Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Psicologia e Comportamento Psicologia e Comportamento © Copyright 2013 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, "a" e "b". Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities) T693p Torres, Cláudia Vaz Psicologia e comportamento / Cláudia Vaz, – Salvador: UNIFACS, 2013. 253 p. ISBN 978-85-87325-22-8 1. Psicologia. 2. Comportamento humano. I. Título. CDD: 150 Sumário ( 1 ) A psicologia e o comportamento humano, 11 1.1 Ser humano: objeto de estudo da psicologia, 19 1.2 O ser humano e a valorização da individualidade, 20 ( 2 ) Teorias psicológicas, 37 2.1 Behaviorismo, 40 2.2 Psicologia como “ciência do comportamento”, 41 2.3 Gestalt, 46 2.4 Psicanálise, 53 2.5 O inconsciente, 57 2.6 A regra fundamental da psicanálise, 59 2.7 A histeria, 61 2.8 O aparelho psíquico, 67 2.9 Psicologia sócio-histórica, 68 2.10 O ser humano é um ser social e histórico, 73 ( 3 ) A construção social do ser humano: subjetividade e identidades, 81 3.1 Construindo um conceito de identidade, 85 3.2 O conceito de identidade na história, 87 3.3 “Quem eu sou?”, 92 3.4 Identidade...mais contribuições, 97 3.5 “Somos sujeitos de muitas identidades”, 99 ( 4 ) Ser humano: discutindo relações raciais, gênero, sexualidade e orientação sexual, 107 4.1 O que é gênero?, 121 4.2 Identidade de Gênero, 123 4.3 Sexualidade, gênero e orientação sexual, 126 4.4 Sexualidade e identidade de gênero: qual é a relação?, 129 4.5 “Ninguém nasce mulher [...]”, 130 ( 5 ) O ser humano: construindo relacionamentos, 145 5.1 Percepção, 153 5.2 Atitudes, 155 5.3 Aptidão, 157 5.4 Inteligência, 158 5.5 Comunicação, 159 5.6 Grupos: definição e classificação, 163 ( 6 ) A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho, 185 6.1 Classificação das equipes, 191 ( 7 ) Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiano do trabalho, 201 A afetividade no contexto de trabalho, 221 ( 8 ) A motivação no trabalho, 235 8.1 Motivação: ênfase, foco, pergunta e resposta, 238 8.2 Três modelos de classificação das teorias da motivação, 239 8.3 Teoria das necessidades de Maslow - Teoria da hierarquia das Necessidades (1943), 241 8.4 ERC (existência, relacionamento e crescimento) de Aldefer (1969), 242 8.5 Teoria das Necessidades (afiliação, poder e realização) de McClelland (1953), 243 8.6 Teoria Bifatorial de Herzberg, Mausner e Snyderman (1959), 244 8.7 Teoria das Expectativas, 246 ( 1 ) A piscologia e o comportamento humano Cláudia Vaz Torres Nesta unidade, refletiremos sobre o surgi- mento da psicologia, o seu objeto de estudo e o seu papel na análise das questões humanas. Por que nos tornamos o que somos, aqui e agora? O que constitui a nossa singularidade? O que mudou na história e o que a Psicologia tem a ver com isso? A análise das questões acima permite pensar que, na contemporaneidade, o modo como enxergamos a nós mes- mos mudou bastante, pois em épocas passadas não havia o interesse em promover a exposição de si cotidianamente, ha- via maior preocupação com a manutenção da privacidade e com o lugar social previamente “determinado”. Podemos interpretar o mundo contemporâneo como um período no qual predomina o intenso culto à pessoa, ao auto-conhecimento, à intimidade, à vida privada. É um mo- mento em que percebemos que muitas mulheres e homens constroem as suas relações consigo e com os outros, e in- terpretam a sua realidade sem reconhecer a importância do outro na existência de cada um, valorizando apenas as suas intimidades e interesses pessoais (SENNETT, 1998). Na contemporaneidade, as ciências comportamentais ampliaram muito a sua área de análise, atuação e abriram es- paço para campos específicos de aplicação como educação, saúde, trabalho, conflitos sociais, entre outros. Cotidiana- mente somos compelidos a pensar sobre o comportamento de mulheres e homens, a revisar conceitos e modelos, pois a todo momento novos acontecimentos vêm à tona, transformando o momento presente. Torna-se, então, necessário saber lidar com a diversidade de situações nas relações humanas e com as diferentes questões que trazem em si a marca da instabili- dade e da competitividade. Lidamos acentuadamente, hoje, com o sentimento de instabilidade, de incompletude que nos desafia e nos leva a desejar algo e querer ser melhor do que se é; porém, esta bus- ca, muitas vezes, está centrada nas aquisições, ou seja, em ter: bens, títulos, contratos, matrimônio, etc. Às vezes, pensamos que precisamos olhar o outro, sermos mais sensíveis; no en- tanto, logo nos distanciamos desses ideais, assumimos os va- lores e princípios de uma sociedade de consumo e anestesia- mos os nossos sentidos. Vamos, assim, formando territórios e exibindo o que esperamos que o outro queira ver. Sibilia (2008) explica que na contemporaneidade há uma necessidade imperiosa de exibir a intimidade e espe- tacularizar os recônditos do eu. Há, conforme a autora, um abandono da privacidade, do que se passa na experiência so- litária e íntima de si para uma gradativa exteriorização do eu. O apelo social é para que se mostre e constitua a própria vida como um relato para ser saboreado, comentado, critica- do e desejado pelo outro. As ferramentas atuais disponíveis na Internet como blogs, weblogs, YouTube, fotologs, redes de sociabilidade como Orkut, Myspace, Facebook, entre outras A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 15 promovem e celebram o eu, para tanto é preciso insistente- mente atualizar o outro com fragmentos de informações, que são adicionados a todo momento, e sustentam apenas o tem- po presente; enfim, é preciso mostrar-se cotidianamente. [...] os sujeitos destes inícios do sécu- lo XXI, familiarizados com as regras da sociedade do espetáculo, recorrem a infinidade de ferramentas ficciona- lizantes disponíveis no mercado para se autoconstruir. A meta é enfeitar e recriar o próprio eu como se fosse um personagem audiovisual. Não é muito difícil, pois a mídia oferece um farto ca- talogo de identidades descartáveis que cada um pode escolher e emular: é pos- sível copiá-las, usá-las e logo descartá- -las, para substituir por outras mais novas e reluzentes (SIBILIA, 2008, p. 241-242). O desejo de visibilidade, de ser protagonista, mostrar- -se e causar um efeito no outro marcam as experiências de construção das subjetividades atualmente. Nos novos modos de ser e estar no mundo é possível mentir sobre as suas pró- prias vidas e inventar fatos sobre si mesmo. Leia o trecho a seguir: Eu conheci o Cris pela internet em 2007. Ele era ami- P si co lo gi a e co m po rt am en to 16 go do namorado virtual de uma amiga. Ficamos próximos e decidimos namorar. Ele era muito ciumento, mas muito ca- rinhoso. Eu não ficava com mais ninguém. Um dia, a minha amiga brigou com o namorado e começou a fazer pressão para ele contar mais coisas. Aí, veio à tona: nem o namorado dela nem o meu eram reais. Quem fazia o personagem dos dois era uma menina! (REPS, 2009) Esta infinidade de construções de versões do “eu” in- teressa à psicologiaque além da sua cientificidade,, está cada vez mais frequente na vida cotidiana. Figueiredo e Santi (2006) alertam que a tendência que mais cresce no mercado é a das “terapias de autoajuda” que misturam concepções do senso comum, com pressupostos humanistas sobre a liberda- de do homem e prega o individualismo e a submissão do eu a um conjunto de regras de gerenciamento da própria vida. Análise: O que é “terapia de autoajuda”? A autoajuda é uma terapia? Quais as diferenças entre esta abordagem e as abordagens da psicologia científica? Alguns saberes e práticas sobre o ser humano per- tencem a outros campos e estão em oposição aos princípios da psicologia científica. Compreender a psicologia numa di- mensão histórica e social implica pensar nas ações, atitudes, emoções, sentimentos e comportamentos inerentes a mulhe- res e homens, constituídos a partir das relações. Assim, é im- portante refletir sobre a psicologia e destacar que a mesma pode ser considerada uma ciência, pois o conhecimento que produz é considerado científico por ter um objeto de estudo, uma linguagem rigorosa, objetividade, métodos e técnicas es- pecíficos e uma construção teórica cumulativa. A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 17 O campo de conhecimento da Psicologia se constituiu como ciência a partir do século XIX, quando seus temas passa- ram a ser investigados pelos fisiologistas e pelos neurofisiolo- gistas, que demonstraram que as nossas percepções e pensa- mentos derivam do sistema nervoso central; também, quando estes cientistas passaram a empregar nos seus estudos méto- dos de observação cuidadosos e sistemáticos para normatizar e padronizar as ações, atitudes e comportamentos dos homens. Antes disso, a Psicologia estava atrelada à Filosofia. Conforme Bock, Furtado e Teixeira (2008), foram os filó- sofos gregos que tentaram pela primeira vez sistematizar o co- nhecimento psicológico, concebendo-o como estudo da alma. O termo psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Etimologicamente, a Psicologia significa o estudo da alma. A alma era concebida como a parte imaterial do ser humano, que inclui os sentimentos, os desejos, as sensações, as percepções e os pensamentos. Atualmente, a Psicologia é vista como uma ciência em desenvolvimento. Cambauva, Silva e Ferreira (1998) esclarecem que a psi- cologia vai sendo construída à medida que os homens vão construindo a si mesmos e ao seu mundo. O homem, sendo personagem principal desse processo de desenvolvimento do pensamento, cria idéias, entre elas as idéias psicológicas. Ele cria as ciências como forma de compreensão do mundo; entre essas ciências cria a psicologia, tendo como objetivo o entendimento do que hoje chamamos subjetividade, bem P si co lo gi a e co m po rt am en to 18 como a interpretação desta na sua rela- ção com o mundo e com outros homens. Isso significa que a psicologia pode ser considerada uma ciência social, e seu objeto o homem. Ao falarmos do desen- volvimento da psicologia, estamos, ao mesmo tempo, nos referindo ao desen- volvimento, ao processo, à elaboração e à criação do pensamento humano. Ou seja, assumimos e entendemos que o homem está em constante movimento (CAMBAUVA; SILVA; FERREIRA, 1998, p. 2-3). Depreendemos, com as autoras, que a pessoa, na sua relação com o outro, constrói a si mesma, é produtora de ideias, da ciência e produtora da história da sociedade. Dian- te da diversidade que encontra no mundo, da necessidade de conhecer, controlar e potencializar, a sua eficiência desenvol- ve um modo de pensamento específico sobre seu comporta- mento, desenvolve métodos para análise e compreensão das inúmeras possibilidades de ser e estar no mundo. Diante dessas inúmeras possibilidades de interpretar o homem, encontramos na psicologia uma diversidade de obje- tos de estudo. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que a diversidade de objetos justifica-se porque os fenômenos psi- cológicos são diversos e não podem ser acessíveis ao mesmo nível de observação, padrões de descrição, medida, controle e interpretação. A psicologia, então, enfoca, de maneira particu- lar, o seu objeto de estudo e constrói conhecimentos específi- cos e distintos sobre a nossa singularidade e individualidade. A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 19 (1.1) Ser humano: objeto de estudo da psicologia O ser humano é o objeto de estudo da psicologia, po- rém, há diversas concepções sobre ele, adotadas pelos teóricos e pesquisadores em psicologia, que irão promover especifici- dades no modo de compreender os fenômenos psicológicos. Existem, também, mitos filosóficos sobre o ser huma- no que influenciaram as ciências humanas, como o mito do homem natural que postula que o ser humano tem uma es- sência original, mas a sociedade termina por corromper esta essência, que é caracterizada como boa, repleta de virtudes. Há o mito do homem isolado, que é originariamente não so- cial, mas gradativamente tem necessidade de relacionar-se e o mito do homem abstrato, cujas características são univer- sais e independem da realidade histórica e social. Conforme compreendeu, os mitos são importantes para a nossa reflexão, mas é importante considerar a história, a mul- tideterminação do ser humano e as condições materiais que lhe são dadas. O ser humano é social e histórico, necessita do outro para constituir-se como humano, ter autonomia, relacio- nar-se, pensar, criar instrumentos, desenvolver a linguagem, trabalhar, modificar o ambiente e construir a sua realidade. Acrescentamos que a psicologia científica está dividida entre diferentes linhas de pensamento para analisar os seres humanos concebidos pela vida social, assim, existem inúmeras maneiras de conceber e intervir no campo do “psicológico”. P si co lo gi a e co m po rt am en to 20 De acordo com Ferreira (2006), os saberes e as práti- cas psicológicas contemporâneas apresentam algumas expe- riências constitutivas fundamentais, como a constituição da subjetividade e as individualidades como unidades políticas a serem destacadas e diferenciadas no conjunto da sociedade. Sem que o outro que convive conosco saiba, passamos longo tempo pensando sobre quem somos, o que queremos, se vamos ou não fazer uma coisa, até que decidimos por algo. Preservamos a nossa individualidade pelo desejo de sermos livres e acreditamos que o nosso modo de sentir e pensar é único, porém, ao lado das nossas individualidades, existe uma imensa possibilidade de padronização, normatização e disciplina com o objetivo de controlar o comportamento, a imaginação, as emoções, os sentimentos, os desejos e, conse- quentemente, manter a ordem social. (1.2) O ser humano e a valorização da individualidade A valorização da individualidade pode ser vista ao longo da história, como na obra de Michel de Montaigne, em 1580, ao advertir o leitor de que escreveu os seus Ensaios para si mesmo e alguns amigos íntimos, para que pudessem conservar mais inteiro e vivo o conhecimento que tiveram do seu caráter e de suas ideias. Entretanto, até o século XIII, não existia sequer a noção de indivíduo. Acrescentamos que na Grécia, do ponto de vista polí- A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 21 tico, a noção de indivíduo não aparece, isso não significa que a pessoa não existisse, mas que ele tinha a sua existência re- conhecida como cidadão da polis. A maior punição para o homem era ser banido da polis. O espaço público e social era o lugar para o desenvolvimentopleno do ser humano. Ferreira (2006) analisa que a preocupação com a indi- vidualidade inicia-se a partir do século II d.C, ocasião que começa a ser buscada a constituição do cuidado de si. O ser humano mergulha no seu interior para descobrir, distinguir os pensamentos divinos dos pensamentos maléficos. Era pre- ciso cuidar de si mesmo, da própria alma para livrar-se das tentações dos demônios. Sobre isso, Ferreira acrescenta: Na passagem para o cuidado de si mo- derno há, pois, uma mudança de fina- lidade: não se busca mais uma purifi- cação da alma para atingir Deus, mas uma pura afirmação de si. E também, o exame de si, outrora exercido através de instrumentos religiosos e jurídicos (como a confissão), cede aos aparatos científicos modernos (a anamnese, a entrevista clínica, os testes mentais). Portanto, mudam igualmente as técni- cas desse novo cuidado de si. [...] pode- mos dizer que, a partir da modernida- de, passaram a existir diversas formas de relação consigo, além da religiosa, que nos convidam a um exame da nossa P si co lo gi a e co m po rt am en to 22 vida interior. Uma delas é a constitui- ção do tema da sexualidade. (FERREI- RA, 2006, p. 16-17) Compreendemos, com o autor, que o ser humano busca conhecer-se não mais para ser semelhante ao criador, como ocorreu na Idade Média. O ser humano lida com ques- tões importantes e desafiadoras além da constituição do tema da sexualidade, como a busca da verdade, a distinção entre o público e o privado, a autonomia, entre outras. No século XVI, esclarecem Figueiredo e Santi (2006), há uma grande valorização e confiança no homem, geradas pela concepção de que o mundo passou a ser considerado cada vez menos sagrado e mais como objeto de uso, movido por forças mecânicas a serviço dos homens que passaram a ser considerados livres e centro do mundo. Esta transforma- ção é parte da origem da ciência moderna. As condições socioculturais constituíram o terreno propício para a construção do projeto de uma psicologia como ciência, pois à medida que o homem sentia-se livre, diferen- te, capaz de experimentar sentimentos, ter desejos e pensar independentemente dos demais e, também, perceber as ins- tâncias de controle na sociedade que colocavam em questão a sua soberania, autonomia e identidade, acentuou-se, para o Estado, a necessidade de recorrer a práticas de previsão e controle para dar conta das seguintes questões: A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 23 Como lidar melhor com os sujeitos in- dividuais? Como educá-los de forma mais eficaz, treiná-los, selecioná-los para os diversos trabalhos? Em todas essas questões se expressa o reconhe- cimento de que existe um sujeito indi- vidual e a esperança de que é possível padronizá-lo segundo uma disciplina [...] Surge, desse modo, uma demanda por uma psicologia (FIGUEIREDO; SANTI, 2006, p. 49). Depreendemos que para a Psicologia progredir, era necessário conhecer e controlar as individualidades e suas diferenças. A experiência de individualização marca as es- colas psicológicas fundadas no século XIX. O homem, sujeito individual, torna-se um objeto da ciência: Os estudos psicológicos científicos co- meçaram e se desenvolveram sempre marcados por essa contradição: por um lado a ciência moderna pressupõe sujeitos livres e diferenciados – senho- res de fato e de direito da natureza; por outro, procura conhecer e dominar essa própria subjetividade, reduzir ou mes- mo eliminar as diferenças individuais, de forma a garantir a “objetividade”, ou seja, a validade intersubjetiva dos achados. Em contraposição [...] muitos P si co lo gi a e co m po rt am en to 24 psicólogos repudiam essa meta de co- nhecer para dominar os meandros da subjetividade e afirmam, ao contrário, que o que interessa é conhecer esses as- pectos profundos e poderosos do “eu” para dar-lhes voz, para expandi-los, para fazê-los mais fortes e livres. É claro que os que pensam assim querem fazer da psicologia uma “ciência” sui generis não só por ter um campo e um objeto próprios, mas por adotarem, em relação às demais ciências, outros mé- todos e outras metas. (FIGUEIREDO; SANTI, 2006, p.56-57) Assim, há diversas psicologias, histórias e linhas de pensamento que divergem nos aspectos teóricos e metodo- lógicos. A psicologia passou a existir como uma ciência no final do século XIX, com a criação do laboratório de psicolo- gia experimental de Wilhelm Wundt, em 1875, na Alemanha, na Universidade de Leipzig. O Laboratório de Leipzig atraiu estudantes de vários países e impulsionou a institucionali- zação formal da psicologia. A psicologia avança com o status de ciência, que é obtido através da definição do objeto de es- tudo (comportamento, vida psíquica e consciência), delimi- tação do campo de estudo, formulação de métodos próprios de estudo e teorias que produzem conhecimentos passíveis de comprovação e cumulativos. Surgem as primeiras escolas psicológicas, como o Funcionalismo de William James, o Es- truturalismo de Titchener e o associacionismo de Thorndike e, posteriormente diferentes Teorias psicológicas. A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 25 A construção de um projeto de uma psicologia in- dependente, com objeto próprio de estudo e métodos ade- quados, não foi tarefa fácil, principalmente porque a filoso- fia abordava os conceitos relacionados ao comportamento, “alma” e consciência; e a História, a Sociologia, a Linguística também abordavam as ações humanas e sua importância na sociedade, de acordo com as condições sociais e históricas. A psicologia reivindicou um lugar no campo das ciên- cias buscando objetividade, embasamento matemático e um elemento básico de investigação através da aproximação com os conceitos e métodos das ciências naturais. Ferreira (2006), ao analisar o mapa das psicologias do século XIX, explica que: Surge, então, no final do século XIX, na Alemanha, o projeto da psicologia enquanto ciência da experiência, to- mando como base a fisiologia, calcado no conceito de sensação como elemento objetivo e matematizável. (FERREI- RA, 2006, p. 21) Assim, na virada para o século XIX, torna-se possível a configuração da psicologia como área de conhecimento específico, embora com divergências no estudo do compor- tamento e da mente. As visões de homem de Wilhelm Wundt e seu contemporâneo William James não são mais bem aceitas hoje, porém, ainda assim, os estudos de Wundt sobre os pro- cessos mentais básicos, através do método introspeccionista, e a abordagem de James sobre a análise dos processos, através dos P si co lo gi a e co m po rt am en to 26 quais a mente funciona, desempenharam um importante papel na construção de uma psicologia científica (GLASSMAN, 2008). A psicologia, ramo das Ciências Humanas, estuda a subjetividade, conceito complexo que diz respeito ao nosso modo de ser, aos nossos pensamentos, desejos, sentimentos, ações, construídos na convivência social, nas interações e nas interpretações que fazemos dessas interações. Bock, Furtado e Teixeira (2008, p.23) analisam que: [...] estudar a subjetividade, nos tempos atuais, é tentar compreender a produção de novos modos de ser, isto é, as subjetivi- dades emergentes, cuja produção é social e histórica. O estudo dessas novas sub- jetividades vai desvendando as relações do cultural, do político, do econômico e do histórico na produção do mais íntimo e do mais observável no ser humano - aquiloque o captura, submete ou mobiliza para pensar e agir sobre os efeitos das formas de submissão da subjetividade. A psicologia visibiliza a dimensão subjetiva dos seres humanos, que contempla os pensamentos, desejos, emoções, sentidos, ações, significados, entre outros que são construí- dos a partir das vivências sociais e culturais. Através de re- cursos teóricos e metodológicos, a ciência psicológica analisa a dimensão subjetiva, as questões do sujeito e suas relações, A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 27 potencializando a autonomia e capacidade de emancipação dos seres humanos. A psicologia é definida, comumente, como o estudo científico do comportamento. O termo comportamento pode ser compreendido como respostas observáveis, experiência interna (pensamentos, sentimentos, etc). Alguns psicólogos preocupam-se apenas com o comportamento humano, ou- tros estudam as ações de outras espécies. De qualquer modo, o comportamento humano é rico e complexo, não há como explicar todos os aspectos numa teoria isolada, há uma di- versidade de teorias que diferem em termos de pressupostos básicos, métodos e teorias no estudo desta temática. O modo como a psicologia aborda a subjetividade de- pende da concepção de ser humano adotada pelas Teorias psicológicas. A psicologia, portanto, tem diferentes teorias para analisar e compreender o comportamento humano, como o Behaviorismo, a Psicanálise, a Gestalt, a Psicologia Sócio-Histórica, entre outras. Vamos, resumidamente, conhe- cer alguns dos aspectos estudados por elas na próxima aula e suas contribuições para a análise do ser humano. Compreendemos que é sempre um desafio descobrir maneiras para avaliar as diferenças entre as teorias e compre- ender as suas divergências, porém, diante d à complexidade do comportamento, nenhuma teoria isolada pode explicar todos os aspectos que dizem respeito ao comportamento. Acrescentamos que as teorias desenvolveram-se em resposta à complexidade do estudo do comportamento, mas também em consonância com fatores pessoais, históricos e culturais. O conjunto de saberes e das práticas psicológicas contemporâneas apresenta algumas experiências, como a P si co lo gi a e co m po rt am en to 28 constituição da subjetividade, que estão presentes em todas as psicologias e que, a partir dessas experiências, esclarece Ferreira (2006), surgem outras práticas relevantes que con- duzem as reflexões sobre mente e corpo, a constituição da loucura como doença mental e as distinções relativas aos diferentes períodos da vida. Compreendemos, também, que existem inúmeras maneiras de conceber o campo do psico- lógico e outras tantas maneiras de intervenção. Sobre isso, esclarece Figueiredo (2006): Entre as maneiras de pensar o psi- cológico há mesmo quem pretenda descartar-se desta denominação e dar preferência a outros conceitos, como conduta ou comportamento. Entre os que se situam no campo do psicológico, há também os que pretendem fazer ou- tra coisa que não psicologia como, por exemplo, psicanálise. (FIGUEIREDO, 2006, p. 9) Há uma pluralidade no campo da psicologia, e o entendimento e aceitação das diferentes diversas teorias, com as suas contradições sobre o comportamento, estão de acordo com os nossos viéses pessoais, nossas crenças e o nosso momento histórico. Impõe-se à psicologia, na contemporaneidade, o com- promisso social. A psicologia, como ciência e profissão, pre- cisa buscar estratégias para lidar com o sofrimento psíquico A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 29 nos diferentes espaços sociais. Vamos analisar o compromis- so social da psicologia através da leitura do trecho do artigo de Bock (1999, p.324-325): [...] a Psicologia vem se transformando e vem se aproximando de visões concre- tas e históricas, abandonando as visões naturalizantes que ainda caracterizam nossa ciência e nossas técnicas. Vamos explicar melhor isto: A Psicologia em seu desenvolvimento esteve sempre presa a uma dicotomia entre objetividade e subjetividade; entre interno e externo; entre natural e his- tórico; objeto e sujeito; razão e emoção; indivíduo e sociedade. Desde Wundt, temos vivido esse desafio de superar es- tas dicotomias e nosso desenvolvimen- to teórico pode ser registrado a partir destas tentativas. Mantidas estas dico- tomias, não temos sido capazes de com- preender o homem que não de forma a naturalizar seu desenvolvimento e seu mundo psicológico. Explicando melhor: porque mantemos uma visão dicotômi- ca, temos explicado o movimento do mundo psicológico como um movimen- to interno, gerado por si mesmo. [...] P si co lo gi a e co m po rt am en to 30 Esta tradição naturalizante do fenô- meno psicológico nos jogou em uma perspectiva de profissão que sempre compreendeu nossa intervenção como curativa, remediativa, terapêutica. Te- mos nos limitado a ela nestes anos to- dos de profissão. Não é para menos que temos tido um modelo médico de inter- venção. Mas isto vem mudando. A rea- lidade objetiva, o mundo social e cultu- ral vem invadindo nosso conhecimento e já não podemos mais falar de mundo psicológico sem considerar o mundo social e cultural. Ainda estamos cons- truindo um modelo de relação entre estes mundos, entendendo que estes se influenciam e não que constituem um ao outro. Isto significa que ainda não superamos a dicotomia... mas estamos caminhando. A Psicologia tem se aberto para estas novas leituras. Queremos entender o mundo psicológico como um mundo constituído a partir de relações sociais e de formas de produção da sobrevivência. Para ler mais, acesse: http://www.scielo.br/ pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 31 Com a autora, compreendemos, então, que precisa- mos superar o pensamento dicotômico, a visão essencialis- ta sobre o ser humano e entender o ser humano atrelado à sua realidade social e cultural. O trabalho da psicologia deve ser no sentido de atuar criticamente na realidade, promover a transforma- ção, a emancipação do ser humano e dar visibilidade às desigualdades sociais. Compreendemos, então que não há no campo da psicolo- gia uma visão descolada do ser humano à sua realidade, como também não há uma teoria ou projeto que predomine sobre o outro como no campo das ciências naturais. A diversidade neste campo torna-o ainda mais interessante para pensar como a nos- sa subjetividade se constitui e por quê. E como, a partir disso, nos lembra. Arnaldo Antunes, construímos a História. [...]o tempo do nascimento, crescimento, envelhecimento, um momento um momento o homem pensa que faz a guerra, a paz enquanto o homem pensa o tempo se faz o homem pensa que é alegre, triste enquanto o tempo passa o homem assiste como matar o tempo como matar o tempo Arnaldo Antunes - Tempo - Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Ek0wqw14Bkg P si co lo gi a e co m po rt am en to 32 Consideramos, então, que é preciso pensar em mu- lheres e homens não somente com características pessoais, mas principalmente como sujeitos sociais que constroem a sua vida num espaço coletivo, histórico e cultural. É preciso, ainda, aumentar a nossa capacidade de olhar para si, para o outro e reconhecer valor em cada um. SÍNTESE Nesta aula, refletimos sobre a psicologia como ciên- cia, seu surgimento e importância. Refletimos sobre o objetode estudo da psicologia e a caracterização do ser humano e compreendemos que não há como explicar todos os aspectos numa teoria isolada, há uma diversidade de teorias que dife- rem em termos de pressupostos básicos, métodos e teorias no estudo da subjetividade. Na próxima aula, você continuará este estudo anali- sando a construção da subjetividade e das identidades, as- pecto importante para a compreensão das diferentes dinâmi- cas nas relações interpessoais. Vamos em frente! QUESTÃO PARA REFLEXÃO - Por que os psicólogos divergem em relação à defini- ção do que é psicologia? - É preciso compreender a pessoa como um produto social e um ser coletivo? Justifique. A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 33 Pense e converse a respeito com seus colegas e amigos. LEITURAS INDICADAS BOCK, A. M. A psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf. Acesso em: 22 de jun. de 2012 CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões sobre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 maio 2012. SITES INDICADOS http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf REFERÊNCIAS ANTUNES, A. Tempo. Disponível em: <http://letras.terra. com.br/arnaldo-antunes/91765/>. Acesso em: 25 maio 2012. BOCK, A. M. A psicologia a caminho do novo século: iden- tidade profissional e compromisso social. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf. Acesso em: 22 de jun. de 2012. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psico- logias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008. P si co lo gi a e co m po rt am en to 34 CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões so- bre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 maio 2012. FERREIRA, A. A. L. O múltiplo surgimento da psicologia. In: JACO-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006. p. 13-46. FIGUEIREDO, L. C. M.; SANTI, P. L. R. de. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: EDUC, 2006. GLASSMAN, W.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008. MONTAIGNE, M. Ensaios. São Paulo: abril Cultural, 1984. REPS, R. Namoro entre telinhas: comportamento. Revista Capricho, n. 1072, p. 90-93, São Paulo: Abril, Junho 2009, p. 90-93. SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SIBILIA, P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. A p si co lo gi a e o co m po rt am en to h um an o 35
Compartilhar