreversível processo de globalização econômica e cultural, produz um cenário existencial em que as referências ético-políticas perdem sua força na orientação do comportamento das pessoas, trazendo descrédito e desqualificação para a educação. Ao mesmo tempo que, pelas regras da condução da vida econômica e social, instaura um quadro de grande injustiça social, sonegando para a maioria das pessoas as condições objetivas mínimas para uma subsistência num patamar básico de qualidade de vida, interfere profundamente na constituição da subjetividade, no processo de subjetivação, manipulando e desestabilizando valores e critérios. Prevalece um espírito de niilismo axiológico, de esvaziamento de todos os valores, de fim das utopias e metanarrativas e da esperança de um futuro melhor, de incapacidade de construir projetos. A eficiência e a produtividade são os únicos critérios válidos. Com bem sintetiza Goergen, “generaliza-se nesse processo para toda a cultura um aspecto da ordem econômica: a eficiência tornase padrão do bom comportamento exigido pela sociedade”.15 Configura-se então uma sociabilidade típica desse contexto neoliberal, que se constitui atrelada a profundas mudanças provocadas pelas injunções dessa etapa da economia capitalista na esfera do trabalho, da cidadania e da cultura. Desse modo, constata-se a ocorrência de situações de degradação, no mundo técnico e produtivo do trabalho; de opressão, na esfera da vida social; e de alienação, no universo cultural. Essas condições manifestam-se, em que pesem as alegações em contrário de variados discursos, como profundamente adversas à formação humana, o que tem levado a um crescente descrédito quanto ao papel e à relevância da educação, como processo intencional e sistemático. Nesse contexto da história real, a educação é interpelada pela dura determinação dessa realidade, no que diz respeito às condições objetivas da existência. Numa profunda inserção histórico-social, a educação é serva da história. Aqui se paga tributo a nossa condição existencial de seres encarnados e, como tais, profundamente predeterminados – esfera dos a priori existenciais. Uma lógica perversa compromete o esforço da humanização. São adversas as condições para se assegurar a qualidade necessária para a educação. Em que pese a existência, nas esferas do Estado brasileiro, de um discurso muito elogioso e favorável à educação, a prática real da sociedade política e das forças econômicas desse atual estágio histórico não corresponde ao conteúdo de seu discurso. Esse discurso se pauta em princípios e valoreselevados, mas que não são sustentados nas condições objetivas para sua realização histórica no plano da realidade social. No plano da subjetividade, utilizando-se de diferentes modalidades de intervenções ideológicas, particularmente através dos meios de comunicação, o sistema atua fortemente no processo da subjetivação humana. Numa frente, opera a subversão do desejo, deturpando a significação do prazer, não se investindo adequadamente no aprimoramento da sensibilidade estética. Açulam-se os corpos no sentido de fazer deles fogueiras insaciáveis de prazer que jamais será satisfeito. Ocorre total regressão do estético. Embora prometa a felicidade, não gera condições para sua efetiva realização por todas as pessoas. Subverte também a vontade, impedindo o exercício de sua liberdade, não deixando que o homem pratique sua condição de igualdade: não investe na formação do cidadão, ou seja, aquele que pode agir livremente na sociedade de iguais. Propaga a ideia de uma democracia puramente formal. Não tem por meta o cidadão, mas o contribuinte, o socícola, aquele que habita o locus social mas não compartilha efetivamente de sua constituição, não compartilha das decisões que instauram o processo político-social. No fundo mantém-se a servidão... que até se torna voluntária... Toda essa pedagogia, em vez de levar os sujeitos a entender-se no mundo, mistifica o mundo, manipulando-o para produzir a ilusão da felicidade. Prosperidade prometida mas nunca realizada. Leva ao individualismo egoísta e narcísico, simulacro do sujeito autônomo e livre. 15 LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. & SANFELICE, J. L. (Orgs.). Capitalismo, Trabalho e Educação. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2004 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 25 Essa pedagogia subverte ainda a prática do conhecimento, eliminando o seu processamento como construção dos objetos que são conhecidos. Torna-se mero produto e não mais processo, experiência de criatividade, de criticidade e de competência. É literalmente tecnicizado, objetivado, empacotado. A própria ciência é vista como conhecimento eminentemente técnico, o que vem a ser um conceito autocontraditório. Todas as demais formas de saber são desqualificadas. O ceticismo e o relativismo generalizados se impõem, sob alegação de seus compromissos com metanarrativas infundadas. Nesse contexto, prospera uma ética hedonista baseada no individualismo, de traço narcísico, que vê o homem como se fosse um átomo solto, vivendo em torno de si mesmo, numa sensibilidade ligada apenas ao espetáculo. Puro culto ao prazer que se pretende alcançar pelo consumo compulsivo e desregrado dos bens do mercado. Essa lógica fundada na exacerbada valorização de uma suposta autonomia e suficiência do sujeito individual, no apelo ao consumo desenfreado, compromete o reconhecimento e a reafirmação dos valores universais da igualdade, da justiça e da equidade, referências necessárias para uma concepção mais consistente da humanidade, alicerçada no valor básico da dignidade humana. Coagida pela pressão das determinações objetivas, de um lado, e pelas interferências subjetivas, de outro, a educação é presa fácil do enviesamento ideológico, que manipula as intenções e obscurece os caminhos, confundindo objetivos com interesses. Tal situação aumenta e agrava o desafio que a educação enfrenta em sua dialética tarefa de, simultânea e contraditoriamente, inserir os sujeitos educandos nas malhas culturais de sua sociedade e de levá-los a criticar e a superar essa inserção; assim como de fazer um investimento na conformação das pessoas a sua cultura ao mesmo tempo que precisa levá-las a se tornarem agentes da transformação dessa cultura. Como a educação tem papel fundamental no processo de subjetivação, embora não seja ela o único vetor desse processo, já que essa subjetivação se dá também por outras vias, seja no âmbito da vivência familiar, seja pelos meios de comunicação de massa, seja ainda por interações informais das pessoas no seio da sociedade civil, ela sofre o impacto dessas forças geradas no bojo da dinâmica da vida social e cultural do capitalismo contemporâneo. O horizonte do compromisso éticopolítico da educação: em busca de uma nova sociabilidade No contraponto dessa situação de degradação, de opressão e de alienação, a educação é interpelada pela utopia, ou seja, por um télos que acena para uma responsabilidade histórica de construção de uma nova sociedade também mediante a construção de uma nova sociabilidade. Isso decorre da condição dos homens como sendo também seres teleológicos, dispondo da necessidade e da capacidade de estabelecer fins para sua ação. É isso que ocorre com a educação; ela precisa ter intencionalidades, buscar a realização de fins previamente estabelecidos. Levando em conta o seu papel no processo de subjetivação e tendo em vista que o conhecimento é a única ferramenta que cabe ao educador utilizar para enfrentar esses desafios, há que se entender a educação como processo que faz a mediação entre os seus resultados e as práticas reais, pelas quais os brasileiros devem conduzir sua história. Assim, cabe à educação ter em seu horizonte três objetivos intrínsecos: 1) Desenvolver ao máximo o conhecimento científico e tecnológico em todos os campos e dimensões; superar o amadorismo e apropriar-se da ciência e da tecnologia disponíveis para alicerçar o trabalho de intervenção na realidade natural e social. 2) Desenvolver ao máximo a sensibilidade ética e estética buscando delinear o télos da educação com sensibilidade profunda à condição humana; sentir a razão de ser da existência e a pulsação da vida. 3) Desenvolver ao máximo sua racionalidade filosófica numa dupla direção: numa frente, esclarecer epistemicamente o sentido da existência, e, noutra, afastar o ofuscamento ideológico dos vários discursos; construir uma contra ideologia como ideologia universalizante que apresenta os produtos do conhecimento para atender aos interesses da totalidade dos homens. Pela sua própria natureza, a educação tende a atuar como força de conformação social, mas precisa atuar também como força de transformação social. A conformação nasce da necessidade de conservação da memória cultural da espécie, força centrípeta, apelo da imanência, enquanto que a transformação, força centrífuga, apelo da transcendência, busca um avanço, a criação do novo, gerando elementos que respondam pela criação de nova cultura. A educação conforma os indivíduos, inserindo-os na sua sociedade, fazendo-os compartilhar dos costumes morais e de todos os demais padrões culturais, com o fito de preservar a memória cultural; 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 26 porém, ao transformar, impele à criação de nova cultura, reavaliando seus estágios anteriores de subjetivação. Cabe-lhe questionar os estágios vigentes de uma perspectiva crítica, desconstruindo para reconstruir, pois o que não se transforma se petrifica. É pela mediação de sua consciência subjetiva que o homem pode intencionar sua prática, pois essa consciência é capaz de elaborar sentidos e de se sensibilizar a valores. Assim, ao agir, o homem está sempre se referenciando a conceitos e valores, de tal modo que todos os aspectos da realidade envolvidos com sua experiência, todas as situações que vive e todas as relações que estabelece são atravessados por um coeficiente de atribuição de significados, por um sentido, por uma intencionalidade, feita de uma referência simultaneamente conceitual e valorativa. Desse modo, as coisas e situações relacionam-se com nossos interesses e necessidades, por meio da experiência dessa subjetividade valorativa, atendendo, de um modo ou de outro, a uma sensibilidade que temos, tão arraigada quanto aquelaque nos permite representar as coisas e conhece-las mediante os conceitos. Com efeito, a ética só pode ser estabelecida por meio de um processo permanente de decifração do sentido da existência humana, tal como ela se desdobra no tecido social e no tempo histórico, não mais partindo de um quadro atemporal de valores, abstratamente concebidos e idealizados. Essa investigação é inteiramente compromissada com as mediações históricas da existência humana, não tendo mais a ver apenas com ideais abstratos, mas também com referências econômicas, políticas, sociais, culturais. Nenhuma ação que provoque a degradação do homem em suas relações com a natureza, que reforce sua opressão pelas relações sociais, ou que consolide a alienação subjetiva, pode ser considerada moralmente boa, válida e legítima. É por isso que, na perspectiva do modo atual de se conceber a ética, ela se encontra profundamente entrelaçada com a política, concebida esta como a área de apreensão e aplicação dos valores que atravessam as relações sociais que interligam os indivíduos entre si. Mas a política, por sua vez, está intimamente vinculada à ética, pelo fato de não poder se ater exclusivamente a critérios técnico- funcionais, caso em que se transformaria numa nova forma de determinismo extrínseco ao homem, à sua humanidade. Isso quer dizer que os valores pessoais não são apenas valores individuais; eles são simultaneamente valores sociais, pois a pessoa só é especificamente um ser humano quando sua existência realiza-se nos dois registros valorativos. Assim, a avaliação ética de uma ação não se refere apenas a uma valoração individual do sujeito; é preciso referi-la igualmente ao índice do coletivo. É assim que, à luz das contribuições mais críticas da filosofia da educação da atualidade, impõe-se atribuir à educação, como sua tarefa essencial, a construção da cidadania. A educação já se deu outrora como objetivo a busca da perfeição humana, idealizada como realização da essência do homem, de sua natureza; mais recentemente, essa perfeição foi concebida como plenitude da vida orgânica, como saúde física e mental. Hoje, no entanto, as finalidades perseguidas pela educação dizem respeito à instauração e à consolidação da condição de cidadania, pensada como qualidade específica da existência concreta dos homens, lembrando-se sempre que essa é uma teleologia historicamente situada. Com efeito, a educação só se compreende e se legitima enquanto for uma das formas de mediação das mediações existenciais da vida humana, se for efetivo investimento em busca das condições do trabalho, da sociabilidade e da cultura simbólica. Portanto, só se legitima como mediação para a construção da cidadania. Por isso, enquanto investe, do lado do sujeito pessoal, na construção dessa condição de cidadania, do lado dos sujeitos sociais estará investindo na construção da democracia, que é a qualidade da sociedade que assegura a todos os seus integrantes a efetivação coletiva dessas mediações. À educação cabe, como prática intencionalizada, investir nas forças emancipatórias dessas mediações, num procedimento contínuo e simultâneo de denúncia, desmascaramento e superação de sua inércia de entropia, bem como de anúncio e instauração de formas solidárias de ação histórica, buscando contribuir, com base em sua própria especificidade, para a construção de uma humanidade renovada. Ela deve ser assumida como prática simultaneamente técnica e política, atravessada por uma intencionalidade teórica, fecundada pela significação simbólica, mediando a integração dos sujeitos educandos nesse tríplice universo das mediações existenciais: no universo do trabalho, da produção material, das relações econômicas; no universo das mediações institucionais da vida social, lugar das relações políticas, esfera do poder; no universo da cultura simbólica, lugar da experiência da identidade subjetiva, esfera das relações intencionais. Em suma, a educação só se legitima intencionalizando a prática histórica dos homens. Com efeito, se se espera que a educação seja de fato um processo de humanização, é preciso que ela se torne mediação que viabilize, que invista na implementação dessas mediações mais básicas, contribuindo para que elas se efetivem em suas condições objetivas reais. Ora, esse processo não é 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 27 automático, não é decorrência mecânica da vida da espécie. É verdade que ao superar a transitividade do instinto e, com ela, a univocidade das respostas às situações, a espécie humana ganha em flexibilidade, mas simultaneamente torna-se vítima fácil das forças alienantes, uma vez que todas as mediações são ambivalentes: ao mesmo tempo que constituem o lugar da personalização, constituem igualmente o lugar da desumanização, da despersonalização. Assim, a vida individual, a vida em sociedade, o trabalho, as formas culturais, as vivências subjetivas, podem estar levando não a uma forma mais adequada de existência, da perspectiva humana, mas antes a formas de despersonalização individual e coletiva, ao império da alienação. Sempre é bom não perdermos de vista a ideia de que o trabalho pode degradar o homem, a vida social pode oprimi-lo e a cultura pode aliená-lo, ideologizando- o. É por isso que, ao lado do investimento na transmissão aos educandos dos conhecimentos científicos e técnicos, impõe-se garantir que a educação seja mediação da percepção das relações situacionais, que ela lhes possibilite a apreensão das intrincadas redes políticas da realidade social, pois só a partir daí eles poderão se dar conta também do significado de suas atividades técnicas e culturais. Cabe ainda à educação, no plano da intencionalidade da consciência, desvendar os mascaramentos ideológicos de sua própria atividade, evitando assim que ela se instaure como mera força de reprodução social e se torne força de transformação da sociedade, contribuindo para extirpar do tecido desta todos os focos da alienação.16 A análise crítica da experiência histórica da educação brasileira mostra que ela desempenhou, em cada um dos seus cenários temporais, a função de reprodução da ideologia, mediante o que contribuiu para a reprodução das relações sociais vigentes a cada momento. Mas isso não compromete seu outro papel fundamental, que é aquele de transformar essas relações sociais, contribuindo para a elaboração de uma contra ideologia que possa identificar-se com os interesses e objetivos da maioria da população, fazendo com que os benefícios do conhecimento possam atingir o universo da comunidade humana a que se destina. Esse compromisso éticopolítico da educação para com a condução do destino da sociedade não pode, no entanto, ser concebido nos parâmetros da ética essencialista, de fundo metafísico, ou de uma ética funcionalista, de fundo fenomenista. Trata-se de entender sua concepção e prática com base num enfoque praxista. Isso decorre de um modo igualmente novo de pensar o homem. Embora continue sendo entendido como ser natural e dotado de uma identidade subjetiva, que lhe permite projetar e antever suas ações, ele não é visto mais nem como um ser totalmente determinado nem como um ser inteiramente livre. Ele é simultaneamente determinado e livre. Sua ação é sempre um compromisso, em equilíbrio instável entre as injunções impostas pela sua condição de ser natural e a autonomia de sujeito capaz de intencionalizar suas ações, a partir da atividade de sua consciência. Por práxis, entende-se a prática real do homem, atravessada pela intencionalização subjetiva, ou seja, pela reflexão epistêmica elucidativa e esclarecedora, que delineia os fins e o sentido dessa ação. O que está em pauta, pois, na reflexão filosófica contemporânea, é a radical historicidade humana. O homem concebido como ser histórico perde tanto sua fusão com a totalidademetafísica como com a natureza física do mundo. Desse ponto de vista, ele só é especificamente humano quando, em que pesem suas amarras ao mundo objetivo, é capaz de ir construindo-se efetivamente mediante sua ação real. Ora, a ética só tem a ver com sua dimensão especificamente humana, e é nessa especificidade que ela pode encontrar suas referências. Esse é o sentido da historicidade da existência humana, ou seja, o homem não é a mera expressão de uma essência metafísica predeterminada, nem o mero resultado de um processo de transformações naturais que estaria em evolução. Ao contrário, naquilo em que o faz especificamente humano, o homem é um ser em permanente processo de construção, em ininterrupto devir. Nunca está pronto e acabado, nem no plano individual, nem no plano coletivo, como espécie. Por sobre um lastro de uma natureza físico-biológica prévia, mas que é pré-humana, compartilhada com todos os demais seres vivos, ele vai se transformando e se reconstruindo como ser especificamente humano, como ser ‘cultural’. E isso não apenas na linha de um necessário aprimoramento, de um aperfeiçoamento contínuo ou de progresso. Ao contrário, essas mudanças transformativas, decorrentes de sua prática, podem até ser regressivas, nem sempre sinalizando para uma eventual direção de aprimoramento de nosso modo de ser. O que é importante observar é que seu modo de ser vai se constituindo por aquilo que ele efetivamente faz; é sua ação que o constitui, e não seus desejos, seus pensamentos ou suas teorias... 16 ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa, São Paulo: Presença, Martins Fontes, s.d -SEVERINO, A. J. Educação, Ideologia e Contra Ideologia. São Paulo: EPU, 1986. SEVERINO, A. J. Educação, Ideologia e Contra Ideologia. São Paulo: EPU, 1986. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 28 Assim, a ética contemporânea entende que o sujeito humano se encontra sob as injunções de sua realidade natural e histórico-social, que até certo ponto o conduz, determinando seu comportamento, mas que é também constituída por ele, por meio de sua prática efetiva. Ele não é visto mais como um sujeito substancial, soberano e absolutamente livre, nem como um sujeito empírico puramente natural. Existe concretamente nos dois registros, na medida mesma em que é um sujeito histórico-social, um sujeito cultural. É uma entidade natural histórica, determinada pelas condições objetivas de sua existência, ao mesmo tempo que atua sobre elas por meio de sua práxis. A necessidade do espaço público para um projeto educacional comprometido com a emancipação humana: a escola pública e a cidadania O éticopolítico incorpora a sensibilidade aos valores da convivência social, da condição coletiva das pessoas. A relação, a inter-relação, a dependência recíproca entre as pessoas, é também um valor ético – a eticidade que se apoia na dignidade humana. Essa dignidade não se referencia apenas à existência social, mas também à coexistência social. É a partir dessa exigência que se pode compreender a importância da escola para a construção da cidadania. Com efeito, para que a prática educativa real seja uma práxis, é preciso que ela se dê no âmbito de um projeto. A escola é o lugar institucional de um projeto educacional. Isso quer dizer que ela deve instaurar-se como espaço-tempo, como instância social que sirva de base mediadora e articuladora dos outros dois projetos que têm a ver com o agir humano: de um lado, o projeto político da sociedade e, de outro, os projetos pessoais dos sujeitos envolvidos na educação. Todo projeto implica uma intencionalidade, assim como suas condições reais, objetivas, de concretização, já que a existência dos homens se dá sempre no duplo registro da objetividade/subjetividade, de modo que estão sempre lidando com uma objetividade subjetivada e com uma subjetividade objetivada. Configura-se aqui a complexa e intrincada questão das relações do processo educativo com o processo social que o envolve por todos os lados. É o que vem sendo apresentado sob o enfoque da teoria do reprodutivismo da educação, segundo a qual a escola nada mais faria do que reproduzir as relações de dominação presentes no tecido social na medida em que, como instância que lida com os instrumentos simbólicos, reproduziria os valores hegemônicos da sociedade, inculcando-os nas novas gerações. A escola é vista então como privilegiado aparelho ideológico do Estado que, por sua vez, não é um representante dos interesses universais da sociedade, mas tão- somente de grupos privilegiados e, consequentemente, dominantes. Reapresenta-se então a questão da dialética objetividade/subjetividade. Em se tratando de processo que lida fundamentalmente com ferramentas simbólicas, a educação é ambígua, ambivalente, uma vez que a subjetividade é lugar privilegiado de alienação. Trata-se ainda de múltiplas subjetividades envolvidas, o que potencializa a força da alienação em relação aos dados da objetividade circundante. Com efeito, a prática da educação pressupõe mediações subjetivas, a intervenção da subjetividade de todos aqueles que se envolvem no processo. Dessa forma, tanto no plano de suas expressões teóricas como naquele de suas realizações práticas, a educação implica a própria subjetividade e suas produções. Mas a experiência subjetiva é também uma riquíssima experiência das ilusões, dos erros e do falseamento da realidade, ameaçando assim, constantemente, comprometer sua própria atividade. Não sem razão, pois, o exercício da prática educativa exige, da parte dos educadores, uma atenta e constante vigilância diante dos riscos da ideologização de sua atividade, seja ela desenvolvida na sala de aula, seja em qualquer outra instância do plano macrossocial do sistema de educação da sociedade. O procedimento da consciência, no seu desempenho subjetivo, não tem a inflexibilidade mecânica e linear dos instintos. Ao representar e ao avaliar os diversos aspectos da realidade, a consciência facilmente os falseia. A representação simbólica da realidade, que lhe cabia fazer, perde então seu caráter objetivo e se impregna de significações que não mais correspondem à realidade, e a visão elaborada pelo sujeito fica falseada. Na sua atividade subjetiva, a consciência deveria visar e dirigir-se à realidade objetiva, atendo-se a ela. No entanto, quanto mais autônoma e livre em relação à transitividade dos instintos, mais frágil se torna em relação à objetividade e mais suscetível de sofrer interferências perturbadoras. À consciência subjetiva pode ocorrer de se projetar numa objetividade não-real, apenas projetada, imaginada, ideada. É como se estivesse imaginando um mundo inventado, invertido. E assim a consciência, alienando-se em relação à realidade objetiva, constrói conteúdos representativos com os quais pretende explicar e avaliar os vários aspectos da realidade e que apresenta como sendo verdadeiros e válidos, aptos não só a explicá-los mas também a legitimá-los. Porém, alienada, a consciência não se dá conta de que tais conteúdos nem sempre estão se referindo adequadamente ao objeto. Na verdade, tais conteúdos – ideias, representações, conceitos, valores – são ideológicos, ou 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 29 seja, têm obviamente um sentido, um significado, mas descolado do real objetivo, pois referem-se de fato a um outro aspecto da realidade que, no entanto, fica oculto e camuflado. Ocorre um falseamento da própria apreensão pela consciência, um desvirtuamento de seu proceder, decorrente sobretudo da pressão de interesses sociais que, intervindo na valoração da própria subjetividade, altera a relação de significação das representações. Esses interesses/valores que intervêm e interferem na atividade cognoscitivae valorativa da consciência nascem das relações sociais de poder, das relações políticas, que tecem a trama da sociedade. É para legitimar determinadas relações de poder que a consciência apresenta como objetivas, universais e necessárias, portanto supostamente verdadeiras, algumas representações que, na realidade social, referem-se de fato a interesses de grupos particulares, em geral grupos dominantes, detentores do poder no interior da sociedade. A força do processo de ideologização é, sem dúvida, um dos maiores percalços da prática educativa, porque ela atua no seu âmago. Mas a possibilidade da interferência da ideologia não invalida nem inviabiliza a escola. O simples fato do reconhecimento do poder ideologizador da educação testemunha igualmente o valor da subjetividade, seu poder de doação de significações. O que cabe, no entanto, à escola, na sua auto constituição como centro de um projeto educacional, é ter presente essa ambivalência de sua própria condição de agência educativa e investir na explicitação e na crítica desses compromissos ideológicos, etapas preliminares para que possa tornar seu projeto elemento que transforma a escola em lugar também de elaboração de um discurso contra ideológico e, consequentemente, de instauração de uma nova consciência social e até mesmo de novas relações sociais. A educação pode se tornar também uma força transformadora do social, atuando portanto contra ideologicamente. Educar contra ideologicamente é utilizar, com a devida competência e criticidade, as ferramentas do conhecimento, as únicas de que efetivamente o homem dispõe para dar sentido às práticas mediadoras de sua existência real. Por mais ambíguos e fragilizados que sejam esses recursos da subjetividade, eles são instrumentos capazes de explicitar verdades históricas e de significar, com um mínimo de fidelidade, a realidade objetiva em que o homem desenvolve sua história. O que se impõe é a adequada exploração do conhecimento, poderosa estratégia do homem para se nortear no espaço social e no tempo histórico. Daí a relevância do conhecimento em suas dimensões científica e filosófica, âmbitos nos quais há a possibilidade efetiva de se assegurar a competência e a criticidade necessárias no caso de utilização de nossa subjetividade. A escola se caracteriza, pois, como a institucionalização das mediações reais para que uma intencionalidade possa tornar-se efetiva, concreta, histórica, para que os objetivos intencionalizados não fiquem apenas no plano ideal, mas ganhem forma real. Assim sendo, a escola se dá como lugar do entrecruzamento do projeto político coletivo da sociedade com os projetos pessoais e existenciais de educandos e educadores. É ela que viabiliza que as ações pedagógicas dos educadores se tornem educacionais, na medida em que se impregna das finalidades políticas da cidadania que interessa aos educandos. Se, de um lado, a sociedade precisa da ação dos educadores para a concretização de seus fins, de outro os educadores precisam do dimensionamento político do projeto social para que sua ação tenha real significado como mediação da humanização dos educandos. Estes encontram na escola um dos espaços privilegiados para a vivificação e a efetivação de seu projeto. A escola se faz necessária para abrigar e mediatizar o projeto educacional, imprescindível para uma sociedade autenticamente moderna. A especificidade do trabalho pedagógico exige uma institucionalização de meios que vinculem educadores e educandos. A escola não pode ser substituída pelos meios de comunicação de massa; toda relação pedagógica depende de um relacionamento humano direto. Toda situação de aprendizagem, para ser educacional, não basta ser tecnicamente operativa; precisa ser pedagógica, ou seja, relacionar pessoas diretamente entre si. Aliás, a fecundidade didática dos meios técnicos já é dependente da incorporação de significados valorativos pessoais. Para que se possa falar de um projeto impregnado por uma intencionalidade significadora, impõe-se que todas as partes envolvidas na prática educativa de uma escola estejam profundamente integradas na constituição e no vivenciamento dessa intencionalidade. Do mesmo modo que, num campo magnético, todas as partículas do campo estão imantadas, no âmbito de um projeto educacional todas as pessoas envolvidas precisam compartilhar dessa intencionalidade, adequando seus objetivos parciais e particulares ao objetivo abrangente da proposta pedagógica decorrente do projeto educacional. Mas, para tanto, impõe-se que toda a comunidade escolar seja efetivamente envolvida na construção e na explicitação dessa mesma intencionalidade. É um sujeito coletivo que deve instaurá-la; e é nela que se 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 30 lastreiam a significação e a legitimidade do trabalho em equipe e de toda interdisciplinaridade, tanto no campo teórico como no campo prático. Ao investir na constituição da cidadania dos indivíduos, a educação escolar está articulando o projeto político da sociedade – que precisa ter seus membros como cidadãos – e os projetos pessoais desses indivíduos que, por sua vez, precisam do espaço social para existir humanamente. Em sociedades históricas passando por momentos de determinação alienadora, de opressão e de exploração, implementando projeto político voltado para interesses egoísticos de grupos particulares hegemônicos, como é o caso de nossa sociedade brasileira atual, fica ainda mais fragilizada a força da instituição escolar nesse seu trabalho de construção da cidadania, uma vez que o projeto educacional autêntico estaria necessariamente em conflito com o projeto político da sociedade que, ao oprimir a maioria dos indivíduos que a integram, compromete até mesmo a possibilidade de o educador construir seu projeto pessoal. Esbarra-se aí nos limites impostos pela manipulação, pela expropriação e pela alienação dos seres humanos. Muitas vezes, investir na construção de um projeto educacional é pura prática de resistência. No entanto, mesmo nesse caso, a escola se torna ainda mais necessária, impondo-se um investimento sistemático com vistas a sua sustentação e ao desenvolvimento de um projeto educacional eminentemente contra ideológico, ou seja, desmascarando, denunciando, criticando esse projeto político, não se conformando com ele, não o aceitando passivamente. Com as armas fornecidas pelo conhecimento, devendo realizar seu trabalho educacional no contexto de uma sociedade opressiva, os educadores precisam pautar-se num público de educação, concebido e articulado em instituições que gerem um espaço público aberto à totalidade social, sem qualquer tipo de restrição. Após duas décadas sob a tutela de um Estado autoritário e autocrático, no qual a dimensão pública se reduzira à expressão meramente tecnoburocrática do estatal, mergulhada na voracidade consumista do momento neoliberal, o sentido do público acaba deslizando para uma mera identificação do civil ao mercadológico, ou seja, a sociedade civil não é mais a comunidade dos cidadãos, mas a comunidade dos produtores e dos consumidores em relação de mercado. Toda a vida social passa a ser medida e marcada pelo compasso das transações comerciais, do que não escapa nenhum setor da cultura, nem mesmo a educação. O dilema que vivemos hoje se expressa exatamente por essa ambiguidade, pela qual a dimensão pública se esvazia, impondo a minimização do Estado na condução das políticas sociais, que ficam dependentes apenas das leis do mercado, tido como dinâmica própria da esfera do privado. Daí o ímpeto privatizante que varre a sociedade e a cultura do Brasil nas últimas três décadas, sob o sopro incessante e denso dos ventos ideológicos do neoliberalismo. A oferta de educação, assim como dos demais chamados serviços públicos, é um dentre outros empreendimentoseconômico-financeiros a serem conduzidos nos termos das implacáveis leis do mercado. Em todas as situações de ambiguidade que as atravessam, as categorias de público e de privado padecem de uma limitação congênita que compromete sua validade político-educacional, impondo aos atuais teóricos e práticos da educação uma inconclusa tarefa de redimensioná-los com vistas a assegurar- lhe eficácia e legitimidade. Para tanto, é preciso ter presente a historicidade da construção dessas categorias. Assim, é necessário reconhecer a procedência da universalidade do bem comum, mas que deve ser entendida como uma possibilidade histórica a ser realizada no fluxo do tempo. Impõe-se ainda reconhecer a rica contribuição do iluminismo liberal na construção do estado de direito como tentativa de instauração de uma determinada ordenação do social. Como se sabe, o direito nasceu na civilização humana como forma de organizar as relações entre os homens, de modo a garantir um mínimo de simetria nessas relações, assegurando assim a justiça, ou seja, que um mínimo de equidade nelas reinasse. No entanto, tão logo conseguiu apreender-se como uma coletividade a que se impunha uma convivência em comum, a humanidade percebeu, com base em sua experiência empírica, que o tecido social não se constituía como uma teia de membros iguais. O tecido social era todo marcado por forte hierarquização estratificada, em que ocorre grande desequilíbrio das forças em presença, em que alguns indivíduos ou grupos não só se opunham uns aos outros como dominavam os indivíduos ou grupos mais fracos. Uma intensa luta de interesses colocava esses elementos em situação de conflito, geradora de muitas formas de violência e de opressão. É íntima a aproximação que os teóricos modernos fizeram entre democracia e o caráter público da atuação do Estado (por isso mesmo, deveria ser preferencialmente uma res publica), mediante a qual poderia assegurar a todos os integrantes da sociedade o acesso e o usufruto dos bens humanos, garantindo a todos, com o máximo de equidade, o compartilhamento do bem comum. No entanto, essa expectativa tende a frustrar-se continuamente, tal a fragilidade do direito em nossa sociedade. A experiência histórica da sociedade brasileira foi e continua sendo marcada pela realidade brutal da 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 31 violência, do autoritarismo, da dominação, da injustiça, da discriminação, da exclusão, enfim, da falta do direito. É assim que o nosso não tem sido um Estado de direito; ele sempre foi, sob as mais variadas formas, um Estado de fato, no qual as decisões são tomadas e implementadas sob o império da força e da dominação. Não é um agenciador dos interesses coletivos e muito menos dos interesses dos segmentos mais fracos da população que constitui sua sociedade civil. Na verdade, as relações de poder no interior da sociedade brasileira continuam moldadas nas relações de tipo escravocrático que a fundaram, aquelas relações do tipo ‘casa-grande e senzala’, metáfora que é, na verdade, descrição científica. Desse modo, o direito acaba desvirtuado pelo seu próprio enviesamento ideológico. Se, de um lado, ele é visto pelos que dele dependem como meio para contar com o usufruto do bem comum, de outro ele é usado por aqueles que dele pouco precisam para salvaguardar seus privilégios. No campo específico da educação, a legislação passa a ser então estratagema ideológico, prometendo exatamente aquilo que não pretende conceder. Por isso mesmo, na medida em que grupos com interesses diferentes e opostos podem lutar por eles, acabam travando uma luta ideológica, ou seja, buscam servir-se da legislação como um instrumento da garantia desses direitos. Nessa luta sem tréguas, o caráter público da educação vai sendo, cada vez mais, comprometido. É por isso mesmo que, de acordo com o atual modelo, o processo fundamental da história humana deve ser conduzido pelas forças da própria sociedade civil, e não mais pela administração via aparelho do Estado. Entendese que o motor da vida social é o mercado, e não a administração política. As leis gerais são aquelas da economia do mercado, e não as da economia política. E o mercado se regula por forças concorrenciais, nascidas dos interesses dos indivíduos e grupos, que se ‘vetorizam’ no interior da própria sociedade civil – donde a proposta do Estado mínimo e os elogios à fecundidade da livre iniciativa, à privatização generalizada etc. Dessa situação decorrem igualmente os profundos equívocos que vêm atravessando a política educacional brasileira das últimas décadas, ao estender a privatização exacerbada e sem critérios também aos assim chamados ‘serviços educacionais’, atendendo apenas às diretrizes da agenda econômica neoliberal. Trata-se de prática duplamente perversa. De um lado, desconhece a incapacidade econômica da maioria da população brasileira de se integrar no processo produtivo de uma economia de mercado, que pressupõe um patamar mínimo de condições objetivas para que os agentes possam dela participar. Abaixo desse nível, essa participação se situará necessariamente numa esfera de marginalidade econômico-social. De outro lado, a perversidade do sistema se manifesta igualmente no fato da precária qualidade de educação que sobra para a população que dela mais precisa, tanto nas escolas/empresas quanto nas escolas públicas ainda mantidas pelo Estado, ou seja, tal educação ofertada não habilitará essa população a ponto de lhe viabilizar a ruptura do círculo de ferro de sua opressão. Apenas uma elite vinculada aos segmentos dominantes dispõe de uma educação qualificada, sem dúvida alguma capaz de habilitá-la para continuar no exercício da dominação. O sentido do público é aquele abrangido pelo sentido do bem comum efetivamente universal, ou seja, que garanta ao universo dos sujeitos o direito de usufruir dos bens culturais da educação, sem nenhuma restrição. A questão básica não é a da referência jurídica de manutenção dos subsistemas de ensino, mas a do seu efetivo envolvimento com o objetivo da educação universalizada. As instituições particulares de ensino também não podem eximir-se de um comprometimento que leve em conta um projeto político-social identificado com as necessidades objetivas do todo da população. O equívoco radical está em se entenderem e, sobretudo, em se vivenciarem apenas como instâncias do mercado, em que os bens simbólicos da cultura transformam-se em bens puramente econômicos, esvaziados de todo conteúdo humano e humanizador. Pistas e recomendações:17 - A Educação ao longo de toda a vida baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. - Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida. - Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em 17 DELORS, Jacques (org.). Educação um tesouro a descobrir – Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Editora Cortez, 7ª edição, 2012 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 32 equipe. Mas, também, aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalhos que se oferecem às pessoas, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. - Aprender a viver juntos desenvolve a compreensão do outroe a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. - Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade, é estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar, na educação, nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. - Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Essa perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas quanto na definição de novas políticas pedagógicas. Questões 01. (ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio – INEP/2014) Existe uma cultura política que domina o sistema e é fundamental para entender o conservadorismo brasileiro. Há um argumento, partilhado pela direita e pela esquerda, de que a sociedade brasileira é conservadora. Isso legitimou o conservadorismo do sistema político: existiriam limites para transformar o país, porque a sociedade é conservadora, não aceita mudanças bruscas. Isso justifica o caráter vagaroso da redemocratização e da redistribuição da renda. Mas não é assim. A sociedade é muito mais avançada que o sistema político. Ele se mantém porque consegue convencer a sociedade de que é a expressão dela, de seu conservadorismo. NOBRE, M. Dois ismos que não rimam. A característica do sistema político brasileiro, ressaltada no texto, obtém sua legitimidade da (A) dispersão regional do poder econômico. (B) polarização acentuada da disputa partidária. (C) orientação radical dos movimentos populares. (D) condução eficiente das ações administrativas. (E) sustentação ideológica das desigualdades existentes. 02. Educação é prática histórico-social, cujo norteamento se fará de maneira técnica, conforme ocorre nas esferas da manipulação do mundo natural. ( ) Certo ( ) Errado 03. A discussão dos fundamentos ético-políticos da educação, objeto desta reflexão, envolve necessariamente a esfera da subjetivação, uma vez que implica referência a valores. ( ) Certo ( ) Errado 04. Quanto à escola, ela visa buscar o mundo real, suas necessidades, saindo ideologia e colocando em prática as reais necessidades. ( ) Certo ( ) Errado Respostas 01. Resposta E O texto afirma que ocorre a manutenção de um modelo conservador no país, pois a própria estrutura política brasileira é conservadora (visão do autor) e convence a sociedade que esta é conservadora. Este sistema seria, segundo Marcos Nobre, o que impede maiores avanços no sentido de transformar o Brasil. Desta forma se sustentam ideologicamente as desigualdades sociais, conforme enuncia a alternativa E. 02. Resposta: errado Educação é prática histórico-social, cujo norteamento não se fará de maneira técnica, conforme ocorre nas esferas da manipulação do mundo natural, como, por exemplo, naquelas da engenharia e da medicina. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 33 03. Resposta: certo A discussão dos fundamentos ético políticos da educação, objeto desta reflexão, envolve necessariamente a esfera da subjetivação, uma vez que implica referência a valores. Para conduzir essa discussão, o presente ensaio, elaborado de uma perspectiva filosófico-educacional, foi desenvolvido em três movimentos, cada um deles se desdobrando em dois percursos. 04. Resposta: certo A escola se caracteriza, pois, como a institucionalização das mediações reais para que uma intencionalidade possa tornar-se efetiva, concreta, histórica, para que os objetivos intencionalizados não fiquem apenas no plano ideal, mas ganhem forma real. Pensadores da Educação Os pensadores da educação existem desde séculos atrás e graças a eles, a educação é estudada e constantemente reavaliada. Traremos os grandes percursores da educação, com um breve histórico, passando posteriormente aos mais modernos pensadores e sua forma de atuar, contribuindo para a educação. Se pararmos para pensar nesses pontos, podemos pensar que a educação caminha de acordo com a sociedade. A educação está atrelada ao conhecimento e ao desenvolvimento das sociedades, sua cultura. A descoberta da infância acontece no século XIII, com a influência da história da arte e sua ligação com a igreja e vai gradativamente evoluindo, ganhando real espaço a partir do final do século XVI e XVII. Já nos séculos XVII e XVIII, nomes representativos do pensamento pedagógico ganham destaque, como é o caso de Comenius, Rousseau, Pestalozzi e Froebel, trazendo um novo conceito de infância, que visa auxiliar o grupo etário a conquistar um lugar na categoria social. Daí por diante, outros pensadores ganharam destaque, os quais seguem abaixo: Pensadores da educação nos últimos 200 anos18 1. John Dewey (1859-1952), filósofo, tornou-se um dos maiores pedagogos estadunidenses, contribuindo intensamente para a divulgação dos princípios do que se chamou de Escola Nova. 2. Auguste Comte (1798-1857), francês, fundador do positivismo, que tem como objetivo reorganizar o conhecimento humano, teve grande influência no Brasil. 3. Ovide Decroly (1871-1932). Sua obra educacional destaca-se pelo valor que colocou nas condições do desenvolvimento infantil; destaca o caráter global da atividade da criança e a função de globalização do ensino. 4. Maria Montessori (1870-1952). Formou-se em medicina, iniciando um trabalho com crianças anormais na clínica da universidade, vindo posteriormente dedicar-se a experimentar em crianças sem problemas, os procedimentos usados na educação dos não normais. 5. Celestin Freinet (1896-1966), crítico da escola tradicional e das escolas novas, Freinet foi criador, na França, do movimento da escola moderna. Seu objetivo básico era desenvolver uma escola popular. 6. Carl Rogers nasceu em Chicago em 1902. Formado em História e Psicologia, aplicou à Educação princípios da Psicologia Clínica; foi psicoterapeuta por mais de 30 anos. 7. Paulo Freire. Nasceu em Recife em 1921 e faleceu em 1997. É considerado um dos grandes pedagogos da atualidade e respeitado mundialmente. Há mais textos escritos em outras línguas sobre ele, do que em nossa própria língua. 8. Emília Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget. Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do Sistema de Escrita, campo não estudado por seu mestre, que veio a tornar-se um marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela criança. Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve algumas vezes no país, participando de congressos e seminários. Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra de Emília Ferreiro, é praticamente impossível. 18 https://conteudopedagogico.wordpress.com/pensadores/ 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 34 9. Rudolf Steiner nasceu em 27 de fevereiro de 1861 em Kraljevec (Áustria). Apesar de seu interesse humanístico, despertado ainda na infância por uma sensibilidade para assuntos espirituais, cumpriu em Viena, a conselho do pai, estudos superiores de ciências exatas. Por seu desempenho acadêmico, a partir de 1883 tornou-se responsável pela edição dos escritos científicos de Goethe nacoleção Deutsche Nationalliteratur. 10. Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité (BA), em 12 de julho de 1900, numa família de fazendeiros. Estudou em colégios jesuítas em Caetité e em Salvador. Em 1922, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro. 11. Lourenço Filho é um educador brasileiro conhecido sobretudo por sua participação no movimento dos pioneiros da Escola Nova. Foi duramente criticado por ter colaborado com o Estado Novo de Getúlio. Sua obra nos revela diversas facetas do intelectual educador, extremamente ativo e preocupado com a escola em seu contexto social e nas atividades de sala de aula. 12. Anton Makarenko (1888-1939), educador ucraniano, criou um modelo de escola para jovens infratores baseado no trabalho e na disciplina, na vida em grupo e na autogestão, contribuindo decisivamente para a recuperação de milhares de crianças e jovens infratores e marginalizados, transformando-os em cidadãos. 13. Howard Gardner. Observando crianças, o psicólogo estadunidense percebeu o que hoje parece óbvio: nossa inteligência é complexa demais para que os testes escolares comuns sejam capazes de medi-la. 14. Alexander Sutherland Neill, educador, escritor e jornalista, fundador da Summerhill School, na Inglaterra. Sua escola tornou-se ícone das pedagogias alternativas ao concretizar um sistema educativo em que o importante é a criança ter liberdade para escolher e decidir o que aprender e, com base nisso, desenvolver-se no próprio ritmo. 15. Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suiça em 1896 e faleceu em 1980. Escreveu mais de cinquenta livros e monografias, tendo publicado centenas de artigos. Estudou a evolução do pensamento até a adolescência, procurando entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Como epistemólogo, investigou o processo de construção do conhecimento, sendo que nos últimos anos de sua vida centrou seus estudos no pensamento lógico-matemático. 16. Lev S. Vygotsky (1896-1934), professor e pesquisador foi contemporâneo de Piaget, e nasceu em Orsha, pequena cidade da Bielorrusia em 17 de novembro de 1896, viveu na Rússia e morreu com 37 anos. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. 17. Henry Wallon. Nasceu na França em 1879. Antes de chegar à psicologia passou pela filosofia e medicina e ao longo de sua carreira foi cada vez mais explícita a aproximação com a educação. 18. Antônio Gramsci, filósofo, jornalista e socialista italiano, viveu na Itália fascista de Mussolini. Sua obra, em parte desenvolvida no longo cárcere, constitui-se numa teoria política que pode ser considerada como uma das grandes contribuições filosóficas contemporâneas à crítica e à luta social pela transformação da sociedade capitalista. 19. Francisco Ferrer. Para ele, o ensino deve ser uma força a serviço da mudança: “Queremos homens capazes de evoluir incessantemente, capazes de destruir, renovar constantemente os meios e renovar- se a si mesmos”. 20. William Godwin. Uma das características inerentes à mente humana é a sua capacidade para crescer. E, no momento em que o indivíduo resolve manter-se fiel a determinados princípios, levado por razões que agora escapam mas que foram importantes no passado, ele está renunciando a uma das mais belas qualidades do homem. Pois onstante em que desiste de indagar é o instante em que morre intelectualmente. 21. Ivan Illich, austríaco, passou a trabalhar no México a partir de 1962, propôs a desescolarização da sociedade. Segundo ele, a maior parte dos conhecimentos úteis se aprendiam fora da escola, em contato com as irrealidades familiares, sociopolíticas e culturais. 22. Émile Durkheim, sociólogo (1858-1917): a educação atua como agente de mudanças, ou seja, provocador de modificações sociais e culturais na sociedade envolvente. Assim, os educadores, principalmente os do ensino fundamental, poderiam promover modificações no comportamento individual dos alunos e, por meio deles, na sociedade. 23. Édouard Claparède (1873-1940), cientista suíço, defendeu a necessidade do estudo do funcionamento da mente infantil e do estímulo na criança para um interesse ativo pelo conhecimento 24. Louis Althusser. A escola-família substitui o binômio igreja-família como aparelho ideológico dominante. É a escola obrigatória durante muitos anos, na vida do ser humano. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 35 25. Lawrence Stenhouse (1926-1982), educador inglês. Para ele, todo professor deveria assumir o papel de aprendiz, pois quem mais precisa aprender é aquele que ensina. Stenhouse foi pioneiro em defender que o ensino mais eficaz é baseado em pesquisa e descoberta. 26. Pierre Bordieu: toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição por um poder arbitrário. A ação pedagógica tende à reprodução cultural e social simultaneamente. 27. Pierre Lévy. Toda e qualquer reflexão séria sobre o devir dos sistemas de educação e formação na cybercultura deve apoiar-se numa análise prévia da mutação contemporânea da relação com o saber. 28. Fredric M. Litto. Aprender e responder de forma apropriada. É o terreno da Educação. Não a visão restrita da Educação delimitada pela sala de aula, mas do conceito de que a aprendizagem ocorre não apenas num local geográfico chamado “escola”, mas que é um estado da mente. 29. Alvin Tofler: “A nova educação deve ensinar o indivíduo como classificar, reclassificar a informação, como avaliar a veracidade, como mudar as categorias quando necessário, como mover do concreto para o abstrato e vice-versa, como olhar um problema de maneira nova, como se ensinar. Amanhã o iletrado não será o homem que não pode ler mas será o homem que não apreendeu como apreender” 30. Dermeval Saviani: “enquanto prevalecer na política educacional a orientação de caráter neoliberal, a estratégia da resistência ativa será nossa arma de luta. Com ela, nos empenharemos em construir uma nova relação hegemônica que viabilize as transformações indispensáveis para adequar a educação às necessidades e aspirações da população brasileira”. 31. Jacques Delors (1998), aponta como principal consequência da sociedade do conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao longo de toda a vida (Lifelong Learning) fundada em quatro pilares (Aprender a conhecer, Aprender a fazer, Aprender a viver juntos, Aprender a ser) que são ao mesmo tempo pilares do conhecimento e da formação continuada. 32. Humberto R. Maturana e Francisco J. Varela. O ponto de partida de A Árvore do Conhecimento é surpreendentemente simples: a vida é um processo de conhecimento; assim, se o objetivo é compreendê- la, é necessário entender como os seres vivos conhecem o mundo. 33. Philippe Perrenoud. Hoje em dia, a escola mal consegue fazer com que todos compreendam o interesse em saber ler ou contar. O que dizer, então, de saberes cuja utilidade não é fácil de imaginar, como a álgebra, a biologia, a história, a filosofia? A escola continua muito despreparada diante dos alunos que não têm interesse em “encher a cabeça de coisas inúteis” e que não percebem o poder e o prazer que esses saberes poderiam lhes trazer. 34. Michel Foucault: na sociedade disciplinar, o indivíduo torna-se dócil, autorregulado em sua submissão a um dispositivo de vigilância, por vezes real, por vezes virtual. No panopticon cada prisioneiro aprende a desempenhar seu papel de prisioneiro diante de um olhar hipotético e a desempenhá-lo bem. 35. Edgar Morin: O papel da educação é de nos ensinar a enfrentar a incerteza da vida; é de nos ensinaro que é o conhecimento, porque nos passam o conhecimento mas jamais dizem o que é o conhecimento. E o conhecimento pode nos induzir ao erro. Todo conhecimento do passado, para nós, são as ilusões. Logo, é preciso saber estudar o problema do conhecimento. Em outras palavras, o papel da educação é de instruir o espírito a viver e a enfrentar as dificuldades do mundo. 36. César Coll: “A realidade sociocultural e econômica do aluno influencia em seu desempenho, assim como as condições de trabalho do professor e o aparato que o sistema oferece para ele formar-se e aprimorar sua prática.” 37. Darcy Ribeiro: a saída para reduzir a injustiça social brasileira era uma escola com no mínimo seis horas diárias de atividades e funções que fossem além do ensino e da aprendizagem. Ele imaginava um espaço de instrução, orientação artística, desenvolvimento das ciências, assistência médica, odontológica e alimentar e práticas diárias orientadas, como tomar banho ou escovar os dentes. E, principalmente, um local para formar o cidadão crítico. 38. Antonio Nóvoa. Manter-se atualizado sobre as novas metodologias de ensino e desenvolver práticas pedagógicas mais eficientes são alguns dos principais desafios da profissão de educador. Concluir o Magistério ou a licenciatura é apenas uma das etapas do longo processo de capacitação que não pode ser interrompido enquanto houver jovens querendo aprender. 39. Roberto Freire. Nas ditaduras, o poder é tomado pelas armas, pela fome e pela morte. O capitalismo se utiliza da democracia para chegar ao poder pela compra dos votos e pela corrupção da Justiça. De qualquer modo, sempre autoritarismo e violência na gênese do poder. Mas a manutenção do poder de Estado nas ditaduras ou nas democracias capitalistas é garantida não mais diretamente pelas armas e pelo dinheiro. Vem sendo garantida pela família e pela escola, por meio da pedagogia autoritária, apoiada e estimulada pelo Estado autoritário. 40. Bernardo Toro, colombiano, sintetizou as sete competências básicas que devem ser desenvolvidas nos alunos: dominar as linguagens utilizadas pelo homem, saber resolver problemas, analisar e interpretar 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 36 fatos, compreender o entorno social e atuar sobre ele, receber criticamente os meios de comunicação, localizar e selecionar informações, planejar e decidir em grupo. 41. Enrique Dussel, argentino, considera que o processo de pedagogia tem que passar pelo próprio homem, uma vez que ele é o próprio agente histórico da libertação. 42. Florestan Fernandes, brasileiro, discutiu aspectos da realidade brasileira que ampliam nossa possibilidade de compreensão dos impasses da educação pública no Brasil. 43. Miguel A. Zabalza, especialista em didática e organização escolar, é presidente da Associação Iberoamericana de Didática Universitária. 44. Isabel Alarcão, com base nas ideias do filósofo norte-americano Donald Schön (1930-1997) sobre teoria e prática da aprendizagem, que levaram ao conceito de “professor reflexivo”, ela formulou a proposta da “escola reflexiva”, que caracteriza uma instituição em processo de constante aprendizagem. 45. Loris Malaguzzi. O trabalho dos educadores, na forma de parceria com as crianças, deve ser orientado pela busca incessante da descoberta e da construção do conceito de civilidade, em comunidade de aprendizes pautada pela interdependência e pelo contínuo ajuste de procedimentos e metas. 46. Gilles Brougère. A distância entre a cultura infantil contemporânea e a escola se deve, na sua análise, ao desconhecimento e preconceito de educadores. . 47. Anne-Marie Chartier. O papel do educador como mediador de leitura, crucial na educação infantil e no ensino fundamental, é um dos pontos-chave de seu trabalho. 48. Antoni Zabala. Para que os alunos possam enfrentar a complexidade da realidade contemporânea, ele propõe que a escola promova o “pensamento complexo” sob “enfoque globalizador”. 49. Bernard Charlot acredita que a escola deveria, inicialmente, trazer questionamentos e, só mais tarde, o conhecimento propriamente dito. 19Os Novos Pensadores da Educação Conheça as ideias de seis teóricos sobre temas fundamentais para o professor moderno "É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento de distingue e une." (Morin) "Competência em educação é mobilizar um conjunto de saberes para solucionar com eficácia uma série de situações." (Perrenoud) "Um plano curricular precisa satisfazer, de forma articulada, todos os níveis de funcionamento de uma escola." (Coll) "Só o profissional pode ser responsável por sua formação." (Nóvoa) "O melhor jeito de organizar o currículo escolar é por projetos didáticos." (Hernández) "A educação tem de servir a um projeto da sociedade como um todo." (Toro) Nos últimos anos, um tema invadiu a agenda de professores, orientadores, diretores, secretários e ministros da Educação: renovar a escola, o que para muitos significa reinventá-la. Reforma passou a ser a palavra de ordem, principalmente na América Latina e na Europa. Os debates, além de deixar claro que a mudança é mesmo necessária, serviram para jogar luz sobre pesquisadores que vêm se dedicando a buscar caminhos para adaptar à realidade escolar aos novos tempos. No Brasil, seis nomes ganharam especial destaque: o francês Edgar Morin, o suíço Philippe Perrenoud, os espanhóis César Coll e Fernando Hernández, o português António Nóvoa e o colombiano Bernardo Toro. Mas você sabe que teorias e ideias eles defendem? Em comum, todos carregam o fato de ser "autores de sucesso". Seu prestígio reside, em boa parte, nos livros publicados sobre temas pontuais. Diferentemente dos grandes papas da educação, como Jean 19 Cristiane Marangon e Eduardo Lima. Revista Nova Escola. http://penta3.ufrgs.br/MEC-CicloAvan/integracao_midias/modulos/1_introdutorio/pdf/nova_escola_pensadoreseducacao.pdf>. Acesso em maio de 2017. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 37 Piaget, Paulo Freire ou Emília Ferreiro, esses autores de vanguarda não têm a pretensão de fazer descobertas geniais. O "negócio" deles é reprocessar ideias já largamente difundidas (e aceitas) e apresentá-las numa linguagem fácil, objetiva e coerente com as necessidades atuais. Coll, por exemplo, partiu das ideias de Piaget para escrever sobre currículo. Perrenoud desenvolveu o conceito de competências — que o tornou um fenômeno editorial — depois de estudar, entre outros, os ensinamentos de Freire. Toro ganhou fama ao definir as sete bases sobre as quais todo estudante deve construir não só o aprendizado, mas a vida. Morin, o mais idoso da turma, vem há algumas décadas aprimorando a chamada teoria da complexidade. Nóvoa, dedica-se a bater na tecla da formação profissional. E Hernández mesclou várias teorias para difundir os benefícios de se trabalhar com projetos didáticos. "Eles têm enorme capacidade de síntese", diz Sérgio Antonio da Silva Leite, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "E têm também o mérito de expor suas ideias no momento de redefinição do papel da escola", completa Ana Rosa Abreu, consultora do Ministério da Educação. Conhecer esses seis autores é fundamental para manter-se atualizado e, sobretudo, refletir sobre os problemas de sala de aula. "Não espere encontrar, nos livros, soluções prontas para o dia-a-dia. Elas só surgem com uma interpretação da leitura apoiada na experiência pessoal", explica Ana Rosa. Luciola Licínio de Castro Paixão Santos, doutora em Formação de Professores pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca outra característica comum aos novos pensadores: textos de fácil compreensão. "Talvez esseseja um dos motivos para o enorme sucesso deles no Brasil." As novidades tecnológicas surgem a toda hora, o mercado de trabalho anda exigente (com os professores e com os alunos), a sociedade reavalia seus valores dia após dia, então é imperativo aperfeiçoar a didática. Conhecendo as propostas de Morin, Coll, Hernández, Perrenoud, Nóvoa e Toro você certamente vai estar mais preparado para superar esse desafio. Morin Reformar o pensamento. Essa é a proposta de Edgar Morin, estudioso francês que passou a vida discutindo grandes temas. Pai da teoria da complexidade, minuciosamente explicada nos quatro livros da série O Método, ele defende a interligação de todos os conhecimentos, combate o reducionismo instalado em nossa sociedade e valoriza o complexo. A palavra complexidade pode, de início, causar estranhamento. O ser humano tende a afastar tudo o que é (ou parece) complicado. Morin prega que se faça, com urgência, uma modificação nessa forma de pensar. "Só assim vamos compreender que a simplificação não exprime a unidade e a diversidade presentes no todo", define o estudioso. Exemplo: o funcionário de uma fábrica de automóveis é capaz de fazer uma peça essencial para o funcionamento de um veículo, mas não chega sozinho ao produto final. É importante ressaltar que Morin não condena a especialização, mas sim a perda da visão geral. Na educação, o francês mantém a essência de sua teoria. Ele vê a sala de aula como um fenômeno complexo, que abriga uma diversidade de ânimos, culturas, classes sociais e econômicas, sentimentos... Um espaço heterogêneo e, por isso, o lugar ideal para iniciar essa reforma da mentalidade que ele prega. Izabel Cristina Petraglia, pós-doutorada em Transdisciplinaridade e Complexidade na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, diz que as ideias de Morin para a sala de aula têm tudo a ver com o atual imperativo de a escola fazer sentido para o estudante. "Aprende-se mais História e Geografia numa viagem porque é mais fácil compreender quando o conteúdo faz parte de um contexto." No livro Edgar Morin, Izabel afirma que no mundo todo o currículo escolar é mínimo e fragmentado. Para ela, essa estrutura não oferece a visão geral e as disciplinas não se complementam nem se integram, dificultando a perspectiva global que favorece a aprendizagem. "O conjunto beneficia o ensino porque o aluno busca relações para entender. Só quando sai da disciplina e consegue contextualizar é que ele vê ligação com a vida." A escola, a exemplo da sociedade, se fragmentou em busca da especialização. Primeiro, dividiu os saberes em áreas e, dentro delas, priorizou alguns conteúdos. Para que as ideias de Morin sejam implementadas, é necessário reformular essa estrutura, uma tarefa complicada. "É difícil romper uma linha de raciocínio cultivada por várias gerações", explica Ulisses Araújo, doutor em Psicologia Escolar e professor da Faculdade de Educação da Unicamp. Mas é perfeitamente possível. Um bom exemplo é pedir que os alunos usem um só caderno para todas as disciplinas. Isso acaba com a hierarquia que 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 38 muitas vezes existe entre as matérias e mostra que nenhuma é mais importante que as outras. "Na verdade, todas estão interligadas e são dependentes entre si", completa Araújo. Perrenoud O sociólogo suíço Philippe Perrenoud é um dos novos autores mais lidos no Brasil. Com nove títulos publicados em português, vendeu nos últimos três anos mais de 80 mil exemplares. O principal motivo do sucesso é o fato de ele discorrer, de forma clara e explicativa, sobre temas complexos e atuais, como formação, avaliação, pedagogia diferenciada e, principalmente, o desenvolvimento de competências. Esse é um dos pontos mais reconhecidos de seu trabalho. "Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar uma série de situações", explica ele. "Localizar-se numa cidade desconhecida, por exemplo, mobiliza as capacidades de ler um mapa, pedir informações; mais os saberes de referências geográficas e de escala." A descrição de cada competência, diz, deve partir da análise de situações específicas. A abordagem por competência também é utilizada quando Perrenoud fixa objetivos na formação profissional. No livro 10 Novas Competências para Ensinar, ele relaciona o que é imprescindível saber para ensinar bem numa sociedade em que o conhecimento está cada vez mais acessível: 1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem; 2) Administrar a progressão das aprendizagens; 3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4) Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; 5) Trabalhar em equipe; 6) Participar da administração escolar; 7) Informar e envolver os pais; 8) Utilizar novas tecnologias; 9) Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; 10) Administrar a própria formação; "Ele trouxe definitivamente à berlinda a discussão do profissionalismo", ressalta Suzana Moreira, coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, responsável por cursos de capacitação nas redes pública e particular. Nesse trabalho, ela incentiva a postura reflexiva destacada por Perrenoud. Numa primeira etapa, Suzana assiste a algumas aulas. Em seguida, conversa com o professor e faz com que ele questione a própria atuação. "Só depois de uma reflexão sobre erros e acertos, eu passo os referenciais teóricos. Todos têm o direito de errar para evoluir." Perrenoud auxilia nessa tarefa ao levantar as grandes dificuldades encontradas por quem assume uma sala de aula. Quando escreveu sobre a comunicação entre aluno e professor, por exemplo, ele fez um levantamento para saber o que o segundo anotava nos cadernos e boletins dos primeiros. Pediu também, nas entrevistas com os colegas, uma lista de observações sobre o que se perde quando a comunicação em classe não funciona. Ao combinar essas informações, chegou a 11 dilemas sobre o assunto, como "Deixar falar ou fazer ficar quieto?" e "Como fazer justiça, sem interferir nas regras do jogo social?" "Embora não aponte a solução, ele tem o mérito de identificar os problemas", afirma Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Coll Logo nos primeiros debates sobre a reforma educacional brasileira, em meados dos anos 1990, ficou decidido que o modelo para as mudanças seria o implementado na Espanha sob a coordenação de César Coll Salvador, da Universidade de Barcelona. Das discussões no MEC, das quais Coll participou como assessor técnico, surgiram os Parâmetros Curriculares Nacionais. Desde então, as ideias desse pensador, que já haviam chamado a atenção de algumas escolas de São Paulo, passaram a influenciar toda a nossa rede de ensino. A principal delas é a necessidade de um plano curricular que satisfaça, de forma articulada, todos os níveis do funcionamento de uma escola — e foi divulgada pela primeira vez no livro Psicologia e Currículo. Segundo Coll, não se pode separar o que cabe ao professor — as aulas — do que é responsabilidade dos alunos — o conhecimento prévio e a atividade. A família e outras instituições que fazem parte desse universo também precisam se fazer presentes. "Para que a criança atinja os objetivos finais de cada unidade didática, temos antes de identificar os fatos, conceitos e princípios que serão propostos; os procedimentos a considerar e os valores, normas e atitudes indispensáveis", afirma. Não é tarefa fácil. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 39 Por isso, ele destaca que, em muitos casos, os profissionais dependem de uma formação melhor antes de assumi-la. "Seu maior mérito é o de reunir de forma harmônica ideias consagradas de grandesteóricos", diz Zélia Cavalcanti, que trabalha na Escola da Vila, em São Paulo, e organizou o primeiro seminário do espanhol em nosso país. Inspirado em Jean Piaget, Coll orienta todo seu pensamento numa concepção construtivista de ensino-aprendizagem. A prioridade é o que aluno aprende, não o que o professor ensina. "Ou seja, o foco principal sai dos conteúdos para a maneira de passar a informação de forma a garantir que ocorra a aprendizagem", explica Zélia. Em entrevistas e palestras, Coll sempre enfatiza a importância de contextualizar esse novo currículo. "Se o conteúdo trabalhado tiver relação com a vida do aluno, o êxito será maior", ensina Sylvia Gouvêa, do Conselho Nacional de Educação. O filme Nenhum a Menos, do diretor chinês Zhang Yimou, apresenta algumas cenas bem emblemáticas. Bagunceiros e sem atenção enquanto a professora só copia a matéria no quadro-negro, os estudantes mudam de comportamento quando desafiados a resolver um problema real. Na história, ambientada na área rural da China, todos calculam quantas pilhas de tijolos são necessárias para obter o dinheiro necessário para comprar uma passagem de ônibus até a cidade. O novo currículo proposto por Coll contempla ainda os temas transversais, que devem estar presentes em todas as disciplinas e séries da Educação Básica. O ideal, acredita ele, é que aulas e explicações sobre saúde, sexualidade ou meio ambiente estejam totalmente integradas ao dia-a-dia. Pode parecer complexo, mas é simples. Basta colocar as conversas sobre alimentação saudável, reciclagem, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a importância do saneamento básico, entre tantos assuntos, na pauta de todos os professores. Nóvoa Nenhuma reforma educacional tem valor se a formação de docentes não for encarada como prioridade. O português António Nóvoa traz para o foco a discussão sobre a qualificação profissional, ao reunir artigos de autores que refletem sobre o assunto. Com isso, cria uma base teórica e uma nova concepção, na avaliação de Sérgio Antonio da Silva Leite, da Faculdade de Educação da Unicamp. "Nóvoa quebra a ideia de que para ensinar bem é preciso ter vocação sacerdotal", diz. Ele chegou a essas conclusões mergulhando em pesquisas, que foram transformadas em livros. Num deles, Vidas de Professores, há uma série de estudos sobre a história do ofício e muitos questionamentos sobre o desenvolvimento da carreira. Por que determinado profissional é engajado e outros não? Por que e como se transformou em uma pessoa assim? O que aconteceu na vida dele? Com base nessas reflexões, o catedrático da Universidade de Lisboa ajuda a entender, do ponto de vista científico e sem aquele velho olhar romântico, o que acontece com quem decide ensinar. "O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente", diz Nóvoa. Um raciocínio que se opõe à ideia tradicional de que a formação continuada se dá apenas por decisão individual — e em ações solitárias. Para ele, esse trabalho é coletivo e depende da experiência e da reflexão como instrumentos contínuos de análise. Por isso, diz, temos de exercitar o que vivemos. O ideal, assim, seria dispor de um programa de formação contínua remunerado, para que os professores pudessem se dedicar à formação sem depender dos salários. "Deve haver um reconhecimento de que a formação é tão importante quanto seu exercício", endossa Leite. Carlos Garcia, um dos pensadores em que Nóvoa se inspira em suas pesquisas, acredita que o desenvolvimento profissional corresponde ao curso superior somado ao conhecimento acumulado ao longo da vida. Essa teoria derruba a crença de que um bom docente se faz em universidades conceituadas. "Uma boa graduação é necessária, mas não basta", garante Leite. "É essencial atualizar- se sempre." A tese de Nóvoa deixa mais claro por que não se deve separar a teoria da prática. O Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação, órgão responsável pela política de formação da Secretaria Municipal de Belo Horizonte, estruturou seu programa de aperfeiçoamento de docentes nas teorias do estudioso português. Ele garante aos profissionais da rede o acesso a ações formativas e faz desse direito um instrumento de valorização. "Cada um de nós constrói o conhecimento à medida que trabalha e, por isso, qualquer plano de estudo deve ser feito no interior da escola, onde se desenvolve a prática", conclui Aurea Regina Damasceno, mestre em Educação pela UFMG. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 40 Hernández Reorganizar o currículo por projetos, em vez das tradicionais disciplinas. Essa é a principal proposta do educador espanhol Fernando Hernández. Ele se baseia nas ideias de John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano que defendia a relação da vida com a sociedade, dos meios com os fins e da teoria com a prática. Hernández põe em xeque a forma atual de ensinar. "Comecei a me questionar em 1982, quando uma colega me apresentou a um grupo de docentes", lembra. "Eles não sabiam se os alunos estavam de fato aprendendo. Trabalhei durante cinco anos com os colegas e, para responder a essa inquietação, descobrimos que o melhor jeito é organizar o currículo por projetos de trabalho." O modelo propõe que o docente abandone o papel de "transmissor de conteúdos" para se transformar num pesquisador. O aluno, por sua vez, passa de receptor passivo a sujeito do processo. É importante entender que não há um método a seguir, mas uma série de condições a respeitar. O primeiro passo é determinar um assunto — a escolha pode ser feita partindo de uma sugestão do mestre ou da garotada. "Todas as coisas podem ser ensinadas por meio de projetos, basta que se tenha uma dúvida inicial e que se comece a pesquisar e buscar evidências sobre o assunto", diz Hernández. Cabe ao educador saber aonde quer chegar. "Estabelecer um objetivo e exigir que as metas sejam cumpridas, esse é o nosso papel", afirma Josca Ailine Baroukh, assistente de coordenação da assessoria pedagógica da Escola Vera Cruz, em São Paulo. Por isso, Hernández alerta que não basta o tema ser "do gosto" dos alunos. Se não despertar a curiosidade por novos conhecimentos, nada feito. "Se fosse esse o caso, ligaríamos a televisão num canal de desenhos animados", explica. Por isso, uma etapa importante é a de levantamento de dúvidas e definição de objetivos de aprendizagem. O projeto avança à medida que as perguntas são respondidas e o ideal é fazer anotações para comparar erros e acertos — isso vale para alunos e professores porque facilita a tomada de decisões. Todo o trabalho deve estar alicerçado nos conteúdos pré-definidos pela escola e pode (ou não) ser interdisciplinar. Antes, defina os problemas a resolver. Depois, escolha a(s) disciplina(s). Nunca o inverso. A conclusão pode ser uma exposição, um relatório ou qualquer outra forma de expressão. Para Cristina Cabral, supervisora escolar da rede pública, a proposta é excelente, mas é preciso tomar cuidado porque nada acontece por acaso. "O tratamento didático é essencial ao longo do processo", destaca. É importante ainda frisar que há muitas maneiras de garantir a aprendizagem. Os projetos são apenas uma delas. "É bom e é necessário que os estudantes tenham aulas expositivas, participem de seminários, trabalhem em grupos e individualmente, ou seja, estudem em diferentes situações", explica Hernández. Vera Grellet, psicóloga e coordenadora de projetos da Rede ensinar, concorda. "O currículo tradicional afasta as crianças do mundo real. A proposta dele promove essa aproximação, com excelentes resultados." Toro Uma larga experiência como ativista social conferiu a Bernardo Toro uma atuação com marcante viés educacional."A escola tem a obrigação de formar jovens capazes de criar, em cooperação com os demais, uma ordem social na qual todos possam viver com dignidade", afirma o intelectual colombiano. "Para que seja eficiente e ganhe sentido, a educação deve servir a um projeto da sociedade como um todo." Por isso, ele defende que a prioridade seja o convívio na democracia, cuja base é a tolerância. Partindo de sua visão sobre as realidades social, cultural e econômica, Toro elaborou uma lista onde identifica as sete competências que considera necessárias desenvolver nas crianças e jovens para que eles tenham uma participação mais produtiva no século 21. São os Códigos da Modernidade: 1) Domínio da leitura e da escrita; 2) Capacidade de fazer cálculos e resolver problemas; 3) Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações; 4) Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social; 5) Receber criticamente os meios de comunicação; 6) Capacidade de localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada; 7) Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo. "Quando diz que saber interagir criticamente com os meios de comunicação é uma das competências fundamentais, Toro sinaliza para a importância de que as novas gerações tenham uma postura crítica frente à programação da TV", exemplifica Lúcia Dellagnelo, da Fundação Maurício Sirotsky, doutora em Educação pela Universidade de Harvard. Recentemente, o intelectual acrescentou uma oitava 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 41 capacidade à sua relação: a de desenvolver uma mentalidade internacional. "Quando o jovem chegar à idade adulta, seu campo de atuação será o mundo", justifica. "Sua principal contribuição é construir uma ponte entre o mundo real, isto é, o das sociedades modernas em constante transformação, e o mundo da escola, que tem diante de si a tarefa de formar os cidadãos", avalia a professora Lúcia. Toro valoriza também o que chama de saber social, um conjunto de conhecimentos, práticas, valores, habilidades e tradições que possibilitam a construção das sociedades e garantem as quatro tarefas básicas da vida: cuidar da sobrevivência, organizar as condições para conviver, ser capaz de produzir o que necessitamos e criar um sentido de vida. A escola, assim, é apenas um dos ambientes em que ocorre a aprendizagem. A família, os amigos, a igreja, os meios de comunicação as empresas são outras importantes fontes de conhecimento para os indivíduos. Mobilizar, conforme sua definição, é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados. Caro(a) candidato(a), caso tenha tempo e queira ler obras em sua integra, estão disponíveis 62 títulos no portal Domínio Público do Ministério da Educação a Coleção Educadores. As obras são dirigidas aos professores da educação básica e às instituições de educação superior que atuam na formação de docentes, mas o acesso é livre no portal. Paulo Freire, Anísio Teixeira, Jean Piaget e Antônio Gramsci, dentre outros, fazem parte da Coleção Educadores. Integram a coleção 31 autores brasileiros, 30 pensadores estrangeiros e um livro com os manifestos Pioneiros da Educação Nova, escrito em 1932, e dos Educadores, de 1959. Segue o link abaixo dos títulos disponíveis: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ResultadoPesquisaObraForm.do?skip=0&co_categoria =133&pagina=1&select_action=Submit&co_midia=2&co_ Questões 01. (Prefeitura de Lauro Muller/SC - Professor de Pedagogia - Ensino Fundamental Anos Iniciais - Instituto Excelência/2017). Sobre os pensadores da educação, assinale a alternativa CORRETA sobre a teoria de Vygotsky: (A) Sua teoria mostra que o indivíduo só recebe um determinado conhecimento se estiver preparado para recebê-lo. Não existe um novo conhecimento sem que o organismo tenha já um conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo. O que implica os dois polos da atividade inteligente: assimilação e acomodação. É assimilação à medida que incorpora a seus quadros todo o dado da experiência; é acomodação à medida que a estrutura se modifica em função do meio, de suas variações. (B) Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. (C) O comportamento é construído numa interação entre o meio e o indivíduo. Esta teoria epistemológica é caracterizada como interacionista. (D) Nenhuma das alternativas. 02. (SEDUC/GO - Professor - Artes Visuais – CS-UFG). John Dewey é amplamente reconhecido como um dos mais importantes pensadores e filósofos da educação da Era Moderna. Para Dewey a arte constitui um dos ramos da experiência humana. Para o autor (2010, p.82), o aprendizado deve-se desenvolver a partir (A) das relações de poder entre professor, aluno e conhecimento. (B) da formulação de problemáticas em que o meio seja fator secundário das ações buscadas (C) de condições de experiência que deem origem a uma busca ativa por informação e novas ideias (D) da sistematização dos conteúdos propostos pelos livros didáticos. 03. (Secretaria da Criança/DF - Especialista Socioeducativo - Artes Plásticas – FUNIVERSA). A teoria cujas questões centrais são a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio, em que a interação social e o instrumento linguístico também são decisivos, e o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse processo, teve como um dos principais pensadores o professor e pesquisador (A) Arno Stern. (B) Rhoda Kellog. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 42 (C) Herbert Read. (D) Georges Henri Luquet. (E) Lev S. Vygostsky. 04. Julgue o item subsequente: Edgar Morin, pensador que defende que a interligação de todos os conhecimentos é capaz de combater o reducionismo colocado em nossa sociedade, valorizando o complexo. ( ) Certo ( ) Errado 05. O educador espanhol Fernando Hernández elaborou uma lista onde identifica as cinco competências que considera necessárias desenvolver nas crianças e jovens para que eles tenham uma participação mais produtiva no século 21 ( ) Certo ( ) Errado Respostas 01. Resposta: B Lev S. Vygotsky, professor e pesquisador foi contemporâneo de Piaget, e nasceu em Orsha, pequena cidade da Bielorrusia em 17 de novembro de 1896, viveu na Rússia e morreu com 37 anos. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. 02. Resposta: C John Dewey (1859-1952), filósofo, tornou-se um dos maiores pedagogos estadunidenses, contribuindo intensamente para a divulgação dos princípios do que se chamou de Escola Nova. Assim buscou por novas ideias e novas informações. 03. Resposta: E Vygostsky elaborou sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, realçando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social 04. Resposta: certo Morin defende a reforma do pensamento. Essa é a proposta de Edgar Morin, estudioso francês que passou a vida discutindo grandes temas. Pai da teoria da complexidade, minuciosamente explicada nos quatro livros da série OMétodo, ele defende a interligação de todos os conhecimentos, combate o reducionismo instalado em nossa sociedade e valoriza o complexo. 05. Resposta: errado Bernardo Toro elaborou uma lista onde identifica as sete competências que considera necessárias desenvolver nas crianças e jovens para que eles tenham uma participação mais produtiva no século 21. São os Códigos da Modernidade: 1) Domínio da leitura e da escrita; 2) Capacidade de fazer cálculos e resolver problemas; 3) Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações; 4) Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social; 5) Receber criticamente os meios de comunicação; 6) Capacidade de localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada; 7) Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 43 Tendências Pedagógicas20 Neste texto adaptado de Luckesi21, vamos tratar das concepções pedagógicas propriamente ditas, ou seja, vamos abordar as diversas tendências teóricas que pretenderam dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana. Genericamente, podemos dizer que a perspectiva redentora se traduz pelas pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias progressistas. Essa discussão tem uma importância prática da maior relevância, pois permite a cada professor situar-se teoricamente sobre suas opções, articulando- se e autodefinindo-se. Assim vamos organizar o conjunto das pedagogias em dois grupos: Pedagogia Liberal - Tradicional - Renovada Progressivista - Renovada Não Diretiva - Tecnicista Pedagogia Progressista - Libertadora - Libertária - Crítico-Social dos Conteúdos É evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas o que, aliás, é a limitação principal de qualquer tentativa de classificação. Em alguns casos as tendências se complementam, em outros, divergem. De qualquer modo, a classificação e sua descrição poderão funcionar como um instrumento de análise para o professor avaliar a sua prática de sala de aula. Pedagogia Liberal A Pedagogia Liberal é voltada para o sistema capitalista e esconde a realidade das diferenças entre as classes sociais. Nessa pedagogia, a escola tem que preparar os indivíduos para a sociedade, de acordo com as suas aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também denominada Escola Nova ou Ativa), o que não significou a substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática escolar. - Tendência Liberal Tradicional Na Tendência Liberal Tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual. Papel da escola - consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade. O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim, os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Caso não consigam, devem procurar o ensino mais profissionalizante. Conteúdos de ensino - são os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são 20 LIBÂNEO,José Carlos. Democratização da Escola Pública. A pedagogia crítico-social dos conteúdos. Edições Loyola. 21 LUCKESI C. Tendências Pedagógicas na Prática escolar 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 44 determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais, valendo pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e, às vezes, como enciclopédica. Métodos - baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração. Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo professor, observados os seguintes passos: - Preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da matéria anterior, despertar interesse); - Apresentação (realce de pontos-chaves, demonstração); - Associação (combinação do conhecimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); - Generalização (dos aspectos particulares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada); - Aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resoluções de exercícios). A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a mente e formar hábitos. Relacionamento professor-aluno - predomina a autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em consequência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio. Pressupostos de aprendizagem - a ideia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de uma outra: a de que a capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas, então, devem ser dados numa progressão lógica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade. A aprendizagem, assim, é receptiva e mecânica, para o que se recorre frequentemente à coação. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria. A transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às respostas dadas em situações anteriores. Avaliação - se dá por verificações de curto prazo (interrogatórios orais, exercício de casa) e de prazo mais longo (provas escritas, trabalhos de casa). O esforço é, em geral, negativo (punição, notas baixas, apelos aos pais); às vezes, é positivo (emulação, classificações). Manifestações na prática escolar - a pedagogia liberal tradicional é viva e atuante em nossas escolas, predominante em nossa história educacional. - Tendência Liberal Renovada A Tendência Liberal Renovada acentua, igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. A educação é a vida presente, é a parte da própria experiência humana. A escola renovada propõe um ensino que valorize a autoeducação (o aluno como sujeito do conhecimento), a experiência direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. A Tendência Liberal Renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões distintas: - a Renovada Progressivista, ou Pragmatista, principalmentena forma difundida pelos pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca Anísio Teixeira (deve-se destacar, também a influência de Montessori, Decroly e, de certa forma, Piaget); - a Renovada Não Diretiva orientada para os objetivos de auto realização (desenvolvimento pessoal) e para as relações interpessoais, na formulação do psicólogo norte-americano Carl Rogers. Tendência Liberal Renovada Progressivista Papel da escola - a finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida. Todo ser dispõe dentro de si mesmo de mecanismos de adaptação progressiva ao meio e de uma consequente integração dessas formas de adaptação no comportamento. Tal integração se dá por meio de experiências que devem 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 45 satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do aluno e as exigências sociais. À escola cabe suprir as experiências que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente. Conteúdos de ensino - como o conhecimento resulta da ação a partir dos interesses e necessidades, os conteúdos de ensino são estabelecidos em função de experiências que o sujeito vivencia frente a desafios cognitivos e situações problemáticas. Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. Trata-se de “aprender a aprender”, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito. Método de ensino - a ideia de “aprender fazendo” está sempre presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas. Embora os métodos variem, as escolas ativas ou novas (Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) partem sempre de atividades adequadas à natureza do aluno e às etapas do seu desenvolvimento. Na maioria delas, acentua-se a importância do trabalho em grupo não apenas como técnica, mas como condição básica do desenvolvimento mental. Os passos básicos do método ativo são: - Colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma; - O problema deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; - O aluno deve dispor de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de soluções; - Soluções provisórias devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta do professor; - Deve-se garantir a oportunidade de colocar as soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida. Relacionamento professor-aluno - não há lugar privilegiado para o professor; antes, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo da criança; se intervém, é para dar forma ao raciocínio dela. A disciplina surge de uma tomada de consciência dos limites da vida grupal; assim, aluno disciplinado é aquele que é solidário, participante, respeitador das regras do grupo. Para se garantir um clima harmonioso dentro da sala de aula é indispensável um relacionamento positivo entre professores e alunos, uma forma de instaurar a “vivência democrática” tal qual deve ser a vida em sociedade. Pressupostos de aprendizagem - a motivação depende da força de estimulação do problema e das disposições internas e interesses do aluno. Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, é uma autoaprendizagem, sendo o ambiente apenas o meio estimulador. É retido o que se incorpora à atividade do aluno pela descoberta pessoal; o que é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado em novas situações. Avaliação - é fluida e tenta ser eficaz à medida que os esforços e os êxitos são prontos e explicitamente reconhecidos pelo professor. Manifestações na prática escolar - os princípios da pedagogia progressivista vêm sendo difundidos, em larga escala, nos cursos de licenciatura, e muitos professores sofrem sua influência. Entretanto, sua aplicação é reduzidíssima, não somente por falta de condições objetivas como também porque se choca com uma prática pedagógica basicamente tradicional. Alguns métodos são adotados em escolas particulares, como o método Montessori, o método dos centros de interesse de Decroly, o método de projetos de Dewey. O ensino baseado na psicologia genética de Piaget tem larga aceitação na educação pré-escolar. Pertencem, também, à tendência progressivista muitas das escolas denominadas “experimentais”, as “escolas comunitárias” e mais remotamente (década de 60) a “escola secundária moderna”, na versão difundida por Lauro de Oliveira Lima. Tendência Liberal Renovada Não Diretiva Papel da escola - formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo esforço está em estabelecer um clima favorável a uma mudança dentro do indivíduo, isto é, a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente. Rogers22 considera que o ensino é uma atividade excessivamente valorizada; para ele os procedimentos 22 ROGERS, Carl. Liberdade para aprender. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 46 didáticos, a competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância, face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de autodesenvolvimento e realização pessoal, o que implica estar bem consigo próprio e com seus semelhantes. O resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia. Conteúdos de ensino - a ênfase que esta tendência põe nos processos de desenvolvimento das relações e da comunicação torna secundária a transmissão de conteúdos. Os processos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos que, no entanto, são dispensáveis. Métodos de ensino - os métodos usuais são dispensados, prevalecendo quase que exclusivamente o esforço do professor em desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos alunos. Rogers explicita algumas das características do professor “facilitador”: aceitação da pessoa do aluno, capacidade de ser confiável, receptivo e ter plena convicção na capacidade de autodesenvolvimento do estudante. Sua função restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, utilizando técnicas de sensibilização onde os sentimentos de cada um possam ser expostos, sem ameaças. Assim, o objetivo do trabalho escolar se esgota nos processos de melhor relacionamento interpessoal, como condição para o crescimento pessoal. Relacionamento professor-aluno - propõe uma educação centrada no aluno, visando formar sua personalidade através da vivência de experiências significativas que lhe permitam desenvolver características inerentes à sua natureza. O professor é um especialista em relações humanas, ao garantir o clima de relacionamento pessoal e autêntico. “Ausentar-se” é a melhor forma de respeito e aceitação plena do aluno. Toda intervenção é ameaçadora, inibidora da aprendizagem. Pressupostos de aprendizagem - a motivação resulta do desejo de adequação pessoal na busca da auto realização; é, portanto um ato interno. A motivação aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a valorização do “eu”. Aprender, portanto, é modificar suas próprias percepções; daí que apenas se aprende o que estiver significativamente relacionado com essas percepções. Resulta que a retenção se dá pela relevância do aprendido em relação ao “eu”, ou seja, o que não está envolvido com o “eu” não é retido e nem transferido.Avaliação - perde inteiramente o sentido, privilegiando-se a autoavaliação. Manifestações na prática escolar - o inspirador da pedagogia não diretiva é C. Rogers, na verdade mais psicólogo clínico que educador. Suas ideias influenciam um número expressivo de educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam ao aconselhamento. Menos recentemente, podem-se citar também tendências inspiradas na escola de Summerhill do educador inglês A. Neill. - Tendência Liberal Tecnicista A tendência Liberal Tecnicista subordina a educação à sociedade, tendo como função a preparação de “recursos humanos” (mão-de-obra para a indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento científico) é o meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir um ótimo funcionamento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico por excelência. Ela “é encarada como um instrumento capaz de promover, sem contradição, o desenvolvimento econômico pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição da renda, pela maximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da ‘consciência política’ indispensável à manutenção do Estado autoritário”23. Utiliza-se basicamente do enfoque sistêmico, da tecnologia educacional e da análise experimental do comportamento. 23 KUENZER, Acácia A; MACHADO, Lucília R. S. “Pedagogia Tecnicista”, in Guiomar N. de MELLO (org.), Escola nova, tecnicismo e educação compensatória, p. 34. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 47 Papel da escola - a escola funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas específicas. À educação escolar compete organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na máquina do sistema social global. Tal sistema social é regido por leis naturais (há na sociedade a mesma regularidade e as mesmas relações funcionais observáveis entre os fenômenos da natureza), cientificamente descobertas. Basta aplicá-las. A atividade da “descoberta” é função da educação, mas deve ser restrita aos especialistas; a “aplicação” é competência do processo educacional comum. A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista), articulando- se diretamente com o sistema produtivo; para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, a tecnologia educacional, a análise experimental do comportamento garantem a objetividade da prática escolar, uma vez que os objetivos instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais que independem dos que a conhecem ou executam. Conteúdos de ensino - são as informações, princípios científicos, leis etc., estabelecidos e ordenados numa sequência lógica e psicológica por especialistas. É matéria de ensino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável; os conteúdos decorrem, assim, da ciência objetiva, eliminando- se qualquer sinal de subjetividade. O material instrucional encontra-se sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, nos módulos de ensino, nos dispositivos audiovisuais etc. Métodos de ensino - consistem nos procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle nas condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informações. Se a primeira tarefa do professor é modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais, a principal é conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino; daí a importância da tecnologia educacional. A Tecnologia Educacional é a “aplicação sistemática de princípios científicos comportamentais e tecnológicos a problemas educacionais, em função de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e abordagem sistêmica abrangente”24. Qualquer sistema instrucional (há uma grande variedade deles) possui três componentes básicos: objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos observáveis e mensuráveis, procedimentos instrucionais e avaliação. As etapas básicas de um processo de ensino e de aprendizagem são: - Estabelecimento de comportamentos terminais, através de objetivos instrucionais; - Análise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar sequencialmente os passos da instrução; - Executar o programa, reforçando gradualmente as respostas corretas correspondentes aos objetivos. O essencial da tecnologia educacional é a programação por passos sequenciais empregada na instrução programada, nas técnicas de microensino, multimeios, módulos etc. O emprego da tecnologia instrucional na escola pública aparece nas formas de: planejamento em moldes sistêmicos, concepção de aprendizagem como mudança de comportamento, operacionalização de objetivos, uso de procedimentos científicos (instrução programada, audiovisuais, avaliação etc., inclusive a programação de livros didáticos). Relacionamento professor-aluno - são relações estruturadas e objetivas, com papéis bem definidos: o professor administra as condições de transmissão da matéria, conforme um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem; o aluno recebe, aprende e fixa as informações. O professor é apenas um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrucional previsto. O aluno é um indivíduo responsivo, não participa da elaboração do programa educacional. Ambos são espectadores frente à verdade objetiva. A comunicação professor- aluno tem um sentido exclusivamente técnico, que é o de garantir a eficácia da transmissão do conhecimento. Debates, discussões, questionamentos são desnecessários, assim como pouco importam as relações afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem. 24 AURICCHIO, Lígia O. Manual de tecnologia educacional, p.25. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 48 Pressupostos de aprendizagem25 - as teorias de aprendizagem que fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender é uma questão de modificação do desempenho: o bom ensino depende de organizar eficientemente as condições estimuladoras, de modo a que o aluno saia da situação de aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, o ensino é um processo de condicionamento através do uso de reforçamento das respostas que se quer obter. Assim, os sistemas instrucionais visam ao controle do comportamento individual face objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino, centrado no controle das condições que cercam o organismo que se comporta. O objetivo da ciência pedagógica, a partir da psicologia, é o estudo científico do comportamento: descobrir as leis naturais que presidem as reações físicas do organismo que aprende, a fim de aumentar o controle das variáveis que o afetam. Os componentes da aprendizagem - motivação, retenção, transferência - decorrem da aplicação do comportamento operante. Segundo Skinner, o comportamento aprendido é uma resposta a estímulos externos, controladospor meio de reforços que ocorrem com a resposta ou após a mesma: “Se a ocorrência de um (comportamento) operante é seguida pela apresentação de um estímulo (reforçador), a probabilidade de reforçamento é aumentada”. Entre os autores que contribuem para os estudos de aprendizagem destacam-se: Skinner, Gagné, Bloon e Mager. Manifestações na prática escolar26 - a influência da pedagogia tecnicista remonta à 2ª metade dos anos 50 (PABAEE - Programa Brasileiro-americano de Auxílio ao Ensino Elementar). Entretanto foi introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adequar o sistema educacional à orientação político-econômica do regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista. Quando a orientação escolanovista cede lugar à tendência tecnicista, pelo menos no nível de política oficial; os marcos de implantação do modelo tecnicista são as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorganizam o ensino superior e o ensino de 1º e 2º graus. A despeito da máquina oficial, entretanto, não há indícios seguros de que os professores da escola pública tenham assimilado a pedagogia tecnicista, pelo menos em termos de ideário. A aplicação da metodologia tecnicista (planejamento, livros didáticos programados, procedimentos de avaliação etc.) não configura uma postura tecnicista do professor; antes, o exercício profissional continua mais para uma postura eclética em torno de princípios pedagógicos assentados nas pedagogias tradicional e renovada. Pedagogia Progressista “Formulação de inspiração marxista que influenciou diversos pedagogos brasileiros em fins de 1970. Trabalha com a educação na perspectiva da luta de classes, ou seja, a escola pode e deve servir na luta contra o sistema capitalista, visando a construção do socialismo. Dessa forma, sua metodologia tem inspiração na teoria do conhecimento marxista, pela dialética materialista, pelo movimento de continuidade e ruptura. Na sala de aula, parte-se da necessidade e aspirações dos estudantes, com seu cotidiano, com o objetivo de estimular rupturas, sair do imediato e chegar ao teórico e abstrato. Depois desse movimento, espera-se um retorno ao real com uma nova visão que possibilite uma nova ação sobre ele. Foi proposta pelo educador francês Georges Snyders27 em pelo menos quatro de suas obras: Pedagogia progressista, Para onde vão as pedagogias não-diretivas? Alegria na escola e Alunos felizes. Opõe-se ao ensino tecnicista, de linha autoritária, adotado por volta de 1970, em que professores e alunos executam projetos elaborados em gabinetes e desvinculados do contexto social e político. Ou seja, a pedagogia progressista procura formar cidadãos conscientes e participativos na vida da sociedade, que leve o aluno a refletir, a desenvolver o espírito crítico e criativo e a relacionar o aprendizado a seu contexto social.”28 A pedagogia progressista tem-se manifestado em três tendências: - a libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire; 25 AURICHIO, Lígia de. Manual de Tecnologia Educacional; OLIVEIRA, J.G.A. Tecnologia Educacional teorias da instrução. 26 FREITAG, Barbara. Escola, Estado e Sociedade; GARCIA, Laymert G. S. Desregulagens - Educação, planejamento e tecnologia como ferramenta social; CUNHA, Luis A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. 27 SNYDERS, Georges. Pedagogia progressista. Lisboa, Ed. Almedina. 28 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete pedagogia progressista. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. http://www.educabrasil.com.br/pedagogia-progressista/ 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 49 - a libertária, que reúne os defensores da autogestão pedagógica; - a crítico-social dos conteúdos que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. As versões libertadora e libertária têm em comum o antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica. Em função disso, dão mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participação em discussões, assembleias, votações) do que aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prática educativa somente faz sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades de educação popular “não-formal”. A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado. - Tendência Progressista Libertadora29 Papel da escola - não é próprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar, já que sua marca é a atuação “não-formal”. Entretanto, professores e educadores engajados no ensino escolar vêm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, quando se fala na educação em geral, diz-se que ela é uma atividade onde professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação social. Tanto a educação tradicional, denominada “bancária” - que visa apenas depositar informações sobre o aluno, quanto a educação renovada - que pretenderia uma libertação psicológica individual - são domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade social de opressão. A educação libertadora, ao contrário, questiona concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens, visando a uma transformação - daí ser uma educação crítica. Conteúdos de ensino - denominados “temas geradores”, são extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Os conteúdos tradicionais são recusados porque cada pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma da relação com a experiência vivida. A transmissão de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada como “invasão cultural” ou “depósito de informação” porque não emerge do saber popular. Se forem necessários textos de leitura estes deverão ser redigidos pelos próprios educandos com a orientação do educador. Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertadora Paulo Freire, deixa de mencionar o caráter essencialmente político de sua pedagogia, o que, segundo suas próprias palavras, impede que ela seja posta em prática em termos sistemáticos, nas instituições oficiais, antes da transformação da sociedade. Daí porque sua atuação se dê mais a nível da educação extraescolar. O que não tem impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por numerosos professores. Métodos de ensino – “Para ser um ato de conhecimento o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de autêntico diálogo; aquela em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido” (...) “O diálogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer: educador-educando e educando-educador”. Assim sendo, a forma de trabalho educativo é o “grupo de discussão a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o conteúdo e a dinâmica das atividades. O professor é um animador que,por princípio, deve descer ao nível dos alunos, adaptando-se às suas características ao desenvolvimento próprio de cada grupo. Deve caminhar ‘junto’, intervir o mínimo indispensável, embora não se furte, quando necessário, a fornecer uma informação mais sistematizada. Os passos da aprendizagem - codificação-decodificação, e problematização da situação - permitirão aos educandos um esforço de compreensão do “vivido”, até chegar a um nível mais crítico de conhecimento e sua realidade, sempre através da troca de experiência em torno da prática social. Se 29 FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade; Pedagogia do Oprimido e Extensão ou Comunicação? 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 50 nisso consiste o conteúdo do trabalho educativo, dispensam um programa previamente estruturado, trabalhos escritos, aulas expositivas assim como qualquer tipo de verificação direta da aprendizagem, formas essas próprias da “educação bancária”, portanto, domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliação da prática vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo e, às vezes, a auto avaliação feita em termos dos compromissos assumidos com a prática social. Relacionamento professor-aluno - no diálogo, como método básico, a relação é horizontal, onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. O critério de bom relacionamento é a total identificação com o povo, sem o que a relação pedagógica perde consistência. Elimina-se, por pressuposto, toda relação de autoridade, sob pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientização, de “aproximação de consciências”. Trata-se de uma “não diretividade”, mas não no sentido do professor que se ausenta (como em Rogers), mas que permanece vigilante para assegurar ao grupo um espaço humano para “dizer sua palavra” para se exprimir sem se neutralizar. Pressupostos de aprendizagem - a própria designação de “educação problematizadora” como correlata de educação libertadora revela a força motivadora da aprendizagem. A motivação se dá a partir da codificação de uma situação-problema, da qual se toma distância para analisá-la criticamente. “Esta análise envolve o exercício da abstração, através da qual procuramos alcançar, por meio de representações da realidade concreta, a razão de ser dos fatos”. Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa realidade. O que é aprendido não decorre de uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. O que o educando transfere, em termos de conhecimento, é o que foi incorporado como resposta às situações de opressão - ou seja, seu engajamento na militância política. Manifestações na prática escolar - a pedagogia libertadora tem como inspirador e divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas ideias pessoalmente em diversos países, primeiro no Chile, depois na África. Entre nós, tem exercido uma influência expressiva nos movimentos populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com a maior parte das experiências do que se denomina “educação popular”. Há diversos grupos desta natureza que vêm atuando não somente no nível da prática popular, mas também por meio de publicações, com relativa independência em relação às ideias originais da pedagogia libertadora. Embora as formulações teóricas de Paulo Freire se restrinjam à educação de adultos ou à educação popular em geral, muitos professores vêm tentando colocá-las em prática em todos os graus de ensino formal. - Tendência Progressista Libertária30 Papel da escola - a pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A ideia básica é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão “contaminando” todo o sistema. A escola instituirá, com base na participação grupal, mecanismos institucionais de mudança (assembleias, conselhos, eleições, reuniões, associações etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas instituições “externas”, leve para lá tudo o que aprendeu. Outra forma de atuação da pedagogia libertária, correlata a primeira, é - aproveitando a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com princípios educativos autogestionários (associações, grupos informais, escolas autogestionários). Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político. A pedagogia libertária, na sua modalidade mais conhecida entre nós, a “pedagogia institucional”, pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como instrumento da ação dominadora do Estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia. Conteúdos de ensino - as matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação crítica. “Conhecimento” aqui não é a 30 LOBROT, Michel. Pedagogia instotucional, la escuela hacia la autogestión. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 51 investigação cognitiva do real, para extrair dele um sistema de representações mentais, mas a descoberta de respostas às necessidades e às exigências da vida social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem indispensavelmente, as matérias de estudo. Método de ensino - é na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de “colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização do trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas e a decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos alunos)”. Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo. O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, se dá num “crescendo”: primeiramente a oportunidade de contatos, aberturas, relações informais entre os alunos. Em seguida, o grupo começa a se organizar, de modo que todos possam participar de discussões, cooperativas, assembleias, isto é, diversas formas de participação e expressão pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o grupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execução do trabalho. Relação professor-aluno - a pedagogia institucional visa “em primeiro lugar, transformar a relação professor-aluno no sentido da não diretividade, isto é, considerar desde o início a ineficácia e a nocividade de todos os métodos à base de obrigações e ameaças”. Embora professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha a serviço do aluno, sem impor suas concepções e ideias, sem transformar o aluno em “objeto”. O professor é um orientador e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma reflexão em comum. Se os alunos são livres frente ao professor, também este o é em relação aos alunos (ele pode, por exemplo,recusar-se a responder uma pergunta, permanecendo em silêncio). Entretanto, essa liberdade de decisão tem um sentido bastante claro: se um aluno resolve não participar, o faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questão; quando o professor se cala diante de uma pergunta, seu silêncio tem um significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o grupo assuma a resposta ou a situação criada. No mais, ao professor cabe a função de “conselheiro” e, outras vezes, de instrutor-monitor à disposição do grupo. Em nenhum momento esses papéis do professor se confundem com o de “modelo”, pois a pedagogia libertária recusa qualquer forma de poder ou autoridade. Pressupostos de aprendizagem - as formas burocráticas das instituições existentes, por seu traço de impessoalidade, comprometem o crescimento pessoal. A ênfase na aprendizagem informal, via grupo, e a negação de toda forma de repressão visam favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação está, portanto, no interesse em crescer dentro da vivência grupal, pois supõe-se que o grupo devolva a cada um de seus membros a satisfação de suas aspirações e necessidades. Somente o vivido, o experimentado é incorporado e utilizável em situações novas. Assim, o critério de relevância do saber sistematizado é seu possível uso prático. Por isso mesmo, não faz sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos em termos de conteúdo. Outras tendências pedagógicas correlatas - a pedagogia libertária abrange quase todas as tendências antiautoritárias em educação, entre elas, a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos, e também a dos professores progressistas. Embora Neill e Rogers não possam ser considerados progressistas (conforme entendemos aqui), não deixam de influenciar alguns libertários, como Lobrot. Entre os estrangeiros devemos citar Vasquez y Oury entre os mais recentes, Ferrer y Guardia entre os mais antigos. Particularmente significativo é o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado entre nós, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu método. Entre os estudiosos e divulgadores da tendência libertária pode-se citar Maurício Tragtenberg, apesar da tônica de seus trabalhos não ser propriamente pedagógica, mas de crítica das instituições em favor de um projeto autogestionário. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 52 - Tendência Progressista “Crítico Social dos Conteúdos”31 Papel da escola - a difusão de conteúdos é a tarefa primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é também agir no rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes histórico- sociais, a função da pedagogia “dos conteúdos” é dar um passo à frente no papel transformador da escola, mas a partir das condições existentes. Assim, a condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida dos alunos. Entendida nesse sentido, a educação é “uma atividade mediadora no seio da prática social global”, ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética) a uma visão sintética, mais organizada e unificada. Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para, o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. Conteúdos de ensino - são os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face às realidades sociais. Embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados eles não são fechados e refratários às realidades sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados, é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social. Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata e desorganizada ao conhecimento sistematematizado. Não que a primeira apreensão da realidade seja errada, mas é necessária a ascensão a uma forma de elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com a intervenção do professor. A postura da pedagogia “dos conteúdos” - ao admitir um conhecimento relativamente autônomo - assume o saber como tendo um conteúdo relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma reavaliação crítica frente a esse conteúdo. Como sintetiza Snyders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de um lado, de obter o acesso do aluno aos conteúdos, ligando-os com a experiência concreta dele - a continuidade; mas, de outro, de proporcionar elementos de análise crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos, as pressões difusas da ideologia dominante - é a ruptura. Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao engajamento político, mas não o inverso, sob o risco de se afetar a própria especificidade do saber e até cair-se numa forma de pedagogia ideológica, que é o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova. Métodos de ensino - a questão dos métodos se subordina à dos conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e de um saber vinculado às realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade (prática social). Assim, nem se trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da pedagogia tradicional, nem da sua substituição pela descoberta, investigação ou livre expressão das opiniões, como se o saber pudesse ser inventado pela criança, na concepção da pedagogia renovada. Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem, então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber trazido de fora. O trabalho docente relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo professor, momento em que se dará a “ruptura” em relação à 31 SAVIANI, Dermeval, Educação: do senso comum à consciência filosófica, p.120; MELLO, Guiomar N de, Magistério de 1° grau. p.24; CURY, Carlos R. J. Educação e contradição: elementos. p.75. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 53 experiência pouco elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a introdução explícita, pelo professor, dos elementos novos de análise a serem aplicados criticamente à prática do aluno. Em outras palavras, uma aula começa pela constatação da prática real, havendo, em seguida, a consciência dessa prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma de um confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-seda ação à compreensão e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra coisa senão a unidade entre a teoria e a prática. Relação professor-aluno – se o conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador, então a relação pedagógica consiste no provimento das condições em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do adulto é insubstituível, mas acentua-se também a participação do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experiência imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao confrontá-la com os conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforço do professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos conteúdos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive dos contrastes entre sua própria cultura e a do aluno. Não se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e carências; buscará despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa. Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise dos conteúdos exclui a não diretividade como forma de orientação do trabalho escolar, por que o diálogo adulto-aluno é desigual. O adulto tem mais experiência acerca das realidades sociais, dispõe de uma formação (ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a ele cabe fazer a análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais. A não diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos esperados da educação. Sabemos que as tendências espontâneas e naturais não são “naturais”, antes são tributárias das condições de vida e do meio. Não são suficientes o amor, a aceitação, para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de progredir: é necessária a intervenção do professor para levar o aluno a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experiência vivida. Pressupostos de aprendizagem - por um esforço próprio, o aluno se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua própria experiência. O conhecimento novo se apoia numa estrutura cognitiva já existente, ou o professor provê a estrutura de que o aluno ainda não dispõe. O grau de envolvimento na aprendizagem dependa tanto da prontidão e disposição do aluno, quanto do professor e do contexto da sala de aula. Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência. Em consequência, admite-se o princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor procura dizer-lhes. A transferência da aprendizagem se dá a partir do momento da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unificadora. Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, não como julgamento definitivo e dogmático do professor, mas como uma comprovação para o aluno de seu progresso em direção a noções mais sistematizadas. Manifestações na prática escolar32 - o esforço de elaboração de uma pedagogia “dos conteúdos” está em propor modelos de ensino voltados para a interação conteúdos-realidades sociais; portanto, visando avançar em termos de uma articulação do político e do pedagógico, aquele como extensão deste, ou seja, a educação “a serviço da transformação das relações de produção”. Ainda que a curto prazo se espere do professor maior conhecimento dos conteúdos de sua matéria e o domínio de formas de transmissão, a fim de garantir maior competência técnica, sua contribuição “será tanto mais eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vínculos de sua prática com a prática social global”, tendo em vista (...) “a democratização da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a transformação estrutural da sociedade brasileira”. 32 SAVIANI, Demerval. Escola e democracia, p.83. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 54 Tendências Pedagógicas Pós-LDB 9.394/9633 Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n.º 9.394/96, revalorizam-se as ideias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Um dos pontos em comum entre esses psicólogos é o fato de serem interacionistas, porque concebem o conhecimento como resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto. De acordo com Aranha34, o conhecimento não está, então, no sujeito, como queriam os inatistas, nem no objeto, como diziam os empiristas, mas resulta da interação entre ambos. Para citar um exemplo no ensino da língua, segundo essa perspectiva interacionista, a leitura como processo permite a possibilidade de negociação de sentidos em sala de aula. O processo de leitura, portanto, não é centrado no texto, ascendente, bottom-up, como queriam os empiristas, nem no receptor, descendente, top-down, segundo os inatistas, mas ascendente/descendente, ou seja, a partir de uma negociação de sentido entre enunciador e receptor. Assim, nessa abordagem interacionista, o receptor é retirado da sua condição de mero objeto do sentido do texto, de alguém que estava ali para decifrá-lo, decodificá-lo, como ocorria, tradicionalmente, no ensino da leitura. As ideias desses psicólogos interacionistas vêm ao encontro da concepção que considera a linguagem como forma de atuação sobre o homem e o mundo e das modernas teorias sobre os estudos do texto, como a Linguística Textual, a Análise do Discurso, a Semântica Argumentativa e a Pragmática, entre outros. De acordo com esse quadro teórico de José Carlos Libâneo, deduz-se que as tendências pedagógicas liberais, ou seja, a tradicional, a renovada e a tecnicista, por se declararem neutras, nunca assumiram compromisso com as transformações da sociedade, embora, na prática, procurassem legitimar a ordem econômica e social do sistema capitalista. No ensino da língua, predominaram os métodos de base ora empirista, ora inatista, com ensino da gramática tradicional, ou sob algumas as influências teóricas do estruturalismo e do gerativismo, a partir da Lei 5.692/71, da Reforma do Ensino. Já as tendências pedagógicas progressistas, em oposição às liberais, têm em comum a análise crítica do sistema capitalista. De base empirista (Paulo Freire se proclamava um deles) e marxista (com as ideias de Gramsci), essas tendências, no ensino da língua, valorizam o texto produzido pelo aluno, a partir do seu conhecimento de mundo, assim como a possibilidade de negociação de sentido na leitura. A partir da LDB 9.394/96, principalmente com a difusão das ideias de Piaget, Vygotsky e Wallon, numa perspectiva sócio histórica, essas teorias buscam uma aproximação com modernas correntes do ensino da língua que consideram a linguagem como forma de atuação sobre o homem e o mundo, ou seja, como processo de interação verbal, que constitui a sua realidade fundamental. QUADRO SÍNTESE DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS Nome da tendência pedagógica Papel da escola Conteúdos Métodos Professor x Aluno Aprendizage m Manifestaçõe s Tendência Liberal Tradicional Preparação intelectual e moral dos alunos para assumir seu papel na sociedade. São conhecimentose valores sociais acumulados através dos tempos e repassados aos alunos como verdades absolutas. Exposição e demonstração verbal da matéria e /ou por meio de modelos. Autoridade do professor que exige atitude receptiva do aluno. A aprendizagem é receptiva e mecânica, sem se considerar as características próprias de cada idade. Nas escolas que adotam filosofias humanistas clássicas ou científicas. Tendência Liberal A escola deve adequar as Os conteúdos são Por meio de experiências, O professor é auxiliador no É baseada na motivação e Montessori, Decroly, 33 SILVA, Delcio Barros da. As Principais Tendências Pedagógicas na Prática Escolar Brasileira e seus Pressupostos de Aprendizagem. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública. São Paulo: Loyola, 1990. 34 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Editora Moderna, 1998. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 55 Renovada Progressivist a necessidades individuais ao meio social. estabelecidos a partir das experiências vividas pelos alunos frente às situações problema. pesquisas e método de solução de problemas. desenvolviment o livre da criança. na estimulação de problemas. O aluno aprende fazendo. Dewey, Piaget, Cousinet, Lauro de Oliveira Lima. Tendência Liberal Renovada Não Diretiva (Escola Nova) Formação de atitudes. Baseia-se na busca dos conhecimentos pelos próprios alunos. Método baseado na facilitação da aprendizagem . Educação centralizada no aluno; o professor deve garantir um clima de relacionamento pessoal e autêntico, baseado no respeito. Aprender é modificar as percepções da realidade. Carl Rogers, “Sumerhill”, escola de A. Neill. Tendência Liberal Tecnicista É modeladora do comportament o humano através de técnicas específicas. São informações ordenadas numa sequência lógica e psicológica. Procedimento s e técnicas para a transmissão e recepção de informações. Relação objetiva em que o professor transmite informações e o aluno deve fixá- las. Aprendizagem baseada no desempenho. Skinner, Gagné, Bloon, Mager. Leis 5.540/68 e 5.692/71. Tendência Progressivist a Libertadora Não atua em escolas, porém visa levar professores e alunos a atingir um nível de consciência da realidade em que vivem na busca da transformação social. Temas geradores retirados da problematizaçã o do cotidiano dos educandos. Grupos de discussão. A relação é de igual para igual, horizontalmente . Valorização da experiência vivida como base da relação educativa. Codificação- decodificação. Resolução da situação problema. Paulo Freire. Tendência Progressivist a Libertária Transformação da personalidade num sentido libertário e autogestionário . As matérias são colocadas, mas não exigidas. Vivência grupal na forma de autogestão. É não diretiva, o professor é orientador e os alunos livres. Também prima pela valorização da vivência cotidiana. Aprendizagem informal via grupo. Lobrot, C. Freinet, Miguel Gonzales, Vasquez, Oury, Maurício Tragtenberg, Ferrer y Guardia. Tendência Progressivist a “Crítico- social dos conteúdos ou histórico- crítica” Difusão dos conteúdos. Conteúdos culturais universais que são incorporados pela humanidade frente à realidade social. O método parte de uma relação direta da experiência do aluno confrontada com o saber sistematizado. Papel do aluno como participador e do professor como mediador entre o saber e o aluno. Baseadas nas estruturas cognitivas já estruturadas nos alunos. Makarenko, B. Charlot, Suchodolski, Manacorda, G. Snyders Demerval Saviani. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 56 Questões 01. (SEDUC/RO – Professor de História – FUNCAB) Na tendência tradicional, a Pedagogia Liberal se caracteriza por: (A) subordinar a educação à sociedade, tendo como função a preparação de recursos humanos por meio da profissionalização. (B) valorizar a autoeducação, a experiência direta sobre o meio pela atividade e o ensino centrado no aluno e no grupo. (C) acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, através do qual o aluno deve atingir pelo seu próprio esforço, sua plena realização. (D) considerar a educação um processo interno, que parte das necessidades e dos interesses individuais. (E) focar no aprender a aprender, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente. 02. (INSS – Analista – Pedagogia – FUNRIO) A ênfase em um ensino funcional ou ativo, baseado nos interesses naturais das crianças e no trabalho em grupo ou em comunidade, para criar o hábito da cooperação e incentivar a relação entre a escola e a vida. Essas são características de uma pedagogia baseada (A) na teoria crítico-social dos conteúdos. (B) na naturalização das práticas pedagógicas. (C) nos princípios escolanovistas. (D) na utilização de técnicas motivacionais. (E) em aprendizagens de abordagem behaviorista. 03. (TJ/DF – Analista Judiciário – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item seguinte: As experiências de alfabetização de jovens e adultos inspiradas nas ideias do educador Paulo Freire são exemplo da concepção liberal renovada progressista. ( ) Certo ( ) Errado 04. (TJ/DF – Analista Judiciário – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item seguinte: Manacorda é um dos autores que retratam em suas obras os pressupostos da concepção progressista libertadora. ( ) Certo ( ) Errado 05. (TJ/DF – Analista Judiciário – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item seguinte: As escolas que utilizam o método montessoriano são consideradas uma manifestação da concepção liberal tradicional. ( ) Certo ( ) Errado 06. (INSS – Analista – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item seguinte: Questionar a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens, para promover a transformação dessa realidade, é o papel da escola na perspectiva progressista libertadora. ( ) Certo ( ) Errado 07. (TJ/DF – Analista Judiciário – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item seguinte: A escola de Summerhill é uma das concretizações dos pressupostos da concepção liberal renovada não diretiva. ( ) Certo ( ) Errado 08. (TJ/DF – Analista Judiciário – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item subsequente: A Lei n.º 5.692/1971, que organizou a educação brasileira durante um longo período, é uma manifestação da tendência liberal tecnicista nas políticas educacionais. ( ) Certo ( ) Errado 09. (TJ/DF – Analista Judiciário – Pedagogia – CESPE) A partir das concepções pedagógicas, julgue o item subsequente: Os trabalhos realizados por Freinet são significativos na concretização do papel da escola na concepção progressista libertária. ( ) Certo ( ) Errado 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 57 10. (MPE/RO - ANALISTA JUDICIÁRIO – PEDAGOGIA – FUNCAB) As práticasdo cotidiano escolar têm vários condicionantes políticos e sociais que configuram diferentes concepções de homem e sociedade e, em consequência, diferentes concepções de escola, aprendizagem, relação professor/a– aluno/a, técnicas pedagógicas, entre outras. Conforme Libâneo (1992), as tendências pedagógicas classificam-se em duas grandes vertentes: (A) Pedagogia Liberal (tradicional, renovada não diretiva e tecnicista) e Pedagogia Emancipatória (libertadora, renovada progressista, libertária e crítico-social dos conteúdos). (B) Pedagogia Liberal (libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos) e Pedagogia Progressista (tradicional, renovada progressista, renovada não diretiva e tecnicista). (C) Pedagogia Liberal (tradicional, renovada progressista, renovada não diretiva e tecnicista) e Pedagogia Progressista (libertadora, libertária e crítico social dos conteúdos). (D) Pedagogia Autoritária (tradicional, renovada progressista, renovada não diretiva e tecnicista) e Pedagogia Capitalista (libertadora, libertária e crítico social dos conteúdos). 11. (SEDUC/RJ - PROFESSOR – MATEMÁTICA – CEPERJ) Luckesi analisa diversas tendências pedagógicas e as características da prática escolar a elas correspondentes. Nesse contexto, considere as observações abaixo, todas relativas a uma determinada tendência pedagógica. - Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo informações precisas, objetivas e rápidas. - Os conteúdos de ensino são as informações, princípios científicos, etc., estabelecidos e ordenados por especialistas numa sequência lógica e psicológica. - A tarefa inicial do professor é modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais. - O professor é apenas um elo entre a verdade científica e o aluno, devendo empregar o sistema instrucional previsto. - Foi efetivamente introduzida no Brasil no final da década de 1960, com o objetivo de adequar o sistema educacional à orientação político-econômica do regime militar então vigente. Essas características permitem identificar que o autor se refere à: (A) tendência progressista libertadora (B) tendência liberal tradicional (C) tendência progressista libertária (D) tendência liberal tecnicista 12. (IF/SP - TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS) Ghiraldelli afirma que os professores brasileiros chegaram ao século XXI guiando suas práticas por cinco tendências pedagógico-didáticas que seguem a inspiração de filosofia educacional de seus autores. De acordo com uma delas, os passos segundo os quais acontece o processo ensino aprendizagem, se resumem, sequencialmente, em: vivência, temas geradores, problematização, conscientização e ação política. Assinale o autor cujas ideias melhor caracterizam essa sequência. (A) Herbart. (B) Dewey. (C) Paulo Freire. (D) Paulo Ghiraldelli Júnior. Respostas 01. Resposta: C A Tendência Liberal Tradicional parte do pressuposto de que o aluno deve ser preparado intelectual e moralmente para assumir seu papel na sociedade. Caracteriza-se por um ensino humanístico e cultural. Fundamenta-se em conhecimentos e valores acumulados ao longo do tempo, tratando-os como dogmas, utiliza-se de métodos universais onde o professor é o centro do processo de ensino e de aprendizagem. 02. Resposta: C Nos Princípios Escolanovistas. O ideário da Escola Nova veio para contrapor o que era considerado “tradicional”. Os seus defensores lutavam por diferenciar-se das práticas pedagógicas anteriores. ... a centralidade da criança nas relações de aprendizagem, o respeito às normas higiênicas na disciplinarização do corpo do aluno e de seus gestos, a cientificidade da escolarização de saberes e 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 58 fazeres sociais e a exaltação do ato de observar, de intuir, na construção do conhecimento do aluno. (Vidal35) O conhecimento, em lugar de ser transmitido pelo professor para memorização, emergia da relação concreta estabelecida entre os alunos e esses objetos ou fatos, devendo a escola responsabilizar-se por incorporar um amplo conjunto de materiais. (Vidal) 03. Resposta: Errada O correto é Tendência Progressivista Libertadora, que faz parte da Pedagogia Progressista, que dá valorização à experiência vivida como base da relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica. Em função disso, dão mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participação em discussões, assembleias, votações) do que aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prática educativa somente faz sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades de educação popular “não-formal”. 04. Resposta: Errada Manacorda é um dos autores que retratam em suas obras os pressupostos da Concepção Progressivista Crítico-Social dos Conteúdos ou Histórico-Crítica. A Concepção Progressivista Libertadora da qual apresenta a questão é de Paulo Freire. 05. Resposta: Errada As escolas que utilizam o método montessoriano são consideradas uma manifestação da concepção Liberal Renovada Não Diretiva (Escola Nova) da Pedagogia Liberal. 06. Resposta: Certa Tendência Progressivista Libertadora, também conhecida como pedagogia de Paulo Freire. Essa tendência vincula a educação à luta e organização de classes do oprimido. Onde para esse, o saber mais importante é o de que ele é oprimido, ou seja, ter uma consciência da realidade em que vive. Além da busca pela transformação social, a condição de se libertar através da elaboração da consciência crítica passo a passo com sua organização de classe. 07. Resposta: Certa A Tendência Liberal Renovada Não Diretiva (Escola Nova) influencia um número expressivo de educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam ao aconselhamento. Menos recentemente, podem-se citar também tendências inspiradas na escola de Summerhill do educador inglês A. Neill. 08. Resposta: Certa A Lei n.º 5.692/1971 fixava as Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus. A tendência Liberal Tecnicista subordina a educação à sociedade, tendo como função a preparação de “recursos humanos” (mão-de-obra para a indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. 09. Resposta: Certa A Pedagogia Libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A ideia básica é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão “contaminando” todo o sistema. 10. Resposta: C A pedagogia liberal acredita que a escola tem a função de preparar os indivíduos para desempenhar papéis sociais, baseadas nas aptidões individuais. Dessa forma, o indivíduo deve adaptar-se aos valores e normas da sociedade de classe, desenvolvendo sua cultura individual. Com isso as diferenças entre as classes sociais não são consideradas, já que, a escola não leva em consideração as desigualdades sociais. Já as tendências pedagógicas progressistas analisam de forma critica as realidades sociais, cuja educação possibilita a compreensão da realidade histórico-social, explicando o papel do sujeito como um ser que constrói sua realidade. Ela assume um caráter pedagógico e político ao mesmo tempo. 35 VIDAL, Diana Gonçalves. Escola Nova e processo educativo. In: LOPES, Eliane Marta, FIGUEIREDO, Luciano e GREIVAS, Cynthia (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 3ª. Ed., 2003 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA .59 11. Resposta: D Para essa tendência liberal tecnicista, a escola tem um papel fundamental na formação de indivíduos que se integrem à “máquina social”. Para isso, a escola deve moldar o comportamento, organizar o processo de aquisição de habilidades e conhecimentos já historicamente descobertos. Descobrir o conhecimento é função da educação, mas isso cabe aos especialistas, o papel da escola é repassá-lo e aplicá-lo. Dessa forma, percebe-se a divisão entre trabalho intelectual e manual. Portanto, os conteúdos a serem ensinados já estão muito bem explicitados nos manuais, nos livros didáticos, nas apostilas, entre outros. Cabe ao professor buscar a melhor forma de controlar as condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informações. A relação professor-aluno passa a ser estruturada e objetiva, cabendo ao professor transmitir a matéria e ao aluno receber, aprender e fixar. 12. Resposta: C Espera-se, assim, uma atuação do educador- educando em prol da transformação da sociedade, o que implica na libertação do homem das condições de opressão. Contra o que é a educação bancária, Freire orienta uma didática organizada nos seguintes passos: vivência, seleção de temas geradores, problematização, conscientização e ação social e política. É esta metodologia que se pretende desenvolver em sala de aula, tendo como objeto de trabalho o conteúdo da Didática. Evidentemente que esse processo foi recriado considerando a especificidade da referida disciplina e as condições concretas do trabalho docente e discente. A Didática e o processo de formação e prática do profissional da Educação Como arte a Didática não objetiva apenas o conhecimento por conhecimento, mas procura aplicar os seus próprios princípios com a finalidade de desenvolver no indivíduo as habilidades cognoscitivas, tornando-os críticos e reflexivos, desenvolvendo assim um pensamento independente. Processos Didáticos Básicos, Ensino e Aprendizagem Anteriormente convém ressaltar o conceito atual de didática segundo a análise etimológica, o contexto histórico em que prevaleceram determinados conceitos, a problemática educacional e sua relevância para o ensino. Etimologicamente a palavra ‘didática’ significa ‘expor claramente’, ‘demonstrar’, ‘ensinar’, ‘instruir’. Em primeira instância, este sentido mais originário corresponde aproximadamente a tudo aquilo que é ‘próprio para o ensino’. Levando em consideração o seu significado etimológico percebemos que a didática está intimamente ligada ao processo de ensino-aprendizagem, e a tudo que se refere ao ato de ensinar e aprender. A Didática foi concebida como base de uma reforma educacional importante pela primeira vez no século XVII, com João Amós Comenius, em sua obra Didática Magna. Nesta época, ele havia observado que a educação se dava de maneira muito espontânea, permeada de puro praticismo, não havia sistematização, organização ou planejamento. Com o objetivo de organizar e sistematizar a educação, Comenius escreveu a Didática Magna, que pretendia estabelecer os fundamentos da ‘arte universal de ensinar tudo a todos’, privilegiando sobretudo o professor, o método e o conteúdo. A didática então surge como objeto de estudo no processo de ensino/aprendizagem, pois este está inserido em todas as práticas educacionais, em todos os níveis de ensino, e cada prática educacional evidencia uma intenção, ideologia, objetivos e meios para serem atingidos. Desta forma ocorre o processo de ensino aprendizagem, que em momento algum é neutro, apolítico ou isolado de sua realidade político social. Assim, a Didática é o principal ramo de estudo da pedagogia, pois ela situa-se num conjunto de conhecimentos pedagógicos, investiga os fundamentos, as condições e os modos de realização da instrução e do ensino, portanto é considerada a ciência de ensinar. Nesse contexto, o professor tem como papel principal garantir uma relação didática entre ENSINO x APRENDIZAGEM. A didática e o processo de ensino/aprendizagem: planejamento, estratégias, metodologias e avaliação da aprendizagem. A sala de aula como espaço de aprendizagem. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 60 Segundo Libâneo36, o professor tem o dever de planejar, dirigir e controlar esse processo de ensino, bem como estimular as atividades e competências próprias do aluno para a sua aprendizagem. A condição para o processo de ensino requer uma clara e segura compreensão do processo de aprendizagem, ou seja, deseja entender como as pessoas aprendem e quais as condições que influenciam para esse aprendizado. Assim, ressalta que podemos distinguir a aprendizagem em dois tipos: aprendizagem casual e a aprendizagem organizada. A) Aprendizagem casual: É quase sempre espontânea, surge naturalmente da interação entre as pessoas com o ambiente em que vivem, ou seja, através da convivência social, observação de objetos e acontecimentos. B) Aprendizagem organizada: É aquela que tem por finalidade específica aprender determinados conhecimentos, habilidades e normas de convivência social. Este tipo de aprendizagem é transmitido pela escola, que é uma organização intencional, planejada e sistemática, as finalidades e condições da aprendizagem escolar é tarefa específica do ensino. Esses tipos de aprendizagem têm grande relevância na assimilação ativa dos indivíduos, favorecendo um conhecimento a partir das circunstâncias vivenciadas pelo mesmo. O processo de assimilação de determinados conhecimentos, habilidades, percepção e reflexão é desenvolvido por meios atitudinais, motivacionais e intelectuais do aluno, sendo o professor o principal orientador desse processo de assimilação ativa, é através disso que se pode adquirir um melhor entendimento, favorecendo um desenvolvimento cognitivo. Através do ensino podemos compreender o ato de aprender que é o ato no qual assimilamos mentalmente os fatos e as relações da natureza e da sociedade. Esse processo de assimilação de conhecimentos é resultado da reflexão proporcionada pela percepção prático-sensorial e pelas ações mentais que caracterizam o pensamento. Entendida como fundamental no processo de ensino a assimilação ativa desenvolve no indivíduo a capacidade de lógica e raciocínio, facilitando o processo de aprendizagem do aluno. O nível cognitivo refere-se à aprendizagem de determinados conhecimentos e operações mentais, caracterizada pela apreensão consciente, compreensão e generalização das propriedades e relações essenciais da realidade, bem como pela aquisição de modos de ação e aplicação referentes a essas propriedades e relações. De acordo com esse contexto podemos despertar uma aprendizagem autônoma, seja no meio escolar ou no ambiente em que estamos. Pelo meio cognitivo, os indivíduos aprendem tanto pelo contato com as coisas no ambiente, como pelas palavras que designam das coisas e dos fenômenos do ambiente. Portanto as palavras são importantes condições de aprendizagem, pois através delas são formados conceitos pelos quais podemos pensar. O ensino é o principal meio de progresso intelectual dos alunos, através dele é possível adquirir conhecimentos e habilidades individuais e coletivas. Por meio do ensino, o professor transmite os conteúdos de forma que os alunos assimilem esse conhecimento, auxiliando no desenvolvimento intelectual, reflexivo e crítico. Por meio do processo de ensino o professor pode alcançar seu objetivo de aprendizagem, essa atividade de ensino está ligada à vida social mais ampla, chamada de prática social, portanto o papel fundamental do ensino é mediar à relação entre indivíduos, escola e sociedade. O Caráter Educativo do Processo de Ensino e o Ensino Crítico No desempenho da profissão docente, o professor deve ter em mente a formação da personalidadedos alunos, não apenas no aspecto intelectual, como também nos aspectos morais, afetivos e físicos. Como resultado do trabalho escolar, os alunos vão formando o senso de observação, a capacidade de exame objetivo e crítico de fatos e fenômenos da natureza e das relações sociais, habilidades de expressão verbal e escrita. O processo de ensino deve estimular o desejo e o gosto pelo estudo, mostrando assim a importância do conhecimento para a vida e o trabalho, nesse processo o professor deve criar situações que estimule o indivíduo a pensar, analisar e relacionar os aspectos estudados com a realidade que vive. Essa realização consciente das tarefas de ensino e aprendizagem é uma fonte de convicções, princípios e 36 LIBÂNEO, José Carlos. A Didática e as exigências do processo de escolarização: formação cultural e científica e demandas das práticas socioculturais. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 61 ações que irão relacionar as práticas educativas dos alunos, propondo situações reais que façam com que os indivíduos reflitam e analisem de acordo com sua realidade. Entretanto, o caráter educativo está relacionado aos objetivos do ensino crítico e é realizado dentro do processo de ensino. É através desse processo que acontece a formação da consciência crítica dos indivíduos, fazendo-os pensar independentemente, por isso o ensino crítico, chamado assim por implicar diretamente nos objetivos sócio-políticos e pedagógicos, também os conteúdos, métodos escolhidos e organizados mediante determinada postura frente ao contexto das relações sociais vigentes da prática social. É através desse ensino crítico que os processos mentais são desenvolvidos, formando assim uma atitude intelectual. Nesse contexto os conteúdos deixam de serem apenas matérias, e passam então a ser transmitidos pelo professor aos seus alunos formando assim um pensamento independente, para que esses indivíduos busquem resolver os problemas postos pela sociedade de uma maneira criativa e reflexiva. As contribuições da Didática na formação do profissional da Educação Como vimos anteriormente à didática estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos fazem parte, de modo a criar condições que garantam uma aprendizagem significativa dos alunos. Nessa perspectiva, a didática torna-se o principal ramo de estudos da pedagogia, pois é necessário dominar bem todas as teorias para que haja uma boa prática educativa, assim o educador dispõe de recursos teóricos para organizar e articular o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Libâneo37, o trabalho docente também chamado de atividade pedagógica tem como objetivos primordiais: A) Assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível dos conhecimentos científicos; B) Criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam capacidades e habilidades intelectuais de modo que dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento; C) Orientar as tarefas de ensino para objetivo educativo de formação da personalidade, isto é, ajudar os alunos a escolherem um caminho na vida, a terem atitudes e convicções que norteiem suas opções diante dos problemas e situações da vida real. Além dos objetivos da disciplina e dos conteúdos, é fundamental que o professor tenha clareza das finalidades que ele tem em mente, a atividade docente tem a ver diretamente com “para que educar”, pois a educação se realiza numa sociedade que é formada por grupos sociais que tem uma visão diferente das finalidades educativas. Nota-se que a problemática que permeia a educação em torno da didática, consiste na dificuldade de mediar conhecimento prático e teórico, na medida em que muitos educadores apresentam uma concepção fragmentada e ambígua desta interação, chegando ao ponto de dissociá-las. Essa separação entre teoria e prática impossibilita os profissionais da educação de articular a teoria em proveito da prática, pois uma subsidia a outra. Como resultado dessa separação a prática educativa tende a reduzir-se ao extremo do praticismo. Nesse sentido a didática visa contribuir para a superação dessa dificuldade proporcionando ao profissional da educação embasamento teórico-prático. Os profissionais da educação precisam ter um pleno “domínio das bases teóricas científicas e tecnológicas, e sua articulação com as exigências concretas do ensino”, pois é através desse domínio que ele poderá estar revendo, analisando e aprimorando sua prática educativa. A prática educativa não pode ocorrer de maneira espontânea, sem planejamento, metas e instrumentos, ela deve estabelecer objetivos, os quais devem ser atingidos utilizando-se da didática, que certamente facilitará o caminho a ser trilhado segundo meios viáveis e de acordo com cada realidade educacional, em proveito da ideia de homem que se deseja formar, de acordo com a sociedade em que este homem está inserido, pois “a didática não se limita só ao fazer, só ação prática, mas também se vincula as demais instâncias e aspectos da educação formal”. Dessa forma, o trabalho do professor é reflexo de uma AÇÃO x REFLEXÃO x AÇÃO, ou seja, é papel do professor planejar a aula (AÇÃO), criar condições favoráveis de estudo dentro da sala de aula, estimulando a curiosidade e a criatividade dos alunos (REFLEXÃO), reelaborar as aulas após observadas as necessidades dos educandos (NOVA AÇÃO). 37 LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 62 Entretanto é necessário que haja uma interação mútua entre docentes e discentes, pois não há ensino se os alunos não desenvolverem suas capacidades e habilidades mentais, ou seja, o professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes se tornem sujeitos ativos da própria aprendizagem. Portanto, podemos dizer que o processo didático se baseia no conjunto de atividades do professor e dos alunos, sob a direção do professor, apenas como mediador, para que haja uma assimilação ativa de conhecimentos e desenvolvimento das habilidades dos alunos. Assim, é necessário para o planejamento de ensino que o professor compreenda as relações entre educação escolar, os objetivos pedagógicos e tenha um domínio seguro dos conteúdos ao qual ele leciona, sendo assim capaz de conhecer os programas oficiais e adequá-los ás necessidades reais da escola e de seus alunos. Um professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade do aluno, sua linguagem, suas percepções e sua prática de ensino. Sem essas condições o professor será incapaz de elaborar problemas, desafios, perguntas relacionadas com os conteúdos, pois essas são as condições para que haja uma aprendizagem significativa. No entanto para que o professor atinja efetivamente seus objetivos, é preciso que ele saiba realizar vários processos didáticos coordenados entre si, tais como o planejamento, a direção do ensino da aprendizagem e da avaliação. Portanto é a didática que fundamenta a ação docente, é através da didática que a teoria e a prática se consolidam de forma viável e eficaz, pois ela se ocupa do processo de ensino nas várias dimensões, não se restringindo apenas a educação escolar, mas investiga e orienta a formação do educador na sua totalidade. Formação de profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de mudança Há cerca de 20 anos, por iniciativa de movimentos de educadores e, em paralelo, no âmbito do Ministério da Educação, iniciava-se um debate nacional sobre a formação de pedagogos e professores, com base na crítica da legislaçãovigente e na realidade constatada nas instituições formadoras. O marco histórico de detonação do movimento pela reformulação dos cursos de formação do educador foi a I Conferência Brasileira de Educação realizada em São Paulo em 1980, abrindo-se o debate nacional sobre o curso de pedagogia e os cursos de licenciatura. A trajetória desse movimento destaca-se pela densidade das discussões e pelo êxito na mobilização dos educadores, mas o resultado prático foi modesto, não se tendo chegado até hoje a uma solução razoável para os problemas da formação dos educadores, nem no âmbito oficial nem no âmbito das instituições universitárias. A discussão sobre a identidade do curso de pedagogia, que remonta aos pareceres de Valnir Chagas38 na condição de membro do antigo Conselho Federal de Educação, é retomada nos encontros do Comitê Nacional Pró-formação do Educador, mais tarde transformada em Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, e é bastante recorrente para pesquisadores da área. Estes já apontavam, em meados dos anos 80, a necessidade de se superar a fragmentação das habilitações no espaço escolar, propondo a superação das habilitações e especializações pela valorização do pedagogo escolar: (...) a posição que temos assumido é a de que a escola pública necessita de um profissional denominado pedagogo, pois entendemos que o fazer pedagógico, que ultrapassa a sala de aula e a determina, configura-se como essencial na busca de novas formas de organizar a escola para que esta seja efetivamente democrática. A tentativa que temos feito é a de avançar da defesa corporativista dos especialistas para a necessidade política do pedagogo, no processo de democratização da escolaridade. O curso de pedagogia – sem entrar agora no mérito de sua função, isto é, de formar professores ou especialistas ou ambos – pouco se alterou em relação à Resolução no 252/69. Experiências alternativas foram tentadas em algumas instituições e o antigo CFE expediu alguns pareceres sobre “currículos experimentais”, mas nenhum deles, a rigor, apresenta algo realmente inovador. Possíveis “novidades” no chamado “curso de pedagogia” seriam, por exemplo, a atribuição, ao lado de outras, da formação em nível superior de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental, supressão das habilitações (administração escolar, orientação educacional, supervisão escolar etc.) e alterações na denominação de algumas disciplinas. Alterações geralmente inócuas, pois na maior parte dos casos foi mantida a prática da grade curricular e os mesmos conteúdos das antigas disciplinas, por exemplo, Organização do trabalho pedagógico manteve o conteúdo da anterior Administração escolar. Em relação aos cursos de licenciatura, também não houve nenhuma mudança substantiva desde a Resolução no 292/62 do CFE, que dispunha sobre as matérias pedagógicas para a licenciatura. O que 38 CHAGAS, Valnir. Formação do magistério: Novo sistema. São Paulo: Atlas, 1976. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 63 se tentou foram diferentes formas de organização do percurso da formação, umas mantendo o 3+1 já presente em 1939, outras distribuindo as disciplinas pedagógicas ao longo do curso específico. Quanto ao local da formação pedagógica, em alguns lugares ela foi mantida nas faculdades de educação, em outros, foi deslocada, total ou parcialmente, aos institutos/departamentos/cursos. Atualmente, a atuação do Ministério da Educação e do CNE na regulamentação da LDB no 9.394/96 tem provocado a mobilização dos educadores de todos os níveis de ensino para rediscutir a formação de profissionais da educação. A nosso ver, não bastam iniciativas de formulação de reformas curriculares, princípios norteadores de formação, novas competências profissionais, novos eixos curriculares, base comum nacional etc. Faz-se necessária e urgente a definição explícita de uma estrutura organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais da educação, incluindo a definição dos locais institucionais do processo formativo. Na verdade, reivindicamos o ordenamento legal e funcional de todo o conteúdo do Título VI da Lei de Diretrizes e Bases. O disposto nos artigos 61 caput e incisos e, 62 caput, da LDB é o seguinte: Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36; (Incluído pela lei nº 13.415, de 2017) V - profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação. (Incluído pela lei nº 13.415, de 2017) (...) Art. 62 A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (Redação dada pela lei nº 13.415, de 2017) A proposta básica é a de que a formação dos profissionais da educação para atuação na educação básica far-se-á, predominantemente, nas atuais faculdades de educação, que oferecerão curso de pedagogia, cursos de formação de professores para toda a educação básica, programa especial de formação pedagógica, programas de educação continuada e de pós-graduação. As faculdades de educação terão sob sua responsabilidade a formulação e a coordenação de políticas e planos de formação de professores, em articulação com as pró-reitorias ou vice-reitorias de graduação das universidades ou órgãos similares nas demais Instituições de Ensino Superior, com os institutos/faculdades/departamentos das áreas específicas e com as redes pública e privada de ensino. O curso de pedagogia destinar-se-á à formação de profissionais interessados em estudos do campo teórico-investigativo da educação e no exercício técnico-profissional como pedagogos no sistema de ensino, nas escolas e em outras instituições educacionais, inclusive as não-escolares. Os cursos de formação de professores e os programas mencionados, abrangendo todos os níveis da educação básica, serão realizados num Centro de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores – CFPD, que integrará a estrutura organizacional das faculdades de educação e destinar- se-á à formação de professores para a educação básica, da educação infantil ao Ensino Médio. Distinguindo o curso de pedagogia (stricto sensu) e o curso de formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 64 Formação teórico-prática articulada na formação inicial e contínua As investigações recentes sobre formação de professores apontam como questão essencial o fato de que os professores desempenham uma atividade teórico-prática. É difícil pensar na possibilidadede educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. A profissão de professor precisa combinar sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. Por essa razão, ao se pensar um currículo de formação, a ênfase na prática como atividade formadora aparece, à primeira vista, como exercício formativo para o futuro professor. Entretanto, em termos mais amplos, é um dos aspectos centrais na formação do professor, em razão do que traz consequências decisivas para a formação profissional. Atualmente, em boa parte dos cursos de licenciatura, a aproximação do futuro professor à realidade escolar acontece após ele ter passado pela formação “teórica”, tanto na disciplina especifica como nas disciplinas pedagógicas. O caminho deve ser outro. Desde o ingresso dos alunos no curso, é preciso integrar os conteúdos das disciplinas em situações da prática que coloquem problemas aos futuros professores e lhes possibilitem experimentar soluções. Isso significa ter a prática, ao longo do curso, como referente direto para contrastar seus estudos e formar seus próprios conhecimentos e convicções a respeito. Ou seja, os alunos precisam conhecer o mais cedo possível os sujeitos e as situações com que irão trabalhar. Significa tomar a prática profissional como instância permanente e sistemática na aprendizagem do futuro professor e como referência para a organização curricular. Significa, também, a articulação entre formação inicial e formação continuada. Por um lado, a formação inicial estaria estreitamente vinculada aos contextos de trabalho, possibilitando pensar as disciplinas com base no que pede a prática; cai por terra aquela ideia de que o estágio é aplicação da teoria. Por outro, a formação continuada, a par de ser feita na escola a partir dos saberes e experiências dos professores adquiridos na situação de trabalho, articula-se com a formação inicial, indo os professores à universidade para uma reflexão mais apurada sobre a prática. Em ambos os casos, estamos diante de modalidades de formação em que há interação entre as práticas formativas e os contextos de trabalho. Com isso, institui-se uma concepção de formação centrada na ideia de escola como unidade básica da mudança educativa, em que as escolas são consideradas “espaços institucionais para a inovação e a melhoria e, simultaneamente, como contextos privilegiados para a formação contínua de professores” (Escudero e Botia39). A favor de um curso específico de pedagogia Conforme vimos considerando, as faculdades de educação sediariam, de forma articulada, o curso de pedagogia e a formação inicial e continuada de professores. O que é esse curso de pedagogia? Trata-se de curso para a realização da investigação em estudos pedagógicos, tomando a pedagogia como campo teórico e como campo de atuação profissional. Como campo teórico, destina-se à formação de profissionais que desejem aprimorar a reflexão e a pesquisa sobre a educação e o ensino da pedagogia, propriamente dita. Como campo de atuação profissional, destina-se à preparação de pesquisadores, planejadores, especialistas em avaliação, gestores do sistema e da escola, coordenadores pedagógicos ou de ensino, comunicadores especializados para atividades escolares e extraescolares, animadores culturais, de especialistas em educação a distância, de educadores de adultos no campo da formação continuada etc. A ampliação do campo educacional e, por consequência, da atuação pedagógica é uma realidade constatada por muitos autores. O curso de pedagogia proposto tem correlatos em praticamente todos os países do mundo, embora em alguns lugares, especialmente na Europa, receba a designação de “ciências da educação”. Poder-se- ia perguntar: por que não chamar esse curso de ciências da educação e não de pedagogia? Libâneo40 aponta, em publicação recente, quatro posições a respeito desse assunto e sobre a denominação “ciências da educação” escreve: (..) tal denominação (...) é criticada por provocar dispersão no estudo da problemática educativa, levando a uma postura pluridisciplinar ao invés de interdisciplinar. Ou seja, a autonomia dada a cada uma das ciências da educação levaria a enfoques parciais da realidade educativa, comprometendo a unidade temática e abrindo espaço para os vários reducionismos (sociológico, psicológico, econômico...), como aliás a experiência brasileira tem confirmado. 39 ESCUDERO, Juan M. e BOTIA, Bolívar. "Inovação e formação centrada na escola. Uma perspectiva da realidade espanhola". In: AMIGUINHO, Abílio e CANÁRIO, Rui (orgs.). Escolas e mudança: O papel dos Centros de Formação. Lisboa: Educa, 1994. 40 LIBÂNEO, José C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1998. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 65 Assim, assume-se que a pedagogia se apoia nas ciências da educação, mas não perde com isso sua autonomia epistemológica e não se reduz ao campo conceitual de uma ou outra, nem ao conjunto dessas ciências. A pluridimensionalidade do fenômeno educativo não elimina sua unicidade, que permite “estabelecer um corpo cientifico que tem o fenômeno educativo em seu conjunto como objeto de estudo, com a finalidade expressa de dar coerência à multiplicidade de ações parcializadas”. Nessa concepção, a pedagogia promove a síntese integradora dos diferentes processos analíticos que correspondem a cada uma das ciências da educação em seu objeto específico de estudo. Também Pimenta41 discute detidamente a questão recorrendo a vários autores, argumentando pela necessidade de a pedagogia postular sua especificidade epistemológica, de modo a não se conformar com uma mera posição de campo aplicado de outras ciências que também estudam a educação. Com base nisso, firma sua posição de que a pedagogia tem sua significação epistemológica assumindo-se como ciência da prática social da educação. Diferentemente das demais ciências da educação, a pedagogia é ciência da prática. Ela não se constrói como discurso sobre a educação, mas a partir da prática dos educadores tomada como referência para a construção de saberes, no confronto com os saberes teóricos. (...) O objeto/problema da pedagogia é a educação enquanto prática social. Daí seu caráter específico que a diferencia das demais (ciências da educação), que é o de uma ciência prática – parte da prática e a ela se dirige. A problemática educativa e sua superação constituem o ponto central de referência para a investigação. Defendemos, pois, a criação do curso de pedagogia, um curso que oferece formação teórica, científica e técnica para interessados no aprofundamento da teoria e da pesquisa pedagógica e no exercício de atividades pedagógicas específicas (planejamento de políticas educacionais, gestão do sistema de ensino e das escolas, assistência pedagógico-didática a professores e alunos, avaliação educacional, pedagogia empresarial, animação cultural, produção e comunicação nas mídias etc.). A existência desse curso tem como suporte algumas premissas: A) O fenômeno educativo sujeita-se à pluralidade de abordagens, à medida que a educação é objeto de várias ciências que o abordam de seu enfoque específico. O estudo da educação tem um caráter de multirreferencialidade – abarca tanto modalidades educativas escolares quanto extraescolares, como os movimentos sociais, a educação ambiental, educação comunitária, educação de grupos sociais marginalizados e de minorias sociais. Não é que se descarte o fato de que a educação escolar seja, ainda hoje, a forma histórica predominante de prática educativa. Mas, mesmo em benefício de uma educação escolar mais aberta e mais articulada com outras instâncias educativas fora de seu marco próprio, a ideia é a de que o educativo não se restrinja ao escolar, uma vez que abrange asrelações mais amplas entre o indivíduo e o meio humano, social, físico, ecológico, cultural, econômico. B) Se, por um lado, a compreensão ampliada da educação fortalece as ciências da educação pelo fato de a pedagogia não ser a única área científica que tem a educação como objeto de estudo, por outro, não descaracteriza a especificidade da pedagogia como uma das ciências da educação. Com efeito, cada uma das chamadas ciências da educação (sociologia da educação, psicologia da educação, linguística aplicada à educação, economia da educação etc.) aborda o fenômeno educativo da perspectiva de seus próprios conceitos e métodos de investigação, ao passo que a pedagogia se distingue por estudar o fenômeno educativo em sua totalidade, inclusive para integrar os enfoques parciais daquelas ciências em função de uma aproximação global e intencionalmente dirigida aos problemas educativos. C) Um currículo de pedagogia, além de contemplar como objeto de investigação a pluralidade das práticas educativas, concentra sua temática investigativa nos saberes pedagógicos, com a contribuição das ciências da educação, na forma de inter-relação entre os saberes científicos. Ou seja, assume-se o entendimento de pedagogia como ciência da prática social da educação para daí se definirem saberes pedagógicos. A integração de conhecimentos pela inter-relação entre saberes decorre não apenas da pluralidade que caracteriza o fenômeno educativo, mas também de uma tendência irrefreável das ciências no mundo contemporâneo buscarem a integração entre os saberes, sem perder de vista a especificidade disciplinar. 41 PIMENTA, Selma G. O pedagogo na escola pública. São Paulo: Loyola, 1988. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 66 O currículo terá uma forte orientação para a pesquisa, seja como prática acadêmica, seja como atitude. Ressaltem-se, aí, os vínculos entre o ensino e a pesquisa, a pesquisa como forma básica de construção do saber, em confronto, em questionamento, com os saberes já estabelecidos e como instrumento para desenvolvimento das competências do pensar. Tal concepção de pedagogia deveria transpassar toda a formação pedagógica nos cursos de formação de professores, da educação infantil ao Ensino Médio. A defesa de um local institucional específico para formar professores A atividade docente vem se modificando em decorrência de transformações nas concepções de escola e nas formas de construção do saber, resultando na necessidade de se repensar a intervenção pedagógico-didática na prática escolar. Um dos aspectos cruciais dessas transformações, os quais têm se evidenciado em avaliações educacionais como o Saresp, é o investimento na qualidade da formação dos docentes e no aperfeiçoamento das condições de trabalho nas escolas, para que estas favoreçam a construção coletiva de projetos pedagógicos capazes de alterar os quadros de reprovação, retenção e da qualidade social e humana dos resultados da escolarização. Tem sido unânime a insatisfação de gestores, pesquisadores e professores com as formas convencionais de se formar professores em nosso país. Realizados em dois níveis de ensino – Médio e Superior –, os atuais cursos não dão conta de preparar o professor com a qualidade que se exige hoje desse profissional. No nível médio, realiza-se a formação dos professores das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental e, em alguns casos, a formação dos professores para a educação infantil. Às vezes esses profissionais são formados no nível superior (nos atualmente chamados cursos de pedagogia). Os professores para as séries seguintes do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio são formados no nível superior, recorrendo ao velho esquema dos cursos de bacharelado e licenciatura. Conforme mencionamos anteriormente, essas modalidades de formação já demonstraram historicamente seu esgotamento (em nosso país e em vários outros). Dentro desse quadro, o aprimoramento do processo de formação de professores requer muita ousadia e criatividade para que se construam novos e mais promissores modelos educacionais necessários à urgente e fundamental tarefa de melhoria da qualidade do ensino no país. A LDB no 9.394/96, em seu art. 62, estabelece como regra que a formação dos docentes para a educação fundamental e para a educação infantil far-se-á em nível superior. A elevação da formação docente em nível superior, reivindicação antiga dos educadores em nosso país e já consolidada em grande parte dos países desenvolvidos, fica assim contemplada. No mesmo art. 62, no entanto, admite- se como formação mínima para as séries iniciais e para a educação infantil, “a oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, Redação dada pela lei nº 13.415, de 2017. Que professor queremos formar? Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os meios de informação e comunicação incidem com bastante força na escola, aumentando os desafios para torná-la uma conquista democrática efetiva. Não é tarefa simples nem para poucos. Transformar as escolas em suas práticas e culturas tradicionais e burocráticas – as quais, por meio da retenção e da evasão, acentuam a exclusão social – em escolas que eduquem as crianças e os jovens, propiciando-lhes um desenvolvimento cultural, científico e tecnológico que lhes assegure condições para fazerem frente às exigências do mundo contemporâneo, exige esforço do coletivo da escola – professores, funcionários, diretores e pais de alunos –, dos sindicatos, dos governantes e de outros grupos sociais organizados. Não se ignora que esse desafio precisa ser prioritariamente enfrentado no campo das políticas públicas. Todavia, não é menos certo que os professores são profissionais essenciais na construção dessa nova escola. Entendendo que a democratização do ensino passa pela sua formação, sua valorização profissional, suas condições de trabalho, pesquisas e experiências inovadoras têm apontado para a importância do investimento no desenvolvimento profissional dos professores. O desenvolvimento profissional envolve formação inicial e contínua articuladas a um processo de valorização identitária e profissional dos professores. Identidade que é epistemológica, ou seja, que reconhece a docência como um campo de conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos, a saber: conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes; conteúdos didático-pedagógicos (diretamente relacionados ao campo da prática profissional); conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos (do campo teórico da prática educacional) e conteúdos ligados à explicitação do sentido da existência humana (individual, sensibilidade pessoal e social). E 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 67 identidade que é profissional. Ou seja, a docência constituiu um campo específico de intervenção profissional na prática social – não é qualquer um que pode ser professor. Uma visão progressista de desenvolvimento profissional exclui uma concepção de formação baseada na racionalidade técnica (em que os professores são considerados mero executores de decisões alheias) e assume a perspectiva de considerá-los em sua capacidade de decidir e de rever suas práticas e as teorias que as informam, pelo confronto de suas ações cotidianas com as produções teóricas, pela pesquisa da prática e a produção de novos conhecimentos para a teoria e a prática de ensinar. Considera, assim, que as transformações das práticas docentes só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, a da sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupõeconhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade. Dessa forma, os professores contribuem para a criação, o desenvolvimento e a transformação nos processos de gestão, nos currículos, na dinâmica organizacional, nos projetos educacionais e em outras formas de trabalho pedagógico. Por esse raciocínio, reformas gestadas nas instituições, sem tomar os professores como parceiros/autores, não transformam a escola na direção da qualidade social. Em consequência, valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá sua atividade docente. Nas últimas décadas assistimos a uma ampliação das oportunidades de acesso à escola, em que pesem as diferenças entre as regiões. Poder-se-ia concluir que o país tem uma escola que realizou a inclusão social de todos? Não nos parece, pois a essa ampliação quantitativa, em grande parte resultante da reivindicação dos educadores e da população, não correspondeu a melhoria das condições de trabalho, de jornada, de organização e funcionamento, de formação e valorização do professor, fatores essenciais para a qualidade do ensino. Sem isso, a escola quantitativamente ampliada permanece excludente. Ao desenvolver um ensino aligeirado, impossibilita a inserção social de crianças e jovens de classes sociais mais pobres em igualdade de condições com aqueles dos segmentos economicamente favorecidos, acentuando a exclusão social. Uma escola que inclua, ou seja, que eduque todas as crianças e jovens, com qualidade, superando os efeitos perversos das retenções e evasões, propiciando-lhes um desenvolvimento cultural que lhes assegure condições para fazerem frente às exigências do mundo contemporâneo, precisa de condições para que, com base na análise e na valorização das práticas existentes que já apontam para formas de inclusão, se criem novas práticas: de aula, de gestão, de trabalho dos professores e dos alunos, formas coletivas, currículos interdisciplinares, uma escola rica de material e de experiências, como espaço de formação contínua, e tantas outras. Por sua vez, os professores contribuem com seus saberes específicos, seus valores, suas competências, nessa complexa empreitada, para o que se requer condições salariais e de trabalho, formação inicial de qualidade e espaços de formação contínua. Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se dos processos de formação que desenvolvam conhecimentos e habilidades, competências, atitudes e valores que possibilitem aos professores ir construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilizem os conhecimentos da teoria da educação e do ensino, das áreas do conhecimento necessárias à compreensão do ensino como realidade social, e que desenvolvam neles a capacidade de investigar a própria atividade (a experiência) para, a partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades como professores. Em síntese, dizemos que o professor é um profissional do humano que: ajuda o desenvolvimento pessoal/intersubjetivo do aluno; um facilitador do acesso do aluno ao conhecimento (informador informado); um ser de cultura que domina de forma profunda sua área de especialidade (científica e pedagógica/educacional) e seus aportes para compreender o mundo; um analista crítico da sociedade, portanto, que nela intervém com sua atividade profissional; um membro de uma comunidade de profissionais, portanto, científica (que produz conhecimento sobre sua área) e social. Esse profissional deve ser formado nas universidades, que é o lugar da produção social do conhecimento, da circulação da produção cultural em diferentes áreas do saber e do permanente exercício da crítica histórico-social. A Organização da Aula e Seus Componentes Didáticos do Processo Educacional A aula é a forma predominante pela qual é organizado o processo de ensino e aprendizagem. É o meio pelo qual o professor transmite aos seus alunos conhecimentos adquiridos no seu processo de formação, 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 68 experiências de vida, conteúdos específicos para a superação de dificuldades e meios para a construção de seu próprio conhecimento, nesse sentido sendo protagonista de sua formação humana e escolar. É ainda o espaço de interação entre o professor e o indivíduo em formação constituindo um espaço de troca mútua. A aula é o ambiente propício para se pensar, criar, desenvolver e aprimorar conhecimentos, habilidades, atitudes e conceitos, é também onde surgem os questionamentos, indagações e respostas, em uma busca ativa pelo esclarecimento e entendimento acerca desses questionamentos e investigações. Por intermédio de um conjunto de métodos, o educador busca melhor transmitir os conteúdos, ensinamentos e conhecimentos de uma disciplina, utilizando-se dos recursos disponíveis e das habilidades que possui para infundir no aluno o desejo pelo saber. Deve-se ainda compreender a aula como um conjunto de meios e condições por meio das quais o professor orienta, guia e fornece estímulos ao processo de ensino em função da atividade própria dos alunos, ou seja, da assimilação e desenvolvimento de habilidades naturais do aluno na aprendizagem educacional. Sendo a aula um lugar privilegiado da vida pedagógica refere-se às dimensões do processo didático preparado pelo professor e por seus alunos. Aula é toda situação didática na qual se põem objetivos, conhecimentos, problemas, desafios com fins instrutivos e formativos, que incitam as crianças e jovens a aprender. Cada aula é única, pois ela possui seus próprios objetivos e métodos que devem ir de acordo com a necessidade observada no educando. A aula é norteada por uma série de componentes, que vão conduzir o processo didático facilitando tanto o desenvolvimento das atividades educacionais pelo educador como a compreensão e entendimento pelos indivíduos em formação; ela deve, pois, ter uma estruturação e organização, afim de que sejam alcançados os objetivos do ensino. Ao preparar uma aula o professor deve estar atento às quais interesses e necessidades almeja atender, o que pretende com a aula, quais seus objetivos e o que é de caráter urgente naquele momento. A organização e estruturação didática da aula têm por finalidade proporcionar um trabalho mais significativo e bem elaborado para a transmissão dos conteúdos. O estabelecimento desses caminhos proporciona ao professor um maior controle do processo e aos alunos uma orientação mais eficaz, que vá de acordo com previsto. As indicações das etapas para o desenvolvimento da aula, não significa que todas elas devam seguir um cronograma rígido, pois isso depende dos objetivos, conteúdos da disciplina, recursos disponíveis e das características dos alunos e de cada aluno e situações didáticas especificas. Dentro da organização da aula destacaremos agora seus Componentes Didáticos, que são também abordados em alguns trabalhos como elementos estruturantes do ensino didático. São eles: os objetivos (gerais e específicos), os conteúdos, os métodos, os meios e as avaliações. Objetivos São metas que se deseja alcançar, para isso usa-se de diversos meios para se chegar ao esperado. Os objetivos educacionais expressam propósitos definidos, pois o professor quando vai ministrar a aula já vai com os objetivos definidos. Eles têm por finalidade, preparar o docente para determinar o que se requer com o processo de ensino, isto é prepará-lo para estabelecer quais as metas a serem alcançadas, eles constituem uma açãointencional e sistemática. Os objetivos são exigências que requerem do professor um posicionamento reflexivo, que o leve a questionamentos sobre a sua própria prática, sobre os conteúdos os materiais e os métodos pelos quais as práticas educativas se concretizam. Ao elaborar um plano de aula, por exemplo, o professor deve levar em conta muitos questionamentos acerca dos objetivos que aspira, como O que? Para que? Como? E Para quem ensinar? É isso só irá melhorar didaticamente as suas ações no planejamento da aula. Não há prática educativa sem objetivos; uma vez que estes integram o ponto de partida, as premissas gerais para o processo pedagógico. Os objetivos são um guia para orientar a prática educativa sem os quais não haveria uma lógica para orientar o processo educativo. Para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça de modo mais organizado faz-se necessário, classificar os objetivos de acordo com os seus propósitos e abrangência, se são mais amplos, denominados objetivos gerais e se são destinados a determinados fins com relação aos alunos, chamados de objetivos específicos. Objetivos Gerais: exprimem propósitos mais amplos acerca do papel da escola e do ensino diante das exigências postas pela realidade social e diante do desenvolvimento da personalidade dos alunos. Por isso ele também afirma que os objetivos educacionais transcendem o espaço da sala de aula atuando 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 69 na capacitação do indivíduo para as lutas sociais de transformação da sociedade, e isso fica claro, uma vez que os objetivos têm por fim formar cidadãos que venham a atender os anseios da coletividade. Objetivos Específicos: compreendem as intencionalidades específicas para a disciplina, os caminhos traçados para que se possa alcançar o maior entendimento, desenvolvimento de habilidades por parte dos alunos que só se concretizam no decorrer do processo de transmissão e assimilação dos estudos propostos pelas disciplinas de ensino e aprendizagem. Expressam as expectativas do professor sobre o que deseja obter dos alunos no decorrer do processo de ensino. Têm sempre um caráter pedagógico, porque explicitam a direção a ser estabelecida ao trabalho escolar, em torno de um programa de formação. Conteúdos Os conteúdos de ensino são constituídos por um conjunto de conhecimentos. É a forma pela qual, o professor expõe os saberes de uma disciplina para ser trabalhado por ele e pelos seus alunos. Esses saberes são advindos do conjunto social formado pela cultura, a ciência, a técnica e a arte. Constituem ainda o elemento de mediação no processo de ensino, pois permitem ao discente através da assimilação o conhecimento histórico, cientifico, cultural acerca do mundo e possibilitam ainda a construção de convicções e conceitos. O professor, na sala de aula, utiliza-se dos conteúdos da matéria para ajudar os alunos a desenvolverem competências e habilidades de observar a realidade, perceber as propriedades e características do objeto de estudo, estabelecer relações entre um conhecimento e outro, adquirir métodos de raciocínio, capacidade de pensar por si próprios, fazer comparações entre fatos e acontecimentos, formar conceitos para lidar com eles no dia-a-dia de modo que sejam instrumentos mentais para aplicá-los em situações da vida prática. Neste contexto pretende-se que os conteúdos aplicados pelo professor tenham como fundamento não só a transmissão das informações de uma disciplina, mas que esses conteúdos apresentem relação com a realidade dos discentes e que sirvam para que os mesmos possam enfrentar os desafios impostos pela vida cotidiana. Estes devem também proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais e cognitivas do aluno, que o levem ao desenvolvimento crítico e reflexivo acerca da sociedade que integram. Os conteúdos de ensino devem ser vistos como uma relação entre os seus componentes, matéria, ensino e o conhecimento que cada aluno já traz consigo. Pois não basta apenas a seleção e organização lógica dos conteúdos para transmiti-los. Antes os conteúdos devem incluir elementos da vivência prática dos alunos para torná-los mais significativos, mais vivos, mais vitais, de modo que eles possam assimilá- los de forma ativa e consciente. Ao proferir estas palavras, o autor aponta para um elemento de fundamental importância na preparação da aula, a contextualização dos conteúdos. A) Contextualização dos conteúdos A contextualização consiste em trazer para dentro da sala de aula questões presentes no dia a dia do aluno e que vão contribuir para melhorar o processo de ensino e aprendizagem do mesmo. Valorizando desta forma o contexto social em que ele está inserido e proporcionando a reflexão sobre o meio em que se encontra, levando-o a agir como construtor e transformador deste. Então, pois, ao selecionar e organizar os conteúdos de ensino de uma aula o professor deve levar em consideração a realidade vivenciada pelos alunos. B) A relação professor-aluno no processo de ensino e aprendizagem O professor no processo de ensino é o mediador entre o indivíduo em formação e os conhecimentos prévios de uma matéria. Tem como função planejar, orientar a direção dos conteúdos, visando à assimilação constante pelos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades. É uma ação conjunta em que o educador é o promotor, que faz questionamentos, propõem problemas, instiga, faz desafios nas atividades e o educando é o receptor ativo e atuante, que através de suas ações responde ao proposto produzindo assim conhecimentos. O papel do professor é levar o aluno a desenvolver sua autonomia de pensamento. Métodos de Ensino Métodos de ensino são as formas que o professor organiza as suas atividades de ensino e de seus alunos com a finalidade de atingir objetivos do trabalho docente em relação aos conteúdos específicos que serão aplicados. Os métodos de ensino regulam as formas de interação entre ensino e aprendizagem, 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 70 professor e os alunos, na qual os resultados obtidos é assimilação consciente de conhecimentos e desenvolvimento das capacidades cognoscitivas e operativas dos alunos. Segundo Libâneo a escolha e organização os métodos de ensino devem corresponder à necessária unidade objetivos-conteúdos-métodos e formas de organização do ensino e as condições concretas das situações didáticas. Os métodos de ensino dependem das ações imediatas em sala de aula, dos conteúdos específicos, de métodos peculiares de cada disciplina e assimilação, além disso, esses métodos implica o conhecimento das características dos alunos quanto à capacidade de assimilação de conteúdos conforme a idade e o nível de desenvolvimento mental e físico e suas características socioculturais e individuais. A relação objetivo-conteúdo-método procuram mostrar que essas unidades constituem a linhagem fundamental de compreensão do processo didático: os objetivos, explicitando os propósitos pedagógicos intencionais e planejados de instrução e educação dos alunos, para a participação na vida social; os conteúdos, constituindo a base informativa concreta para alcançar os objetivos e determinar os métodos; os métodos, formando a totalidade dos passos, formas didáticas e meios organizativos do ensino que viabilizam a assimilação dos conteúdos, e assim, o atingimento dos objetivos. No trabalho docente, os professores selecionam e organizam seus métodos e procedimentos didáticos de acordo com cada matéria. Dessa forma destacamos os principais métodos de ensino utilizado pelo professor em sala de aula: método de exposição pelo professor, método de trabalho independente, método de elaboração conjunta, método de trabalho em grupo. Nestes métodos, os conhecimentos,habilidades e tarefas são apresentados, explicadas e demonstradas pelo professor, além dos trabalhos planejados individuais, a elaboração conjunta de atividades entre professores e alunos visando à obtenção de novos conhecimentos e os trabalhos em grupo. Dessa maneira designamos todos os meios e recursos matérias utilizados pelo professor e pelos alunos para organização e condução metódica do processo de ensino e aprendizagem. Avaliação Escolar A avaliação escolar é uma tarefa didática necessária para o trabalho docente, que deve ser acompanhado passo a passo no processo de ensino e aprendizagem. Através da mesma, os resultados vão sendo obtidos no decorrer do trabalho em conjunto entre professores e alunos, a fim de constatar progressos, dificuldades e orientá-los em seus trabalhos para as correções necessárias. A avaliação escolar é uma tarefa complexa que não se resume à realização de provas e atribuição de notas, ela cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnóstico e de controle em relação ao rendimento escolar. A função pedagógico-didática refere-se ao papel da avaliação no cumprimento dos objetivos gerais e específicos da educação escolar. Ao comprovar os resultados do processo de ensino, evidencia ou não o atendimento das finalidades sociais do ensino, de preparação dos alunos para enfrentar as exigências da sociedade e inseri-los ao meio social. Ao mesmo tempo, favorece uma atitude mais responsável do aluno em relação ao estudo, assumindo-o como um dever social. Já a função de diagnóstico permite identificar progressos e dificuldades dos alunos e a atuação do professor que, por sua vez, determinam modificações do processo de ensino para melhor cumprir as exigências dos objetivos. A função do controle se refere aos meios e a frequência das verificações e de qualificação dos resultados escolares, possibilitando o diagnóstico das situações didáticas. No entanto, a avaliação durante a pratica escolar tem sido bastante criticada sobre tudo por reduzir-se à sua função de controle, mediante a qual se faz uma classificação quantitativa dos alunos relativa às notas que obtiveram nas provas. Os professores não têm conseguido usar os procedimentos de avaliação que sem dúvida, implicam o levantamento de dados por meio de testes, trabalhos escritos etc. Em relação aos objetivos, funções e papel da avaliação na melhoria das atividades escolares e educativas, tem-se verificado na pratica escolar alguns equívocos. O mais comum é tomar a avaliação unicamente como o ato de aplicar provas, atribuir notas e classificar os alunos. O professor reduz a avaliação à cobrança daquilo que o aluno memorizou e usa a nota somente como instrumento de controle. Tal ideia é descabida, primeiro porque a atribuição de notas visa apenas o controle formal, com objetivo classificatório e não educativo; segundo porque o que importa é o veredito do professor sobre o grau de adequação e conformidade do aluno ao conteúdo que transmite. Outro equívoco é utilizar a avaliação como recompensa aos bons alunos e punição para os desinteressados, além disso, os professores confiam demais em seu olho clínico, dispensam verificações parciais no decorrer das aulas e aqueles que rejeitam as medidas quantitativas de aprendizagem em favor de dados qualitativos. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 71 O entendimento correto da avaliação consiste em considerar a relação mútua entre os aspectos quantitativos e qualitativos. A escola cumpre uma função determinada socialmente, a de introduzir as crianças, jovens e adultos no mundo da cultura e do trabalho, tal objetivo não surge espontaneamente na experiência das crianças, jovens e adultos, mas supõe as perspectivas traçadas pela sociedade e controle por parte do professor. Por outro lado, a relação pedagógica requer a independência entre influências externas e condições internas do aluno, pois nesse contexto o professor deve organizar o ensino objetivando o desenvolvimento autônomo e independente do aluno. Centro de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores (CFPD): uma proposta Tendo argumentado sobre a especificidade da pedagogia e da formação de pedagogos stricto sensu, não identificados com professores, e explicitado a importância da formação destes, ampliada para o conceito de desenvolvimento profissional, passamos a propor a nossa visão da formação de professores. Um ponto de vista radical sobre essa questão leva ao enfrentamento do desafio da definição dos locais institucionais para a formação desses profissionais e de orientações explícitas sobre a organização curricular, assegurando um suporte legal de marcos institucionais e curriculares nacionais. Dessa forma, acreditamos que são necessárias decisões por parte das instâncias normativas do sistema educacional que considerem o tratamento global da questão, revendo os locais institucionais de formação – de modo a superar os evidentes (e consensuais) problemas e impasses que têm marcado a formação de professores tanto nas faculdades de educação como nos institutos/ departamentos/cursos das universidades – e estabelecendo orientações mais específicas para a organização curricular dos cursos, contemplando a formação pedagógica e a específica no âmbito dos saberes disciplinares. Por isso, sugerimos que a Faculdade (Centro) de Educação incorpore em sua estrutura, ao lado do curso de pedagogia, o Centro de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores – CFPD – que terá quatro objetivos: A) formação e preparação profissional de professores para atuar na educação básica: educação infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio; B) desenvolver, em colaboração com outras instituições (Estado, sindicatos etc.), a formação contínua e o desenvolvimento profissional dos professores; C) realizar pesquisas na área de formação e desenvolvimento profissional de professores; D) preparação profissional de professores que atuam no Ensino Superior. Esses objetivos configuram um projeto pedagógico próprio para a formação e o desenvolvimento profissional de professores. Por que em um centro específico e nas faculdades de educação? A inserção na estrutura das faculdades (centros) de educação do CFPD pretende ser uma virada de rumo na formação de professores. É preciso uma mudança radical nas formas institucionais e curriculares de formação de professores, superando o atual esquema do bacharelado e da licenciatura, que não responde mais às necessidades prementes de qualificação profissional para um tempo novo. Centrar a formação de professores numa instituição modelar como têm sido as faculdades de educação e atribuir- lhe a responsabilidade de concatenar, no âmbito das universidades, as políticas e planos de formação de professores, em estreita articulação com os institutos, faculdades ou departamentos das áreas especificas, pode ser garantia não apenas de melhoria da qualidade de formação, mas da profissionalidade do professorado, de modo que se configurem sua identidade e seu estatuto profissional. As faculdades de educação têm sido, ao longo destas décadas, local da produção do conhecimento sobre educação e ensino que, na maioria das vezes, tem sido ignorado pelos institutos/departamentos/cursos específicos. No entanto, os problemas encontrados nas atuais faculdades de educação e que exigem destas uma reformulação, referem-se, a nosso ver, de um lado, à ambiguidade nelas presente quanto ao tratamento das “ciências da educação” dissociadas das questões referentes à profissionalidade docente e, de outro, à ambiguidade dos cursos de pedagogia que, ao se restringirem à formação dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental ou à formação técnico-burocrática dos “especialistas”, conforme tratamos no item anterior, perderam sua especificidadede produção do conhecimento na área educacional. Há que se considerar, ainda, a desigualdade de importância entre os saberes constitutivos da docência na formação dos professores, privilegiando aqueles relacionados às competências didático-pedagógicas 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 72 do ensino (metodologias e práticas de ensinar), considerados de modo fragmentado e dissociados das áreas específicas e apenas disciplinares e os relacionados aos saberes pedagógicos mais amplos. Estes, via de regra, desarticulados daqueles. Por sua vez, os institutos/departamentos/cursos, via de regra, desenvolvem os conteúdos específicos das áreas, ignorando a docência como atividade profissional de seus egressos e, portanto, ignorando os conhecimentos pedagógicos/educacionais necessários à mediação profissional dos especialistas em atividades de ensinar. Considerem-se, também, as enormes dificuldades que ambos, faculdades de educação e institutos, encontram para valorizar e efetivar a pesquisa sobre ensino e docência nas respectivas instituições, por tratarem de área tradicionalmente menos prestigiada na comunidade científica nacional e internacional. Já há um consenso em algumas universidades, faculdades de educação, institutos, comunidades científicas e nas áreas de ensino e entidades de educadores, de que a formação de professores precisa se constituir em um projeto pedagógico próprio, articulado entre diferentes instâncias de formação de professor. O que favoreceria, inclusive, a valorização dessa área na comunidade científica, em termos de verbas para projetos, pesquisas, experiências inovadoras e até articulação entre as instâncias de formação inicial e os locais sociais de exercício da profissão docente. Um centro específico de formação, pesquisa e desenvolvimento profissional de professores possibilitaria a superação da hoje dicotômica visão da docência. O exercício profissional em um dado nível do ensino configura uma dimensão de uma totalidade que é a docência. Em qualquer nível (e local: escolar e não-escolar) em que ocorra, à docência configura uma visão de conjunto, de totalidade (à semelhança do médico que, em qualquer campo de ação que atue, é médico!) e um processo contínuo. Os atuais cursos de formação não lidam com essa categoria. Os professores que atuam nas séries finais do Ensino Fundamental ignoram a problemática e as questões essenciais da docência nos demais segmentos, o que traz problemas insuperáveis nos resultados do ensino e do processo formativo, pois seus profissionais operam à docência como um conjunto de “gavetas fragmentadas e justapostas”, negando a característica de complexidade do fenômeno ensino. Em que o CFPD avança na discussão sobre a formação de professores: A institucionalização do CFPD possibilita a incorporação dos princípios que os educadores construíram ao longo dos últimos anos (explicitados nas pesquisas, nas experiências, na vivência profissional, nos movimentos de educadores pela formação profissional e em diversos fóruns de debates): A) introduz o conceito de desenvolvimento profissional, superando uma visão dicotômica da formação inicial e da formação contínua; B) toma a pesquisa como componente essencial da/na formação. Incorpora as recentes contribuições da formação do professor/pesquisador baseadas na epistemologia da prática, propondo percursos de formação teórico/práticos, nos quais a pesquisa é tanto formação do docente como este também se forma como pesquisador; C) a formação é especialmente voltada para a profissionalidade docente e para a construção da identidade do professor. Experiências bem-sucedidas (especialmente as realizadas em alguns cursos de pedagogia) mostram que os cursos que se voltaram para tematizar a formação e o exercício da docência como objeto de formação e pesquisa podem se constituir em espaços mais férteis na produção de conhecimento e mais compromissados com a prática social da docência; D) investe em sólida formação teórica nos quatro campos que constituem os saberes da docência; E) considera a prática social concreta da educação como objeto de reflexão/formação; F) considera a visão de totalidade do processo escolar/educacional; G) constitui um projeto pedagógico coletivo e interdisciplinar para a formação, desenvolvendo em igualdade de importância os quatro campos dos saberes da docência (conteúdos formativos, conforme o Documento Norteador); H) eleva a formação de todos os professores ao Ensino Superior; I) valoriza a atividade intelectual, crítica e reflexiva da docência como elemento de melhoria da qualidade da formação profissional dos professores; J) apresenta currículo e percursos de formação abertos, permitindo um vai-e-vem entre as várias instituições da universidade que desenvolvem conteúdos formativos para a docência. L) O CFPD assegurará ainda: M) um sólido curso de graduação em que estará presente a unidade ensino/pesquisa/extensão, elevando o estatuto da formação de professores e assegurando a valorização profissional, situando todos os professores no mesmo nível de formação e salários; N) a ampliação da responsabilidade das faculdades de educação e o reconhecimento da importância do seu papel na formação de professores, assim como a redefinição das responsabilidades dos 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 73 institutos/faculdades/departamentos das áreas do conhecimento, na formação dos professores dentro de um projeto mais explícito de formação profissional do professorado; O) a eleição da prática como elemento integrante de todo o percurso de formação, constituindo um princípio epistemológico da formação (e não um apêndice); P) a incorporação de contribuições de experiências bem-sucedidas de formação em nosso país. A formação de professores para qualquer um dos níveis de ensino no CFPD estará assentada na compreensão de que a escolaridade constitui um processo contínuo e uma totalidade, superando a atual fragmentação. Além disso, possibilitará que os graduados complementem e ampliem sua formação para atuar em diferentes níveis de ensino. Com base em diagnósticos de necessidades e demandas, o CFPD oferecerá programas para atendimento específico, por exemplo, na formação inicial para professores leigos, para a população indígena; desenvolvimento profissional de professores que já atuam nos sistemas escolares e outros. Tais programas poderão ser objeto de convênios com Secretarias de Educação, sindicatos etc. Por seu potencial formativo, integrarão o projeto pedagógico de formação inicial do CFPD. Referência: SANTOS, E. P. dos; BATISTA, I. C.; M. L. da S.; SILVA, M. de F. F. da. O processo didático educativo: Uma análise reflexiva sobre o processo de ensino e a aprendizagem. Disponível em: http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/pedagogia/processo-didatico-educativo-analise-reflexiva- sobre-processo-ensino-aprendizagem.htm LIBANEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido. Formação de profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de mudança. Educ. Soc., Campinas, v. 20, n. 68, p. 239-277, Dec. 1999. Questões 01. (Prefeitura de Alto Piquiri/ PR - Educador Infantil – KLC). A Didática é um ramo de estudo da Pedagogia que: (A) investiga a natureza das finalidades da educação numa sociedade. (B) busca em outras ciências os conhecimentos que esclarecem o fenômeno educativo. (C) estuda a dinâmica das relações sociais e o processo do desenvolvimento humano. (D) investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino. (E) nenhuma alternativa está correta 02. (Prefeitura de Nova Friburgo/RJ– Professor- EXATUS-PR/2015) Em relação à Didática, é incorreto afirmar que: (A) contribui para transformar a prática pedagógica da escola, aodesenvolver a compreensão articulada entre os conteúdos a serem ensinados e as práticas sociais. (B) não compete refletir acerca dos objetivos sócio-políticos e pedagógicos, ao selecionar os conteúdos e métodos de ensino. (C) realiza-se por meio de ação consciente, intencional e planejada, no processo de formação humana, estabelecendo-se objetivos e critérios socialmente determinados. (D) sua finalidade é converter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos. 03. (UFPE - Pedagogo – COVEST-COPSET). Das alternativas abaixo, assinale a compatível com a didática. (A) Didática relaciona-se com o estudo dos elementos substantivos ou nucleares do currículo. (B) Didática é reconhecida como um espaço próprio no domínio científico da educação. (C) Didática é caracterizada como um todo, organizada em função de propósitos e de saberes educativos. (D) Didática é ligada ao estudo dos processos e práticas pedagógicas institucionalizadas. (E) Didática está associada ao conteúdo, ao programa dos processos de formação. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 74 04. (SEDUC/CE - Professor Pleno I – CESPE). Com relação às características e às propriedades relativas à didática e à formação dos professores, assinale a opção correta. (A) A relação entre o professor, o aluno e o ensino de conceitos científicos constitui uma tríade na qual convergem apenas estudos teóricos de diferentes domínios do conhecimento. (B) Didática é a articulação entre teoria e prática na formação do professor. (C) A formação do professor de biologia é complexa e envolve inúmeras disciplinas que, pela especificidade de cada uma delas, não devem se complementar. (D) Um dos princípios gerais da didática é o foco em conteúdos e atividades de ensino que tenham sentido essencialmente pedagógicos. (E) Uma formação global e integral de professores de biologia requer especialização do professor em determinada disciplina do curso. Respostas 01. Resposta: D A didática então surge como objeto de estudo no processo de ensino/aprendizagem, pois este está inserido em todas as práticas educacionais, em todos os níveis de ensino, e cada prática educacional evidencia uma intenção, ideologia, objetivos e meios para serem atingidos. Desta forma ocorre o processo de ensino aprendizagem, que em momento algum é neutro, apolítico ou isolado de sua realidade político social. 02. Resposta: B Como foi visto, para Libâneo a Didática não compete refletir acerca dos objetivos sócio-políticos e pedagógicos, ao selecionar os conteúdos e métodos de ensino, é através desse processo que acontece a formação da consciência crítica dos indivíduos, fazendo-os pensar independentemente. 03. Resposta: A O currículo terá uma forte orientação para a pesquisa, seja como prática acadêmica, seja como atitude. Um currículo de pedagogia, além de contemplar como objeto de investigação a pluralidade das práticas educativas, concentra sua temática investigativa nos saberes pedagógicos, com a contribuição das ciências da educação, na forma de inter-relação entre os saberes científicos. Ou seja, assume-se o entendimento de pedagogia como ciência da prática social da educação para daí se definirem saberes pedagógicos. 04. Resposta: B A didática que fundamenta a ação docente, é através da didática que a teoria e a prática se consolidam de forma viável e eficaz, pois ela se ocupa do processo de ensino nas várias dimensões, não se restringindo apenas a educação escolar, mas investiga e orienta a formação do educador na sua totalidade. PROCESSOS PEDAGÓGICOS – ENSINO E APRENDIZAGEM 1. PRESSUPOSTOS PARA O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Através do seu próprio interesse, o aluno busca nos conteúdos apresentados pelo professor, fazer relação com sua realidade, para assim tornar sua experiência mais rica. Dessa forma, o novo conhecimento se apoia numa construção cognitiva que já existe, ou o professor auxilia na construção conhecimento no qual o discente ainda não dispõe. O nível de envolvimento na aprendizagem depende do interesse e disposição do aluno, além do empenho do professor no contexto da sala de aula. A visão da pedagogia dos conteúdos desenvolve nos alunos a capacidade de processar informações e transformar a realidade em que vive. Assim, o professor precisa compreender seus alunos, o que eles dizem ou pensam e os alunos precisam fazer o mesmo em relação a ele. Essa transferência de aprendizagem só se realiza no momento da operação mental, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais nítida e ampla. Ao fim do processo, o aluno já deve estar preparado para o mundo adulto de modo a praticar todo o aprendizado adquirido com a ajuda do professor, como a democracia, a liderança, a iniciativa e a responsabilidade, assim como ter formação ética no sentido de pensar valores, a saber, competências do pensar no âmbito da educação moral da tomada de decisões. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 75 2. O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Para Fernández42, as reflexões sobre o estado atual do processo ensino e aprendizagem nos permite identificar um movimento de ideias de diferentes correntes teóricas sobre a profundidade do binômio ensino e aprendizagem. Entre os fatores que estão provocando esse movimento podemos apontar as contribuições da Psicologia atual em relação à aprendizagem, que nos leva a repensar nossa prática educativa, buscando uma conceptualização do processo ensino e aprendizagem. As contribuições da teoria construtivista de Piaget, sobre a construção do conhecimento e os mecanismos de influência educativa têm chamado a atenção para os processos individuais, que têm lugar em um contexto interpessoal e que procuram analisar como os alunos aprendem, estabelecendo uma estreita relação com os processos de ensino em que estão conectados. Os mecanismos de influência educativa têm um lugar no processo de ensino e aprendizagem, como um processo onde não se centra atenção em um dos aspectos que o compreendem, mas em todos os envolvidos. Se analisarmos a situação atual da prática educativa em nossas escolas identificaremos problemas como: A) A grande ênfase dada a memorização, pouca preocupação com o desenvolvimento de habilidades para reflexão crítica e auto crítica dos conhecimentos que aprende; B) As ações ainda são centradas nos professores que determinam o quê e como deve ser aprendido e a separação entre educação e instrução. A solução para tais problemas está no aprofundamento de como os educandos aprendem e como o processo de ensinar pode conduzir à aprendizagem, assim o processo de ensino e aprendizagem tem sido historicamente caracterizado de formas diferentes, que vão desde a ênfase no papel do professor como transmissor de conhecimento, até as concepções atuais que concebem o processo de ensino e aprendizagem com um todo integrado que destaca o papel do educando. Nesse último enfoque, considera-se a integração do cognitivo e do afetivo, do instrutivo e do educativo como requisitos psicológicos e pedagógicos essenciais. A concepção defendida aqui é que o processo de ensino e aprendizagem é uma integração dialética entre o instrutivo e o educativo que tem como propósito essencial contribuir para a formação integral da personalidade do aluno. O instrutivo é um processo de formar homens capazes e inteligentes. Entendendo por homem inteligente quando, diante de uma situação problema ele seja capaz de enfrentar e resolver os problemas, de buscar soluções para resolver as situações. Ele tem que desenvolver sua inteligência e isso só será possível se ele for formadomediante a utilização de atividades lógicas. Já o educativo, se logra com a formação de valores, sentimentos que identificam o homem como ser social, compreendendo o desenvolvimento de convicções, vontade e outros elementos da esfera volitiva e afetiva que junto com a cognitiva permitem falar de um processo de ensino e aprendizagem que tem pôr fim a formação multilateral da personalidade do homem. A eficácia do processo de ensino e aprendizagem está na resposta em que este dá à apropriação do conhecimento, ao desenvolvimento intelectual e físico do estudante, à formação de sentimentos, qualidades e valores, que alcancem os objetivos gerais e específicos propostos em cada nível de ensino de diferentes instituições, conduzindo a uma posição transformadora, que promova as ações coletivas, a solidariedade e o viver em comunidade. Todo ato educativo obedece determinados fins e propósitos de desenvolvimento social e econômico e em consequência responde a determinados interesses sociais, sustentam-se em uma filosofia da educação, adere a concepções epistemológicas específicas, leva em conta os interesses institucionais e, depende, em grande parte, das características, interesses e possibilidades dos sujeitos participantes, alunos, professores, comunidades escolares e demais fatores do processo. A visão tradicional do processo ensino e aprendizagem é que ele é um processo neutro, transparente, afastado da conjuntura de poder, história e contexto social. O processo ensino e aprendizagem deve ser compreendido como uma política cultural, isto é, como um empreendimento pedagógico que considera com seriedade as relações de raça, classe, gênero e poder na produção e legitimação do significado e experiência. Tradicionalmente, este processo tem reproduzido as relações capitalistas de produção e ideologias legitimadoras dominantes ao ignorarem importantes questões referentes às relações entre conhecimento x poder e cultura x política. O produto do processo ensino e aprendizagem é o conhecimento. Partindo 42 Texto adaptado de FERNÁNDEZ. F. A., 1998. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 76 desse princípio, concebe-se que o conhecimento é uma construção social, assim torna-se necessário examinar a constelação de interesses econômicos, políticos e sociais que as diferentes formas de conhecer podem refletir. Para que o processo ensino e aprendizagem possa gerar possibilidades de emancipação é necessário que os professores compreendam a razão de ser dos problemas que enfrentam e assuma um papel de sujeito na organização desse processo. As influências sócio-político econômicas, exercem sua ação inclusive nos pequenos atos que ocorrem na sala de aula, ainda que não sejam conscientes. Ao selecionar algum destes componentes para aprofundar deve-se levar em conta a unidade, os vínculos e os nexos com os outros componentes. O componente é uma propriedade ou atributo de um sistema que o caracteriza; não é uma parte do sistema e sim uma propriedade do mesmo, uma propriedade do processo docente-educativo como um todo. Identificamos como componente do processo de ensino e aprendizagem: A) Aluno - devem responder a pergunta: "quem?" B) Problema – elemento que é determinado a partir da necessidade do aprendiz. C) Objetivo – deve responder a pergunta: "Para que ensinar?" D) Conteúdo - deve responder a pergunta: "O que aprender?" E) Métodos - deve responder a pergunta: "Como desenvolver o processo?" F) Recursos - deve responder a pergunta: "Com o quê?" G) Avaliação - elemento regulador, sua realização oferece informação sobre a qualidade do processo de ensino aprendizagem, sobre a efetividade dos outros componentes e das necessidades de ajuste, modificações que o sistema deve usufruir. A integração de todos os componentes forma o sistema, neste caso o processo de ensino e aprendizagem. As reflexões sobre o caráter sistêmico dos componentes do processo de ensino e aprendizagem e suas relações são importantes em função do caráter bilateral da comunicação entre professor-aluno; aluno-aluno, grupo-professor, professor-professor. 3. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM ORGACIONAL A questão da aprendizagem tem sido amplamente discutida, ocupando um espaço considerável em discussões educacionais e profissionais da atualidade; porém não se trata de algo totalmente novo, nem mesmo em ambientes organizacionais. As empresas aprendem a operar a produção e vão melhorando os seus processos a partir de suas próprias experiências, alimentadas por informações advindas do mercado e da concorrência. De acordo com Bell (1984)43, este tipo de aprendizado é passivo, automático e não implica custos adicionais, sendo porém limitado. Há, entretanto, outras formas de aprendizagem, que exigem determinação e postura ativa, envolvendo considerável esforço e investimento. São os processos de aprendizagem por meio da mudança, da análise do desempenho, do treinamento, da contratação e da busca, detalhados a seguir: A) A introdução de novas tecnologias ou qualquer outro elemento que aponte a necessidade de mudança, estrutural ou processual, impele as organizações à aprendizagem. As experiências e conhecimentos, positivos ou negativos, adquiridos ao longo de processos de mudança são extremamente enriquecedores, conferindo à organização um plus que todos os processos de aprendizagem oferecem. B) A análise do desempenho da organização em termos produtivos também irá conduzir à aprendizagem, não só em função da apreciação do comportamento de determinados índices que indicarão a necessidade de manutenção do processo produtivo ou sua correção, mas também como decorrência da necessidade de se buscarem índices de desempenho confiáveis e expressivos. 4. O CONTEXTO ORGANIZACIONAL ATUAL E O IMPERATIVO DE UMA NOVA DINÂMICA DE APRENDIZAGEM De fato as tendências do mundo atual têm influenciado as organizações na busca da aprendizagem. A rápida disseminação de informações e a própria renovação do conhecimento, impulsionadas pelo avanço constante da ciência e da tecnologia, têm forçado as pessoas a renovar e a adquirir novos conhecimentos, sob pena de se tornarem obsoletas. 43 ALPERSTEDT, Cristiane. Universidades corporativas: discussão e proposta de uma definição. Rev. adm. Contemp. Curitiba, v. 5, n. 3, p. 149-165, Dec. 2001. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 77 A necessidade de aquisição e renovação dos conhecimentos é percebida de modo individual e também organizacional. As pessoas estão dispostas a desenvolver e aumentar seus estoques de conhecimento, porque percebem as potenciais ameaças do ambiente sobre a passividade intelectual, abalando principalmente questões de segurança profissional. As organizações precisam de capacidade criativa e de competências para se tornarem mais ágeis. Não só em termos de capacidade de resposta às mudanças, mas também em termos de capacidade para estar à frente delas. Baseados na necessidade de transformar as organizações em organizações de aprendizagem, uma série de autores, recomendam diferentes práticas para a promoção do aprendizado organizacional, todas destacando o papel da mudança e inovação organizacional. Esta competência para mudar e inovar implica a necessidade de a organização possuir maior expertise. Segundo Drucker “as dinâmicas do conhecimento implicam num imperativo claro: cada organização precisa embutir o gerenciamento das mudanças em sua própria estrutura”. É, portanto, responsabilidade de cada organização tornar esta expertise disponível. Em outras palavras, além das pessoas estarem forçosamente motivadas a aprender, é papel das organizações contribuir e operacionalizar o aprendizado.5. AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO O Conhecimento humano, dependendo dos diferentes referencias, é explicado diversamente em sua gênese e desenvolvimento, o que condiciona conceitos diversos de homem, mundo, cultura, sociedade, educação, etc. Dentro de um mesmo referencial, é possível haver abordagens diversas, tendo em comum apenas os diferentes primados: ora do objeto, ora do sujeito, ora da interação de ambos. Diferentes posicionamentos pessoais deveriam derivar diferentes arranjos de situações ensino aprendizagem e diferentes ações educativas em sala de aula, partindo-se do pressuposto de que a ação educativa exercida por professores em situações planejadas de ensino-aprendizagem é sempre intencional. Subjacente a esta ação, estaria presente – implícita ou explicitamente, de forma articulada ou não – um referencial teórico que compreendesse conceitos de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, etc. O estudo acerca das diferentes linhas pedagógicas, tendências ou abordagens, no ensino brasileiro podem fornecer diretrizes à ação docente, mesmo considerando que a elaboração que cada professor faz delas é individual e intransferível. De acordo com Mizukami (1986)44, algumas abordagens apresentam claro referencial filosófico e psicológico, ao passo que outras são intuitivas ou fundamentadas na prática, ou na imitação de modelos. A complexidade da realidade educacional deve ser considerada para não ser tratada de forma simplista e reducionista. Nesse estudo, deve-se ter em mente seu caráter parcial e arbitrário, assim como as limitações e problemas decorrentes da delimitação e caracterização (necessárias) de cada abordagem. A professora assim, não incluiu em seus estudos a abordagem escola novista, introduzida no Brasil através do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (Anísio Teixeira, Gustavo Capanema e outros), a partir da década de 1930. Ela justifica sua opção por considerar que essa abordagem pode ser tomada como didaticista, por suas atribuições aos aspectos didáticos, e por possuir diretrizes incluídas em outras abordagens. Argumenta ainda que, as demais abordagens, apresentadas por ela, apresentam justificativas teóricas ou evidências empíricas. Mas reconhece que trata-se de uma abordagem com possível influência na formação de professores no Brasil. A) Abordagem Tradicional Trata-se de uma concepção e uma prática educacionais que persistem no tempo, em suas diferentes formas, e que passaram a fornecer um quadro diferencial para todas as demais abordagens que a ela se seguiram. Como se sabe, o adulto, na concepção tradicional, é considerado como homem acabado, "pronto" e o aluno um "adulto em miniatura", que precisa ser atualizado. O ensino será centrado no professor. O aluno apenas executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades exteriores. - Homem: O homem é considerado como inserido num mundo que irá conhecer através de informações que lhe serão fornecidas. É um receptor passivo até que, repleto das informações necessárias, pode repeti-las a outros que ainda não as possuam, assim como pode ser eficiente em sua profissão, quando de posse dessas informações e conteúdos. 44 MIZUKAMI, Maria da Graça. Ensino as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 78 - Mundo: A realidade é algo que será transmitido ao indivíduo principalmente pelo processo de educação formal, além de outras agências, tais como família, Igreja. - Sociedade/Cultura: O objetivo educacional normalmente se encontra intimamente relacionado aos valores apregoados pela sociedade na qual se realiza. Os Programas exprimem os níveis culturais a serem adquiridos na trajetória da educação formal. A reprovação do aluno passa a ser necessária quando o mínimo cultural para aquela faixa não foi atingido, e as provas e exames são necessários a constatação de que este mínimo exigido para cada série foi adquirido pelo aluno. O diploma pode ser tomado como um instrumento de hierarquização. Dessa forma, o diploma iria desempenhar um papel mediador entre a formação cultural e o exercício de funções sociais determinadas. Pode-se afirmar que as tendências englobadas por esse tipo de abordagem possuem uma visão individualista do processo educacional, não possibilitando, na maioria das vezes, trabalhos de cooperação nos quais o futuro cidadão possa experimentar a convergência de esforços. - Conhecimento: Parte-se do pressuposto de que a inteligência seja uma faculdade capaz de acumular/armazenar informações. Aos alunos são apresentados somente os resultados desse processo, para que sejam armazenados. Evidencia-se o caráter cumulativo do conhecimento humano, adquirido pelo indivíduo por meio de transmissão, de onde se supõe o papel importante da educação formal e da instituição escola. Atribui-se ao sujeito um papel insignificante na elaboração e aquisição do conhecimento. Ao indivíduo que está "adquirindo" conhecimento compete memorizar definições, anunciando leis, sínteses e resumos que lhes são oferecidos no processo de educação formal. - Educação: Entendida como instrução, caracterizada como transmissão de conhecimentos e restrita à ação da escola. Às vezes, coloca-se que, para que o aluno possa chegar, e em condições favoráveis, há uma confrontação com o modelo, é indispensável uma intervenção do professor, uma orientação do mestre. Trata-se, pois, da transmissão de ideias selecionadas e organizadas logicamente. - Escola: A escola, é o lugar por excelência onde se realiza a educação, a qual se restringe, a um processo de transmissão de informações em sala de aula e funciona como uma agência sistematizadora de uma cultura complexa. Considera o ato de aprender como uma cerimônia e acha necessário que o professor se mantenha distante dos alunos. Uma escola desse tipo é frequentemente utilitarista quanto a resultados e programas preestabelecidos. As possibilidades de cooperação entre pares são reduzidas, já que a natureza da grande parte das tarefas destinadas aos alunos exige participação individual de cada um deles. - Ensino/Aprendizagem: A ênfase é dada às situações de sala de aula, onde os alunos são "instruídos" e "ensinados" pelo professor. Os conteúdos e as informações têm de ser adquiridos, os modelos imitados. Seus elementos fundamentais são imagens estáticas que progressivamente serão "impressas" nos alunos, cópias de modelos do exterior que serão gravadas nas mentes individuais. Uma das decorrências do ensino tradicional, já que a aprendizagem consiste em aquisição de informações e demonstrações transmitidas, é a que propicia a formação de reações estereotipadas, de automatismos denominados hábitos, geralmente isolados uns dos outros e aplicáveis, quase sempre, somente às situações idênticas em que foram adquiridos. O aluno que adquiriu o hábito ou que "aprendeu" apresenta, com frequência, compreensão apenas parcial. Ignoram-se as diferenças individuais. É um ensino que se preocupa mais com a variedade e quantidade de noções/conceitos/informações que com a formação do pensamento reflexivo. - Professor/Aluno: O professor/aluno é vertical, sendo que (o professor) detém o poder decisório quanto a metodologia, conteúdo, avaliação, forma de interação na aula etc. O professor detém os meios coletivos de expressão. A maior parte dos exercícios de controle e dos de exames se orienta para a reiteração dos dados e informações anteriormente fornecidos pelos manuais. - Metodologia: Se baseia na aula expositiva e nas demonstrações do professor a classe, tomada quase como auditório. O professor já traz o conteúdo pronto e o aluno se limita exclusivamente a escutá- lo a didática profissional quase que poderia ser resumida em dar a lição e tomar a lição.No método expositivo como atividade normal, está implícito o relacionamento professor - aluno, o professor é o agente e o aluno é o ouvinte. O trabalho continua mesmo sem a compreensão do aluno somente uma verificação a posteriori é que permitirá o professor tomar consciência deste fato. Quanto ao atendimento individual há dificuldades pois a classe fica isolada e a tendência é de se tratar todos igualmente. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 79 - Avaliação: A avaliação visa a exatidão da reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula. As notas obtidas funcionam na sociedade como níveis de aquisição do patrimônio cultural. B) Abordagem Copormentalista O conhecimento é uma "descoberta" e é nova para o indivíduo que a faz. O que foi descoberto, porém, já se encontrava presente na realidade exterior. Os comportamentalistas consideram a experiência ou a experimentação planejada como a base do conhecimento, o conhecimento é o resultado direto da experiência. - Homem: O homem é uma consequência das influências ou forças existentes no meio ambiente a hipótese de que o homem não é livre é absolutamente necessária para se poder aplicar um método científico no campo das ciências. O homem dentro desse referencial é considerado como o produto de um processo evolutivo. - Mundo: A realidade para Skinner, é um fenômeno objetivo; O mundo já é construído e o homem é produto do meio. O meio pode ser manipulado. O comportamento, por sua vez, pode ser mudado modificando-se as condições das quais ele é uma função, ou seja, alterando-se os elementos ambientais. O meio seleciona. - Sociedade/Cultura: A sociedade ideal, para Skinner, é aquela que implicarias um planejamento social e cultural. Qualquer ambiente, físico ou social, deve ser avaliado de acordo com seus efeitos sobre a natureza humana. A cultura, é representada pelos usos e costumes dominantes, pelos comportamentos que se mantém através dos tempos. - Conhecimento: O conhecimento é o resultado direto da experiência, o comportamento é estruturado indutivamente, via experiência. - Educação: A educação está intimamente ligada à transmissão cultural. A educação, pois, deverá transmitir conhecimentos, assim como comportamentos éticos, práticas sociais, habilidades consideradas básicas para a manipulação e controle do mundo /ambiente. - Escola: A escola é considerada e aceita como uma agência educacional que deverá adotar forma peculiar de controle, de acordo com os comportamentos que pretende instalar e manter. - Ensino/Aprendizagem: É uma mudança relativamente permanente em uma tendência comportamental e ou na vida mental do indivíduo, resultantes de uma prática reforçada. - Professor/Aluno: Aso educandos caberia o controle do processo de aprendizagem, um controle científico da educação, o professor teria a responsabilidade de planejar e desenvolver o sistema de ensino aprendizagem, de forma tal que o desempenho do aluno seja maximizado, considerando-se igualmente fatores tais como economia de tempo, esforços e custos. - Metodologia: Nessa abordagem, se incluem tanto a aplicação da tecnologia educacional e estratégias de ensino, quanto formas de reforço no relacionamento professor-aluno. - Avaliação: Decorrente do pressuposto de que o aluno progride em seu ritmo próprio, em pequenos passos, sem cometer erros, a avaliação consiste, nesta abordagem, em se constatar se o aluno aprendeu e atingiu os objetivos propostos quando o programa foi conduzido até o final de forma adequada. C) Abordagem Humanista Nesta abordagem é dada a ênfase no papel do sujeito como principal elaborador do conhecimento humano. Da ênfase ao crescimento que dela se resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo na sua capacidade de atuar como uma pessoa integrada. O professor em si não transmite o conteúdo, dá assistência sendo facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias experiências do aluno o professor não ensina: apenas cria condições para que os alunos aprendam. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 80 - Homem: É considerado como uma pessoa situada no mundo. Não existem modelos prontos nem regras a seguir mas um processo de vir a ser. O objetivo do ser humano é a auto realização ou uso pleno de suas potencialidades e capacidades o homem se apresenta como um projeto permanente e mau acabado. - Mundo: O mundo é algo produzido pelo homem diante de si mesmo. O mundo teria o papel fundamental de crias condições de expressão para a pessoa, cuja tarefa vital consiste no pleno desenvolvimento do seu potencial inerente. A ênfase é no sujeito mais uma das condições necessárias para o desenvolvimento individual é o ambiente. Na experiência pessoal e subjetiva o conhecimento é construído no decorrer do processo de vir a ser da pessoa humana. É atribuída ao sujeito papel central e primordial na elaboração e criação do conhecimento. O conhecimento é inerente à atividade humana. O ser humano tem curiosidade natural para o conhecimento. - Educação: Trata-se da educação centrada na pessoa, já que nessa abordagem o ensino será centrado no aluno. A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitam a aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual como emocional seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativas, de responsabilidade, autodeterminação que soubessem aplicar-se a aprendizagem no que lhe servirão de solução para seus problemas servindo-se da própria existência. Nesse processo os motivos de aprender deverão ser do próprio aluno. Autodescoberta e autodeterminação são características desse processo. - Escola: A escola será uma escola que respeite a criança tal qual é, que ofereça condições para que ela possa desenvolver-se em seu processo possibilitando a autonomia do aluno. O princípio básico consiste na ideia da não interferência com o crescimento da criança e de nenhuma pressão sobre ela. O ensino numa abordagem como esta consiste num produto de personalidades únicas, respondendo as circunstâncias únicas num tipo especial de relacionamentos. A aprendizagem tem a qualidade de um envolvimento pessoal. - Professor/Aluno: Cada professor desenvolverá seu próprio repertório de uma forma única, decorrente da base percentual de seu comportamento. O processo de ensino irá depender do caráter individual do professor, como ele se relaciona com o caráter pessoal do aluno. Assume a função de facilitador da aprendizagem e nesse clima entrará em contato com problemas vitais que tenham repercussão na existência do estudante. Isso implica que o professor deva aceitar o aluno tal como é e compreender os sentimentos que ele possui. O aluno deve responsabilizar-se pelos objetivos referentes a aprendizagem que tem significado para eles. As qualidades do professor podem ser sintetizadas em autenticidade compreensão empática, aceitação e confiança no aluno. - Metodologia: Não se enfatiza técnica ou método para facilitar a aprendizagem. Cada educador eficiente deve elaborar a sua forma de facilitar a aprendizagem no que se refere ao que ocorre em sala de aula é a ênfase atribuída a relação pedagógica, a um clima favorável ao desenvolvimento das pessoas que possibilite liberdade para aprender. - Avaliação: Só o indivíduo pode conhecer realmente sua experiência, só pode ser julgada a partir de critérios internos do organismo. O aluno deverá assumir formas de controle de sua aprendizagem, definir e aplicar os critérios para avaliar até onde estão sendo atingidos os objetivos que pretende, com responsabilidade. As relações verticais impostas por relações EU - TU e nunca EU - ISTO; As avaliações de acordocom padrões prefixados, por auto avaliação dos alunos. Considerando-se pois o fato de que só o indivíduo pode conhecer realmente a sua experiência, está só pode ser julgada a partir de critérios internos do organismo. D) Abordagem Cognitivista A organização do conhecimento, processamento de informações estilos de pensamento ou estilos cognitivos, comportamentos relativos à tomada de decisões, etc. - Homem/Mundo: O homem e mundo serão analisados conjuntamente, já que o conhecimento é o produto da interação entre eles, entre sujeito e objeto. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 81 - Sociedade/Cultura: Os fatos sociológicos, pois, tais como regras, valores, normas, símbolos etc. De acordo com este posicionamento, variam de grupo para grupo, de acordo como o nível mental médio das pessoas que constituem o grupo. - Conhecimento: O conhecimento é considerado como uma construção contínua. A passagem de um estado de desenvolvimento para o seguinte é sempre caracterizada por formação de novas estruturas que não existiam anteriormente no indivíduo. - Educação: O processo educacional, consoante a teoria de desenvolvimento e conhecimento, tem um papel importante, ao provocar situações que sejam desequilibradoras para o aluno, desequilíbrios esses adequados ao nível de desenvolvimento em que a criança vive intensamente (intelectual e afetivamente) cada etapa de seu desenvolvimento. - Escola: Segundo Piaget, a escola deveria começar ensinando a criança a observar. A verdadeira causa dos fracassos da educação formal, diz, decorre essencialmente do fato de se principiar pela linguagem (acompanhada de desenhos, de ações fictícias ou narradas etc.) ao invés de o fazer pela ação real e material. - Ensino/Aprendizagem: Um ensino que procura desenvolver a inteligência deverá priorizar as atividades do sujeito, considerando-o inserido numa situação social. - Professor/Aluno: Ambos os polos da relação devem ser compreendidos de forma diferente da convencional, no sentido de um transmissor e um receptor de informação. Caberá ao professor criar situações, propiciando condições onde possam se estabelecer reciprocidade intelectual e cooperação ao mesmo tempo moral e racional. - Metodologia: O desenvolvimento humano que traz implicações para o ensino. Uma das implicações fundamentais é a de que a inteligência se constrói a partir da troca do organismo como o meio, por meio das ações do indivíduo. A ação do indivíduo, pois, é centro do processo e o fator social ou educativo constitui uma condição de desenvolvimento. - Avaliação: A avaliação terá de ser realizada a partir de parâmetros extraídos da própria teoria e implicará verificar se o aluno já adquiriu noções, conservações, realizou operações, relações etc. O rendimento poderá ser avaliado de acordo como a sua aproximação a uma norma qualitativa pretendida. E) Abordagem Sócio Cultural Pode-se situar Paulo Freire com sua obra, enfatizando aspectos sócio-político-cultural, havendo uma grande preocupação com a cultura popular, sendo que tal preocupação vem desde a II Guerra Mundial com um aumento crescente até nossos dias. - Homem/Mundo: O homem está inserido no contexto histórico. O homem é sujeito da educação, onde a ação educativa promove o próprio indivíduo, como sendo único dentro de uma sociedade/ambiente. - Sociedade/Cultura: O homem alienado não se relaciona com a realidade objetivo, como um verdadeiro sujeito pensante: o pensamento é dissociado da ação. - Conhecimento: A elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização. - Educação: Toda ação educativa, para que seja válida, deve, necessariamente, ser precedida tanto de uma reflexão sobre o homem como de uma análise do meio de vida desse homem concreto, a quem se quer ajudar para que se eduque. - Escola: Deve ser um local onde seja possível o crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no processo de conscientização o que indica uma escola diferente de que se tem atualmente, coma seus currículos e prioridades. 1383257 E-book gerado especialmente para FRANCIANE ALVES DE LIMA . 82 - Ensino/Aprendizagem: Situação de ensino-aprendizagem deverá procurar a superação da relação opressor-oprimido. A estrutura de pensar do oprimido está condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial em que o oprimido se forma. Resultando consequências tais como: A) Ser ideal é ser mais homem. B) Atitude fatalista C) Atitude de auto desvalia D) O medo da liberdade ou a submissão do oprimido. - Professor/Aluno: A relação entre o professor e o aluno é horizontal. Professor empenhado na prática transformadora procurará desmitificar e questionar, junto com o aluno. - Metodologia: Os alunos recebem informações e analisam os aspectos de sua própria experiência existencial, utilizando situações vivenciais de grupo, em forma de debate Paulo Freire delineou seu método de alfabetização. Características: A) Ser ativa B) Criar um conteúdo pragmático próprio C) Enfatiza o diálogo crítico 6. AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO, APRENDIZAGEM E O PROFESSOR Segundo Mizukami, a partir de análises feitas sobre as diferentes abordagens do processo ensino aprendizagem pôde-se constatar que certas linhas teóricas são mais explicativas sobre alguns aspectos em relação a outros, percebendo-se assim a possibilidade de articulação das diversas propostas de explicação do fenômeno educacional. Ela procura fazer uma sistematização válida de conceitos do fenômeno estudado. Mesmo com teorias incompletas por estarem ainda em fase de elaboração ou reelaboração, faltando validação empírica ou confronto com o real. Lembrando ainda as teorias não são as únicas fontes de resposta possíveis e incorrigíveis, pois (...) elas são elaboradas para explicar, de forma sistemática, determinados fenômenos, e os dados do real é que irão fornecer o critério para a sua aceitação ou não, instalando-se, assim, um processo de discussão permanente entre teoria e prática. Mizukami ainda critica a formação de professores colocando que o aprendido pelos professores nada tinha a ver com a prática pedagógica e seu posicionamento frente ao fenômeno educacional. A experiência pessoal refletiria um comportamento coerente por parte do educador, pondo fim assim ao permanente processo de discussão entre teoria e prática. Uma possível solução seria repensar os cursos de formação de professores, voltando as atenções principalmente para as disciplinas pedagógicas que analisam as abordagens do processo ensino aprendizagem, procurando articulá-los à prática pedagógica. Também é discutida uma forma de aproximar cada vez mais as opções teóricas existentes analisando e discutindo as vivências na prática e à partir da prática, se pudesse discutir e criticar as opções teóricas confrontando com a mesma prática. É tentar criar teorias através da prática, analisando o cotidiano e questionando, evitando-se assim a utilização de Receituários pedagógicos, que é o que a autora chama de seguir cegamente a teoria ignorando a prática. Um curso de professores deveria possibilitar confronto entre abordagens, quaisquer que fossem elas, entre seus pressupostos e implicações, limites, pontos de contraste e convergência. Ao mesmo tempo, deveria possibilitar ao futuro professor a análise do próprio fazer pedagógico, de suas implicações, pressupostos e determinantes, no sentido de que ele se conscientizasse de sua ação, para que pudesse, além de interpretá-la e contextualizá-la, superá-la constantemente. Alguns dados revelam que são preferidas pelos professores as abordagens cognitivista e sociocultural deixando as abordagens tradicional e comportamentalista em segundo plano.