Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO WASHINGTON FAGNER ABREU RAMOS AMORIM ZILAH MOREIRA: A correspondente do Estadão na Bahia durante a ditadura militar SALVADOR 2011 WASHINGTON FAGNER ABREU RAMOS AMORIM ZILAH MOREIRA: A correspondente do Estadão na Bahia durante a ditadura militar Livro reportagem apresentado ao curso de comunicação social – Jornalismo da Faculdade 2 de Julho como requisito a obtenção de grau de bacharel em comunicação social – Jornalismo. Orientação: Prof. Ms. Augusto Souza de Sá Oliveira. SALVADOR 2011 Dedico esta obra a todos os estudantes de jornalismo e a todos aqueles que são apaixonados por essa profissão. “Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte." Gabriel Garcia Marquez, escritor e jornalista. “Não é fácil escrever sobre a vida de outra pessoa. Querendo ou não alguma fase não será contada, algo não ficará bem explicado. É impossível escrever sobre uma vida fielmente. Para escrever uma biografia é necessário se ter admiração pela pessoa escolhida e pelo tipo de escrita” Sérgio Mello, jornalista. Agradecimentos A realização deste livro começou a ser pensada em 2009, ainda no quarto semestre do curso de Comunicação Social, com Bacharelado em Jornalismo, da Faculdade 2 de Julho, graças ao apoio da professora Tania Motta que me estimulou a escrever e a fazer uma homenagem a esta importante mulher, Zilah Moreira. Começo os meus agradecimentos primeiramente a Deus depois a minha mãe, Zuleide Abreu Ramos, que sempre esteve ao meu lado em todas as decisões tomadas por mim e que é mãe, pai e grande amiga. Agradeço ainda as minhas tias e tios que tiveram participação ativa no meu crescimento acadêmico, Dora, Zute, Aderlinda (in memorian), Vilma, Vera, Hermenito e a todos outros que mesmo estando longe torceram por mim. Eu não posso esquecer os meus primos Cléo e Zezute, que me acolheram e me apoiaram enquanto completava os meus estudos em Salvador, e os meus primos que moram na Suiça, Kurth e Renato, que foram os primeiros responsáveis para que eu pudesse entrar na vida acadêmica. A todos os quase incontáveis primos que existem em minha família que, direta ou indiretamente, tem forte participação nesta minha caminhada. Nesta lista não pode faltar ainda as minhas avós Ligia e Zizi e os meu avô Agnaldo. Tiãozinho (in memorian) avô materno que, mesmo não vendo a realização deste trabalho sempre confiou e acreditou em mim. Você, minha irmã Kleisla, por existir em minha vida e pelo eterno apoio. Aos amigos de São Paulo, Dick, Leila, Keiko, Thiago e Toninho que me receberam e me acolheram tão bem na capital paulista enquanto estive fazendo as minhas pesquisas, e também ao meu melhor amigo, Pablo Magalhães, pelos momentos que passamos juntos. Agradeço ainda a todo o corpo docente da Faculdade 2 de Julho sem o qual não conseguiria concluir a minha graduação, em especial os professores: Verbena Córdula, Tania Motta, Derval Gramacho, Daniela Souza e Cristina Mascarenhas. Agradeço ainda ao meu professor orientador, Augusto Sá, que aceitou comigo encarar este desafio e que com suas sábias palavras, paciência e compreensão tornou possível também a realização deste trabalho. Agradeço ainda a todos os entrevistados que me ajudaram a saber mais sobre Zilah Moreira; a todos colegas que estiveram comigo nesta empreitada e a Zilah Moreira, jornalista que sou fã, que teve uma passagem rápida em minha vida, mas mesmo assim, com bondade e gratidão, me ensinou a arte de fazer jornalismo. Sumário 1. Apresentação 06 2. De A Província de S. Paulo ao Golpe Civil-Militar de 1964 09 O Estado de S. Paulo e o clã Mesquita 12 A postura do Jornal durante a República Velha 13 O Estadão e a Era Vargas 14 O Estadão e o interlúdio de 1945 17 O Estadão e a sua participação no Golpe Civil-Militar de 1964 19 3. Os primeiros passos de Zilá Moreira no jornalismo 21 O primeiro contato com o jornalismo e a revisora do jornal A Tarde 24 A correspondência cai no colo 25 A convivência no Jornal da Bahia 27 4. Zilah Moreira a frente do Estadão na Bahia 30 Os embates com Antonio Carlos Magalhães 33 A cobertura da morte de Carlos Marighella e Carlos Lamarca 46 A saída das ruas e a chefia administrativa 53 5. Considerações Finais 57 6. Apêndice 58 A: Entrevista com Carlos Navarro 58 B: Entrevista com Cleonfe Martins 63 7. Anexos 66 8. Créditos das Imagens 76 9. Siglas 78 10. Fontes Primárias 79 11. Referências 80 Apresentação A história que você vai ler agora é um perfil biográfico de uma das baianas mais corajosas: a correspondente na Bahia de um dos mais importantes jornais brasileiros, O Estado de S. Paulo. Uma história que fascina e ao mesmo tempo instiga os que conviveram, e mesmo os que não conviveram, com ela. Estou falando da jornalista Zilah Laura da Silva Moreira, ou melhor, “Zilah Moreira, a correspondente do Estadão, na Bahia, durante a Ditadura Militar.” Quando comecei os trabalhos de pesquisa, em 2009, sobre a trajetória de Zilah Moreira no jornalismo percebi que a tarefa iria ser árdua e cansativa. As dificuldades para compor o retrato da jornalista foram inúmeros. Primeiro: só encontrei um trabalho acadêmico sobre Zilah, seja na internet ou mesmo em livro, que abordasse a atuação dela no jornalismo. Segundo: Algumas fontes entrevistadas que conviveram com Zilah Moreira sabiam apenas o que ela contou enquanto esteve à frente do Estadão na Bahia. Terceiro: não existiam exemplares do Estadão durante a ditadura militar nas bibliotecas públicas e particulares de Salvador. Assim, eu tive que me deslocar até o Arquivo Público de São Paulo, na capital paulista, para conseguir os exemplares digitalizados do periódico. E quarto: as reportagens não eram assinadas pelos jornalistas. Mas este trabalho árduo não me impediu de conseguir o meu objetivo de fazer uma homenagem a esta mulher que deixou um legado importantíssimo para o jornalismo baiano. Ela, sem sombra de dúvida, foi a primeira repórter da Bahia e abriu portas para que as mulheres de hoje conseguissem seu espaço na profissão. Para a produção deste trabalho, foi necessário uma revisão bibliográfica para compreender o contexto sócio histórico do Brasil, o papel desempenhado pelo Estadão no período e a contribuição de Zilah Moreira. O trabalho contou também com entrevistas presenciais e por e-mail com jornalistas e amigos que conviveram com ela. No primeiro capítulo, pode-se observar o nascimento do jornal, durante o Segundo Império, que eradenominado A Província de S. Paulo e o apoio do periódico à Proclamação da República, em 1889. Em seguida, a mudança de nome para O Estado de S. Paulo e o rompimento com o governo dos marechais. Um breve relato sobre a participação do jornal na Revolução de 30 e o posicionamento contrário ao primeiro governo de Getúlio Vargas, que resultou na prisão, exílio e, mais tarde, anistia dos proprietários do jornal, Júlio de Mesquita Filho e Ruy Mesquita, também pode ser conferido. O interlúdio de 1945, a posição do jornal no segundo governo Vargas, a oposição à posse do presidente João Goulart e, em seguida, o apoio a sua deposição, que resultou no apoio ao Golpe Civil-Militar de 1964 também são tratados neste capítulo. No capítulo dois, Zilah Moreira é retratada: a sua família, a infância, o período escolar, a adolescência, a ida para o Rio de Janeiro, a graduação em direito e os primeiros contatos com o jornalismo. Este capítulo mostra todo o processo que Zilah percorreu até assumir o posto de correspondente do O Estado de S. Paulo. O terceiro capítulo retrata as atuações de Zilah Moreira durante o tempo em que esteve à frente do Estadão na Bahia. Demonstra-se a versatilidade da jornalista em fazer reportagens de diversas editorias; a cobertura da morte dos dois principais líderes da luta armada contra a Ditadura Militar, Carlos Marighella e Carlos Lamarca, além da morte da esposa de Lamarca, Iara Iavelberg; os inúmeros embates com o prefeito e mais tarde governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães; a fundação da sucursal do Estadão na Bahia sob chefia de Zilah Moreira; a aposentadoria e os seus feitos nessa nova fase da vida; finalmente o seu falecimento. Nas considerações, o meu ponto de vista sobre a importância da atuação de Zilah Moreira no jornalismo baiano, ficando sua vida e obra passíveis de outras interpretações. Neste trabalho consta ainda os apêndices com entrevistas na íntegra com o jornalista Carlos Navarro e com a escritora e amiga de Zilah Moreira, Cleonfe Martins. São entrevistas de grande importância para a compreensão da trajetória de Zilah Moreira e, consequentemente, para a realização deste trabalho. Nos anexos podem ser visualizadas as versões digitalizadas com reportagens realizadas por Zilah Moreira enquanto era correspondente do Estadão; recortes com reportagens importantes, extraídas do livro de José Maria Mayrink, Mordaça no Estadão; e a repercussão na imprensa baiana da morte da jornalista. Assim, esta obra que se apresenta sob o formato de TCC, Trabalho de Conclusão de Curso, chega ao fim na expectativa de ter alcançado seu objetivo em mostrar aos estudantes de jornalismo e o público em geral a importância de Zilah Moreira no cenário jornalístico baiano e nacional. O autor. De a Província de S. Paulo ao Golpe Militar de 1964 jornal O Estado de S. Paulo nasceu em 4 de janeiro de 1875, ainda durante o Segundo Império, com o nome A Província de S. Paulo. Durante os períodos monárquicos, os atuais Estados eram denominados de Províncias como, por exemplo, a Província da Baía de Todos os Santos (Bahia), Província da Guanabara (Rio de Janeiro), Província de São Paulo (São Paulo), etc. O jornal (Figura 1) foi fundado por 16 pessoas reunidas por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense durante a Convenção Republicana de Itú (COSTA, 2007, p. 481). A idéia era construir um diário republicano para combater a monarquia e a escravidão. Além dos já citados fundadores do jornal, participaram ainda os fazendeiros de café do Oeste Novo Paulista, Américo Basílio de Campos, Antônio Carlos de Sales, Antonio Pompeu de Camargo, Bento Augusto de Almeida Bicudo, Candido Vale, o major Diogo de Barros, Francisco Sales, Francisco Glicério de Cerqueiro Leite, Francisco Rangel Pestana, João Francisco de Paula Sousa, João Manuel de Almeida Barbosa, João Tibiriçá Piratininga, João Tobias de Aguiar e Castro, José Alves de Cerqueira César, José de Vasconcelos de Almeida Prado, José Pedroso de Morais Sales, Manuel Elpídio Pereira de Queirós, Martinho Prado Júnior e Rafael Pais de Barros. A redação do Diário foi designada a Francisco Rangel Pestana e Américo Brasílico de Campos. De acordo com Boris Fausto (2007, p. 200-209), nesta época a cidade de São Paulo vivia uma constante prosperidade. O café era o principal produto comercial do estado. O enriquecimento provocado pelo produto e a chegada de estrangeiros como italianos, portugueses, espanhóis, japoneses e árabes à província, além do desenvolvimento de uma grande rede férrea, colocaram São Paulo como um dos principais centros econômicos do país. A rede férrea promoveu uma maior aceleração da província. Desde sua fundação, a ferrovia era uma grande conseqüência do grande avanço da economia cafeeira. Fausto (2007, p. 200) afirma que “a dificuldade maior consistia em atravessar a escarpa da Serra do Mar e chegar ao litoral. Ela foi vencida com a construção da estrada de ferro de Santos a O Figura 1: Primeira capa do jornal A Província de S. Paulo Jundiaí por uma companhia concessionária inglesa, a São Paulo Railway Co. Limited, que começou a funcionar em 1868.” A função era escoar uma produção crescente voltada para a exportação e conseqüentemente, o amadurecimento das atividades industriais que alimentava o mercado interno. Fernando Dannemann (2011) afirma que “o jornal defendeu desde o início os interesses da elite agrária, combatendo a centralização política e administrativa imposta pelo Poder Moderador ao longo do Império.” Eleições diretas para o Senado e para a presidência das províncias, a separação entre a Igreja e o Estado, a instituição do casamento e dos registros civis e a substituição progressiva da escravidão pela liberdade, eram as reivindicações defendidas abertamente pelo jornal. Reportando textos com críticas a política e a escravidão, Francisco Rangel Pestana e Américo Campos colocam o diário em um patamar de grande jornal com ideário republicano e abolicionista. De acordo com João Alfredo Vidigal Pontes, em seu artigo “O Estado de S. Paulo” (2011), o jornal se instalou inicialmente em um prédio na Rua do Palácio (atual do Tesouro), número 14, onde permaneceu até abril de 1877. A redação, administração e oficinas eram em uma mesma sala. A tiragem inicial era de 2.000 exemplares. As características gráficas eram muito diferentes. Os jornais daquela época pareciam grandes livros. Quando A Província de S. Paulo começou a circular a sua diagramação era composta por cinco colunas largas, em quatro páginas. O logotipo estava situado no topo do jornal, em letra de forma. Os títulos sempre em uma coluna e o corpo (tamanho das letras) variava entre oito e dez. Em janeiro de 1890, após a Proclamação da República, o jornal passa a ser chamado O Estado de S. Paulo e atinge uma tiragem de oito mil exemplares. Em 1896, Euclides da Cunha, republicano, e que havia sido expulso do Exército Monárquico, colabora com o jornal indo fazer a cobertura da Campanha de Canudos (DA CUNHA, 2001). A transferência, ou melhor, a passagem do regime monárquico – centralizador – para o republicano fez com que alguns projetos da sociedade tomassem algumas projeções. De acordo com Benjamin Abdalla Junior e Isabel Alexandre (1997), a Bahia foi um dos estados mais prejudicados com todas as mudanças que aconteciam no país. Um lento desenvolvimento industrial, alto crescimento populacional e uma estagnada base econômica eram um dos principais motivos para revoltas. Os autores trazem também outra discussão que levou o governoda Bahia a declarar guerra a Canudos: foi a força desestabilizadora na composição de forças produtivas de uma área imensa, que se estendia não apenas pelo sertão baiano, mas alcançava o sul de Sergipe. A mão-de-obra normalmente resignada e dócil abandonava as fazendas dos proprietários rurais atraídas pelas promessas de redenção espiritual emanadas por Antonio Conselheiro. Euclides da Cunha, que cobriu toda a campanha de Canudos para o Estado de S. Paulo, no livro Os Sertões faz um relato do final daquela campanha1. O jornal apresenta uma tiragem neste momento recorde de 18 mil exemplares. O Estado de S. Paulo e o clã Mesquita O jovem redator Júlio de Mesquita, genro de José Álvares de Cerqueira César, em 1902 se torna o único proprietário do impresso. O jornal, que já era o maior do estado de São Paulo – superando de longe o Correio Paulistano2– passa a acompanhar o crescimento e a modernização da capital paulista. Nesta época a cidade atingia a marca de 250 mil habitantes, metade dos quais italianos. Dois anos antes havia circulado o primeiro bonde elétrico e em 1901 inaugurada à primeira usina hidrelétrica para fornecimento regular de luz e força para a cidade. Júlio DE Mesquita rompe laços com o então presidente da República, Manuel Ferraz de Campos Salles, e com o governador de São Paulo, Rodrigues Alves. Começava a ser instalada então a primeira Dissidência Republicana. A dissidência, que era 1 Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou- se aquilo o “Hospital de Sangue” dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. (DA CUNHA, Euclides. Os Sertões: Campanha de Canudos. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p. 433). 2 O Correio Paulistano foi lançado em 26 de junho de 1854, em São Paulo, tendo como fundador o proprietário da Tipografia Imparcial, Joaquim Roberto de Azevedo Marques e como primeiro redator Pedro Taques de Almeida Alvim. O jornal que nasceu liberal foi, posteriormente, atrelado ao Partido Conservador, do qual recebeu influências. Entretanto, após a criação do Partido Republicano Paulista (PRP), passou a ser seu órgão oficial. A oligarquia paulista, que dirigia o PRP, transmitia seus ideais através do jornal, que sofreu duramente com o resultado da revolução de 1930, a qual o PRP se opôs, o que fez com que o jornal perdesse espaço na imprensa política. O veículo foi contra o governo de Getúlio Vargas e o regime ditatorial do Estado Novo (1930- 1945). O Correio Paulistano deixou de ser editado em meados do segundo semestre de 1963. (INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS. Correio Paulistano. Disponível em: <<http://www.ieb.usp.br/topico.asp?categ=1&subcateg=2&topico=73>> Acessado em: 1 Mai. 2011). integrada ainda por José Alves de Cerqueira Cesar e por Prudente de Moraes, alegava que a “Política dos Governadores3” deixava os parlamentos estaduais e o Congresso Nacional completamente dependente do Poder Executivo. A postura do jornal durante a República Velha Polêmico, Júlio de Mesquita começou a articulação para a candidatura do baiano Rui Barbosa para a presidência da República em 1909, contra o militar, Marechal Hermes da Fonseca. Iniciava aí a “Campanha Civilista” que O Estado de S. Paulo vai dar todo apoio até 1930. Com a morte de José Alves de Cerqueira César (ex – governador de São Paulo), Júlio de Mesquita é escolhido para assumir a vaga deixada pelo sogro no parlamento estadual. Em 1914, com a proximidade da Primeira Guerra Mundial, Júlio de Mesquita começa a escrever artigos contrários às Potências Centrais que eram integradas pelos impérios alemão, austro-húngaro e turco-otomano, o que deixa a comunidade germânica enfurecida retirando-lhe os anúncios do jornal. Mesmo com grandes problemas financeiros, o proprietário mantém a sua postura, apoiando os aliados, o que era coerente com a sua política civilista. O diário, até então matutino, ganha uma versão vespertina em 1915. Denominado Estadinho. O jornal era dirigido pelo seu filho, Julio de Mesquita Filho, cuja edição circula até fevereiro de 1921. Neste mesmo ano, o escritor José Bento de Monteiro Lobato passa a ser um dos articulistas do jornal com o artigo “Velha Praga” (2007, p. 158), que na verdade era uma carta para seção “Queixas e Reclamações”. Com uma política contrária aos governos Federal e Estadual, o jornal de Júlio Mesquita pela primeira vez, em 1924, é impedido de circular. Começa a primeira de uma série de censuras que o jornal iria sofrer nos próximos governos. O motivo da 3 A mudança das relações entre o poder estatal e a classe operária é a condição do populismo; a perda do comando político pelo centro dominante, associada à nova forma de Estado, possibilita, a longo prazo, o desenvolvimento industrial, no marco do compromisso como sustentáculo de um Estado que ganha a maior autonomia, em relação ao conjunto da sociedade. (FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 104). censura foi o apoio do jornal ao levante comandado pelo general Isidoro Dias Lopes que ocupou a capital paulista por 23 dias. Em 29 de julho deste mesmo ano Júlio de Mesquita é preso. Os revoltosos do levante liderado pelo general Isidoro, mais tarde, iriam se juntar as forças revolucionárias liderada pelo capitão Luis Carlos Prestes, dando início a Coluna Prestes. Em 1926, O Estado de S. Paulo apoiou a fundação, na capital paulista, do Partido Democrático, de oposição ao Partido Republicano Paulista, então detentor do governo estadual e federal. Aos 65 anos falece o jornalista Júlio de Mesquita, em 15 de março de 1927. A partir de então seus filhos, Júlio de Mesquita Filho e Francisco de Mesquita assumem a liderança do jornal. Figura 2: Júlio Mesquita e jornalistas na sede do O Estado de S. Paulo O Estadão e a Era Vargas Em 1930, O Estadão ligado ao Partido Democrático, apóia a Aliança Liberal e conseqüentemente a candidatura do gaúcho Getúlio Vargas à presidência do Brasil, em oposição ao candidato Júlio Prestes, que tinha apoio do presidente Washington Luís. O candidato do presidente ganha às eleições. Mas, com a Revolução de 30 (FAUSTO, 1997, p. 34), Washington Luis é deposto da presidência e Getulio Vargas, mesmo derrotado nas eleições, assume o comando do país. Mas, vários são os motivos para a eclosão desta revolução que terminou com a política dos Governadores, que davam aos estados de São Paulo e Minas Gerais o direito de revezarem na presidência da República. De acordo com Boris Fausto (1997), muitos foram os motivos para que houvesse a Revolução de 1930. No Brasil da década de 20 não havia conjuntura revolucionária em que o proletariado tivesse a iniciativa, não chegando à classe operária organizada a constituir um fator político relevante (1997). Fausto afirma ainda que entre 1889 e 1930 houve um surto imigratório para o Centro-Sul do país devido ao grande desenvolvimento econômico regional, o que fez com que crescesse também a classe média urbana, ganhando maior força e conteúdo. Uma opinião pública vinculada a estes setores tomou forma o primeiro contingente da classe média operária. Neste mesmoano, 1930, o jornal consegue uma tiragem recorde no país de 100 mil exemplares e lança aos domingos um suplemento de rotogravuras4, que moderniza o jornal dando destaques as fotografias. Em 1932, O Estadão e o Partido Democrático – inconformados com o autoritarismo do presidente, Getúlio Vargas, e com o tratamento agressivo reservado a São Paulo pelos tenentes – criam uma aliança que origina a Revolução Constitucionalista de 32, que estoura em nove de julho. Francisco de Mesquita vai para frente da batalha enquanto seu irmão, Julio de Mesquita Filho, permanece em São Paulo, na liderança civil do movimento. A Revolução de 32 não foi exitosa, mas, dois anos mais tarde, o que foi reinvidicado iria ser posto em prática. A Constituição. Os dois irmãos, donos do jornal, foram presos e exilados em Lisboa. No ano seguinte, Getulio Vargas convida Armando de Salles Oliveira, genro de Julio de Mesquita, para ser o interventor5 federal em São Paulo. Para aceitar o convite, Armando Salles impôs que os revoltosos de 32 fossem anistiados e 4 A rotogravura é um sistema de impressão direto, atuando geralmente, com máquinas rotativas com suportes em bombinas. (...) A rotogravura é na opinião de muitos, o melhor meio de reprodução gráfica de originais em tom contínuo, em preto-e-branco e em cores. (BAER, Lorenzo. Produção gráfica. 6 ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2005, p. 198-200). 5 Em São Paulo, liquidada a “guerra paulista”, Getúlio fizera um gesto conciliatório nomeando Armando de Salles Oliveira para a interventoria. Este seria eleito governador pela Assembléia Legislativa, afastando-se do cargo em 1937 para disputar a Presidência da República. (FAUSTO, Bóris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 138). voltassem ao país, incluindo Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita, e a convocação de uma Assembléia Constituinte. O jornal ainda foi um dos responsáveis pela criação da USP, Universidade de São Paulo. No dia 25 de janeiro, ainda como interventor federal, Armando de Salles Oliveira baixa o decreto 6283/34 criando a USP. Assim, concretiza uma idéia de Júlio de Mesquita Filho. De acordo com Shozo Motoyama (2006) tanto o Grupo Estado quanto a ABE, Associação Brasileira de Educação, estavam empenhados em levantar esta bandeira. Criar uma universidade no seu sentido integral, com a finalidade de formar uma mística comum para enfrentar de forma articulada os desafios existentes em benefício de todos. E foi o próprio Júlio de Mesquita Filho quem se incumbiu de convidar professores franceses, italianos e alemães para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, com o auxílio dos professores George Dumas e Theodoro Ramos. Com a eclosão do “Estado Novo”, em 10 de novembro de 1937, golpe em que Vargas permanece no poder e dá início uma ditadura, o jornal mantém oposição ao regime. Tudo o que havia sido estipulado na Assembléia Constituinte de 1934 foi completamente ignorado. De acordo com Boris Fausto, Armando Salles, interventor de São Paulo, era candidato a presidência da república pela União Democrática Brasileira, partido formado pelos constitucionalistas. Salles havia alertado aos chefes militares que um golpe de Estado, comandado por Vargas, estava prestes a acontecer, e já tinha data marcada: 15 de novembro de 1937. Mas Vargas antecipou o ato, dissolveu o Congresso e uma nova Constituição, a quarta do país, foi imposta. Nascia assim a “Ditadura Vargas”. Julio de Mesquita Filho e Armando Salles foram presos e em seguida expatriados para a França (Figura 3). Mesmo longe, o herdeiro do clã Mesquita comandava o maior jornal do país. As críticas ao Governo Federal continuaram. No dia 25 de março de 1940, tropas do DOPS, Departamento de Ordem Política e Social, invadiram6 a redação do O Estado de S. Paulo. Armas foram colocadas no forro do prédio pela própria polícia política para forjar as provas. Quem 6 A imprensa censurada promovia também os feitos governamentais. As vozes opositoras foram abafadas, como aconteceu com o jornal O Estado de S. Paulo, de propriedade da família Mesquita, cuja sede foi invadida pela polícia em março de 1940, permanecendo o jornal sob intervenção até o fim do Estado Novo. (op. cit., p. 125). estava à frente do jornal era o irmão de Júlio de Mesquita Filho, Francisco Mesquita, que foi preso por 40 dias no Rio de Janeiro. Sem provas, Francisco é solto, porém, impedido de reassumir suas funções no jornal. O Estadão então foi confiscado pela ditadura passando a ser administrado pelo DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, até 19457. Com a deposição do presidente Vargas neste mesmo ano, Julio de Mesquita Filho que já havia voltado do exílio em 1943, assume o jornal novamente. Figura 3: Júlio de Mesquita Filho embarcando para o segundo exílio O Estadão e o interlúdio de 1945 Logo após a deposição do presidente Vargas e a volta do jornal O Estado de S. Paulo aos seus proprietários de fato, o jornal recuperava assim o espírito crítico e independente que o caracterizava desde a sua fundação (PONTES, 2011). Pontes afirma em seu artigo que o jornal teve um progresso significativo, recuperando o prestígio nacional. O Estadão abriu uma editoria internacional comandada pelo jornalista Giannino Carta (FERREIRA JUNIOR, 2002, p. 69) e por Ruy Mesquita que passou a ser a mais completa do jornalismo brasileiro. Em março de 1951 é iniciada a construção da nova sede: na rua Major Quedinho e é inaugurada em 31 de dezembro do mesmo ano. Getulio Vargas é eleito presidente do Brasil, como candidato do PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, no dia 3 de outubro de 1950. Ele derrotou o candidato da 7 As tiragens do jornal publicadas durante este período não são conhecidas. UDN, União Democrática Nacional, Eduardo Gomes, que tinha se candidatado pela segunda vez. Vargas administrou o país de 1951 a 1954. Fez modificações importantes para sociedade e a economia. De acordo com Fausto Saretta (2011) a política econômica adotada pelo presidente durante os quase quatro anos de mandato, proporcionou repercussões positivas para o surto de desenvolvimento nos anos seguintes. Mas, o presidente Getulio Vargas era um desafeto político do jornal O Estado de S. Paulo, tendo em vista as inúmeras invasões da redação pelo DOPS, o exílio e a prisão dos donos do jornal. Assim, a postura do jornal, a linha editorial foi de oposição ao governo do presidente Vargas. “O Estado” era a favor de uma política que levasse a industrialização do país, o liberalismo econômico. Já a política do presidente Vargas era nacionalista, de uma maior valorização do capital interno. No editorial de 08 de setembro de 1951 (SARETTA, p. 8) é perceptível a visão do jornal em relação à política econômica do Governo Federal. “(...) nossa política comercial foi até agora prejudicada tanto pela ausência, em muitos casos, de uma suficiente proteção alfandegária à nossa crescente indústria, como pelo desconhecimento demonstrado em várias ocasiões pelos órgãos federais acerca do desenvolvimento do parque industrial paulista. Mas, ao mesmo tempo em que o jornal atacava os aspectos políticos e administrativos do governo Vargas, o jornal também defendia os esforços do governo na diversificação industrial, que começou a ser praticada no início de 1953. Com a inflação crescente, a queda na exportação de café, os múltiplos reclames da indústria e as altas taxas de cambio (SARETTA, 2011) o jornal passou a expor ainda mais a insatisfaçãocom o governo Vargas e propor a renuncia do presidente. Após o suicídio do presidente Vargas, o jornal publicou editorial intitulado “Desfecho Trágico” onde afirmava que, aquele veículo, não poupava críticas ao governo. O Estadão e a sua participação no Golpe Civil-Militar de 1964 É importante ressaltar que o jornal O Estado de S. Paulo participou de embates importantes da vida nacional, como foi relatado aqui. Desde a sua fundação, no final do século XIX quando lutou pela queda da monarquia; início do século XX, quando instalou a Dissidência Republicana que era contra o governo dos marechais; o apoio aos aliados na Primeira Grande Guerra; as constantes críticas aos coronéis da República Velha; o apoio e logo após oposição a “Era Vargas”; o embate com o presidente Getúlio Vargas em seu segundo mandato. Agora mais uma vez, o jornal também participa de mais um embate político. Desta vez, apoiou a derrubada do governo Goulart e através do Golpe Civil-Militar8, de 1964, nomenclatura que é defendida pelo general do Exército, Sylvio Frota, em seu livro, Ideais Traídos. Como já foi dito antes, O Estado de S. Paulo alinhou-se a UDN e fez oposição a todos os governos. Mas um foi especial: o governo João Goulart. Vale destacar alguns aspectos: primeiro a forte ligação com o ex-presidente Getúlio Vargas; a sua relação com os sindicatos; o crescimento do PTB; e a presença de Jango, como fora apelidado, nos governos constituídos – como ministro de Vargas, vice-presidente de Juscelino Kubitschek e vice-presidente eleito de Jânio Quadros (BIROLLI, 2006) Após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, a imprensa defendeu a posse de João Goulart. Jornais como, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Última Hora, Correio Braziliense foram os que apoiaram o presidente na sua ascensão a presidência. Já, O Estado de S. Paulo se opôs a posse9. As políticas aplicadas durante o governo Jango eram severamente criticadas pelo jornal, assim como acontecia com o Governo Vargas. Uma industrialização tardia, os modelos agrário-exportadores, fortalecimento operário e ampla 8 Sobrevêm, então, o Golpe Militar de 1964, que na verdade jamais foi uma Revolução, podendo ser considerado, no máximo de condescendência, uma contra-revolução, porquanto revolução era a que, naqueles aflitivos momentos, planejadas solertemente pelos marxistas, pendia sobre a Democracia, como a espada de Dâmocles. (FROTA, Sylvio. Ideais traídos. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 72-73). 9 ABREU, Alzira Alves. A imprensa e seu papel na queda de João Goulart. Disponível em: <<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/A_imprensa_e_seu_papel_na_ queda_de_Goulart>> Acessado em: 28. abr. 2011. mobilização política das massas populares foram algumas das reportagens enfatizadas pelo jornal10 e que contribui para o que viria acontecer no dia 31 de abril de 1964. É a historia da primeira repórter baiana, que foi correspondente deste jornal, em Salvador, durante a Ditadura Militar, que foi responsável pela abertura da primeira sucursal do Estadão na Bahia, e abriu as portas para que outras mulheres ingressassem nesta profissão, Zilah Moreira, que será contada nos próximos capítulos. 10 Embora fossem os militares os que haviam interferido para salvar o Brasil da “corrupção” e do “comunismo”, civis havia (sic) que acreditaram serem eles os vencedores. Tais eram os jornais antigetulistas civís de idéias neoliberais e eram dirigidos por conservadores como, Bilac Pinto, e homens públicos como Júlio de Mesquita Filho, proprietário de O Estado de S. Paulo. (SKIDMORE, Thomas. Brasil: Getulio Vargas a Castelo Branco. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 368). Os primeiros passos de Zilah Moreira no jornalismo ais que gordinha, cabo verde, cabelos escuros, lisos, de comprimento médios, pinta no queixo, olhos inteligentes e bondosos. Esta é Zilah Laura da Silva Moreira (Figura 4), filha do juiz Eitel Moreira e da professora Laura da Silva Moreira que abandonou a sala de aula para cuidar dela e dos seus quatro irmãos, Hebert Moreira, Jeferson Moreira, Eitel Moreira Filho e Roschild Moreira, todos jornalistas, sendo último correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, posto que ela ocuparia com o falecimento de seu irmão. Era bisneta de Joaquim Castro, negro, comerciante casado com Jovina Castro, branca, analfabeta, filha de português rico que empobreceu e não permitia que as filhas aprendessem a ler para não receber e nem escrever cartas para os namorados. A jornalista Lídia Silva lembra o que Zilah Moreira disse certa vez a ela: “ela falou que seu bisavô foi para a Guerra do Paraguai deixando a bisavó grávida e depois de cinco anos retornou”. Lidia Silva diz ainda que a avó da jornalista não seguiu os passos da mãe se formando professora porque dona Jovina não queria que ela fosse analfabeta, como ela. A avó se casou com um professor e com ele teve cinco filhos, um deles seu pai, “um negro respeitado por todos e que nunca sofreu discriminação”, disse Zilah Moreira à jornalista. Mais tarde seu pai, Eitel Moreira, viria a ser um juiz. Zilah Moreira nasceu em sete de maio de 1922, ano famoso pela Semana de Arte Moderna11, também chamada de Semana de 22. O episódio representou uma verdadeira renovação de linguagem, passando da arte de Vanguarda para a arte Modernista. Neste período, mulheres como Tarsila do Amaral, entre outras, quebraram paradigmas e suscitaram a independência feminina na arte, no caso 11 Seu objetivo: derrubada de todos os cânones que até então legitimavam entre nós a criação artística. Este objetivo destrutivo, claramente enunciado, traria, como mais tarde Mário de Andrade diria, o direito permanente à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma consciência criadora nacional. (AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. 5. ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 13) M Figura 4: Zilah Moreira, arquivo da família dela, a pintura. Assim, muitas outras mulheres começaram a fazer parte de quadros profissionais até então dominados por homens. Pode-se dizer então que não existiu período melhor para o nascimento de Zilah Moreira que, assim como Tarsila do Amaral revolucionou o país com a sua arte. Zilah Moreira, na Bahia, iria também mudar uma profissão dominada pelos homens. Feliz, livre, debochada, assim era Zilah Moreira, uma mulher a frente do seu tempo. Uma criatura que “se não existisse teria que ser inventada”. Estudou no Ginásio da Bahia, atual Colégio Central da Bahia, na Avenida Joana Angélica, bairro de Nazaré. Ela foi contemporânea, no ginásio, dos ex – governadores Antonio Carlos Magalhães – figura que transformaria a carreira de Zilah Moreira no jornalismo – e Waldir Pires e do desembargador Manoel Pereira. Na escola não era das melhores estudantes. De acordo com a jornalista Lídia Silva, o que Zilah gostava mesmo era de jogar futebol com os garotos, o que acarretava, consequentemente, em problemas no ano letivo. Mas todos os garotos a respeitavam. Saiu do ginásio para tentar o vestibular no curso de direito da Faculdade de Direito da Bahia, atual Universidade Federal da Bahia. Ela queria ser advogada igual ao pai, que mais tarde viria a ser juiz. Mas, ela não conseguiu atingir o índice e perdeu a vaga. Logo depois, o jornalistaErnesto Simões Filho, dono do jornal A Tarde12, convidou a jovem para ir para o Rio de Janeiro e ser revisora de A Tarde na sucursal de lá. E assim Zilah começou os seus passos para encontrar no jornalismo a sua verdadeira inspiração. No Rio, ela fez vestibular para direito e foi estudar ficando cinco anos longe da Bahia. 12 O aparecimento, em 1912, de A Tarde, órgão independente de propriedade e direção de Ernesto Simões Filho, tendo na redação Ranulfo Oliveira, hoje seu diretor, marca, sensacionalmente, a estréia, na Bahia, da imprensa moderna pelo modelo de A Noite, que Irineu Marinho criara, com êxito na capital do país. (DE CARVALHO FILHO, Aloysio. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. In: TAVARES, Luis Guilherme Pontes (Org.). Apontamentos para a história da imprensa na Bahia. – 2 ed. revista e ampliada – Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008, p. 93- 94). O primeiro contato com o jornalismo e a revisora do A Tarde O irmão de Zilah Moreira, Roschild Moreira, fora por muito tempo repórter do jornal A Tarde. Foi correspondente também, na Bahia, dos jornais Última Hora, Gazeta Esportiva, Jornal da Tarde e, por último, de O Estado de S. Paulo. Com a ajuda de seu irmão, Zilah Moreira foi ser revisora do jornal de Ernesto Simões Filho, no Rio de Janeiro. Antes da informatização das redações, o revisor13 era visto como elemento de grande importância. Era dele a responsabilidade pelos erros publicados e pela uniformização dos textos de um veículo. Assim, os repórteres iam para as ruas, colhiam as informações, voltavam para redação e faziam o texto. A reportagem era encaminhada para o revisor, que fazia a correção ortográfica, de concordâncias e adaptava o texto para uma melhor leitura. Em seguida, o texto era encaminhado para o editor-chefe que liberava a reportagem. E esta era a função de Zilah Moreira enquanto esteve no jornalismo de A Tarde. No Rio de Janeiro, ela se dedicou ao vestibular para o curso de direito, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Enquanto esteve no Rio, Zilah conciliava a profissão de revisora com os estudos. Passados cinco anos, a então advogada Zilah Moreira, volta para Salvador e continua sendo revisora do jornal A Tarde. Naquela época, mulheres nas redações eram muito poucas: “Não tinha quase mulher nenhuma no jornal. Eu fui uma das primeiras a enfrentar o batente. Eles faziam cara feia. Mas depois me firmei e todos me respeitavam. (...) N’A Tarde tinha uma página feminina. Eu comecei no A Tarde como revisora. Todo jornalista começava na revisão, porque na revisão a gente aprende a redigir a matéria, pois somos obrigados a ler tudo que os outros jornalistas fazem. Eu e Vera Simões fazíamos a revisão. Depois Vera Simões passou para a página feminina. Hildegardes Vianna e Juli no A Tarde. No Jornal da Bahia, Isolda Menezes, todas como colunistas. Não freqüentavam a redação. Somente eu fui para as ruas (TAVARES, 2005, p. 17-18). 13 O decreto 83.284/79, artigo 11, item quatro, que regulamenta a profissão de jornalista, define o revisor como “aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de matéria jornalística.” (FENAJ. Legislação sobre a profissão de jornalistas. Disponível em: <<http://www.fenaj.org.br/juridico.php?id=5#docs>>. Acessado em: 4 Jul. 2011) Apaixonada pelo jornalismo – o jornalismo estava na veia da família Moreira, pois todos os seus irmãos eram jornalistas – Zilah Moreira advogou por pouco tempo para se dedicar literalmente ao jornalismo. Mais tarde, ela retornaria ao direito, apenas como assessora jurídica da Câmara de Vereadores de Salvador, assunto que será abordado no capítulo três. O jornalista Florisvaldo Mattos, que por muito tempo foi editor-chefe de A Tarde, lembra que Zilah Moreira marcou uma época de pioneirismos, de muita coragem: “Ela foi a decana da imprensa baiana”. Seu irmão Roschild Moreira, além de ser repórter do jornal A Tarde era também o correspondente, na Bahia, do Estadão. Amigo de Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal, Roschild permaneceu no jornal até a sua morte. O que Zilah não iria imaginar é que, com a morte de seu irmão ela iria assumir, em Salvador, a correspondência do jornal. “Quando meu irmão faleceu, ocupei o lugar dele e virei jornalista, profissão pela qual já estava apaixonada”, disse a jornalista certa vez em reunião na Associação Baiana de Imprensa, lembra a jornalista Mery Bahia. E assim Zilah Moreira começou a trilhar seus passos no jornalismo, como correspondente de um grande jornal e que mais tarde viria a ser personagem de grandes conflitos com políticos poderosos, coberturas significativas e vários momentos cômicos. A correspondência cai no colo Falar de imprensa feminina e de mulheres jornalistas, na Bahia até 1970, é tratar de um grupo restrito de profissionais em uma profissão ainda machista. Imagine agora, uma mulher, cabo verde, advogada, com pouca experiência no jornalismo e de uma hora para outra ser contratada como correspondente de um dos mais importantes jornais do país, em uma época de conflitos políticos. A primeira jornalista baiana, registrada na história, é Violante Bivar, proprietária do Jornal das Senhoras14, que era feito por mulheres, mas distribuído no 14 (...) a baiana Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Velasco, 1817–1875, que editou no Rio de Janeiro, a primeira revista – Jornal das Senhoras – destinada a assuntos femininos e dirigida por mulher. (DE SOUZA, Antonio Loureiro. Apontamentos para a história da Imprensa na Bahia. In: TAVARES, Luis Guilherme Pontes estado do Rio de Janeiro de 1852 até 1855. Um periódico que está entre a primeira fase do jornalismo brasileiro, conhecida como uma fase artesanal do jornalismo no país. Mas, o certo é que Zilah Moreira é a primeira repórter baiana. A correspondência do jornal O Estado de S. Paulo, na Bahia, cai no colo da jornalista. Isto aconteceu devido à morte de seu irmão em 1964, Roschild Moreira, jornalista de A Tarde e correspondente do Estadão. De acordo com o jornalista Carlos Navarro, Roschild tinha deixado esposa e crianças, e como Julio Mesquita Filho era muito próximo da família, deu o cargo a Zilah Moreira de correspondente do jornal, como forma de ajudar. E é assim que Zilah Moreira começa a trilhar o caminho do jornalismo e fazer seu nome neste importante jornal do Brasil. A função dos correspondentes e das sucursais do periódico no país era fazer a cobertura de tudo o que acontecesse em suas áreas de atuação e enviar para a sede em São Paulo. O quartel general da correspondência do Estadão na Bahia era a redação do Jornal da Bahia. De lá Zilah Moreira pautava e transmitia as matérias por telefone, western ou telex, usando o operador da casa, Simão Alves (TALENTO, 2003). E, de acordo com o jornalista Biaggio Talento, Zilah dava uma graninha. A correspondência do Estadão ficou instalada no Jornal da Bahia até 1973, ano este em que o periódico decidiu montar uma sucursal. Quando assumiu a correspondência do jornal, Zilah Moreira teve que fazer cobertura de tudo o que acontecia em Salvador e no Estado. Torneios esportivos, decisões políticas, moda, cultura, saúde, todo o tipo de notícia ela tinha que investigar, escrever o texto (detalhe: ela não sabia usar a máquina de escrever então fazia à mão e o teletipista, Simão Alves, que tinha que se virar para datilografar) e enviar para São Paulo. Estas aventuras podem ser melhor entendidas nos próximos capítulos.[Org.]. Apontamentos para a História da Imprensa na Bahia. 2 ed. revista e ampliada. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008, p. 102) A convivência no Jornal da Bahia Fundado em setembro de 1958, por João da Costa Falcão, militante comunista, o Jornal da Bahia tinha uma linha editorial que juntava as recentes conquistas da imprensa baiana, com uma diagramação mais arejada dando inclusive mais espaço às fotografias. Teve como editor-chefe o jornalista João Carlos Teixeira Gomes15. De acordo com Carlos Navarro16, jovem jornalista do jornal da Bahia entre 1969 e 1970, o jornal tinha um dos mais modernos parques gráficos e apresentando- se em off-set, como nos melhores jornais do mundo. Seguindo uma linha independente, o Jornal da Bahia tinha como enfoque a defesa dos interesses do povo. João Falcão por muito tempo fez parte do Partido Comunista e, muitos dos profissionais do seu jornal eram ex-comunistas, que abandonaram o Partido depois de Kruschev, mas não os ideais políticos. Faziam parte da redação o cineasta Glauber Rocha, o escritor João Ubaldo Ribeiro, Muniz Sodré, Flavio Costa, João Batista Lima e Silva, Ariovaldo Matos, entre outros. Era na redação do periódico de João Falcão que também funcionava a correspondência do jornal O Estado de S. Paulo. O jornalista Luiz Guilherme afirma que as duas empresas tinham acordo de cooperação para o uso comum dos equipamentos de teletipo e radiofoto. De acordo com Carlos Navarro, as matérias realizadas pela correspondência de Salvador eram enviadas para a sede, em São Paulo, por western, telefone ou telex e, o Jornal da Bahia tinha estes equipamentos. Assim, Zilah Moreira se instalou na redação como correspondente em Salvador do jornal paulista. Devido à convivência com jornalistas, cineasta e pensadores comunistas, Zilah Moreira – de família tradicional de Salvador – passou a conhecer outras ideologias para, assim, registrar seu nome na história do jornalismo baiano, em um período marcado por uma ditadura repressora que não poupava os jornalistas. Ela ficou famosa, pelos constantes embates com o prefeito de Salvador e, mais tarde, 15 Conhecido também como Joca, é o autor do livro Memória das Trevas: uma devassa na vida de Antonio Carlos Magalhães. 16 Entrevista com Carlos Navarro realizada pelo autor, conforme anexo na p 58. governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães. Mas isso vai ser detalhado mais à frente. De acordo com João Falcão, em entrevista ao jornalista Bob Fernandes e Maria Falcão para o Terra Magazine, a aproximação de Antonio Carlos Magalhães com Jornal da Bahia começou quando o político foi indicado pelos militares, prefeito de Salvador, em 1967, três anos após o Golpe Civil-Militar. Para ele, o antecessor de Antonio Carlos Magalhães, Julival Pires Rebouças, vinha fazendo um bom trabalho na administração de Salvador e por isso deu uma boa cobertura à Prefeitura. A aproximação com ACM partiu do próprio político. “Não tínhamos relações pessoais com ele, tivemos uma boa aproximação porque ele, quando tinha interesse em algo, era uma pessoa agradável, comunicativa”. Mas, com a promulgação do AI-5, Ato Institucional n° 5, em 1968, tudo mudou. João Falcão disse que o redator do periódico, Marcelo Duarte, foi preso e, quando ele procurou o político, para saber como Antonio Carlos Magalhães poderia ajudá-lo, obteve a seguinte resposta. “Ele disse que o que eu colocava não era verdade e que os jornais da Bahia eram pouco corajosos. Eu lhe respondi que o Jornal da Bahia não era pouco corajoso e que ele não perdia por esperar”. Entre 1969 e 1972 o jornal foi fortemente perseguido por Antonio Carlos Magalhães que, segundo Navarro, usou meios jurídicos para desmoralizar o periódico se aproveitando do cenário político promovido pelo AI-5. E assim começou todo o imbróglio entre Antonio Carlos, João Falcão e os jornalistas que faziam parte da redação do Jornal da Bahia, até mesmo Zilah Moreira que, apesar de ser de O Estado de S. Paulo, mas, convivia com todos que ali trabalhavam. Para Carlos Navarro, este clima pode ter influenciado a jornalista a assim começar o conflito pessoal com Antonio Carlos. “Ela fez matérias que não agradaram a ele, que ameaçou pedir para o Estadão a demissão dela. Mas, naquele tempo, os Mesquitas tinham pavor de Antonio Carlos, já não estavam bem com a Ditadura, já que o jornal ajudou a fazer o Golpe de 64, mas logo depois rompeu devido à censura a imprensa”. “Façam as reportagens e escrevam, os censores que cortem” (MAYRINK, 2008, p.49) eram as ordens enviadas pela sede do jornal O Estado de S. Paulo, através de seu diretor, Júlio de Mesquita Filho, e mais tarde Júlio de Mesquita Neto, a todos os correspondentes e sucursais. Quem trabalhava fora da sede deveria dizer, se fosse interpelado pela polícia, que a decisão de publicar uma notícia era sempre da direção do jornal, em São Paulo. Este período, que se inicia com o AI-5 e o lançamento do Pasquim, irá se encerrar com a anistia e a greve dos jornalistas. Muitas são as experiências jornalísticas. É a época que O Estado de S. Paulo publica “Os Lusíadas”, Veja lança uma edição sobre torturas, surgem os jornais Opinião, Movimento, Em Tempo entre outros jornais da imprensa alternativa. Uma época em que pessoas inocentes, acusadas de “subversão”, foram torturadas até a morte em nome de uma ideologia, a Segurança Nacional. Período de intolerância, no qual não havia espaço para os direitos humanos e para a dignidade da pessoa humana. Zilah Moreira a frente do Estadão na Bahia jornalista Ricardo Kotscho, que ingressou no Estadão em 1967 afirmou que “na redação havia apenas duas mulheres, tradutoras da editoria internacional” (KOTSCHO, 2006, p. 40). Jornalistas mulheres na própria sede não existiam, quanto mais correspondente em uma grande capital do país, sem muita infra-estrutura tendo que enviar reportagens todos os dias para o jornal. Esta era a função, ou melhor, obrigação de Zilah Moreira, mas que ela fazia com muito bom gosto. Zilah Moreira não tinha uma editoria específica. Ela fazia cobertura de todos os eventos: esportivo, político, policial, econômico ou de variedades, ela estava pronta, sempre com uma calça marrom, um blusão folgado estampado com cores vivíssimas – praticamente o uniforme dela, com seus cabelos curtos e seu velho Fusca, a caça da notícia. Na época tudo era muito difícil. Era um período em que a Ditadura Militar mandava no País, com os vários atos institucionais e a repressão aos movimentos populares contrários à ditadura. De acordo com o jornalista Carlos Navarro, para outras mulheres talvez fosse difícil ter esta responsabilidade, mas para Zilah, não. Ele afirma ainda que, com a desenvoltura dela, a espirituosidade, a jornalista entrava em qualquer lugar: “Para Zilah, poderia ser um estádio de futebol ou Palácio do Governo que ela estava pronta para investigar, apurar e noticiar.” Uma de suas histórias interessantes como a “repórter de todas as editorias” foi em relação ao esporte. Duas histórias relatadas por ela a amigos chamam atenção. O jornalista Luiz Guilherme17 lembra um momento do lado esportivo de Zilah Moreira. No início, ela não sabia nada de esporte, até porque naquela época mulheres irem a estádio assistir uma partida de futebol era raro. Mas, como correspondente do Estadão, teve que freqüentar rotineiramente. Durante as partidas, 17 Esta historia pode ser vista também na plaqueta organizada pelo jornalista LuizGuilherme em que ele redigiu uma palestra de Zilah Moreira em 2002, Faculdade Integrada da Bahia. (TAVARES, Luiz Guilherme (org). Zilah Moreira. Salvador, Núcleo de Estudos da História da Imprensa da Bahia, São Paulo: Rede Alfredo de Carvalho, 2005, p. 10). O ela ficava caminhando pelo campo (não se instalava na tribuna de imprensa) sempre com um rádio – e vale lembrar que os rádios daquela época eram enormes – com a alça no ombro, acompanhando o jogo. Determinado momento ouviu o locutor dizer: “tiro de Meta”. Ela olhava para um lado e para o outro e não conseguia entender. O mais interessante é que este nome já lhe era familiar porque, é claro, toda partida de futebol tem que ter o tiro de meta. Então ela pensou e perguntou para si mesma quem era este “Meta” que aparecia em todos os jogos. Para tirar a duvida recorreu ao amigo e jornalista do A Tarde, Carlos González, para saber quem era este tal de “Meta”. Ele então sorriu e explicou o que era o “tiro de Meta”. Outro caso lembrado por Luiz Guilherme foi à relação entre Zilah Moreira e o técnico do Esporte Clube Bahia, Paulo Amaral. Jornalista nenhum conseguia falar com ele. Zilah Moreira então decidiu encarar o técnico, e como ela mesma dizia, fez “uma cara de Santa Beata” e foi entrevistá-lo. – Senhor Paulo? Disse. Ele então respondeu: – Não me chame de senhor. – Então Paulo. Eu só sei que a bola é redonda e nada de jogo. – Não posso. Respondeu o técnico. Com os ânimos enaltecidos, ela disse: – Como é que não pode. O senhor é o técnico do time, tem que dar satisfações. A partir daí ele explicou como ia ser o jogo, ela construiu a matéria, que foi veiculada no jornal. Desse dia em diante, Paulo Amaral só concedia entrevistas a jornalista.18 Até que um episódio desconstruiu este privilégio. De acordo com relatos da jornalista, teve um momento em que ela não tinha mais o que falar sobre o técnico. Ela procurou o seu irmão que entendia de futebol e também era jornalista, Eitel Moreira, para fazer uma reportagem com o técnico em 18 op. cit., p. 11 um terreiro de candomblé. Para completar a matéria, o Estadão tinha achado em seu arquivo uma fotografia de Paulo Amaral em que uma luz emitia alguns raios e que dava uma impressão de que ele era uma divindade. Com informações de um filho-de-santo, Camafeu de Oxossi, ela escreveu que o técnico freqüentava um terreiro de candomblé, as vésperas dos jogos do Bahia, chupava a cabeça de um galo preto e que por isso o Bahia ganhava as partidas. O fato gerou uma confusão! O técnico não gostou da história e deixou de conceder entrevistas a Zilah Moreira. (TAVARES, 2005). A partir daí, a correspondente começou a gostar de noticiar esporte e tudo foi ficando mais fácil. Cobriu o Vigésimo Campeonato Brasileiro de Iatismo da classe Snipe19 (anexo, p. 67), a crise do Bahia no campeonato Roberto Pedrosa, de 1971 (anexo, p. 70), a cobertura do primeiro jogo transmitido, via satélite pela Embratel, entre Bahia e Grêmio20, entre outros. Outro caso interessante vivido por Zilah enquanto esteve à frente da correspondência do Estadão na Bahia foi à vinda do presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, ao Brasil. Na viagem ele passou por Salvador. McNamara veio acompanhado de sua secretária, Chandras Sing. A secretaria resolveu conhecer a capital baiana e, nesta época, os estudantes estavam fazendo muitas manifestações contra o regime. Chandras Sing então chega ao Terreiro de Jesus, no Pelourinho, e começou a tirar fotografias. Um soldado, que estava de plantão, achou que ela estava tirando foto dele e então “arrastou” a secretária. Ela sem entender nada perguntava ao policial em inglês. – Do you speak english? Do you speak english? Nada adiantou. Ela foi levada até a delegacia da Misericórdia, onde hoje é a prefeitura de Salvador, tomaram a máquina, os documentos e a agrediram. Zilah Moreira então correu para a redação do Jornal da Bahia, escreveu o texto e quando iria enviar pelo telex para o Estadão ouviu que o secretário de Comunicação do Governo Luiz Vianna, Prisco Viana, tinha pedido para não publicar. Mesmo assim, enviou a matéria com a observação de que o Governo da Bahia havia censurado. Apesar do aviso, o jornal publicou. 19 Entrevista com Carlos Navarro realizada pelo autor. Apêndice p. 58 20 Este caso vai ser melhor explicado os embates com Antonio Carlos Magalhães. Outra reportagem de Zilah Moreira e que envolvia o ex-governador Luiz Vianna Filho foi o pedido de impugnação no TRE, Tribunal Regional Eleitoral, do candidato da Arena ao Senado Luiz Vianna Filho e seu suplente solicitado pelo candidato do MDB, Movimento Democrático Brasileiro, Clemens Sampaio. De acordo com Sampaio, em virtude da desistência do deputado Agostinho Pinheiro, a Arena deveria fazer uma nova assembléia para escolher o novo candidato ao Senado (Figura 5). Outras coberturas foram marcantes na história da jornalista. Entre as principais, a morte do capitão Carlos Lamarca e do líder comunista, o baiano Carlos Marighella além dos inúmeros confrontos com Antonio Carlos Magalhães. Algumas destas histórias, desta que foi a repórter de todas as editorias, serão contatadas nos próximos capítulos. Os embates com Antonio Carlos Magalhães O jornalista Clovis Rossi disse certa vez ao também jornalista Ricardo Kotscho qual era o sentido do jornalismo: garimpar boas histórias e oferecer informações confiáveis à sociedade (KOTSCHO, 2006, p. 14). Começo este capítulo com este trecho para explicar que esta era uma das principais características defendida pela jornalista Zilah Moreira: a busca inconstante da notícia com veracidade. Mas, para iniciar esta parte, que vai tratar dos inúmeros e inconstantes embates entre a jornalista e o político Antonio Carlos Magalhães, é importante remeter ao final do primeiro capítulo (De A Província de S. Paulo ao Golpe Civil- militar de 1964), que trata do apoio de O Estado de S. Paulo ao Golpe Civil-Militar de 1964, quando o presidente João Goulart é deposto e o Exército assume a liderança do país. Figura 5: Em destaque nota de Zilah Moreira sobre o pedido de impugnação da candidatura de Luiz Vianna Filho. Extraída do livro Mordaça no Estadão, p. 204 Os primeiros anos da ditadura militar no Brasil foram marcados, de um modo geral, pelo confuso movimento de acomodação das forças golpistas, quase sempre caracterizados pelos antagonismos insuperáveis em seu interior. O que para as Forças Armadas, em geral, é denominado de Revolução Democrática de 31 de março de 1964, para o general Sylvio Frota, integrante de primeira hora do movimento militar, isto nada mais foi que um golpe, quando ele afirma: “Sobrevêm, então, o Golpe Militar de 1964, que na verdade jamais foi uma Revolução, (...)” (FROTA, 2006, p. 63). O que se pode entender, é que não havia ao certo, um projeto claro de poder. Os militares, até então, se limitavam a intervir no que eles consideravam ser ameaças às instituições do país, sem pretensões de poder, como defendia o presidente Castelo Branco, que queria ser um instrumento de transição e, em seguida, passar o comando do país aos civis. Assim, a grande imprensa – como, por exemplo, O Estado de S. Paulo – diversas esferas da sociedade civil21, religiões, dentre outros, apoiaram o Golpe Civil-Militar de 1964 com o intuito de mudar a visão política até então vigente no país. O jornalista Mino Carta afirma, na edição de Carta Capital, de seis de abril de 2011, que “o golpe foi armado pelos donos paisanos do poder,invocado sofregamente por sua mídia, braço impresso e falado, e executado por seus gendarmes, ou seja, pelas Forças Armadas que se prestaram ao serviço” (p. 25). Mas a consolidação deste evento de 1964 constrói também uma nova história que se traduz em um “Golpe dentro do Golpe”, com o decreto dos constantes atos institucionais que leva o país à censura. Assim, o poder das forças armadas toma conta do cenário nacional, que vai indicar prefeitos, governadores, presidentes em eleições indiretas, fechar o congresso e a censura prévia a imprensa. Uma forma de repressão22, muito bem 21 Conforme a afirmativa de Solange Simões (1985, p.36), essa “mobilização atendia, portanto, a um objetivo principal: viabilizar e justificar o golpe enquanto resposta a um espontâneo e legítimo apelo popular”. Visava, sobretudo, mobilizar os setores médios, posto que a classe trabalhadora encontrava-se mais afeita às propostas lançadas pelo nacional-reformismo de João Goulart. (SANTANA, Ediane Lopes. Campanha de desestabilização de Jango: as ‘donas’ saem às ruas. In: ZACHARIADES, Grimaldo [Org.]. A ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: Edufba, 2009. p. 19) 22 Quando se define os efeitos de poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica, deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. (...) O que explicada por Michel Foucault, onde a lei é fortalecida pela expressão, “não”. E a Bahia não ficou fora deste período. Foi uma época em que de um lado estavam prefeitos e governadores indicados pelas forças armadas, e do outro, jornais censurados, jornalistas, movimentos estudantis, e guerrilheiros: todos perseguidos. O primeiro prefeito de Salvador nomeado pela Ditadura Militar foi Nelson de Souza Oliveira (1964-1967) que mais tarde foi substituído pelo jovem médico Antonio Carlos Magalhães, indicado pela Câmara Estadual e nomeado pelo governador Lomanto Junior. Luiz Vianna Filho foi o primeiro governador da Bahia indicado pela ditadura em 15 de março de 1967 e ficou no poder até 15 de março de 1971, assumindo em seguida Antonio Carlos Magalhães. Antonio Carlos Magalhães sempre esteve presente nas pautas de Zilah Moreira, quando correspondente de O Estado de S. Paulo, na Bahia. Como foi dito antes, acredita-se que este desafeto entre a jornalista e o político nasceu devido ao seu convívio com os jornalistas na redação do Jornal da Bahia e consolidado com a liberdade que o Estadão dava à jornalista, já que a família Mesquita não gostava do político. E sem dúvida alguma, a carreira jornalística de Zilah Moreira ganhou notoriedade e visibilidade devido a sua coragem de enfrentar um grande político poderoso, em todas esferas de poder. A decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, período este em que o prefeito de Salvador era Antonio Carlos Magalhães e o governador Luiz Vianna Filho, colocou no papel aquilo que até então era somente uma intenção. Dava poderes extraordinários ao presidente da República e suspendia várias garantias constitucionais, dentre elas, obrigava os jornais a se enquadrar, colaborando na tarefa de isolar os “impatriotas” e fazer com que o conjunto dos brasileiros se identificasse com os projetos do governo militar (MAYRINK, 2008, p. 16). Com o AI-5 a situação piorou consideravelmente. O ato veio em represália à decisão da Câmara dos Deputados, que se negara a conceder licença para que o deputado Marcio faz com que o pode se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. (FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 8) Moreira Alves23 fosse processado devido a um discurso onde questionava até quando o Exército abrigaria torturadores. Com a decretação do AI-5, políticos e autoridades baianas, contrárias as Forças Armadas foram ouvidas e detidas em Salvador. Zilah Moreira, em reportagem compartilhada com a redação em São Paulo e a sucursal do Rio de Janeiro, intitulada “Deputado estadual encontra-se detido” (apêndice p.), ela aponta que autoridades como os deputados Marcelo Duarte e Mario Piva e Luiz Henrique Dias, diretor de Ensino Médio e responsável pela Bienal estavam presas na sede da Polícia Federal há dias. Embora tenha sido um entusiasta do Golpe Civil- Militar de 1964, em seu início, apoiando as medidas de exceção, a partir de 1966, o jornal muda de posição ao perceber que o governo brasileiro não voltaria para os 23 "Senhor presidente, senhores deputados, Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia. No entanto, isto não basta. É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome. Creia-me senhor presidente, que é possível resolver esta farsa, esta democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia. Só assim conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores." (Folha Online. Leia discurso histórico do ex-deputado Marcio Moreira Alves. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de junho de 2011). Figura 6: Recorte do editorial Instituições em Frangalhos civis e assim começam as críticas às ações deletérias dos agentes do governo. O principal documento histórico desse momento é o editorial “Instituições em frangalhos24” (Figura 6), publicado no dia em que o AI-5 é baixado. A censura prévia no jornal começou a meia noite de 12 de dezembro de 1968, um dia antes da instituição do AI-5. O general Silvio Correia de Andrade, chefe da Polícia Federal em São Paulo, telefonou para a redaçãodo Estadão para saber qual seria a manchete da primeira página. O secretário da redação, Oliveiros S. Ferreira, respondeu: “Câmara nega; prontidão”25. De acordo com Oliveiros S. Ferreira, em depoimento no livro Mordaça no Estadão, a ordem era trabalhar como se não existisse censura. “Façam as reportagens e escrevam, os censores que cortem” (MAYRINK, p. 49). Zilah Moreira confirma quando diz que ao longo dos 30 anos sendo correspondente do jornal na Bahia, fazia tudo o que jornal mandava inclusive reportagens que fosse contra o prefeito e mais tarde governador Antonio Carlos Magalhães (TAVARES, 2005). Uma das polêmicas reportagens de Zilah Moreira que envolve Antonio Carlos Magalhães foi à vinda de Carlos Simas, que fora ministro das Comunicações durante o governo Castelo Branco, para chefiar a Telebahia, Companhia Telefônica do Estado da Bahia designado pelo governo do presidente Emilio Garrastazu Médici. Carlos Simas já era um antigo desafeto do político. Sabendo disso, o Estadão enviou um repórter a Salvador para auxiliar Zilah Moreira na reportagem. Quando o repórter chegou, disse a Zilah Moreira para ela ficar calada, que marcasse apenas as entrevistas. Imagine, Zilah Moreira calada?! Quase impossível. Mas, a princípio, ela obedeceu. Ela ligou para o prefeito Antonio Carlos Magalhães e 24 E é diante desse quadro todo, ele feito de tonalidades sombrias, que nos achamos. Até aqui as coisas pareciam suscetíveis de sua recomposição. Apesar de tudo, a passividade do Congresso Nacional, aliada a disciplina militar, poderia ainda fazer às vezes do apoio da opinião pública. Agora, porém, que são claros os sinais de desagregação irredutível da maioria parlamentar, como o comprova a estrondosa derrota sofrida ontem pelo governo, quando mais de 70 deputados da Arena votaram contra a concessão de licença para processar o deputado Marcio Moreira Alves, pergunta-se: que é que poderá resultar de um estado de coisas que tanto se assemelha ao desmantelamento total do regime que o Sr. Presidente da República julgava fosse o mais conveniente aquele delicadíssimo e frágil arquipélago de grupos sociais a que se referia ainda ontem, cuja integridade, é a S. Exa. o primeiro a reconhecê-lo. (Editorial. O Estado de S. Paulo. 13 de dezembro de 1968) 25 Era uma seqüencia (suíte, no jargão jornalístico) da manchete da véspera – “Câmara vota hoje a licença” -, referente à licença para o governo processar o deputado Marcio Moreira Alves (MDB pelo antigo Estado da Guanabara), por causa de um discurso, meses antes considerado inofensivo pelas Forças Armadas. (MAYRINK, José Maria. Mordaça no Estadão. São Paulo: O Estado de São Paulo, 2008, p. 24) marcou a entrevista. O mesmo ela fez com Carlos Simas, que preferiu não atender, e com vários outros implicados no caso. O repórter do Estadão então entrevistou o prefeito de Salvador que dizia absurdos sobre o presidente da Telebahia. Ao chegar na redação do Jornal da Bahia o repórter chamou Zilah Moreira para juntos compor a matéria. Mas, faltava ter a entrevista de Carlos Simas. A reportagem só ficaria mais interessante se tivesse um contraponto. O repórter tinha nas mãos um gravador que continha declarações do prefeito de Salvador difamando Carlos Simas. Zilah, então, teve a idéia de fazer uma acareação. Ela ligou para o presidente da Telebahia dizendo que estava com uma gravação em que Antonio Carlos o arrasava. Simas reuniu seu staff, autorizou Zilah Moreira ir até o escritório dele e lá ela mostrou todo o conteúdo da fita. Cada afirmação do prefeito de Salvador, ele parava e rebatia. Terminada a acareação, Zilah Moreira e o repórter que o Estadão tinha enviado fizeram uma reportagem, literalmente a quatro mãos, que deixou Antonio Carlos Magalhães bastante furioso. Sucursais e correspondentes do Grupo Estado sofreram todo tipo de pressão durante a Ditadura Militar por causa das notícias que apuravam em suas regiões. As reportagens na maioria das vezes não eram podadas nas fontes (MAYRINK, 2008, p. 121), mas agentes da Polícia Federal e oficiais do Exército tentavam intimidar os repórteres para que não enviassem o material escrito para São Paulo. De acordo com Raul Bastos, chefe dos correspondentes, “as sucursais e correspondentes sofreram pressões, porque estavam expostos, numa época em que “O Estado” tinha uma máquina muito grande, fornecendo matérias que irritavam a censura”. Certa vez, irritado com as reportagens de Zilah Moreira, Antonio Carlos Magalhães pediu a cabeça da jornalista ao jornal O Estado de S. Paulo, que o ignorou. A ação censória esteve no Estadão26 por mais de seis anos e mesmo assim, Júlio Mesquita Neto não se curvava perante a ação. Assim, ao depor em um 26 Isso posto, as regras estão claras. Não há nada caótico e perdido na burocracia, como muitas análises tentam apontar. Não há acefalia. Até mesmo os temas censórios estão expostos desde o início, como as notas recebidas no dia do AI-5 comprovam. Mas o jornal, O Estado de S. Paulo continuou expondo o sentimento corrente da época, no artigo “Liberdade em debate na ABI”, de 23/03/1972, (p.6), ao refletir que: “(...) como a legislação é inquérito policial-militar, o diretor do Estadão causou um constrangimento para os agentes do governo ao afirmar que não era mais o responsável pelo jornal e sim o ministro da Justiça, Alfredo Buzaid (KUSHNIR, 2004, p. 51). E se esta ação censória não intimidava os donos do jornal, imagine se iria deixar Zilah Moreira retraída?! Carlos Navarro afirma que a jornalista era tão espirituosa que ia para as entrevistas coletivas de Antonio Carlos Magalhães, enfrentava o político e isso deu grande notoriedade a ela, já que o Estadão garantia e divulgava. Ele diz ainda que com a coragem de encarar um poderoso e ainda mais em plena ditadura, ela então ganha grande importância no jornalismo baiano. A censura era realizada na sede do jornal, em São Paulo. Correspondentes e sucursais tinham uma maior liberdade para escrever as notícias pertinentes as suas áreas de cobertura. E inúmeras foram estas reportagens realizadas por Zilah Moreira, como por exemplo, o caso da secretária do presidente do FMI, Fundo Monetário Internacional, Robert McNamara, contada no capítulo anterior, que foi arrastada por policiais do Exército, sofrendo, inclusive, agressões físicas, e que a correspondente em Salvador enviou a reportagem com o aviso de censura emitido pela assessoria de comunicação do governo baiano e mesmo assim foi publicada pelo jornal. Mas, na maioria das vezes, os censores instalados na redação do jornal, não permitiam a publicação de matérias que comprometiam o governo militar. Para contraditória, por força do grande número de portarias e instruções que complementam os diplomas de arrocho fundamentais, os jornais continuam a mercê de decisões subjetivas que variam consoante o critério da autoridade encarregada de interpretar os textos”. (KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 118-119) Figura 7: Em destaque o Canto Décimo, de Luiz de Camões. driblar a ação, o Estadão então começou a publicar poemas27, principalmente os de Camões, como um sinal de que naquele espaço uma reportagem havia sido censurada (Figura 7). Os versos de Camões rechearam as páginas internacionais em setembro de 1973, quando Clovis Rossi, pelo Estadão, cobriu em Santiago, no Chile, o golpe militar do general
Compartilhar