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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA A Censura Artística 1968 - 1978 A Influência e a Resistência Musical/ Artística na Ditadura Civil-Militar Brasileira Lais Clara de Mello Rocha Rio de Janeiro, 2016 2 UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA A Censura Artística 1968 - 1978 A Influência e a Resistência Musical/ Artística na Ditadura Civil-Militar Brasileira Lais Clara de Mello Rocha Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em História como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em História. Rio de Janeiro 2016 3 Dedico este trabalho a todos os artistas que sofreram e enfrentaram os algozes da época. “Devemos olhar, pelo olhar do objeto de sua pesquisa”. (Professora Luciana Lamblet, dito durante a aula do dia 11 de junho de 2015). 4 Agradecimentos Agradeço primeiramente ao meu companheiro, Rafael Azevedo Lopes, com a qual sem o apoio e insistência não teria cursado a faculdade de História e tão pouco a teria concluído. Agradeço as minhas irmãs Camila Garcez e Carla Godinho pelo direcionamento e ajuda todas as vezes que pensei em desistir, e por estarem sempre ao meu lado nessa árdua jornada, me mostrando que tudo na vida é para ser enfrentando um dia por vez, e por poder contar sempre com vocês. Agradecer a minha irmã Luci e sobrinha Nicole pelos ótimos presentes de Natal, pois sem eles não teria base para escrever tal trabalho. Agradecer a minha madrinha/irmã por sempre incentivar a minha leitura, e com isso me fez crescer e ver através de varias perspectivas. Agradeço à minha orientadora Claudia Soares, pela “luz” na montagem do meu estudo, por toda paciência e auxílio, e por se mostrar sempre disposta. Agradeço também a todos os meus sobrinhos, os quais amo profundamente e que me fazem ter vontade de continuar batalhando, para dar-lhes um futuro melhor. Agradeço aos meus colegas do curso História da Universidade Castelo Branco, 2012.2, pelos risos, lanches, sofrimentos e todas as lutas compartilhadas. Agradeço aos meus professores do curso de graduação em História da Universidade Castelo Branco, que tanto me ensinaram e pela boa vontade de todos. 5 Resumo Este trabalho tem por objetivo principal estudar o cenário cultural, focado na música para os movimentos de resistência à ditadura civil- militar brasileira, em particular entre os anos 1968 a 1978. Serão analisadas as circunstâncias políticas, sociais e artísticas vigentes no Brasil durante o período, assim, buscaremos o entendimento da realidade vivenciada pelos artistas. Logo, esclareceremos o papel exercido pelas músicas de protesto, a questão da censura musical no Brasil no século XX, e os mecanismos utilizados pelos músicos/compositores para burlar a censura e levar para a população os protestos, de forma que essa ação os conscientizasse a respeito da realidade brasileira. Palavras Chave: Música de Protesto – Censura – Ditadura – Resistência. 6 Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação do Curso de Licenciatura em História da Universidade Castelo Branco – UCB, como requisito para a obtenção do grau de Licenciado em História. Aprovado em / /_ . BANCA EXAMINADORA: Profª. Claudia Soares (UCB) (Orientadora) Profª. (UCB) (Arguidor) Prof. (UCB) (Arguidor) 7 Sumário Introdução........................................................................................................................8 Capítulo 1: O Inicio do Fim – O Golpe de 1964...................................................... 11 1.1 De Goulart ao AI-5................................................................................................11 1.2 Os Artistas da Revolução: Os Anos Românticos....................................................19 Capítulo 2: AI-5 e a Nova Realidade Artística.................................................................23 Capítulo 3: A Era dos Festivais.............................................................................. . 38 3.1 Chico Buarque de Hollanda............................................................................48 3.2 A Tropicália de Gil e Caetano............................................................................53 Conclusão........................................................................................................................57 Fontes..............................................................................................................................58 Bibliografia.......................................................................................................................61 8 Introdução Este trabalho tem por objetivo principal esclarecer os movimentos de resistência à ditadura civil- militar brasileira. Serão utilizadas entrevistas dos artistas referentes à época estudada, sem contar com matérias e livros que debatem o assunto. Será estudado o período desde o inicio, com foco entre os anos de 1968-1978, onde foi instituída uma maior censura às artes com decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5). O trabalho está fragmentado em três capítulos. O primeiro capítulo será analisado o governo brasileiro desde a posse de João Goulart, que se iniciou com turbulência, após a renuncia de Jânio em agosto de 1961 cercada de mistério e tentativas de golpe, começa uma corrida ao poder, segundo a Constituição Brasileira, após a renuncia quem assume é o vice, neste caso, João Goulart, que encontrava-se fora do país, ulteriormente o governo passou de presidencialista a parlamentarista, e com poderes reduzidos João Goulart toma posse em 7 de setembro de 1961. O capítulo passará pelo governo de Jango até o movimento do golpe civil-militar, será lépido o estudo, que terminará com o a posse de Costa e Silva e a promulgação do AI-5. O capítulo terminará com uma explicação sobre a Revolução Romântica, de Marcelo Ridentti, com foco no Teatro Opinião e Teatro Arena, para assim entendermos os anseios artísticos vivenciados durante a ditadura civil-militar brasileira. No segundo capítulo será discutido o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que foi o instrumento de uma revolução dentro da revolução ou de uma contra revolução dentro da contra revolução, houve uma intensificação da censura da imprensa, pois o decretum terribile permitia praticamente tudo, desde então a censura da imprensa sistematizou-se rotineira e passou a obedecer às instruções especificamente emanadasdos altos escalões do poder. 1 A nova realidade dos músicos/compositores brasileiros, logo após a sua instauração, na qual o Presidente da República obtinha um grande poder, houve uma austeridade do regime, onde a repressão das liberdades democráticas, a censura e violência, ganharam espaço. 1 FICO, Carlos. Além do Golpe – Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004. 9 Não podemos deixar de citar que a censura sempre esteve ativa no Brasil, ainda hoje somos assombrados pela mesma. O objetivo do capitulo é mostrar a intensificação da censura com o Ato Institucional nº 5, e não afirmar que o mesmo só ocorreu após a sua vigência. A magnitude da Música popular Brasileira, e seu alcance as grandes massas da sociedade, e a audácia em cantar o que não era permitido, fez com que o governo criasse a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), por onde todas as canções deveriam passar antes de serem lançadas, e os meios utilizados para restringi-las eram todos, não havia critérios, o que causava a cultura nacional uma grande perda. Veremos a importância do espetáculo teatral, o Teatro-Jornal, que levava as notícias de forma teatral, e como não possuíam um roteiro fixo, era quase impossível serem pegos pela censura. Em contrapartida, veremos os artistas/músicos que eram a favor do regime e faziam uma propaganda pró-governo. Será abordado no terceiro e último capitulo o movimento dos músicos/compositores para esquivar a censura e levar a sociedade brasileira, que não tinha uma raiz fixa, devido a repressão e perseguição aos que eram contrários ao governo brasileiro, a realidade de forma subliminar. Veremos também a importância dos festivais e dos músicos que se apresentavam mostrando através de suas letras e melodias o sentimento de revolta ao militarismo, estudaremos a fundo as canções de Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e sua Tropicália. A perseguição a Chico Buarque, que era tido como inimigo público, mas suas canções eram liberadas. Geraldo Vandré e sua canção Caminhando, que tornou-se o hino contra a ditadura civil-militar, foi proibida e seu compositor exilado, esse fato e a canção será estudada detalhadamente, afim de com a mensagem passada compreendermos o porque do governo brasileiro temer o impacto da propaganda passada ao povo. Estudar Chico Buarque e suas principais canções, entender o movimento Tropicália, que era mais sociocultural que diretamente político. E como a irreverência de 10 Caetano Veloso e Gilberto Gil incomodavam os militares, e com isso deu força ao movimento musical tropical brasileiro. Os artistas brasileiros foram muito importantes para a cultura, sociedade, e na luta contra a ditadura civil-militar. Através de suas performances expuseram toda realidade vivida e enfrentada por eles, e de forma poética, e a favor da cultura e da liberdade brasileira, ao compor e ver seus trabalhos censurados, esses músicos não deixaram ser atingidos por uma política onde o “ser” não significava nada. E continuaram de forma incessante o combate contra o governo, nem que para isso eles tivessem que abrir mão da própria liberdade e da sua pátria. Por fim, manifestar que por mais que houvesse grande repressão os músicos e atores, em geral, artistas brasileiros atuaram de forma fundamental para as gerações subsequentes, pois foi através dessa luta pela liberdade musical, ou até mesmo liberdade de expressão, que hoje podemos gozar de todos os direitos democráticos. 11 Capítulo 1: O Início do Fim – O Golpe de 1964 1.1 De Goulart ao AI - 5; O dia 25 de agosto de 1961 foi marcado pela renuncia a Presidência da Republica do então atual governante Jânio Quadros, sem muitas explicações, porém na noite anterior a renuncia, o governador da Guanabara Carlos Lacerda, em um discurso para rádio, denunciou um golpe janista planejado por Oscar Pedroso Horta, Ministro da Justiça. João Goulart é empossado em 7 de setembro de 19612, e o aumento dos movimentos sociais se intensificaram, os setores do campo se mobilizaram, esse foi o resultado de uma célere industrialização e crescimento urbano. Tais comutas ampliaram o mercado da agricultura e da pecuária, a terra passou a ser rentável. Como uma de suas primeiras ações Jango criou o Plano Trienal, que pretendia reestabelecer o crescimento da economia e reduzir a inflação, que acabou fracassando, Jango então lançou as reformas de base, que estavam ligadas a reforma agrária, industrial e educacional. Em março de 1963, foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural, na qual regularizava o trabalho no campo. Outros setores também tiveram voz no governo de Jango, caso essa da União Nacional dos Estudantes (UNE), que passaram a interceder diretamente na política. A posse de João Goulart significou a volta do populismo, sendo que as pressões sociais e mobilizações foram maiores do que na Era Vargas. Essas reformas tinham caráter nacionalista, onde o Estado intervinha diretamente na vida econômica, era uma tentativa de modernização do capitalismo, para diminuir a desigualdade social através das ações do Estado. 2 De acordo com a Constituição Brasileira após a renuncia do Presidente da Republica quem assume o cargo é seu vice, nesse caso João Goulart. No entanto sua posse ficou em suspenso por um período devido a iniciativa dos ministros militares que tentaram impedir sua posse, vetando a volta do futuro presidente, que encontrava-se em uma viagem a China comunista, e alegavam segurança nacional. No Rio Grande do Sul, o comandante do III Exército declarou seu apoio a Goulart, iniciando a batalha da legalidade, que nada mais era que uma frente legalista que seu principal objetivo era garantir o cumprimento da constituição, liderada por Leonel Brizola, que promoveu diversas manifestações populares em Porto Alegre. Jango assume a presidência com poderes diminuídos devido à solução encontrada pelo Congresso, que fez com que o sistema de governo passasse do presidencialista para o parlamentarista, usado para resolver a crise, mas que não poderia durar por muito tempo, como de fato não durou, em janeiro de 1963, cerca de 9,5 milhões de votantes disseram não ao parlamentarismo, o sistema presidencialista retornava com João Goulart no poder. 12 A classe dominante era contra as mudanças, diferentemente dos sindicalistas, que se mantiveram fiéis ao esquema populista. As reformas de base tiveram um resultado oposto ao aguardado, elas enfraqueceram o governo. Na época, os grupos de trabalhadores agitavam-se contra a exploração das classes dominantes. Os grandes empresários vendo toda mobilização da classe trabalhadora se unem aos militares pela queda de João Goulart. Em janeiro de 1963 com o governo já abalado, Jango consegue antecipar o plesbicito que tinha por finalidade julgar o parlamentarismo, com a vitória do presidencialismo, cerca de 9,5 milhões de um total de 12,3 milhões de votantes responderam “não” ao parlamentarismo. Retornava assim o sistema presidencialista, com João Goulart na chefia do governo.3 Goulart interpretou como uma vitória pessoal, estava enganado, Brizola e a esquerda do PTB estavam insatisfeitos com as reformas sociais e com o imperialismo, em meados de 1963 com o crescimento drástico de diversas vertentes, Brizola começa a organizar grupos para resistir as tentativas de golpe e tentar implementar uma Assembleia Constituinte e a moratória da dívida externa. Os militares tambémse organizavam, só que contra Jango, e uma intervenção defensiva4. No dia 13 de março de 1964, ouve um comício, onde cerca de 150 mil pessoas se reuniram para ouvir Goulart e Brizola, que apesar de não se entenderem, tentavam mostrar a força do governo, com bandeiras vermelhas pedindo a legalização do PC, entre outras reivindicações, tais manifestações foram respondidas pelos conservadores atemorizados com a revolta comunista, com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, reuniu cerca de 200 mil pessoas com faixas ameaçadoras (“Tá chegando a hora de Jango ir embora”), e divertidas (“Vermelho bom, só batom”). 5 Ante a ofensiva de Mourão6, e a Operação Popeye, o golpe fulminante, Mourão desceria de seu quartel, em Juiz de Fora, com uma tropa pequena e bem treinada. 3 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Im p r e n sa O f ic i a l do E s t a d o 2001, p. 251. 4 A intervenção era contra os gastos excessivos do governo, e entre os líderes que apoiavam tal intervenção, estava o chefe do Estado-maior do Exército, o general Humberto de Alencar Castelo Branco. 5 Para as faixas, Heloísa Maria Murgel Starling, Os Senhores das Gerais, pp 33-4. 6 General Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, autor de documentos falsos(conhecidos como Plano Cohen), sobre uma suposta revolução comunista em 1937. A farsa foi utilizada como justificativa para instauração da ditadura varguista. 13 Acreditava que poderia tomar de assalto o prédio do Ministério da Guerra em menos de 24 horas, o resto cairia de podre. Guedes e Magalhães Pinto7 em Belo Horizonte, trabalhavam noutra linha, que consistia em rebelar Minas Gerais, separando-a do governo de Goulart. O resto cairia de podre.8 Na esfera política a movimentação não era apenas dos militares, políticos e empresários que não viam a hora de depor Jango, o próprio já havia percebido sua vulnerabilidade no início de 1964, defendia as reformas de base, mas nunca as elucidou claramente, como temia o golpe, começou a articular um dispositivo militar, que usaria caso sofresse o golpe pelo General Assis Brasil. No Rio de Janeiro haviam outros militares que conspiravam independentemente dos de Minas Gerais, Arthur Costa e Silva liderava os movimentos na cidade da Guanabara. Em 31 de março de 1964, o dispositivo já não existia mais, as Forças Armadas se rebelam contra o governo e Costa e Silva no dia 1º de Abril autonomeia-se comandante do Exército Nacional, onde assumiu o controle do Comando Supremo da Revolução. Era o fim da democracia brasileira, Jango foi para o Uruguai como exilado político. Ainda no dia 1º de abril, a sede da UNE, no estado do Rio de Janeiro, foi incendiada e fazendo com que os estudantes agissem na clandestinidade. Esses movimentos foram lançados com o pretexto de que o regime democrático que vigorava no país, não conseguiria deter a corrupção e nem o comunismo. Esse novo regime político beneficiava o Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativos e Judiciários, e começou a mudar as instituições do país com os Atos Institucionais (AI). Não podemos esquecer que o golpe de 1964 não foi de exclusividade dos militares, como Daniel Aarão afirma, ele teve participação civil, todo o processo teve caráter social, as diversas passeatas anterior e até mesmo posterior ao golpe, comprovam a participação dos civis em todo o processo da ditadura civil-militar no brasil.9 7 José de Magalhães Pinto, banqueiro Governador de Minas Gerais, sonhava com a Presidencia da República. Carlos Luís Guedes, foi comandante da 4ª Divisão de Infantaria de Minas Gerais. 8 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. pag. 57. 9 REIS, Daniel Aarão. Ditadura e Democracia no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 2014. 14 Como exemplos da participação, Aarão nos aponta a Marcha da Família com Deus pela Liberdade e a Marcha da vitória ocorrida dia 2 de abril de 1964.10 (...) é inútil esconder a participação de amplos segmentos da população ano golpe que instaurou a ditadura, em 1964. É como tapar o sol com a peneira. As marchas da Família com Deus pela Liberdade mobilizaram dezenas de milhões de pessoas, de todas as classes sociais, contra o governo de Goulart. 11 Marcha da Família com Deus pela Liberdade Fonte: Jornal JB, imagem retirada do GOOGLE. Acessado em: 22/02/2016. No dia 9 de abril de 1964 era decretado pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que permitiu as primeiras cassações de mandatos parlamentares, várias das medidas tinham o objetivo de reduzir o campo de atuação do Congresso e reforçar o Poder Executivo. O AI-1 criou as bases para a instalação dos Inquéritos Policial- Militares (IPMs), que tinha a finalidade de zelar o Estado contra as práticas de crimes, contra a ordem política social, ou atos de guerra revolucionária, também estabeleceu a eleição para um novo Presidente da República, no dia 15 de abril de 1964 o general Humberto de Alencar Castelo Branco foi eleito com mandato até 31 de janeiro de 1966, por votos dos parlamentares, e seu vice era José Maria Alkmin, membro do PSB, com a formação do novo governo, o Supremo Comando da Revolução foi extinto e o atual governo tinha como objetivo instituir uma democracia restringida. __________________________ 10 REIS, Daniel Aarão. Ditadura e Democracia no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 2014. 11 Idem. 15 Com esses poderes notáveis, iniciam-se as perseguições aos contrarios ao regime, dentre eles artistas, estudantes, comunistas, envolvendo prisões e torturas. A campanha na imprensa de Marcio Moreira Alves através do jornal carioca Correio da Manhã, contra os excessos no inicio do regime fizeram com que Castelo Branco investigasse tais práticas abusivas, que foi feito pelo então futuro presidente Ernesto Geisel, que na época era chefe da Casa Militar. Com a investigação arquivada por faltas de provas, nenhum responsável foi punido. Falando ainda sobre a imprensa e seu papel, foi através do jornalista Carlos Castello Branco e seus textos fluxuosos, que muitos dos acontecimentos eram levados a população, que se fossem ditas diretamente, certamente seriam censuradas. Segundo Daniel Aarão Reis Filho12, as organizações comunistas eram uma “contra el ite, al te rnativa, que parte ao assalto do poder polí tico” , e tal disputa de memória ensejaria um “deslocamento de sentido, sobretudo por ocasião da Campanha da Anist ia, que : (...) apresentou as esquerdas revolucionárias como parte integrante da resistência democrática, uma espécie de braço armado dessa resistência. Apagou-se, assim, a perspectiva ofensiva, revolucionária, que havia moldado aquelas esquerdas. E o fato de que elas não eram de modo nenhum apaixonadas pela democracia, francamente desprezadas em seus textos.13 Aos que resistiram à ditadura estão os músicos, as artes, o cinema, movimentos estudantis e de contracultura. A União Nacional dos Estudantes (UNE), passou a organizar protestos, comícios, palestras de conscientização e luta, convocando os estudantes universitários (apoiados pelos estudantes secundaristas) a lutar contra a ditadura. Sob a pressão desses setores, além do triunfo da oposição em Estados como Minas Gerais e Guanabara nas eleições diretas de 1965, Castelo baixou o Ato Institucional nº2(AI-2), onde estabelecia que o presidente e vice seriam eleitos pela maioria absoluta do Congresso Nacional, tirante do fim dos partidos políticos, e deu ao presidente poder de decretar estado de sítio por 180 dias sem consulta prévia do Congresso. 12 FICO, Carlos. Além do Golpe – Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004. 13 Idem,pag.25 16 O AI-2 estipulava sua vigência até dia 15 de março de 1967, quando o mandado de Castelo Branco teria fim. No início de 1966, Castelo Branco não admitiu nenhuma proposta para prorrogar seu mandato, logo a corrida para a sucessão a presidência começava. Como o AI-2 havia extinguido os partidos políticos que foram criados no fim do Estado Novo, a legislação partidária forçou a organização de apenas dois partidos, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) que apoiava Costa e Silva para a sucessão a presidência, formado pelos partidários do governo, que haviam pertencido a UDN e PSD, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), formado pela oposição, que tinham figuras do PTB, que só foram oficializados em 24 de março de 1966. O Ato Institucional nº 3 (AI-3), promulgado em 5 de fevereiro de 1966, instituiu as eleições indiretas para governador, e dava autonomia aos órgãos de segurança governamentais para reprimir e investigar os movimentos contra a ditadura. Sendo que em dezembro do mesmo ano o Ato Institucional nº 4 (AI-4) é decretado a fim de sancionar uma nova constituição, vigorou até dezembro de 1968. Costa e Silva toma posse em 15 de março de 1967, seu vice era Pedro Aleixo, onde deixa claro que comprometimento com a democracia e a com a ordem constitucional, faria um governo de união nacional e estaria disposto a “ouvir” a oposição, desde que estivessem comprometidas com os altos objetivos nacionais. Com a ditadura a censura deteve o controle da ideologia da sociedade, diversos livros, músicas, peças de teatro, filmes, considerados subversivos, eram proibidos, e qualquer tipo de propaganda que faziam afirmações contra o governo eram simplesmente censurados e seus criadores eram automaticamente considerados inimigos do governo, eram perseguidos, ameaçados, e tais regras valiam a qualquer um que tentasse desempenhar uma ação de conscientização a respeito da realidade vivenciada no país. A UNE e os sindicatos começavam a se organizar e readquiriam a força nas ruas, fabricas, escolas, apesar de toda a repressão, os grupos de lutas armadas de esquerda são formados, como a Aliança de Libertação Nacional (ALN), O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Nacional, de militares de esquerda (Lamarca). 17 Em março de 1968, a polícia do Rio de Janeiro em uma manifestação de estudantes e mata Edson Luis, um secundarista de 18 anos, a notícia do ocorrido espalha-se por todo o país, e como protesto a população inicia uma série de manifestações contra a atuação do governo. Retornam as lutas operárias, e as denuncias contra o Regime Militar cresce. Essa mudança/luta contra as exigências do governo, e a constante perseguição, através da censura, repressão, a quebra da democracia constitucional, torturas, desaparecimentos, mortes e perdas de liberdades políticas, faz com que os grupos de lutas armadas e oposição à ditadura ganhem força. Em 1968 esses grupos iniciam suas ações, como a bomba no consulado americano em São Paulo, e os assaltos para reunir fundos, fatos esses que eram suficientes para reforçar a linha dura. Os deputados e também jornalistas Márcio Moreira Alves e Hermano Alves, fizeram um discurso, que foi ignorado pelo o grande público, mas que foi distribuído para as Forças Armadas que o consideraram ofensivo. No caso de Moreira Alves que já era um desafeto antigo da linha dura, o que mais irritou no discurso foi a passagem: 14 (...) Quando pararão as tropas de metralhar na rua o povo? Quando uma bota, arrebatando uma porta de laboratório, deixará de ser a proposta de reforma universitária do governo? Quando teremos, como pais, ao ver nossos filhos saírem para a escola, a certeza de que eles não voltarão carregados em uma padiola, esbordoados ou metralhados?[...] Quando não será o exército um valhacouto de torturadores?15 Os Estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP) e da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, entram em um conflito violento conhecido com Batalha da Maria Antônia16, em 2 de outubro de 1968. José Carlos Guimarães, estudante secundarista morre com um tiro na cabeça, a repercussão política foi quase nula, e ficou claro que tais acontecimentos na Rua Maria Antônia, mostravam um isolamento estudantil e o distanciamento das lutas democráticas. 14 VILLA, Marco Antonio. Ditadura à Brasileira – 1964-1985, A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: Editora Leya, 2014 p. 127. 15 Idem. 16 A batalha ganhou este nome devido a rua onde se localizava as duas universidades. 18 A esquerda estudantes carregam colega ferido. Na foto acima, o atirador Osni Ricardo do CCC – Comando de Caça aos Comunistas. A direita, José Dirceu discursa segurando a camisa do secundarista José Guimarães, morto no confronto da Rua Maria Antônia. Fonte: http://www.comunistas.spruz.com/blog.htm?b=&tagged=UNE. Acessado em: 25/02/2016. Fonte: http://m.memorialdademocracia.com.br/card/batalha-na-maria-antonia-acaba-em-morte. Acessado em: 25/02/2016. Após a batalha em São Paulo, José Dirceu dirige o XXX Congresso da UNE, onde diversos estudantes e as principais lideranças estudantis foram presos. Em 5 de novembro o Supremo Tribunal Federal (STF), envia a Câmara dos Deputados, a pedido do governo, abertura de processo criminal, por ofensas à dignidade das Forças Armadas, contra Márcio Moreira Alves, na qual foi adiada, através de uma nota emitida em 2 de dezembro, o ministro do exército afirma “A Câmara dos Deputados é soberana em suas decisões”. Como o processo dependia da licença do Congresso, e este negou-se a suspender as imunidades parlamentares do deputado. No dia 13 de dezembro de 1968, o então presidente Costa e Silva, baixa o Ato Institucional mais cruel e desumano, o pesadelo de toda a sociedade brasileira, o mais duro de toda a ditadura civil-militar brasileira, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que foi visto por muitos, como vingança contra o deputado Márcio Moreira Alves, pois o mesmo, em um de seus discursos, solicitou a população que não fosse comemorado o Dia da Independência do Brasil, no dia 7 de setembro, como uma forma de protesto, ele não desconfiava que tal pedido fizesse com que Costa e Silva, seguisse adiante com o novo Ato Institucional, neste caso o nº 5, o ato mais implacável de todos, e a partir daí, iniciaremos o período onde nada era permitido. 19 1.2. Os Artistas da Revolução: Os Anos Românticos. O termo romântico foi usado para transmitir a ideia do período tanto na política, quanto na cultura brasileira em 1960, e também era uma forma de caracterizar as lutas enfrentadas, sendo que o mesmo também é utilizado de forma insultuosa, para a inocência e falta de realismo político, mas não cabe julgar o romantismo revolucionário com descaso – por exemplo, José Genoíno referiu-se ao “romantismo de uma geração que não tinha medo de correr risco. O bom era correr risco.” Sérgio Paulo Rouanet apontapara a cultura de esquerda dos anos 1960 “uma semelhança inconfortável com o volk do romantismo alemão”.17 A partir desse conceito, segundo Ridenti, o romantismo revolucionário, nos ajuda a compreender as lutas políticas e culturais de 1960 a 1970, e encontramos isso na música popular, cinema, teatro, artes plásticas e literatura da época, eram os anos da Guerra Fria18, o Brasil passava por um processo de modernização e industrialização da sociedade, os artistas e intelectuais de esquerda brasileiros buscavam por algo que os representasse, e a ideia revolucionária romântica ansiava por uma transformação na ação da sociedade para assim mudar a História, baseados na construção de um homem novo, que tinha como inspiração a volta ao passado (romântico) , onde buscavam elementos como a cultura popular, para a modernização (revolucionário), que não implicassem na desumanização, seria o homem do povo, não contaminado pelo capitalismo, pois esse novo homem seria o único capaz de fazer a revolução, pois no inicio de 1960, eles sonhavam com a revolução, o próprio movimento de 64 iniciou-se com esse intuito, e não com a democracia ou cidadania, sentimento posteriormente ao Golpe de 1964. ___________________________ 17 RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro: Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000 pag.8. 18 Guerra Fria é a denominação atribuída ao período entre o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 marcado pelas relações de disputas e conflitos indiretos (políticos, militares, tecnológicos, econômicos, sociais e ideológicos) entre os Estados Unidos e a União Soviética, que disputavam zonas de influência e o controle do bloco de países capitalistas e socialistas, respectivamente, e t e r m i n a c o m a extinção da União da Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991. 20 Com o país sob pressão, cresciam o números de artistas que acreditavam que através de revoluções conseguiriam mudar o pensamento de muito governantes na época. Esses jovens artistas defendiam a ideia que com a arte transformariam o país, logo, a política brasileira. A base do pensamento desses jovens era deixar para trás a falsa sensação de liberdade, e lutar pela mesma, sendo assim, iniciaram o trabalho através da relação direta com o povo, pois eram quem queriam atingir, fizeram peças teatrais nas fábricas, comunidades carentes, sindicatos, etc. O surgimento de um novo conceito de se fazer teatro de forma consciente tomava forma, e esses pequenos grupos começaram a ter suas peças com patrocínios do governo, esses espetáculos seguiam rigorosamente a censura estabelecida. Em julho de 1964, o espetáculo Vereda da Salvação, que de forma ousada, denunciou as perseguições e torturas da época, é baseada em um fato real ocorrido em 1955 em uma fazenda da cidade de Malacacheta, norte de Minas Gerais, só que o público não se envolveu pelo enredo do espetáculo, retrata a tragédia vivida por um grupo de agricultores que, pela falta de perspectivas reais de uma vida digna, se agarra à promessa de dias melhores apresentadas por uma nova crença religiosa. Após o assassinato de quatro crianças -- que supostamente estavam endemoniadas -- por membros do grupo, a polícia interveio e o conflito que se seguiu terminou com a morte dos líderes religiosos do grupo de agricultores.19 A peça não foi bem sucedida, e a grande produtora da época, a TBC, faliu, fechando suas portas no mesmo ano. Espetáculo Vereda da Salvação, direção Antunes Filho. Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra59524/vereda-da-salvacao. Acessado em: 26/02/2016. 19 Sinopse do Espetáculo retirada da fonte: http://www.erico.com.br/teatro/vereda-da-salvacao/a-peca/a-peca 21 As formas de protesto ao governo recém-instaurado não estavam limitadas ao teatro, no campo musical, vemos como a luta política estava ligada à artística, onde contém o traço romântico que Marcelo Ridentti nos apresenta, traço esse que tinha como influência o comunismo pós-guerra. A música popular brasileira e a classe artística são as grandes protagonistas da luta de esquerda da época, as canções populares eram uma das principais artimanhas utilizadas para defender os ideais, e a partir dessa constatação, que torna-se possível entender os algozes enfrentados por diversos artistas, como Sérgio Ricardo, autor de Zelão20, e se deixou influenciar por Marx e socialismo graças ao cantor e compositor João Gilberto, que sempre cantou a brasilidade, e não aderiu ao modismo exterior, e fez isso ao cantar a musica do povo para o povo, com toque moderno, era a música autêntica brasileira. Logo após o golpe civil-militar, os artistas ficaram arredios, principalmente nos primeiros meses, o então presidente Castelo Branco, era aficionado pelos palcos, e frequentava constantemente o teatro, os diretores, atores e autores viam com bons olhos, pois na época era difícil ver um governante que lutasse pela classe artística, um de seus primeiros atos a favor do teatro foi nomear Bárbara Heliodora como diretora do Serviço Nacional do Teatro, que com a renomada diretora ganhou apoio de grandes escritores, como Carlos Drummond de Andrade. 21 Arriscando mais na área cultural, os estudantes através do CPC, levavam arte a população, de maneira arriscada, pois passavam por cima do governo, que era contra ao pensamento idealista e revolucionário. O teatro foi usado para comunicação e era influente entre a população, os artistas usavam dessa arma para mostrar a realidade do golpe, e como eram tratados os que pensavam contrário ao governo. Em uma época onde nenhuma companhia teatral ousava ir contra a censura imposta, o grupo Oficina, inicia uma luta contra o regime militar, montando espetáculos que de forma indireta mostrava seu inconformismo com a política nacional. 20 Zelão foi uma das primeiras canções de protesto difundida. 21 MARTINS, Mariano Mattos. Oficina 50+, Labirinto da Criação. 2013. 22 Com o campo teatral em uma crescente, o governo freia, e várias peças são canceladas, artistas perseguidos e suspensos. Com essa nova realidade, os principais teatros entram em greve, o governo temendo manchar sua imagem perante o povo, criam a comissão, que dizia que o teatro era livre e a censura não incomodaria mais. Para os artista nada mudou, pois a censura aumentou e as proibições persistiram. Outro grupo que sofreu com a perseguição política foi o teatro de Arena, que apesar de toda pressão não sessaram seus trabalhos. Em meio a tanta turbulência, o teatro se reinventa mais uma vez, e de forma simulada continua a mostrar a realidade aos seus espectadores, trocando as palavras por gestos, mais não mudavam o significado que queriam mostrar. Com um governo onde nada era permitido, o teatro tentava manter-se revolucionário e idealista, às vezes cedendo às ameaças políticas. A Primeira Feira Paulista de Opinião reuniu artistas que se mostravam insatisfeitos com a censura, ao expor essa insatisfação o governo aumenta sua violência para com os atores, que mobilizaram toda a classe artística, para a elaboração de um novo projeto contra a censura22 Com tanta violência, os grupos teatrais foram extintos, os artistas se refugiavam em pequenas companhias, que trabalhavam com recursos limitados. Uma triste realidade, pois o teatro brasileiro, a liberdade de expressão foi sufocada por um governo autoritário.Primeira Feira Paulista de Opinião, em 1968. Fonte: http://redeglobo.globo.com/globoteatro/noticia/2014/05/evento-de-resistencia-ditadura-ganha-reedicao- no-rio-nesta-quarta.html. Acessado em : 28/02/2016. 22 GARCIA, Clóvis. Os caminhos do teatro paulista. São Paulo: Editora Prêmio, 2006. 23 Capítulo 2: AI-5 e a Nova Realidade Artística A Música Popular Brasileira (MPB) dos anos de 1960 foi um instrumento celebre, onde podemos entender o que estava acontecendo na época da ditadura civil- militar brasileira, e através dessa raiz musical, que buscava uma identidade nacional, que veremos a ligação com o viés político, pois suas letras não continham somente músicas de amor, e sim uma musica com caráter revolucionário e letras que driblavam a censura e mostrava a realidade, papel esse que era essencial para a oposição de esquerda, pois era um mensageiro de projetos e dilemas levantados pelos opositores, críticos ao regime instaurado. A Bossa Nova surge no final dos anos 50 com João Gilberto, músico baiano, que traz a nacionalidade brasileira para seus acordes, com sua canção “Chega de Saudade”, muitos autores afirmam que o jazz23, influenciou a Bossa Nova, mas segundo o cantor, autor Sérgio Ricardo em entrevista concedida a Marcelo Ridenti, a história é outra24: (...) João Gilberto nunca abriu mão de cantar em português, de – em qualquer lugar que fosse – cantar o samba dele. Nunca aderiu a nenhum modismo externo. Essa coisa do jazz ter influenciado a Bossa Nova, isso não é muito verdade. O que ele fez com sua música foi de certa maneira, uma coisa política. Porque ele cantou música brasileira e tentou colocar todo o modernismo que ele conhecia dentro de sua canção, da sua pátria(...)25 Esse novo estilo musical tem uma maior aquiescência na classe média brasileira, ou seja, nos universitários. E com esse novo ritmo/estilo musical, os jovens perceberam que poderiam propagar seus conceitos com a música, e os resultados eram adquiridos apenas da posse de um violão, voz suave e letra que fosse legitimamente nacional, brasileira. 23 Jazz estilo musical que surgiu em Nova Orleans entre 1890 e 1910, com tem raízes negras. 24 RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro: Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000 pag.21. 25 Idem. 24 Marcos Napolitano frisa que a música brasileira não surge com a Bossa Nova, anterior ao ritmo, temos o Bolero, Samba tradicional e o Samba canção, todos esses gêneros musicais, continham elementos modernos, considerados exclusivos pela Bossa Nova, que também foi o precursor da revolução musical dos anos 6026. Surgindo junto com a Bossa Nova, o Cinema Novo com Glauber Rocha, Cacá Diegues, Arnaldo Jabour, Nelson Pereira dos Santos27, entre outros, tinha como objetivo nacionalizar o cinema brasileiro defendiam os movimentos de esquerda e buscavam a conscientização da população, com filmes de baixo orçamento e focado nas dificuldades do homem simples, mostravam a realidade “nua e crua”, o Cinema Novo desviava-se por completo do cinema popular como as chanchadas e melodramas, fato que destoava da Bossa Nova, que não tinha a preocupação de romper com o passado musical brasileiro. O engajamento da Bossa Nova dá-se através de Carlos Lyra e Sergio Ricardo, que viam a música como veículos de ideologia e não como produto comercial, a canção Quem quiser encontrar o amor 28, de 1961, foi tida como um marco na composição politizada, com letra cheia de mensagens de duplo sentido. No mesmo ano a União dos Estudantes (UNE) cria o Centro de Cultura Popular (CPC), que reunia artistas de todos os setores, muitos curtas e longas metragens são financiados pelo CPC da UNE, e muitas músicas de protesto são incluídas, ou até mesmo criadas para compor a obra final. Cartaz do Filme Cinco Vezes Favela, longa-metragem financiado pela UNE. Fonte: http://www.pagina13.org.br/juventude/centro-popular-de-cultura-da-une-critica-a-uma-critica-2a- parte/#.VyFMC_krLDd. Acessado em: 02/03/2016. 26 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção – Engajamento político e indústria cultural na MPB(1959-1969). Editora Annablume. São Paulo, 2010. 27 Nelson Pereira dos Santos era militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) da qual Jorge Amado também fez parte, diretor do filme Rio 40 Graus de Nelson Pereira dos Santos, lançado em 1956, leva aos cinemas o drama dos moradores das favelas cariocas, o que até prezado momento não havia sido apresentado ao grande público, o filme que era para ser lançado em 1955, foi proibido por conter imagens degradantes do Rio de Janeiro. 28 Composição Carlos Lyra, intérprete Geraldo Vandré. 25 O CPC tinha como objetivo desenvolver uma consciência popular, quando surge o Manifesto do CPC/UNE em 1962, a finalidade era condicionar os jovens artista engajados, ou seja, fazer a ligação desses jovens artistas e intelectuais com as classes mais populares, utilizando o cotidiano dos mesmos como inspiração, para assim facilitar a comunicação com as grandes massas. Todo esse populismo proposto, não foi aceito por todos esses jovens engajados, exemplo de Carlos Lyra. (...) Eu, Carlos Lyra sou de classe média e não pretendo fazer arte do povo, pretendo fazer aquilo que eu faço [...] faço Bossa Nova, faço teatro [...] a minha música, por mais que eu pretenda que ela seja politizada, nunca será uma música do povo (...)29 Todavia, apos o Golpe civil-militar de 1964, os artistas e intelectuais expandiram seus “leques” de possibilidades, abriram debates onde buscavam uma nova formação político- ideológica. Entre os anos de 1964-1968 houve um aumento das canções protesto, artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Gilberto Gil entre outros, estavam engajados com a situação do Brasil, logo, a Bossa Nova era vista de outra forma, a Música Popular Brasileira se renovava, o Samba foi reconhecido como o prógono da Bossa Nova, que já era vista como nacionalista.30 O teatro brasileiro, com suas peças musicais também tiveram um papel importante no combate a ditadura instaurada, os grupos teatrais mais importantes foram o Teatro de Arena e o Grupo Opinião.31 O espetáculo Opinião com Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale, utilizava elementos como música, drama, poesia e crítica social, para conduzir uma perspectiva popular para os dilemas nacionais, a junção desses elementos despertava o interesse do público, e os fazia pensar os fatos ocorridos no país naquele momento, e posteriormente questiona-los. 29 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção – Engajamento político e indústria cultural na MPB(1959-1969). Editora Annablume. São Paulo, 2010. Pag.30 30 Idem. 31 Grupo Opinião surgiu após o fechamento da UNE, e consequentemente o fechamento da CPC, em 1964. 26 Show Opinião, estrelado por Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale, considerado o espetáculo mais importante no processo de construção das músicas de protesto . Fonte: http://cancoesparameusamigossurdos.tumblr.com/post/64420966975/nara-le%C3%A3o-z%C3%A9-keti- e-jo%C3%A3o-do-vale-show-opini%C3%A3o. Acessado em: 05/03/2016. O ano de 1967 foi um dos mais promissores para as músicas engajadas, surgia a Tropicália, os Festivais Musicais divulgavam as músicas de forma nacional32, o desejo revolucionáriose instalava nos jovens através desses canais. Porém em 1968, com a instauração do AI-5, houve um retardo na crescente cultura brasileira. Pela quinta vez o Congresso Brasileiro era fechado, Costa e Silva, com a promulgação do Ato Institucional 5, fez com que as demissões em massa, cassação de mandatos, suspenção dos direitos políticos fossem reestabelecidas, além de proibir a liberdade de expressão, as reuniões.33 O AI-5 divergia dos outros Atos Institucionais, não tinha prazo estipulado para sua vigência, os opositores ao governo foram presos, ele foi admitido e aceito em silêncio, não houve seque manifestação ou contestação. Houve também a suspensão do habeas corpus, nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional. 34 (...) Art 10 – Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular (...)35 32 Será feita uma analise no terceiro capítulo deste estudo. 33 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 34 Idem. pag.340 35 FICO, Carlos. Além do Golpe – Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004. Pag. 385 27 Todo o processo que levou Costa e Silva a promulgação do Ato, estava milimetricamente planejado, o Golpe já instaurado, se fortificava, todas as emissoras de TV, jornais, rádios, foram ocupadas por censores. Carlos Lacerda, Juscelino Kubistchek, foram presos, além do advogado Sobral Pinto que resistiu a prisão, foi preciso cerca de seis homens para prendê-lo, apesar de ter 75 anos e aparentar fragilidade, foi levado a uma cela do quartel. As prisões não se restringiram aos políticos e advogados, artistas como Chico Buarque exilado na Itália entre 1969-1970, Geraldo Vandré exilado entre 1969-1973, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram capturados em São Paulo, onde foram humilhados, tiveram a cabeça raspada, após passarem por diversas unidades militares no Rio de Janeiro, foram confinados em Salvador e exilados em Londres de 1969-1972, a atriz Marília Pera, que interpretava o personagem Juliana/Juju, ademais de ser presa em um mictório de quartel, foi uma das espancadas durante o ataque ao espetáculo pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC).36 Vale ressaltar o relato do Coronel João Batista Figueiredo: “A impressão que tenho é que cada um procura tirar o maior proveito possível do momento porque começam a perceber a quase impossibilidade de uma saída honrosa para os destinos do país (...). Os erros da Revolução foram se acumulando e agora só restou ao governo partir para a ignorância”.37 O AI-5 dava totais poderes ao presidente, o governo brasileiro inicia a perseguição aos opositores, que só agiam na clandestinidade, devido às ações tirânicas impostas pelo AI-5, o governo cria vários órgãos de repressão, com a finalidade de passar para a população à ameaça comunista, tentando através dos discursos, validar o sistema e controlar o povo, e todo e qualquer discurso que ameaçasse a ordem, ou que punha em pauta a legitimidade as ações do governo, concedia a seus progenitores somente um destino, a censura, que era quase sempre seguida pela prisão e tortura dos mesmos. 36 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 37 Idem. pag. 343. 28 Costa e Silva o ano de 1969 elaborava a criação de uma nova Constituição, que pretendia por em vigor em setembro do mesmo ano, porém foi vítima de um derrame que o deixou paralisado, os ministros militares decidiram que o então vice-presidente Pedro Aleixo, não assumiria o cargo, mais uma vez violando a Constituição, e o poder passou a ser exercido por uma Junta Militar, que inseriu a Constituição a prisão perpétua e a pena de morte.38 Muitos músicos brasileiros foram exilados, tidos como ameaça a ordem nacional, devido as suas canções, em 1969 Gilberto Gil lança “Aquele Abraço”, que nada mais era que uma despedida, escrita rapidamente no avião, e o título era uma “homenagem” aos soldados que o cumprimentavam na prisão39. Segundo Gilberto Gil: “A ideia em Aquele Abraço era citar um local qualquer da zona norte do Rio (onde ficamos), um daqueles beira- estrada-de-ferro (Beira Central, Beira Leopoldina), e Realengo é um deles. Uma associação inexata, feita por aproximação: eu nem queria me referir ao lugar certo aonde estive preso” 40 Ainda em 1969, surgem vários órgãos de tortura no país, como Centro de Informações da Marinha (Cenimar), a Operação Bandeirantes (Oban), que daria lugar para os DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações e do Centro de Operações de Defesa Interna), isso no governo de Médici41, eram os principais centros de tortura, existia uma grande ação repressora, todavia, o crescimento econômico brasileiro era próspero entre os anos de 1968-1969 o país apresentou um PIB de 11,2% e 10%, que corresponde a 8,1% e 6,8% no cálculo per capita. Iniciava-se o chamado milagre econômico,42 que durou até 1973. _____________________________ 38 A pena de morte nunca foi utilizada formalmente, porém as execuções, as mortes durante a tortura, pessoas que foram dadas como desaparecidas, podemos afirmar que foi utilizada pelo governo. 39 Fonte http://www.gilbertogil.com.br/sec_disco_info. php?id=389&letra. Acessado em: 06/03/2016. 40 Fonte http://www.gilbertogil.com.br/sec_disco_info. php?id=389&letra. Acessado em: 06/03/2016. 4º paragrafo. 41 General Emilio Garrastazu Médici, eleito em 25 de outubro de 1969, era chefe do Estado-Maior no governo Costa e Silva. 42 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, I m pr en s a O f i c i a l d o E s t a d o 2001, p. 251. 29 A censura às artes brasileiras sempre existiu, muito antes do período do Golpe Civil-Militar Brasileiro em 1964, músicas, filmes, espetáculos teatrais, que para os censores, atacavam a moral, ou uma afronta aos bons costumes dos brasileiros, eram censuradas. O espetáculo teatral O Rei da Vela, de 1933, fazia críticas à ditadura de Getúlio Vargas, foi censurada e só pode ser encenada em 1968, e mesmo assim foi considerada imprópria pelo o público, por conter cenas pornográficas, apesar de escrita trinta e cinco anos antes, a linguagem era atual, refletia os ocorridos do período de 1964, e fazia críticas indiretas. 43 A peça Perdoa-me por me traíres, de Nelson Rodrigues, em sua primeira montagem no ano de 1957, após muitas discussões, por conter uma cena de aborto44, na estreia o público ficou chocado e indignado com tamanha audácia do teatrólogo, foi censurada no dia seguinte por conteúdo que atinge a moral, os bons costumes e por fazer apologia ao crime. 45 Espetáculo Perdoa-me por me traíres, 1957. Fonte: http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/nelson-rodrigues/nelson-rodrigues-fotografado- por-carlos-moskovics/. Acessado em: 06/03/2016. As canções, de acordo com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado após a regulamentação da imprensa e propaganda através do Decreto-lei nº 1940, 30 de dezembro de 1939, onde todas as atividades artísticas, não poderiam ter improvisos, os sambas-canções que mostravam a vida do malandro, ou a realidade dos morros cariocas, eram censurados, vistos como sambas negativos. 46 ________________________ 43 Fonte http://www.passeiweb.com/estudos/livros/o_rei_da_vela. Acessado em: 06/03/2016.44 Antes da estreia, o espetáculos foi visto por três censores, para depois poder ser liberada. 45 CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico - A vida de Nelson Rodrigues. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. 46 PARANHOS, Adalberto. Os desafinados do samba na cadência do Estado Novo. Nossa História. Rio de Janeiro, vol. 4, 2004. 30 O DIP era o órgão censor criado por Getúlio Vargas, com finalidade de proibir toda e qualquer manifestação artística que mostrasse críticas ao governo, um exemplo eram os sambas-enredos, a oficialização dos desfiles das escolas de samba, só ocorreu em 1935 após acordo fechado, onde que nenhuma das agremiações poderiam fazer criticas a população, país, etc. Com a deposição de Vargas até o início da ditadura civil-militar, ocorreu uma queda nos casos de censura artística, nota-se que quando o país é governado através da repressão ocorre o aumento das obras artísticas censuradas. A Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) 47 foi o responsável pela analise e proibição das atividades durante o regime instaurado, a princípio criado para defender a moral e bons costumes do país, sem cunho político, mas ao entendermos que toda censura é um ato político, e toda e qualquer canção ou atividade artística, que abordasse o tema denegrindo a imagem do governo, era coibida. Carlos Fico mostra que a censura política dentro do DCPD, causava desconforto nos próprios censores ao contrário da censura moral, tida por eles com orgulho. A DCPD transformou-se na voz autoriza do regime, com o compromisso de fazer valer os fundamentos da “Revolução,” logo, passou a dar palpites nas canções apresentadas, não existiam critérios, se fosse agressiva, era censurada. O DPCD tinha o objetivo de levar a sociedade que viviam em uma guerra constante contra o comunismo, e passavam a mensagem onde os opositores ao regime, usavam da corrupção para desmoralizar a juventude brasileira, e tornar um país sem moral ou respeito. 48 Em 1970, no inicio do governo Médici a propaganda “Segurança e Desenvolvimento,” o que era um tanto irônico, pois todo seu mandato ficou conhecido como “os anos de chumbo”, devida a grande violência, era difundida contíguo com a Copa do Mundo de Futebol, esse era o trunfo do presidente, que fazia uma boa campanha como torcedor, na inauguração do estádio do Morumbi, estava acompanhado pelo teatrólogo, jornalista, ator Nelson Rodrigues, que apesar de ter diversas peças censuradas, apoiava a ditadura brasileira, em sua crônica para O Globo escreveu:49 ____________________________ 47 DCDP estabelece-se em Brasília no ano de 1966 e durou até 1988, quando a censura passou a fazer parte do Ministério da Educação. 48 FICO, Carlos. Além do Golpe – Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004. 49 VILLA, Marco Antonio. Ditadura à Brasileira – 1964-1985, A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: Editora Leya, 2014 p. 127. 31 “É preciso não esquecer o que houve nas ruas de São Paulo e dentro do Morumbi. No Estádio Mário Filho, ex-Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio, e, como dizia o outro, vaia-se até mulher nua. Vi o Morumbi lotado, aplaudindo o presidente Garrastazu. Antes do jogo e depois do jogo, o aplauso das ruas. Eu queria ouvir um assobio, sentir um foco de vaia. Só palmas ” 50 A vitória na Copa do Mundo ajudou a legitimar o governo junto com a canção que virou hino da seleção, Pra Frente Brasil, de Miguel Gustavo, com trechos como, De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo Brasil deu a mão, todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração,51 a maioria dos brasileiros naquele momento só queria saber da Copa do Mundo e Médici aproveitando o momento, fez uma comparação entre o regime e o futebol da seleção brasileira: “Na vitória esportiva, a prevalência de princípios que nos devem armar para a própria luta em favor do desenvolvimento nacional. É desse ciclo a nossa conquista, a vitória da unidade e da conquista de esforços. A vitória da inteligência e da bravura, da confiança e da humildade, da constância e serenidade dos capacitados, da técnica, do preparo físico e da categoria ” 52 Charge de Henfil, para O Pasquim, vetada pela censura, mostra como o povo brasileiro estava no período da Copa do Mundo de Futebol. Ao lado a propaganda oficial do governo. 53 50 VILLA, Marco Antonio. Ditadura à Brasileira – 1964-1985, A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: Editora Leya, 2014 p. 170. 51 Idem. 52 Idem. pag 176. 53 GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 32 Esse tipo de canção foi vista pelos opositores como, porta voz do regime, pois faziam propaganda e estavam ligadas aos objetivos do governo. Nessa mesma época os artistas que haviam sido exilados, continuavam a produzir Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Toquinho lançavam, Samba de Orly. Samba de Orly Vai meu irmão Pega esse avião Você tem razão De correr assim Desse frio Mas beija O meu Rio de Janeiro Antes que um aventureiro Lance mão Pede perdão Pela duração (Pela omissão)* Dessa temporada (Um tanto forçada)* Mas não diga nada Que me viu chorando E pros da pesada Diz que eu vou levando Vê como é que anda Aquela vida à toa E se puder me manda Uma notícia boa 54 Essa canção foi escrita por Chico Buarque no dia em que Toquinho estava voltando ao Brasil, percebemos em sua letra a tristeza/saudade de seu compositor que foi “convidado” a se retirar do país. A música mais uma vez era a mensageira desses artistas, pois através de suas melodias diziam aos seus o que realmente estava acontecendo. À esquerda brasileira cobrava de seus artistas canções que se mostravam contra o regime ditatorial, músicos como Dom e Ravel, foram massacrados e acusados pelos opositores por fazerem canções que apoiava o governo, artistas como Elis Regina, Ivan Lins, eram continuamente pressionados por suas canções. _____________________________ 54 Fonte http://www.chicobuarque.com.br/letras/sambadeo_70.htm. Acessado em: 08/03/2016. * Trecho censurado. 33 Outro músico que teve a carreira arruinada foi Wilson Simonal, chamado de espião do governo, devido a boatos que após demitir um funcionário sob acusação de roubo, Simonal o teria delatado, fazendo-o ser preso e torturado, fatos esses, desmentidos 20 anos depois pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que em 1991 emitiu um documento oficial que negava toda e qualquer participação do cantor com a política brasileira.55 No teatro a história era parecida, os grupos já citados anteriormente Arena e Oficina estavam a todo vapor, o objetivo era o mesmo, atacar com arte o governo, no ano de 1971, o Teatro Arena, mais precisamente o Núcleo 2, formado por jovens atores, que descobriram esse projeto de Augusto Boal, que estava engavetado devido a censura prévia, iniciaram o Teatro-Jornal.56 O Teatro-Jornal nada mais era que o teatro político, o principal era transformar as notícias de jornal em cenas, tudo isso com a participação da plateia, seria uma revista semanal, que se apresentaria toda segunda-feira, contudo, como driblariam a censura prévia, naquela época, todo e qualquer texto ia para Brasília, quando o texto era chancelado, tinham quarenta dias para lerem e aprovarem a montagem, depois disso, com espetáculo pronto, um grupo de censores assistia ao ensaio geral, para assim aprovarem ou não a peça. Todavia isso seriaimpossível com o Teatro-Jornal, pois se a notícia era semanal, não teria como ir para aprovação da censura, logo, era encenado clandestinamente, quando Boal decidiu interceder de maneira estratégica57, o espetáculo tornou-se um sucesso, além de reestruturar o movimento de esquerda, organizou essas pessoas para voltarem a discutir de forma mais afetiva, com a arte, com o teatro. O espetáculo não durou muito, apos retornar de uma temporada nos Estados Unidos, Peru e Uruguai com as peças Arena conta Zumbi e Arena conta Bolívar, Augusto Boal foi preso e mandado para o exílio, causando assim o fim do teatro Arena.58 _____________________________ 55 PINHEIRO, Manu. Cale-se - A MPB e a Ditadura Militar. Livros Ilimitados. 2010. 56 O Teatro-Jornal foi criado nos Estados Unidos no ano de 1930 por esquerdistas, e trazido ao Brasil pelo teatrólogo Augusto Boal, conhecido pela criação do teatro do oprimido, é o teatro que quebra a quarta parede, possibilitando o dialogo com o publico. 57 Augusto Boal decidiu montar o espetáculo, levando para a censura notícias que já aviam passado pela mesma, e quando foram apresentar para os censores, pediu para os atores o fazerem de forma amadora, fazendo com que o espetáculo fosse apresentado formalmente. 58GARCIA, Silvania. Odisseia do Teatro Brasileiro. Senac. São Paulo, 2002. 34 Em janeiro de 1972 Caetano Veloso e Gilberto Gil retornam do exílio, e se deparam com a nova realidade política brasileira, onde a metáfora e ironia eram utilizadas como armas contra o governo. Nesse mesmo ano são lançadas músicas importantes para MPB, como, Nada será como antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos), Expresso 2222 (Gilberto Gil), Vapor Barato (Jards Macalé e Wally Salomão), Eu quero botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio), 59 a perseguição a esses cantores acabou causando um efeito oposto, a venda de discos e o público nos shows cresceram, eram considerados atos de resistência, o que foi muito rentável para esses artistas. A censura durante o governo de Médici chegou a esconder um gravíssimo surto de meningite em São Paulo, além de todos os casos de torturas e mortes, a respeito desses casos, o então governador de São Paulo, Abreu Sodré60 transfere a responsabilidade de seus atos e discorre, (...) presidente Médici, apesar de humano e honrado, como toda sua família, passou para a História como tendo chefiado o mais duro governo do período militar. Deixou que se desenvolvesse reação exagerada ao clima de subversão e guerrilha que varria o país. Os radicais do governo induziram a pratica da abominável violência. 61 Quando o general Ernesto Geisel assume o governo em 15 de março de 1974, associa ao inicio da abertura política, que definiu com lenta, gradual e segura. Governo travou uma luta contra a linha dura, as mortes, torturas, continuavam, no governo de Geisel o desaparecimento dos ditos inimigos do governo, tornou-se rotina, apesar das guerrilhas terem sido eliminadas, os militares continuavam a torturar e assassinar, porém a censura estava mais branda. Após o diretor de jornalismo Vladimir Herzog, da TV Cultura ser intimado a comparecer ao DOI-CODI e não sair vivo62 e o metalúrgico Manuel Fiel Filho também morto nas mesmas circunstâncias, fez com que Geisel tomasse providencias, e a tortura no DOI-CODI foi extinta. _____________________________ _______________________ 59 RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro: Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. 60 Abreu Sodré, durante seu mandato o DOPS de São Paulo, torturou e assassinou militantes de esquerda. 61 VILLA, Marco Antonio. Ditadura à Brasileira – 1964-1985, A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: Editora Leya, 2014 p. 192. 62 A morte de Herzog foi forjada pelos militares de forma grosseira, apresentaram sua morte como suicídio por enforcamento. 35 Quando o Congresso foi reaberto em 14 de abril de 1977, os estudantes puderam retornar ao cenário político brasileiro, depois de nove anos afastados. O movimento estudantil logo iniciou suas manifestações, que se espalhou por todo país. Em 5 de junho o governo impediu o III Encontro Nacional de Estudantes, que se rebelaram causando diversas prisões. Como seu antecessor, Geisel utilizou o AI-5 durante seu governo, em 23 de junho o discurso de Alencar Furtado63 incomodou o regime, atacou o AI-5, defendeu a bandeira Constituinte, comparou o Brasil a Cuba, sem citar a declaração a respeito das torturas e desaparecimentos, Hoje, menos que ontem, ainda se denunciam prisões arbitrárias, punições injustas e desaparecimento de cidadãos. O programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos; filhos órfãos de pais vivos – quem sabe mortos, talvez. Órfãos do talvez e do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez.64 Alencar foi o último parlamentar atingido pelo AI-5, seu discurso foi considerado pelos militares como uma afronta, e seu mandato foi cassado, no total, desde 1964, 181 parlamentares do Congresso Nacional tiveram seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos.65 Com o fim da censura prévia a imprensa escrita66 em 1978, o presidente Geisel intensificava as negociações para aprovar um conjunto de reformas que tivesse o fim do AI-5, mas antes seria necessário substituir a legislação. O governo trabalhava em duas frentes, a extinção do AI-5 e garantir Figueiredo como sucessor de Geisel. Figueiredo foi eleito em 17 de outubro de 1978, e o último grande passo de Geisel antes de deixar o governo foi à promulgação da Emenda Constitucional nº11, ele incorporou a Constituição as salvaguardas do Estado, restabeleceu a imunidade parlamentar. _______________________ _____________________________ 63 Alencar Furtado foi líder do MDB na Câmara dos Deputados, chegou a liderança após vencer o candidato dos moderados Laerte Viera. 64 VILLA, Marco Antonio. Ditadura à Brasileira – 1964-1985, A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: Editora Leya, 2014 p. 248. 65 Idem. 66 A censura ao rádio e a televisão foi mantida, porém sem fins políticos, o objetivo era preservar os valores da família brasileira.. 36 No artigo 3º da Emenda Constitucional nº 11, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1979, diz: São revogados os Atos institucionais e complementares, no que contrariarem a Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial.67 Com o fim do AI-5, o habeas corpus é restaurado, fazendo com que o país inicie o caminho em busca da democracia. O cenário musical brasileiro durante a vigência do AI-5 consagrou a MPB como sinônimo da canção engajada, durante entrevista ao Pasquim, Caetano Veloso declara:68 (...) O som dos anos 70 talvez não seja um som musical. De qualquer forma o único medo é que esta talvez venha ser a década do silêncio.69 Na década de 70 vemos a maturidade criativa, a música de protesto nos apresenta de forma poética toda a resistência ao regime. Napolitano, nos apresenta dois momentos importantes para a MPB, as canções dos anos de chumbo, que dura de 1964 a 1974, músicas como Disparada, Alegria Alegria, Roda-Viva, Pra não dizer que não falei das flores, Divino Maravilhoso, entre outras, notamos uma expressãode contra violência, a preocupação política dos autores e intérpretes. As canções de abertura, que dura de 1975 a 1982, Fé cega, faca amolada, Como nossos pais, A palo seco, Cálice, essas canções anunciam uma nova perspectiva, a reconquista da liberdade perdida, e a reflexão dos anos de chumbo70 percebemos na canção A Palo Seco de Belchior, a preocupação em cantar diretamente o que acontecia no do regime ditatorial, e que por mais que na época fosse “moda” as canções de protesto, o cantor reafirma o desespero vivido, e a importância no nacionalismo, no final da canção, como um fio de esperança, ele nos deixa claro o seu grito de protesto, e tem esperança que marque de alguma forma a sociedade, para que assim possa se movimentar a respeito do que acontecia no país. 67 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc11-78.htm. Acessado dia 10/03/2016. 68 NAPOLITANO, Marcos. MPB: a trilha sonora da abertura política (1975/1982). Estudo aprovado em 25.05.2010. 69 Idem. 70 Idem 37 A Palo Seco Se você vier me perguntar por onde andei No tempo em que você sonhava De olhos abertos, lhe direi: Amigo, eu me desesperava Sei que assim falando pensas Que esse desespero é moda em 76 Mas ando mesmo descontente Desesperadamente eu grito em português Mas ando mesmo descontente Desesperadamente eu grito em português Tenho vinte e cinco anos De sonho e de sangue E de América do Sul Por força deste destino Um tango argentino Me vai bem melhor que um blues Sei que assim falando pensas Que esse desespero é moda em 76 E eu quero é que esse canto torto Feito faca, corte a carne de vocês E eu quero é que esse canto torto Feito faca, corte a carne de vocês71 Seguidamente com o fim do AI-5, as canções de abertura demarcavam um novo tempo histórico, o trauma e a esperança caminhavam juntos, a música e a política são vertentes diferentes na sociedade, porém, a música brasileira durante os anos de 1968 a 1978, teve um papel intrínseco para a politização de forma poética de grande parte da sociedade brasileira.72 _____________________________ 71 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc11-78.htm. Acessado dia 10/03/2016. 72 NAPOLITANO, Marcos. MPB: a trilha sonora da abertura política (1975/1982). Estudo aprovado em 25.05.2010. 38 Capítulo 3: A Era dos Festivais Em 1965 o produtor de TV Solano Ribeiro, com a finalidade de transformar São Paulo o berço da música brasileira, realizou o I Festival Nacional da Música Popular Brasileira, na extinta TV Excelsior73. A inspiração do produtor foi o Festival de Canção de São Remo, que foi um festival italiano, ao ar livre e tinha apresentação de músicos de todo o mundo. No primeiro festival com transmissão ao vivo, Elis Regina saiu vencedora com a música Arrastão, parceria de Vinicius de Moraes e Edu Lobo, a letra conta a história de vida dos pescadores e sua devoção religiosa. Era o inicio da mídia televisiva no Brasil, e os programas musicais tinham espaço nas emissoras, programas como A Noite da Bossa Paulista, O Fino da Bossa, Esta Noite se Improvisa e Jovem Guarda, levavam ao público músicas com intuito nacionalista, a juventude universitária, que após o Golpe civil-militar de 1964, alçou-se contra o regime utilizou o poder propagador dos festivais, e suas letras cheias de mensagens ideológicas que eram diretamente protestos, para combater o governo. O período que abrange os anos de 1965 a 1972, ficou conhecido como “A Era dos Festivais”. 74 No ano de 1966 ocorreram mais dois festivais, um da TV Excelsior, desta vez sem o produtor que consagrou o festival na emissora, a canção Porta Estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, com interpretação de Aírton Moreira e a Tuca muito conhecida pelos universitários, foi à vencedora, a letra traz elementos que nos remete a força do povo, da união em prol da liberdade para todos, utilizando das mesmas fórmulas do primeiro festival e divulgação da revista Manchete. Na TV Record, com Solano75 na direção, lançou o II Festival de MPB, que superou todas as expectativas e consagrou diversos cantores e compositores populares, num momento onde a Jovem Guarda avançava e o desgaste da MPB assombrava, todavia o festival reacendeu tanto comercialmente quanto criativamente essa nova geração de cantores e compositores da MPB. 73 A TV Excelsior foi inaugurada em 1961 pelo Grupo Simonsen, era ousada em suas produções, faliu em 1969. 74 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção – Engajamento político e indústria cultural na MPB(1959-1969). Editora Annablume. São Paulo, 2010. 75 Solano não concordou com as exigências da patrocinadora, e vendo que a TV Excelsior não tinha estrutura técnico/financeira, foi para TV Record, onde teve muita liberdade para realização do II Festival de MPB. 39 Ainda no ano de 1966, houve o I Festival Internacional da Canção, com direção de Augusto Mazargão, coordenado pela secretária de turismo e organizado pelo governo do Rio de Janeiro, o festival foi pensado para promover não só a música, mas também alavancar o turismo no estado do Rio de Janeiro, as canções selecionadas não continham características políticas, poéticas e nem de identidade regional, tanto que a canção vencedora na categoria nacional foi Saveiros, composta por Nelson Motta e Dori Caymmi, interpretada por Nana Caymmi76 , a interprete foi vaiada, e comparado ao festival organizado pela TV Record no mesmo ano, não teve o impacto esperado pelo governo. Nana Caymmi durante apresentação no I Festival Internacional da Canção, 1966. Fonte: http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/a-era-dos-festivais-da-cancao-9146234. Acessado em: 12/03/2016. Em outubro de 1966 a TV Record levava aos telespectadores brasileiros o II Festival de MPB, era direcionado para o público nacionalista e engajado politicamente, porém não faziam restrições aos participantes, tanto que a Jovem Guarda77 participava, o festival tinha um sistema de produção, distribuição e consumo das obras apresentadas, essas são características da indústria cultural madura e integrada. Os artistas da MPB estavam envolvidos com os grupos sociais e atitudes enredadas, onde o foco era conscientizar as pessoas, e estavam ligados a outros grupos onde o objetivo eram os mesmos, por exemplo, as universidades, o teatro engajado, boêmia musical, 76 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção – Engajamento político e indústria cultural na MPB(1959-1969). Editora Annablume. São Paulo, 2010. 77 A Jovem Guarda foi influenciada pelo estilo musical dos The Beatles, era alienada e passiva e por não tomar partido no contexto político do país foi considerada defensora da ditadura civil-militar brasileira, seu precursor era Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, as músicas falavam de namoros juvenis e era acompanhada pela guitarra elétrica e o famoso Iêiêiê, o programa Jovem Guarda começou a ser transmitido pela TV Record em 1965, e durou até 1968. Fonte: https://resistenciaemarquivo.wordpress.com/2013/12/27/os-reis-robertos-a-jovem-guarda-e- a-explosao-da-bomba/ Acessado em 12/03/2016. . 40 diferente da Jovem Guarda, onde as canções e os artistas eram tidos declaradamente como produto industrial.78 O II Festival da Record era nacionalista, tinha a maioria dos cantores urbanizados, foi marcado pelo samba, foram inscritas 2.200 músicas, os compositores e interpretes concorriam
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