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2018 Língua BrasiLeira de sinais – LiBras ii Rosemeri Bernieri de Souza Copyright © UNIASSELVI 2018 Elaboração: Rosemeri Bernieri de Souza Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. SO729l Souza, Rosemeri Bernieri de Língua brasileira de sinais - libras II. / Rosemeri Bernieri de Souza – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 239 p.; il. ISBN 978-85-515-0204-4 1.Língua de sinais – Brasil. 2.Lígua brasileira de sinais. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 419 III apresentação Prezado acadêmico! É com imenso prazer que apresento a você a disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras II. Este caderno foi formulado com base em estudos recentes e tradicionais, tendo como objetivo apresentar as orientações teóricas e metodológicas que permitirão refletir sobre o conhecimento acerca das questões e debates que envolvem a linguagem verbal humana, as especificidades das línguas de sinais e as funções da linguagem falada e sinalizada. Este material aborda diferentes concepções, tendo o intuito de problematizar os temas propostos e possibilitar uma visão ampla dos diversos aspectos relacionados à capacidade simbólica de lidar com signos, sejam eles verbais ou não. A Libras é uma língua que se destaca pela sua modalidade cinésico- visual que, como toda língua natural, tem estrutura interna e externa. A Libras, assim como outras línguas, é dinâmica e está sempre em processo de desenvolvimento e ampliação. Pretendemos destacar, neste livro de estudos, a importância de se conhecer mais sobre o cérebro humano e os aspectos sociais, ressaltando que a linguagem verbal tem sua parte psicofisiológica, mas está também completamente relacionada com outros fatores externos, como a interação social e o contexto de comunicação. Em suma, o recorte de estudo da linguagem verbal para esta disciplina tomará pelo menos três perspectivas bem demarcadas: a psicobiológica, a sociocultural e a funcionalista. A cada momento, especificaramo as posições das quais os teóricos ou vertentes discursivizam. Na Unidade 1, apresentaremos os aspectos relevantes sobre a relação entre a linguagem verbal e a atividade cerebral, aprofundando temas como a abordagem científica da língua, sua aquisição e processamento. Também será estudada a relação entre cérebro e linguagem verbal, abordando o funcionamento cerebral em caso de surdez, o implante coclear e a afasia de sujeitos surdos sinalizantes. Concluindo a unidade, serão abordados os estudos em neurociências e a importância da interação social para a aquisição e desenvolvimento da linguagem verbal. Na Unidade 2, serão abordadas a emergência e evolução das línguas de sinais, trazendo à discussão os processos envolvidos na passagem de sistemas gestuais caseiros para as línguas sinalizadas. Buscaremos desmistificar alguns preconceitos contra o surdo e sua língua, apontando mitos que veiculam na sociedade a fim de situar a Língua de sinais enquanto língua natural e abordar a cultura, a identidade e a representatividade do IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! surdo. Em um terceiro momento, focaremos o ensino e a formação de surdos e para surdos, adotando um olhar atual sobre as maneiras de repensar o ensino e aprendizagem para esses sujeitos, além de discutir sobre os aspectos psicológicos, pedagógicos e tecnológicos para a sua educação. Na Unidade 3, apresentaremos as funções comunicativas da linguagem humana, quando discutiremos o funcionalismo em linguística e os tipos de gêneros e textos discursivos em Libras. Abordaremos também outras áreas que podem ser muito importantes para a língua de sinais, como a análise do discurso e a linguística aplicada. Em um segundo momento, focaremos na gramática e na função comunicativa das línguas de sinais. Bem como versaremos sobre a corporalidade, os aspectos narrativos e a literatura nessa língua. Para finalizar o caderno, introduziremos alguns aspectos mais estruturais sobre a construção discursiva em língua de sinais, abordando algumas estratégias anafóricas, simultâneas e semântico-cognitivas. Desejo a você um bom estudo! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM ..................... 1 TÓPICO 1 – LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS ....................................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 LÍNGUA E LINGUAGEM ................................................................................................................... 5 3 O STATUS CIENTÍFICO DA LINGUAGEM VERBAL ................................................................ 8 4 PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM VERBAL ........................................................................ 14 5 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ........................................................................................................ 18 6 A IDADE CRÍTICA PARA A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM .................................................. 20 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 23 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 24 TÓPICO 2 – O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS ................ 25 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 25 2 RELAÇÃO ENTRE CÉREBRO E LINGUAGEM VERBAL ........................................................... 29 3 FUNCIONAMENTO CEREBRAL EM CASO DE SURDEZ ........................................................ 32 4 SURDEZ, LÍNGUA DE SINAIS E AFASIA ..................................................................................... 36 5 SURDEZ E IMPLANTE COCLEAR .................................................................................................. 40 6 ALGUMAS PESQUISAS COM SURDOS IMPLANTADOS .......................................................42 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 46 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 47 TÓPICO 3 – NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS ....................... 49 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 49 2 IMPLICAÇÕES NEUROLINGUÍSTICAS DO CÉREBRO BILÍNGUE ..................................... 51 3 PROBLEMATIZANDO A HIPÓTESE DO PERÍODO CRÍTICO À LUZ DA NEUROLINGUÍSTICA ....................................................................................................................... 55 4 A IMPORTÂNCIA DA SOCIOINTERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E DA LINGUAGEM ................................................................................................... 57 5 A IMPORTÂNCIA DA EXPOSIÇÃO À LÍNGUA PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA SURDA ............................................................................................................................... 62 6 NEUROCIÊNCIAS E EDUCAÇÃO .................................................................................................. 65 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 70 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 71 UNIDADE 2 – A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO ............................... 73 TÓPICO 1 – EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS ................................. 75 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 75 2 DO GESTUAL AO LINGUÍSTICO ................................................................................................... 77 3 HOME SIGNS (LÍNGUAS DE SINAIS CASEIRAS) ...................................................................... 80 4 EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS .................................................................................. 83 5 A EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS .................................................................................. 87 sumário VIII 6 SOCIOLINGUÍSTICA DA LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................... 90 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 95 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 96 TÓPICO 2 – OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS ......................................................................................................................... 97 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 97 2 SURDEZ E ESTEREOTIPIA SOCIAL ............................................................................................... 99 3 MITOS SOBRE O SUJEITO SURDO ............................................................................................... 103 4 MITOS SOBRE LÍNGUA DE SINAIS .............................................................................................. 107 5 CULTURA E IDENTIDADE SURDA ............................................................................................... 111 6 REPRESENTATIVIDADE SURDA ................................................................................................... 113 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 118 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 119 TÓPICO 3 – ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS ................................................................ 121 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 121 2 ENSINO DE LIBRAS: QUESTÕES DIDÁTICAS E METODOLÓGICAS ................................ 124 3 PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM ............................................................................................ 127 4 PROJETO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE E EM LIBRAS ............................................... 132 5 DIFERENÇAS NA APRENDIZAGEM INTERMODAL ENTRE SURDOS E OUVINTES ..........135 6 APRENDIZAGEM BILÍNGUE BIMODAL PARA SURDOS ....................................................... 137 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 143 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 144 UNIDADE 3 – FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS .............................................................. 145 TÓPICO 1 – FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL ..................................... 147 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 147 2 FUNCIONALISMO EM LINGUÍSTICA ......................................................................................... 149 3 FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LINGUAGEM VERBAL ..................................................... 155 4 TEXTOS E GÊNEROS DISCURSIVOS ............................................................................................ 159 5 ANÁLISE TEXTUAL E DISCURSIVA .............................................................................................. 163 6 LINGUÍSTICA APLICADA ............................................................................................................... 165 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 168 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 169 TÓPICO 2 – EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS ......................................................................................................................... 171 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 171 2 O QUE CONSTITUI UMA LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................... 172 3 FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS .......................................................... 177 4 CORPORALIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS .............................................................................. 180 5 NARRATIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS ........................................................................................ 184 6 FUNÇÃO POÉTICA EM LÍNGUA DE SINAIS .............................................................................. 188 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 192 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 193 TÓPICO 3 – FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS .........................................................................................................................195 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 195 IX 2 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS ......................................................... 197 3 ESTRUTURAS DE GRANDE ICONICIDADE .............................................................................. 199 4 SIMULTANEIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................. 204 5 REPRESENTAÇÕES SEMÂNTICO-COGNITIVAS ...................................................................... 208 6 ESTRATÉGIAS DÊITICAS E ANAFÓRICAS EM LÍNGUA DE SINAIS ................................. 211 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 215 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 216 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 219 X 1 UNIDADE 1 CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: • entender o aspecto científico da linguagem verbal; • distinguir língua e linguagem; • relacionar os processos mentais e a linguagem verbal; • comparar a aquisição de linguagem entre crianças surdas e ouvintes; • conhecer a hipótese do período crítico para a aquisição de linguagem; • estudar a relação entre cérebro, linguagem verbal, surdez e língua de sinais; • entender o funcionamento cerebral em caso de surdez; • compreender as afasias de surdos; • conhecer o implante coclear; • inferir sobre as (des)vantagens do implante coclear para a aquisição da lín- gua oral; • problematizar a questão do período crítico sob a ótica da Neurolinguística; • identificar as implicações do bilinguismo na organização cortical; • compreender o desenvolvimento da linguagem e da cognição com os fato- res socioculturais; • refletir sobre a importância da exposição linguística para o desenvolvimen- to da criança; • investigar as contribuições das neurociências para a educação. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SUA RELAÇÃO COM A COGNIÇÃO TÓPICO 2 – O CÉREBRO, A LINGUAGEM E A LÍNGUA DE SINAIS TÓPICO 3 – NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 1 INTRODUÇÃO A linguagem (verbal) é, desde que se há registro, ou seja, desde a Antiguidade, um dos aspectos da atividade humana mais debatidos e estudados. Não deveria ser diferente, já que ela está presente na nossa vida desde o nosso nascimento, além de permear todos os domínios do conhecimento e todas as práticas humanas. A linguagem verbal humana é complexa e multifacetada, por isso, o estudo dos fenômenos, vistos separadamente, serve apenas para fins didáticos, que se tratam de recortes dimensionais para a melhor compreensão do objeto. Quando usamos uma língua, estamos concatenando vários fenômenos que se sucedem simultaneamente. Assim, a exemplo da anatomia que separa o corpo humano em sistemas, por exemplo, o sistema respiratório, o sistema sensorial, o sistema muscular etc., os estudos linguísticos também sofreram suas divisões. Perceba que, neste momento, para que você possa estar lendo este texto, você precisa ter todos esses sistemas funcionando sincronicamente. Se apenas um desses sistemas apresentasse um mau funcionamento, provavelmente, todo o desempenho para a realização dessa tarefa fosse comprometido. Foi com base nessa separação do corpo em estruturas que alguns teóricos linguistas fizeram o seu recorte da linguagem verbal, surgindo, assim, o estruturalismo. Todavia, veremos que outros preferem ver o fenômeno linguístico sob aspectos diferentes, há aqueles que o estudam em relação aos estados psicológicos (Psicolinguística), outros em relação aos fatos sociais (Sociolinguística), outros o relacionam à biologia (Neurolinguística), entretanto, outros o relacionam à possibilidade de resolver problemas sociais, educacionais, discursivos que envolvem o objeto de estudo “linguagem” nas práticas humanas (Linguística Aplicada). Não há certo e errado no fazer pesquisa, há, sim, perspectivas diferentes que geram diversas epistemologias e fazeres teórico-metodológicos diferentes, por isso é preciso delimitar a área de conhecimento da qual se fala e sob qual perspectiva um determinado fenômeno é analisado. Segundo Santana (2007, p. 225), UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 4 [...] considera-se que a linguagem envolve aspectos formais (fonologia, sintaxe, semântica), pragmáticos (articulação de níveis linguísticos, manipulação de critérios de textualidade, de regras convencionais e discursivas), interativos (quadro de imagens dos falantes, memória discursiva), contextuais (entornos verbais, situacionais, contextuais), discursivos (dialogismos, interdiscurso, memória discursiva, pré- construídos), psíquicos (atos falhos, lapsos, afetivos) e histórico- culturais (presença da relação língua/sociedade). É imprescindível estar a par dos vários aspectos desse objeto de estudo a fim de ter um amplo panorama dele, mas o recorte de estudo linguístico (línguas orais-auditivas, cinésico-visuais) para esta unidade seguirá a perspectiva psicobiológica, pois percebe a sua relação com o cérebro e a cognição. DICAS O termo “cinésico-visual”, anteriormente citado, caracteriza a modalidade linguística da Língua de Sinais (LS), em contraposição à modalidade oral-auditiva das línguas faladas. Esse termo corresponde a outros termos empregados por outros autores, tais quais: gesto-visual e espaço-visual. Essa distinção nada mais é do que uma perspectiva diferente sobre o modo de percepção e produção da Língua de Sinais, ou seja, a percepção é visual e sua produção se dá por movimentos do corpo, face, membros superiores e mãos, que caracterizam os aspectos cinesiológicos do corpo humano. A cinesiologia é o estudo do movimento humano, empregado nas áreas das ciências desportivas e médico-terapêuticas. Esse termo provém da raiz Kinesis que, em grego, significa “movimento”. Cinésica é outro termo criado a partir dessa raiz. Trata-se, a princípio, de uma disciplina que estudava os gestos complementares às línguas faladas, fenômeno que foi investigado por Birdwhistell (1952), Rector e Trinta (1985), entre outros. Atualmente, é um estudo que pode englobar toda e qualquer expressão corporal, manual e facial (sinais, gestos, apontações), cujo sentido possa ser compreendido no discurso, ou seja, já não se relaciona somente com os elementos extralinguísticos complementares à fala, mas com todo signo que, isolada ou complementarmente, possua um valor simbólico. A depreender de sua multiplicidade, a linguagem verbal tornou-se uma ciência que foi chamada de Linguística. Devido a seu caráter heterogêneo, o seu estudo pode ser de ordem interdisciplinar, de modo que abarque alguns de seus aspectos co-ocorrentes. Entretanto, mesmo que aproximemos duas áreas do conhecimento, como a Psicologia e a Linguística, que geraram a Psicolinguística, ainda assim ficaremos à deriva no imenso oceano da linguagem verbal, principalmente porque os campos disciplinares possuem suas perspectivas que nem sempre convergem. Além disso, o tempo é uma medida bastante instável, uma vez que com ele passam também algumas concepções teórico-metodológicas para dar lugar a outrasmais recentes. O tempo também traz com ele a inovação, pois o pensamento humano está em constante transformação, exigindo e permitindo que novos aparatos tecnológicos sejam criados. TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 5 Nesses termos introdutórios, preparamos o caminho para a compreensão do tema deste tópico. Os objetivos deste tópico serão: • defi nir a diferença entre língua e linguagem; • expor alguns fatos históricos que determinaram o nascimento da Linguística enquanto ciência; • conhecer a área que investiga o processamento linguístico; • explicar como a aquisição de linguagem tornou-se também alvo de investigações, culminando na criação de modelos de análise que servem para fazer generalizações; • discutir a existência de um período crítico para a aquisição de linguagem. 2 LÍNGUA E LINGUAGEM Na leitura da seção anterior, você deve ter percebido o cuidado em distinguir linguagem, acrescentando o termo “verbal” ao lado. Esse adjetivo tem origem no latim "verbale", proveniente de "verbu", que quer dizer palavra. Linguagem verbal é, portanto, aquela que utiliza palavras - o signo linguístico. Em sua dissertação de mestrado, Correa (2007) salientou esta distinção, pois acredita haver uma confusão devido à sinonímia que relaciona esses termos. “Linguagem” tornou-se uma palavra passe-partout que abrange várias concepções, dentre elas: o aspecto verbal, que corresponde à expressão por meio de signos, especifi camente, linguísticos, ou o aspecto geral, que corresponde a uma habilidade natural ou de aprendizagem sistemática para lidar com diferentes signos. Veja a fi gura a seguir e entenda o que estamos querendo especifi car. FIGURA 1 – OS CAMPOS DA SEMIÓTICA FONTE: Adaptada de Correa (2007, p. 10) UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 6 Como mostra a figura anterior, as diferentes linguagens são sistemas de comunicação estudados no âmbito da Semiótica. A linguagem verbal está dentro dessa categoria mais ampla. Segundo uma tipologia semiótica geral, há diversas e diferentes linguagens (musical, matemática, corporal, gestual, verbal, entre outras), ou seja, no âmbito geral, linguagem pode se caracterizar como todo tipo de expressão humana ou não (animais e máquinas) que possibilite a comunicação de ideias, sensações, comportamentos, habilidades, formulações gerais etc. Dentro dessa tipologia geral, há níveis mais específicos, por exemplo, a linguagem corporal, que pode se desdobrar em: dança, pantomima e mímica. Já a linguagem verbal se desdobra em um nível específico que abrange as línguas em suas diferentes modalidades: cinésico-visual e oral auditiva. Essas, por sua vez, se desdobram ainda mais: a linguagem verbal cinésico-visual (sinalizada), que tem em sua categoria a Libras, a Língua de Sinais Francesa, a Língua Americana de Sinais; a linguagem verbal oral-auditiva (falada) que abrange: a Língua Portuguesa, a Língua Francesa, a Língua Inglesa, que também podem se desdobrar em uma língua escrita. DICAS O conceito de língua, aqui entendido, refere-se a repertórios de linguagem verbal padronizados para os quais foram dados nomes institucionais, respondendo aos valores nacionalistas ou comunitários. Perceba que, embora a Língua Portuguesa do Brasil seja diferente da Língua Portuguesa de Portugal, convencionou-se chamar-lhes pelo mesmo nome. Isso tem uma razão de ser que remonta historicamente à época da colonização, mas é preciso compreender que as instituições linguísticas, denominadas línguas, são, assim como a maioria das linguagens humanas, hibridamente constituídas. Algumas línguas, ou mais especificamente, algumas instituições linguísticas, possuem palavras cujas equivalências não se encontram em todas as outras línguas. É o caso da palavra “saudade” da Língua Portuguesa, termo que está ligado a uma única definição: “sentimento nostálgico ligado à memória de alguém ou de algo ausente” (HOUAISS, 2015). Com efeito, essa palavra está culturalmente vinculada às sociedades portuguesa e brasileira, mas, na verdade, o conceito existe em outras culturas, só que ele é caraterizado por uma palavra polissêmica ou por expressões, como “sentir falta” (avoir manque – francês; to miss – inglês) em acepções mais geralmente relacionadas à falta ou à perda. Com tudo isso, queremos chegar no âmago da questão sobre os termos “língua” e “linguagem”, que no inglês possuem um único termo, “language”. O fato de muitas das produções científicas chegarem até nós por meio de publicações em língua inglesa acaba gerando essa hibridização léxico-semântica nas traduções, mas não somente. Com o empreendimento da ciência linguística, outras linguagens, que não a verbal, foram desconsideradas, mesmo as mais TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 7 próximas dos enunciados, como os gestos. Veremos que isso também advém da falsa premissa de que somente a língua, vista de si mesma e em si mesma, é suficiente, relegando outros fatos que acompanham a comunicação e o discurso à periferia das análises. As hibridizações são marcas indeléveis das práticas humanas, e, como se tratam de práticas sociais, as línguas não são exceções. Para dar conta dessa hibridez e entendendo essa flutuação terminológica como parte inerente das mudanças sociais, linguísticas e epistemológicas, é preciso ter cuidado ao estudar um objeto, é preciso situá-lo, mostrar a perspectiva pela qual ele é contemplado e, às vezes, delimitar as distinções. No que tange a essa construção textual, não por causa de formalismos, mas pelo fato de trazer mais clareza à discussão, destacaremos a diferenciação entre: • língua - idioma oficial ou co-oficial de um país, formado por signos verbais que geralmente passam por processos de padronização para fins de ensino ou com o intuito de delimitar uma unidade nacional ou cultural. • linguagem verbal - capacidade natural do ser humano para expressar seus conteúdos experienciais, mentais, sociais e afetivos, que podem ser de um ou de diferentes repertórios linguísticos e de diferentes falares e sinalares, por meio de signos linguísticos unicamente. • linguagem - capacidade de compreender, expressar e desenvolver manifestações sígnicas (sonoras, visuais ou táteis) de diferentes naturezas: verbal (língua) ou não verbal (linguagem gestual, corporal), formal (linguagem matemática), mistas (musical, escrita = canto). Embora alguns animais façam uso de determinada linguagem para comunicar, trata-se de um sistema limitado. Efetivamente, a capacidade para criar e usar sistemas simbólicos, como a linguagem verbal, a dança, a mímica, a pintura, a escultura, o teatro etc., é uma competência exclusivamente humana. Esse termo também compõe a expressão ‘aquisição de linguagem’, nesse caso não acrescentarei o termo ‘verbal’, pois, no desenvolvimento da criança sabe-se que diferentes tipos de linguagens, não somente verbais, mas gestuais, avançam juntamente e se complementam. DICAS Sinalares é um conceito novo definido como modos diferentes de usar uma mesma língua de sinais, pois entende-se que cada região, cada grupo, cada indivíduo faz escolhas lexicais e tem “sotaques” diferentes, caracterizando as variedades de uma língua. Infelizmente, os sinalares e falares são alvo de preconceito, visto que a concepção de uma língua pura e normatizada é um levante ideológico muito bem arraigado na nossa sociedade. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 8 Para complementar o que foi apresentado até aqui: Dentro da concepção anteriormente delineada, língua e linguagem não possuem relação de sinonímia, pois estão em posições hierárquicas diferentes. Enquanto a língua é uma instituição social, com elementos e organização mais ou menos estáveis, que passapor transformações históricas, por isso marcadamente ideológica, a linguagem está numa relação hiperonômica, visto que ela abrange várias manifestações semióticas, incluindo a língua em seu desmembramento tipológico verbal. A linguagem verbal, por sua vez, é uma habilidade natural de lidar com signos formais e discursivos de diferentes repertórios linguísticos. Essa distinção será de suma importância para a compreensão das seções, tópicos e unidades seguintes. Iniciamos agora um profundo estudo que envolve uma compreensão mais clara sobre língua e linguagem a fim de vislumbrar os diferentes aspectos que elas abrangem. Que você esteja atento e com um bom senso crítico ativo no intuito de ir além dos dados que disponibilizaremos aqui. Com efeito, a aprendizagem começa quando damos vazão à nossa curiosidade de partir de dados já estabelecidos em direção aos dados que ainda desconhecemos. Na próxima seção, abordaremos o aspecto científico da linguagem verbal, tomando o terceiro volume da coleção de Mussalim e Bentes (2004), Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos, como base para essa discussão. Nesse livro, as autoras e seus colaboradores conseguiram condensar as principais correntes e programas que se dedicaram ao empreendimento científico da linguagem verbal. 3 O STATUS CIENTÍFICO DA LINGUAGEM VERBAL Como já foi dito, o fenômeno linguístico foi alvo de muitas investigações sob várias orientações teórico-metodológicas. Vale ressaltar que o Curso de Linguística Geral (CLG), obra publicada pelos alunos de Ferdinand de Saussure, apresenta-se como um modo de estudar a linguagem verbal que, a partir de 1916, rompe com a tradição até então vigente. É quase unânime considerar Saussure como o pai da Linguística moderna, entretanto, seus predecessores haviam preparado o terreno para o grande advento de uma ciência linguística autônoma. Faraco (2004, p. 27) lembra que por ‘moderna’ entende-se os “estudos sincrônicos praticados intensamente durante o século XX em contraste com os estudos históricos, que predominaram no século anterior”. Esse foco na sincronia, ou seja, na língua recortada num momento específico, sem considerar suas mudanças no tempo, contrapondo-se aos estudos diacrônicos, que investigam a língua em sua evolução histórica, foi, pouco a pouco, cativando adeptos. A língua passou, assim, a ser vista como um organismo vivo, uma instituição social e um TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 9 sistema autônomo com signos independentes. Iniciava-se, portanto, a Linguística Estruturalista que, segundo Ilari (2004), foi um movimento que chegou no Brasil na década de 1960, tendo Mattoso Câmara como o mais reconhecido representante. Para analisar o fenômeno linguístico, Saussure faz recortes e marca oposições que são chamadas de dicotomias. A primeira, já citada anteriormente, trata-se da sincronia versus diacronia, a segunda é a língua versus a fala (langue vs. parole), que marca a oposição entre o sistema e os atos linguísticos concretos. Assim, o sistema (e suas regras internas) seria visto em si mesmo e para si mesmo, sem fazer a relação com o comportamento linguístico individual, esse considerado a-científico, periférico e desprestigiado. O que era considerada a investigação “mais nobre” no Estruturalismo Saussuriano, era a descrição da funcionalidade e pertinência de um determinado “regulamento do jogo” do sistema linguístico. Para deixar claro o objetivo de sua tese, Saussure usa a metáfora do jogo de xadrez. As regras que compõem o jogo são as mesmas, independentemente do tipo de peças que são usadas, ou seja, mesmo que uma peça seja perdida, um rei, por exemplo, ela poderia ser trocada por qualquer outro objeto de qualquer forma ou tamanho, à condição de que o valor da peça continuasse o mesmo. FIGURA 2 – TABULEIRO DE XADREZ COM PEÇAS DE METAL FONTE: Disponível em: <https://pin.it/bqbsmx2s5losic>. Acesso em: 10 maio 2018. Veja, na figura anterior, que as peças têm formas diferentes das que são tradicionalmente usadas, mas o essencial é que qualquer peça substituta guarde as mesmas possibilidades de deslocamentos e funções da peça original, pois nesse caso, a convenção, ou seja, o acordo entre os jogadores, é que permitirá que um objeto improvisado tenha as mesmas propriedades e papéis que o objeto substituído. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 10 Em termos práticos, o que se quer defender é que não importa se pronunciarmos “milho” ou “mio”, estaremos sempre designando um vegetal estudado pela botânica que cresce até três metros, com folhas longas e pendentes e frutos comestíveis em forma de espiga cilíndrica na qual estão presos grãos amarelos (HOUAISS, 2015). Em outras palavras, não importa a forma (significante), visto que as duas, “milho” e “mio”, remetam ao mesmo conteúdo (significado). Já quando falamos “carro” e “caro”, temos que as duas realizações do fonema “r” (forte e fraco) têm valor distintivo, pois remetem a dois significados diferentes. Segundo Ilari (2004, p. 59), Os fonólogos estruturalistas fizeram um uso exemplar desse princípio. Ensinaram que, para levantar o inventário das unidades fonológicas de uma língua é preciso distinguir as diferenças de pronúncia que são apenas físicas (articulatórias ou sonoras), daquelas que permitem significar uma diferença de função. Por esse método, descobre-se, antes de mais nada, que certas diferenças acústicas ou articulatórias que parecem consideráveis quando são avaliadas em termos físicos (impressionísticos ou experimentais) podem ser desprezadas numa análise rigorosamente linguística, porque não são investidas de nenhuma função. DICAS Para os exemplos acima relacionados não foram usadas as convenções fonéticas e fonológicas, pelo fato de tratarem-se de áreas complexas que demandam um considerável tempo de estudo para serem compreendidas. Entretanto, esboçamos aqui uma rápida explicação. Nos exemplos dados, o primeiro refere-se a uma questão fonética, ou seja, referente ao ato concreto, a fala. Trata-se do fenômeno chamado alofonia. Fone ➜ elemento acústico, som. Nos estudos cinésicos, seu equivalente é o cine (RECTOR; TRINTA, 1985). Alofones ➜ Variantes de um mesmo fonema. Ex.: ‘pesca’ [´pɛʃkɐ] (variedade carioca, o ‘s’ tem um chiado) ou [´pɛskɐ] (variedade predominante). ‘milho’ [‘miʎʊ] (variedade predominante) ou [‘mio] (variedade de algumas cidades no interior do Brasil). O segundo exemplo está relacionado a uma questão fonológica, pois, dado um mesmo contexto de realização, a simples substituição de um dos traços leva a uma mudança no significado. TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 11 Fonema ➜ a menor unidade que diferencia significado (distintivo). Nos estudos cinésicos, seu equivalente é o cinema (RECTOR; TRINTA, 1985). Ex.: ‘gato’ [´gatʊ] e ‘mato’ [´matʊ] - o contexto de realização é o mesmo, mas a posição da língua e o grau de abertura ou fechamento dos lábios faz com que o significado seja alterado. Assim, em ‘gato’, a língua está recuada e a boca semiaberta; já em ‘mato’, a língua está mais distendida e os lábios se tocam rapidamente. ‘carro’ [kaxʊ] – a língua é retraída e sua base encosta o dorso no palato. ‘caro’ [karʊ] – a ponta da língua toca um pouco acima dos dentes superiores. Para maiores detalhes sobre esses estudos, o livro de Seara et al., Fonética e Fonologia do português de 2011, é um ótimo apoio para iniciantes. Ao separar a dimensão individual e a dimensão social do funcionamento da linguagem, os estruturalistas que seguiram Saussure “entenderam que o uso individual da linguagem (a parole) não poderia ser objeto de estudo realmente científico” (ILARI, 2004, p. 59). Nesse sentido, o professor genebrino estabelece umanova dicotomia que envolve os dois aspectos que formam a dupla face do signo linguístico: significante versus significado. O aspecto “material” do signo é o significante; o aspecto “conceitual” do signo é o significado. Significante e significado formam, assim, o signo linguístico, que é uma “entidade psíquica de duas faces” (SAUSSURE, 2006, p. 80). Se eu falasse ‘frimelas’, ou executasse o seu correspondente em Libras (mão de apoio em ‘S’, mão dominante aberta, dedos tamborilando nas articulações superiores da mão de apoio), você conseguiria associá-los a um conceito? Você sabe, por exemplo, que a construção fonético/fonológica e morfológica está de acordo com as regras do português e as regras cinesiológicas da Libras, no entanto, provavelmente, você não pode associá-las a um conceito, pois tratam-se de logatomas ou pseudopalavras, que são palavras inventadas e que não fazem parte do léxico mental dos usuários de Português ou da Libras. É mais ou menos como uma moeda sem a ‘coroa’, sem o valor. Por isso o signo, segundo Saussure, precisa ter as duas faces, senão não é um signo. FIGURA 3 – PEÇAS MONETÁRIAS COM FACES DIFERENTES FONTE: Disponível em: <http://www.moedasdobrasil.com.br>. Acesso em: 18 maio 2018. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 12 Como é possível perceber, ambos os elementos que compõem o signo, o conceito e a imagem acústica/visual, são unidos e nunca podem estar separados. Pense no exemplo da moeda da figura anterior, ela tem dois lados: a cara e a coroa. Podemos usar a metáfora dessa peça monetária para entender o signo. O significante representado pela cara e o significado representado pela coroa. Um está intrinsecamente associado ao outro, na medida em que, se essa moeda for cortada ao meio, ambos os lados serão afetados pelo corte. No entanto, ao contrário das moedas que foram tomadas como exemplo, as faces do signo não são palpáveis. Saussure deixa bem claro que um signo linguístico não une um som/cine (tal qual percebemos auditivamente ou, por extensão, um sinal que percebemos visualmente) a seu referente (o objeto da realidade exterior). O signo é a união de um conceito com uma imagem acústica/visual, que não é o som/cine material, físico, mas uma impressão mental dos sons/cines. Ambos possuem uma natureza psíquica. Para reforçar, “O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica [...] O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria linguagem. Sem movermos os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente um poema” (SAUSSURE, 2006, p. 80). O princípio que une o significante ao significado é o da arbitrariedade, pois essa relação é convencionada culturalmente. Veremos mais a respeito na Unidade 3. Até aqui vimos como a língua tornou-se um objeto de estudo que deu origem a uma área do conhecimento chamada Linguística. A Linguística, nessa perspectiva, é uma ciência que pretende descrever e explicar a linguagem verbal, buscando conhecer como se processa a comunicação humana e explicar os rudimentos da análise linguística, em seus diferentes níveis (estruturas): o fonético, o fonológico, o morfológico, o sintático e, forçosamente, o semântico. Após o lançamento do CLG, muitos pesquisadores passaram a se autodenominar estruturalistas, ou por realmente acreditarem nos pressupostos teóricos de Saussure ou pelo fato de esta vertente estar “em alta”. Assim, há várias linguísticas saussurianas que não dialogam entre si e poucas “aplicam disciplinadamente o ideário saussuriano” (ILARI, 2004, p. 68). Segundo o autor supracitado, podem ser considerados estruturalistas os trabalhos desenvolvidos pela Escola Linguística de Praga, representados por Trubetzkoy e Jakobson; pela Glossemática, uma escola de linguística estrutural da Universidade de Copenhague, representada por Hjelmslev e Bröndal; pelo Funcionalismo, liderado por André Martinet. Não obstante, o estruturalismo não ficou confinado dentro da Linguística e nem somente nos países da Europa. Campos como a Antropologia, a Sociologia, a teoria literária e cinematográfica, o estudo da estética e da moda aderiram ao estruturalismo. Essa corrente começou TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 13 a se fazer presente nos trabalhos realizados nos Estados Unidos entre 1920 e 1950, entretanto, os representantes desse estruturalismo norte-americano não se identificaram com o programa saussuriano, mas tinham como referência Leonard Bloomfield. Quando finalmente o Estruturalismo dava entrada no Brasil, em 1960, esse começava a enfraquecer-se tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Em parte por causa de críticas sofridas por Émile Benveniste, Eugenio Coseriu e Michel Pêcheux. Acusado de ter negligenciado o desempenho linguístico do sujeito, de ter se equivocado na delimitação única de sincronia ou ainda por ter ignorado as influências ideológicas que cerceiam a significação, o estruturalismo perdia seu prestígio, principalmente, nos três traços mais vulneráveis: seu caráter anti-humanista; anti-historicista e anti-idealista, respectivamente (ILARI, 2004, p. 80-83). Outro grande fator que destronou o estruturalismo foi o advento da linguística chomskiana. Em uma concepção em grande parte diferente da teoria de Saussure, Chomsky cria a Gramática Gerativa, no final dos anos 50, lançando algumas ideias com Estruturas Sintáticas (1957) e desdobrando-as em outras obras (1965; 1995). A abordagem gerativista é motivada pelas ideias racionalistas e pela gramática de Port Royal e de Humboldt, mantendo ainda alguns aspectos do estruturalismo bloomfieldiano. Dessa forma, a língua é vista sob a perspectiva da criatividade, mas também a da segmentação formal. Antes de Chomsky, os linguistas não viam a língua como parte da biologia humana ou um tipo particular de estrutura organizada mentalmente. Com efeito, segundo esse teórico, os seres humanos são dotados de um módulo linguístico chamado de faculdade da linguagem. Esse módulo é inato e específico da linguagem verbal, entendida não como uma habilidade humana, mas como parte de uma configuração neurológica vista sob o aspecto da cognição. Assim, “enquanto, na teoria saussuriana, a língua é considerada um objeto fundamentalmente social, na Gramática Gerativa, a língua é um objeto mental. Para Chomsky, a língua é um sistema de princípios radicados na mente humana” (VIOTTI, 2008, p. 5). Com essa mudança de perspectiva, é o conhecimento linguístico que precisa ser explicado por uma teoria que use métodos hipotético-dedutivos. Para a abordagem gerativista, uma teoria “deve dar conta de todo conhecimento linguístico específico da espécie humana para produzir quaisquer línguas” (QUADROS, 2013, p. 43). A abordagem gerativista ou inatista concebe a língua como uma competência humana inata que se torna possível devido à existência de um mecanismo responsável pela aquisição: a gramática universal. É da interação dessa gramática interna com o ambiente linguístico externo que se desenvolvem as gramáticas dos falantes do Português, do Alemão, ou de qualquer língua de sinais. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 14 Para a Gramática Gerativa, a linguagem interna deve ser rigorosa e formalmente explicada por uma teoria linguística. Ou seja, no âmago dessa abordagem está uma preocupação em descrever a natureza e a competência que antecede o uso da língua. Com isso, ela dedicou grande parte de seus esforços a descrever as estruturas sintáticas, defendendo que uma estrutura inicial [ou profunda] sofre transformações até chegar à estrutura de superfície, ou seja, aquela produzida pelo falante. Isso explica o fato de que um número finito de “regras” pode gerar infinitaspossibilidades, o que remete à recursividade e à produtividade que estão sujeitas a um sistema de princípios. Assim, dois tipos de princípios estariam na base da GU: os rígidos e os abertos (parâmetros). Os primeiros devem ser incorporados por qualquer gramática (são universais), os outros são fornecidos pelos dados primários do ambiente externo que permitem a acomodação das variações de diferentes línguas. O programa gerativista ainda atrai muitos adeptos e defensores, mas também não foi isento de críticas, visto que ele deu muita prioridade à sintaxe computacional e à competência de um falante ideal, ou seja, ele negligenciou o desempenho linguístico que deveria ser a fonte dos dados a serem tratados. Seus dados de análise eram deduzidos pelo cientista em seu laboratório. As cadeias discursivas e a interação linguística também não foram levadas em conta. Passaremos, agora, à próxima seção, que abordará uma perspectiva diferente de ver a linguagem verbal. 4 PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM VERBAL A linguagem verbal é sem dúvida parte da mente humana. Por isso, não podemos observá-la diretamente. Entretanto, a partir das sentenças ou discursos falados e sinalizados, em Português ou em Libras, é possível inferir algumas regularidades dos princípios que determinam as línguas naturais. Para esse fim, a linguística tem uma disciplina específica que investiga a relação entre língua e processamento mental e suas conexões com nossa capacidade motora, com nossa percepção visual e auditiva, e como essas conexões operam na construção da significação: a Psicolinguística. A Psicolinguística é a fusão de duas áreas que pesquisam dois aspectos diferentes da linguagem verbal: a Psicologia, que estuda as relações da linguagem verbal e a cognição humana; e a Linguística que estuda as questões estruturais e discursivas da linguagem verbal. Nesta seção, exporemos algumas informações teóricas sobre a disciplina, ressaltando sua importância científica para o entendimento do processamento linguístico. Para isso, utilizaremos grande parte do texto de Kapitaniuk (2010) para embasar essa discussão. TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 15 No nível de percepção, há de se considerar as habilidades cognitivas visuais não verbais, que, apesar de fazerem parte da vida humana a partir do nascimento, são minimizadas pela especialização da audição no sujeito ouvinte. Já para o sujeito surdo, a questão da linearidade da escrita do Português, somada ao fato de não receber inputs auditivos dessa língua, pode ser um entrave. No nível da produção, a busca lexical, as escolhas e a retroalimentação são processos que não podemos observar senão pelos próprios enunciados linguísticos propriamente ditos. DICAS O que é retroalimentação? Quando um ouvinte fala, ele consegue ouvir a si mesmo, com isso, pode monitorar a fala com o feedback auditivo de sua voz. Entretanto, na língua de sinais não é possível ver a si mesmo ao produzir a sinalização, então, o mecanismo de autocorreção envolvido é o proprioceptivo ou cinestésico. O sistema proprioceptivo é responsável pela localização e relação espacial do corpo com objetos e superfície, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. O que uniu as duas áreas, Linguística e Psicologia, foi o interesse comum pela relação entre a linguagem verbal e o pensamento, por isso a Psicolinguística é o estudo da representação da linguagem verbal na mente e de como o discurso é processado, compreendido e armazenado pelos indivíduos. Essa disciplina aborda, assim, as perspectivas da psicologia e da linguística. Em 1916, Saussure sublinhava que a língua, objeto verdadeiro da linguística, é “um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro, ou mais exatamente nos cérebros de um conjunto de indivíduos” (CLG, p. 21), um sistema abstrato oposto ao ato de fala concreto. Entretanto, foi Chomsky que investiu com mais profundidade na questão mental da linguagem verbal. Com isso, a Psicolinguística foi fortemente impactada pela Gramática Gerativa. Ao indicar um modelo que considerasse não somente o comportamento verbal explícito, mas também outros fatores implícitos, ou seja, fatores relacionados à língua interiorizada por qualquer falante, Chomsky esforça-se para dar conta da “aptidão” humana (a criatividade), que chama de “competência”. Esse modelo teve uma importância decisiva para a Psicolinguística, que passou a construir e a validar um modelo do desempenho linguístico. Desse modo, quando um modelo de competência é adquirido parcialmente, o psicolinguista deve estudar como essa competência funciona sob os múltiplos constrangimentos da memória, da percepção e da instancialização, a fim de elaborar o modelo. O critério de partida deve ser não somente a gramaticalidade, mas também a aceitabilidade, porque UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 16 uma frase que contém mais de 20 propostas subordinadas pode ser perfeitamente gramatical, mas terá pouca possibilidade de ser compreendida nas condições habituais. A aceitabilidade depende de numerosos fatores extralinguísticos: fatores “pragmáticos” e psicológicos que afetam a percepção, a memória etc. Como é possível atentar, a nova concepção de linguagem verbal começa a preocupar-se com o que até então não era alvo dos programas da Linguística: as questões de uso e os processos implicados nos contextos de fala. Entram, então, as contribuições do funcionalismo, assunto que será abordado com mais profundidade na Unidade 3. Com um novo enfoque para com a linguagem, a Psicolinguística, da mesma forma que a Sociolinguística e a Análise do Discurso (conversacional), tem contextualizado seus dados e usado a fala espontânea como corpus a ser investigado, exigindo uma adequação metodológica para sua análise. Nesse sentido, a terceira geração da Psicolinguística integra-se ao conjunto de disciplinas que veem na linguagem um sistema que toma forma e se especifica nas interações sociais. O comportamento verbal deixa de ser olhado isoladamente e passa a ser visto no interior dos processos cognitivos mais gerais. Ela também restabelece as ligações com as reflexões de ordem biológica, interessando-se em explicar a relação entre a estrutura mental e os processos envolvidos no uso de uma língua. A tarefa do psicolinguista é de construir modelos de processos que fazem uso a todo instante do conhecimento armazenado. A Psicolinguística representa uma tentativa empírica, no sentido de caracterizar aquilo que se deve saber a respeito de uma língua para usá-la. Ela faz uso de uma metodologia diferente que une métodos indutivos e dedutivos para chegar às respostas de pesquisa. O registro de dados e a sua interpretação constituem a metodologia indicada para essa disciplina. Trata-se de uma metodologia explicativa em que os dois aspectos (registro e interpretação) não podem estar dissociados. Dessa maneira, não podemos esperar da Psicolinguística uma simples descrição dos fenômenos linguísticos. Não basta descrever, é preciso analisar os seguintes aspectos: 1) percepção dos sinais linguísticos: acústicos para a fala e visuais para a sinalização; 2) identificação das unidades e níveis de processamento; 3) acesso ao significado. Nesse propósito, usando os métodos de observação e experimentação, o pesquisador busca compreender como o cérebro organiza a atividade verbal a fim de testar as hipóteses e buscar generalizações que expliquem a maneira como se dá o processamento de tarefas linguísticas. Uma das mais difíceis tarefas é a separação da cadeia da fala ou da cadeia de sinais em unidades dotadas de significação. Sabe-se que tanto os enunciados falados quanto os sinalizados são um continuum difícilde ser segmentado, em outros termos, as palavras e os sinais não são separados por pausas na cadeia da fala/sinalização, dificultando a segmentação e o acesso ao significado. TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 17 Além do mais, o estágio da significação é um dos níveis mais complexos e, nesse ponto, a teoria psicolinguística enfrenta o desafio de formalizar as representações mentais à medida que se avança do nível perceptual para o nível do significado e desse para o textual e discursivo, pois se torna cada vez mais difícil a possibilidade de fazer inferências. DICAS Sabe-se que em um diálogo entram em ação inúmeros conhecimentos que o emissor deve acionar para se fazer entender: o conhecimento de mundo; esquemas de ordem pragmática; esquemas de ordem textual; regras sintáticas, entre outros. Pense que não basta conhecer sinais de Libras, é preciso colocá-los em um eixo sintático, além disso, é necessário fazer uso de processos icônicos, espaciais e de movimento, simultaneamente. Parece ser complicado para o cérebro, não é mesmo? No momento da aprendizagem, podem ocorrer lapsos e “erros”. Para tranquilizar o aprendiz, experimentos comprovam que os erros, pausas e hesitações cumprem um papel fundamental na estruturação das sentenças. Esses erros não são aleatórios, mas obedecem certas regras: eles obedecem ao componente fonológico e aos condicionamentos contextuais da língua. Recentemente, a Psicolinguística iniciou um diálogo com outras áreas. Ela tem influenciado o desenvolvimento de outras ciências limítrofes que estão em pleno desenvolvimento. Em uma via dupla, ela também tem se beneficiado com os avanços dessas ciências. Assim, ela é marcada pela interdisciplinaridade que abrange os estudos das Ciências Cognitivas, da Inteligência Artificial, do Conexionismo, das Neurociências, entre outros. Além disso, a partir de 1960, foi possível ampliar as pesquisas, também para a modalidade cinésico-visual e, com isso, um grande número de psicolinguistas tem se dedicado em compreender o processamento das línguas de sinais. A evolução dos achados em Psicolinguística levou à ampliação das pesquisas a fim de contemplar os processos heteróclitos da linguagem verbal. Podemos, assim, vislumbrar a capacidade de criação de linguagem verbal em caso de restrição auditiva, o que testifica que o cérebro humano é uma incomparável “máquina” capaz de lidar com ininterruptas cadeias de significações. No segundo tópico, apresentaremos alguns estudos que contemplam essas línguas naturais. Entretanto, apesar de todos os avanços, devemos considerar que o sistema cognitivo humano é muito complexo e suas funções e propriedades são de uma multiplicidade impressionante. A seguir, abordaremos a Aquisição de Linguagem, que é um domínio de especialidade para o qual a Psicolinguística aplica muitos esforços. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 18 5 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM Como vimos na seção anterior, a Aquisição de Linguagem é um fenômeno investigado no seio da Psicolinguística. Por se tratar de um tema muito relevante para a compreensão da relação entre cérebro e língua, exporemos aqui informações mais precisas que, certamente, ajudarão você a refletir sobre a linguagem de modo geral. De acordo com Kapitaniuk (2010, p. 32-33), [...] há um consenso de que, na aquisição de linguagem, três fatores são de extrema importância: • Fatores inatos: estrutura inicial geneticamente determinada; • Fatores maturacionais: processos de ordem psico-fisiológicos que serão desenvolvidos em diferentes estágios; • Fatores ambientais ou epigenéticos: o meio exterior no qual a criança é inserida e exposta aos inputs (dados externos) partilhados socialmente. Essa citação nos possibilita pensar na aquisição de linguagem da criança surda, pois ela tem um impedimento na entrada auditiva, com isso, o aparato privilegiado será o perceptivo visual. Entretanto, considerando que em torno de 95% das crianças surdas nascem no seio de família ouvinte, ocorre a privação do terceiro fator, pois elas não são expostas às informações linguísticas. Assim, uma primeira língua não necessariamente é aquela que é imposta a um sujeito por meio de ensino sistemático e, no caso do surdo, pelas terapias, mas sim aquela que é adquirida naturalmente. Os surdos se identificam com a modalidade cinésico- visual muito facilmente porque ela condiz com sua natureza psicofisiológica. A língua de sinais é a língua natural do surdo, seja ela adquirida na infância ou em fase adulta. Qualquer outra exposição, seja leitura, escrita ou leitura orofacial e oralização, se caracterizará como aprendizagem. DICAS Aprendizagem de língua: Processo sistemático de exposição ao ensino de uma língua, fazendo-se uso de estratégias metalinguísticas. O indivíduo já possui um conhecimento anterior (um repertório linguístico) com o qual avança para outros repertórios ou para o sistema escrito. Aquisição de linguagem: Processo natural em que a criança internaliza uma língua, sem necessariamente estar exposta a um ensino sistemático. TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 19 Desde os primeiros estudos em aquisição de linguagem em língua de sinais como língua materna, publicada por Bellugi e Klima (1972) e Newport e Meier (1985), um longo trajeto foi percorrido, são mais de 40 anos. Inicialmente, as pesquisas em aquisição de linguagem foram desenvolvidas, principalmente, na Língua de Sinais Americana (ASL), mas, rapidamente, outras línguas de sinais passaram a ser investigadas (grande parte das referências a seguir encontra-se em Karnopp, 2005; 2011). Petitto (2000) considerou que a trajetória geral da aquisição da ASL por crianças surdas segue os mesmos padrões encontrados nas línguas faladas e podem ser encontrados em estudos de outras línguas de sinais. Por exemplo, Língua de Sinais Italiana (Caselli e Volterra, 1990), Língua de Sinais Brasileira (Quadros, 1997), Língua de Sinais Holandesa (Van den Bogaerde, 2000), Língua de Sinais Britânica (Woll, 1998), entre outras. • Petitto e Marentette (1991) descobriram que crianças surdas, expostas desde o nascimento à língua de sinais, produzem balbucio manual entre os seis e 12 meses. Essa produção corresponde à idade do balbucio das crianças ouvintes. • Segundo Karnopp (1994), estudos demonstram que o início do estágio de um sinal se inicia por volta dos seis meses em bebês surdos filhos de pais surdos na aquisição da Língua de Sinais e percorre um período até por volta dos dois anos. Nesse estágio, as crianças começam a fazer os primeiros sinais, mais simples. • Schlesinger e Goldin-Meadow (1972) relataram que as crianças, inicialmente, produzem enunciados com um só sinal e então começam a produzir dois ou mais sinais combinados. Os autores mostraram que uma das crianças, Ann, tinha um amplo vocabulário em sinais aos 19 meses, se comparado ao vocabulário de crianças ouvintes. • McIntire (1977), ao examinar a produção de sinais na ASL de uma criança surda, filha de pais surdos, atestou que, na idade de 1 ano e 1 mês (1;1), o vocabulário estava em torno de 85 sinais e que, ao final da investigação, com 1;9, ela estava produzindo mais de 200 sinais. • Marentette (1995, p. 75) realizou um estudo de caso, acompanhando longitudinalmente uma menina ouvinte, filha de pais surdos, que apresentou a seguinte média de aquisição na ASL: com 1;0 (05 sinais), com 1;3 (11 sinais), com 1;5 (18 sinais), com 1;6 (42 sinais), com 1;9 (63 sinais) e com 2;1 (70 sinais). • Ackerman et al. (1990, p. 339) relataram que os primeiros sinais na Língua de Sinais Britânica (BSL) foram produzidos aos 11 meses por uma criança surda e aos 11 meses por uma criança ouvinte. • Bonvillian e colaboradores (1983) “constataram quea média de idade na produção dos enunciados de dois sinais é de 17 meses (variando entre 12,5 e 22 meses), enquanto que nas línguas orais, os enunciados de duas palavras ocorrem entre os 18 e 21 meses” (KARNOPP, 2005, p. 6). Como se pode depreender, a aquisição de linguagem não é um tema fácil a ser pesquisado, pois envolve muitas questões, muitas problemáticas que fogem do controle na investigação, mas um fato é empiricamente comprovado UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 20 pela vivência humana: parece haver uma sequência de estágios pela qual quase todas as crianças passam; algumas crianças atingem determinados estágios em períodos diferentes e isso, geralmente, está associado a algum outro fator de ordem biológica (genética, estados patológicos, problemas maturacionais), social (falta de estímulo, insuficiência de informações provindas do meio) ou emocional (trauma, timidez). No subtópico a seguir, discutiremos a questão da idade crítica para a aquisição de linguagem, assunto esse que será retomado e colocado em controvérsia mais à frente. 6 A IDADE CRÍTICA PARA A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM A noção de idade crítica foi defendida por Hughlings-Jackson, um neurologista inglês que, em 1915, afirmava a necessidade de uma criança ser introduzida aos insumos de uma língua o mais cedo possível, caso contrário, o seu desenvolvimento poderia ser permanentemente retardado. Esse atraso poderia comprometer a capacidade de «proposicionar», como nomeava a habilidade humana de lidar com a linguagem verbal em todas as suas potencialidades de categorização e representação (SACKS, 1998). Em 1967, Lenneberg (1967) enfatizou que o cérebro humano tem períodos específicos de maturação e, no caso de aquisição tardia da linguagem, a criança estaria predisposta a não desenvolver adequadamente a gramática da língua. Haveria, assim, um período crítico para aquisição de linguagem. A teoria gerativista e seus seguidores adotaram essa noção, defendendo a exposição precoce das crianças aos dados de uma língua natural a fim de ativar o dispositivo inato da faculdade da linguagem, embora atualmente se refira a um período ‘sensível’ e não mais crítico. Essa ideia está vinculada à concepção da mente modular, ou seja, que “a mente seria composta por módulos responsáveis por diferentes processamentos altamente especializados [...]” (QUADROS, 2013, p. 69). A hipótese defendida é de que todos os módulos deveriam se desenvolver em determinado período maturacional e o módulo da linguagem estaria propenso à mesma restrição. Segundo Lenneberg (1967), o período crítico se iniciaria por volta dos dois anos e se estenderia até o início da puberdade. Essa concepção é fundamentada em análises biológicas que preveem que o cérebro humano funcionaria bilateralmente até o fim da infância, mas que, posteriormente, apenas um hemisfério se tornaria dominante em relação às funções da linguagem verbal. Isso embasaria, de certo modo, a dificuldade que um adulto apresenta para a aprendizagem de uma língua estrangeira (LE), em contraposição às crianças, que apresentam um sucesso muito mais consistente nessa tarefa. TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS 21 Sacks menciona que com a população ouvinte são raros os casos de pessoas em situação de privação linguística. Há alguns relatos de “crianças selvagens” que, não tendo acesso a interações linguísticas antes da puberdade, desenvolveram insuficientemente ou nenhuma habilidade linguística. Conforme Sacks (1998), os casos de crianças selvagens mais conhecidos, e que servem de base para os pressupostos do período crítico são: Genie: foi encontrada na Califórnia em 1970; fora aprisionada em casa (pelo pai psicótico) e ninguém falara com ela desde bebê. Apesar de um treinamento muito intensivo, Genie aprendeu apenas um mínimo da língua — algumas palavras para designar objetos comuns, mas não tinha capacidade de fazer perguntas e adquiriu somente uma gramática muitíssimo rudimentar (SACKS,1998, p. 96). Kaspar Hauser: um rapaz de mais ou menos 16 anos foi descoberto certo dia em 1828, vagando aos tropeções por uma rua de Nuremberg. Levava consigo uma carta relatando parte de sua estranha história: como fora dado por sua mãe, aos seis meses de vida — ela não tinha dinheiro algum, e seu marido estava morto —, para um trabalhador diarista, pai de dez filhos. Por motivos que nunca ficaram claros, esse pai adotivo confinou Kaspar num porão, acorrentado, sentado sem poder erguer-se, privado de comunicação ou contato humano por mais de 12 anos [...] Kaspar demonstrou, de início, uma prodigiosa capacidade de percepção e memória, mas a percepção e a memória eram exclusivamente para coisas específicas — ele parecia ao mesmo tempo brilhante e incapaz de pensamento abstrato (SACKS, 1998, p. 34). Victor: o Menino Selvagem, foi visto pela primeira vez nas florestas de Aveyron em 1799, andando de quatro, comendo bolotas de carvalho, vivendo como um animal. Ao ser levado para Paris em 1800, ele despertou um enorme interesse filosófico e pedagógico: de que modo ele pensava? Seria possível educá-lo? O médico Jean-Marc Itard, também notável por sua compreensão (e interpretações errôneas) dos surdos, levou o menino para casa e tentou ensinar-lhe a língua e educá- lo (SACKS, 1998, p. 88). O Menino Selvagem nunca adquiriu uma língua, seja qual for a razão ou as razões. NOTA A situação de privação é mais recorrente com pessoas surdas, uma vez que a maioria é filha de pais ouvintes. Não tendo acesso auditivo à língua oral e muitas vezes sendo-lhes negada a exposição a inputs linguísticos sinalizados, a aquisição tardia é uma evidente consequência. De acordo com alguns estudos (KUSCHEL, 1973; GOLDIN-MEADOW; FELDMAN, 1977; NEWPORT, 1990; NEWPORT; SUPALLA, 1999), surdos que adquiriram a língua tardiamente demonstram defasagens na organização gramatical ou apresentam uma comunicação com nível de abstração limitada. De acordo com Lenneberg (1967), isso ocorre devido a uma lateralidade cerebral mal definida pelo fato de a maturação já ter sido alcançada. A exposição a uma língua desde o nascimento proporcionaria o desenvolvimento da capacidade linguística do hemisfério esquerdo, ao contrário, a privação retardaria esse processo. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 22 A noção de período crítico foi também defendida por Mogford e Bishop (2002), entretanto, para os autores, a delimitação da idade crítica seria até os cinco anos. Como é possível perceber, não há consenso sobre o início e o fim da fase ideal para a aquisição de uma língua, tampouco há uma elaboração convincente dessa proposta. Dois grupos parecem estar interessados em difundir essa ideia e de tornar-lhe uma verdade científica: os defensores da imersão precoce das crianças surdas à língua de sinais e os proponentes do implante coclear que desejam inseri-las no mundo sonoro o mais rapidamente possível. Mais adiante discorreremos sobre as controvérsias dessa tecnologia ‘restituidora do som’ que tem sido amplamente difundida na área médica e cujos progressos são ainda questionáveis, visto o número de insucessos que são identificados. Encerramos aqui o primeiro tópico da primeira unidade. A seguir, discutiremos as relações entre cérebro, linguagem, surdez e língua de sinais. 23 Neste tópico, você aprendeu que: • O panorama histórico das indagações sobre a linguagem verbal humana remonta à Antiguidade e, instigados a encontrar respostas a tão complexo fenômeno, os pesquisadores criaram teorias, muitas vezes concentrando-se em apenas alguns aspectos dessa heteróclita capacidade humana de lidar com signos verbais. • As concepções de língua e de linguagem ficaram confusas quando, ao privilegiar a supremacia de uma ciência linguística,afastou-se outros processos semióticos co-ocorrentes para a região periférica das investigações. • O programa de Saussure estabeleceu uma ruptura com o fazer pesquisa que atuava até o início do século XX. Embora o terreno para uma Linguística mais científica tenha sido anteriormente preparado, foi o mestre genebrino que recebeu o mérito de ter firmado a área, delimitando as fronteiras de investigação da nova ciência. • Com o avanço das ideias e para contrapor-se às concepções empiristas que estavam em vigor, em 1950, Chomsky lança a obra que faria a Linguística entrar no campo das investigações mentalistas, criando um programa que influencia a área até hoje. • Nesse ínterim, uma especialização tomava corpo e iniciava um fazer interdisciplinar, unindo as investigações que se fazia na Psicologia com as que se fazia na Linguística. Nascia, assim, a Psicolinguística, que busca compreender o processamento mental no uso da linguagem verbal. • A nova disciplina, que possui interesse em diferentes fenômenos, especializou- se na aquisição de linguagem. Desse modo, algumas contribuições comprovam que, tanto a aquisição de linguagem de crianças ouvintes quanto a de crianças surdas possuem certos padrões de regularidade. Acredita-se que certas etapas se sucedem no desenvolvimento linguageiro de todas as crianças, mas, para que isso aconteça, é preciso que elas se enquadrem em três critérios fundamentais: uma predisposição genética; uma progressão maturacional sem entraves e a exposição às informações linguísticas relevantes provindas do meio. • A existência de um período crítico ou sensível para a aquisição de linguagem foi defendida por alguns autores e, na medida em que um dos três critérios anteriormente descritos não seja atendido, poderá haver atraso ou retardamento da linguagem verbal, o que traria consequências devastadoras aos aspectos cognitivos e sociais da criança. RESUMO DO TÓPICO 1 24 No estudo sobre a aquisição de linguagem foi introduzida uma nota que explica a diferença entre aquisição e aprendizagem de linguagem. Com base nessa explicação e no conteúdo do tópico, reflita sobre os contextos abaixo relacionados, respondendo às perguntas e apresentando seus argumentos para cada um deles. Contexto 1 Durante sua infância e sua adolescência, um surdo esteve fora do contato com uma comunidade surda e com a língua de sinais, mas, aos 15 anos, esse encontro aconteceu e então ele passou a utilizar uma língua de sinais tardiamente. Trata- se de aprendizagem ou aquisição? A hipótese do período crítico se sustenta nesse caso? Contexto 2 Durante toda a sua vida, um surdo profundo foi exposto a terapias de fala para aprender os rudimentos da oralidade, trata-se de aprendizagem ou aquisição de língua oral? Contexto 3 Um ouvinte filho de pais surdos foi exposto à língua de sinais e à língua oral simultaneamente, tornando-se fluente em ambas. Trata-se de aquisição ou aprendizagem? Como se denomina o contexto em que uma pessoa tem acesso a duas línguas concomitantemente? Contexto 4 Uma ouvinte, cuja língua materna é o Português, aos 20 anos de idade, passa a participar assiduamente de encontros com a comunidade surda de sua cidade, sendo exposta à língua de sinais. Trata-se de aquisição ou de aprendizagem? Contexto 5 Um casal ouvinte, que não possui contato com surdos, passa a frequentar um curso de língua de sinais, ministrado por um instrutor ouvinte. Trata-se de aquisição ou aprendizagem? O fato de se tratar de uma pessoa não surda pode ser um fator desfavorável para o seu progresso na língua. AUTOATIVIDADE 25 TÓPICO 2 O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A relação entre surdez, cérebro e língua de sinais será discutida aqui neste tópico, com vistas a indicar algumas pesquisas que têm sido realizadas na área das neurociências para o esclarecimento dos processos neurais em caso de surdez e do uso de língua de sinais. Efetivamente, com o avanço da tecnologia e o advento de exames cada vez mais eficientes, como os que utilizam a neuroimagem, é possível ir além da simples especulação para avançar nas elucidações de questões que envolvem a linguagem verbal em qualquer modalidade. DICAS Os exames que fazem uso de neuroimagem são: a ressonância magnética funcional (IRMf), a tomografia por emissão de pósitrons (PET), a magnetoencelografia (MEG) e a estimulação magnética transcranial (EMT). Para saber mais, leia o artigo de Marcucci e Vandresen Filho (2006), disponível em: <http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2006/RN%2014%2004/Pages%20from%20 RN%2014%2004-5.pdf>. Acesso em: 29 maio 2018. A obra Vendo Vozes (1998), do médico neurologista e psiquiatra Oliver Sacks, traz grandes contribuições para o entendimento de como avançaram as pesquisas na área das neurociências aplicadas ao entendimento da língua de sinais e da surdez, por isso utilizarei muitas informações que estão ali condensadas para redigir as seções deste tópico. Nesse livro, o autor condensa vários estudos científicos que poderão esclarecer como funcionam os aspectos perceptuais e neurais de pessoas surdas por meio de testes cognitivos associados à técnica de geração de imagens no momento em que essas fazem uso de língua de sinais. Sacks mostra o seu fascínio e perplexidade diante da impressionante capacidade cerebral do surdo congênito ou do ensurdecido em fase tardia em se adaptar e se especializar conforme o tipo de informação que lhe chega do exterior por meio de outras percepções sensoriais que não as auditivas. UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM 26 De fato, o relato de um homem (David Wright) que havia perdido sua audição aos sete anos de idade, após ter adquirido a língua falada, ou seja, em período pós-linguístico, é, no mínimo, instigante. Sacks explica como Wright guardou na memória os sons que outrora fizeram parte da sua experiência sensorial auditiva. Ao ver as folhas balançando, o homem lembrava do sussurro do vento e os movimentos dos lábios das pessoas que o cercavam lhe desencadeavam uma ilusão auditiva, ele cita um trecho do livro desse homem: [Minha surdez] ficou mais difícil de perceber porque desde o princípio meus olhos inconscientemente haviam começado a traduzir o movimento em som. Minha mãe passava grande parte do dia ao meu lado e eu entendia tudo o que ela dizia. Por que não? Sem saber, eu vinha lendo seus lábios a vida inteira. Quando ela falava, eu parecia ouvir sua voz. Foi uma ilusão que persistiu mesmo depois de eu ficar sabendo que era uma ilusão. Meu pai, meu primo, todas as pessoas que eu conhecia conservaram vozes fantasmagóricas. Só me dei conta de que eram imaginárias, projeções do hábito e da memória, depois de sair do hospital. Um dia, eu estava conversando com meu primo, e ele, num momento de inspiração, cobriu a boca com a mão enquanto falava. Silêncio! De uma vez por todas, compreendi que quando não podia ver, eu não conseguia escutar (p. 15-16). A partir desse relato, temos diante de nós duas evidências muito interessantes. Em caso de perda de um dos sentidos: 1) o cérebro humano guarda memórias de experiências sensoriais (ilusões auditivas, no caso de Wright) que podem prolongar-se por um tempo determinado e 2) o cérebro se adapta às novas condições, moldando-se ao tipo de informação sensorial que recebe de forma mais significante do ambiente (as pistas visuais, no caso de Wright). Confrontado pelas descobertas sobre a plasticidade neural do cérebro em caso de perda auditiva e pelo fato de que surdos congênitos desenvolvem processos simbólicos de significação, por meio de composições cinéticas corporais, Sacks (1998, p. 11) declara que A existência de uma língua visual, a língua de sinais, e das espantosas intensificações da percepção e inteligência
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