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CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL Antônio de Moura Borges CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL Antônio de Moura Borges O autor é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Direito pela Southern Methodist University School of Law – EUA -, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tendo ainda realizado estudos de pós-graduação na Universidade de Brasília e em Georgetown University – EUA -. É advogado e professor de Direito Tributário, Direito Financeiro e Direito Internacional Público na Universidade Federal do Piauí. ANTÔNIO DE MOURA BORGES CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL 1992 Editora da Universidade Federal do Piauí Instituto Brasileiro de Direito Tributário, entidade complementar à Universidade de São Paulo © Copyright ANTÔNIO DE MOURA BORGES Rua Major Manoel Lopes, 1685 Morada do Sol CEP 64.056-570 – Teresina – Piauí Tel.: (086) 222-8013 Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio e sistema, sem o prévio consentimento do Autor. 341.484 4 Borges, Antônio de Moura B732c Convenções sobre dupla tributação internacional/ Antônio de Moura Borges. – Teresina: EDUFPI; (São Paulo): IBDT, 1992. 175 P. 1. DIREITO TRIBUTÁRIO 2. DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 3. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 4. TRATADOS INTERNACIONAIS I. Título III A minha mulher, a meus filhos e a meus pais. Ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira V AGRADECIMENTOS Tanto quanto do meu esforço, este trabalho é fruto do estímulo, da compreensão e da tolerância de Cibele, esposa dedicada, a quem, por tudo, sou eternamente grato. A meu pai, Dr. José Borges, para quem o conhecimento liberta e engrandece, manifesto a minha gratidão pelo incentivo, estendendo-se, pelo mesmo motivo, a minha mãe e a meus irmãos. Do Prof. Walter Barbosa Corrêa, sou devedor pelo que esta tese tenha de meritório, dada a orientação segura, pertinente e amiga, quase sempre por meio de cartas e telefonemas, a quem sou particularmente grato. Pelos conselhos quanto à bibliografia e aos caminhos a serem trilhados ruma à feitura da tese, agradeço também aos Profs. Alcides Jorge Costa, Gerd Willi Rothmann e Araminta de Azevedo Mercadante. A meu amigo Beat Rechsteiner, agradeço pelas fotocópias de artigos de revistas e pelos livros enviados a título de doação, da Suíça. Agradecimento especial formulo ao Prof. José de Ribamar Freitas, que, paciente e criteriosamente, leu todo o trabalho, apresentando-me ricas sugestões. Pelo apoio ou pela colaboração a mim dispensada, agradeço aos colegas professores da Universidade Federal do Piauí: Charles Carvalho Camilo da Silveira, Filadelfo Chagas Barreto, Patrícia Anne Vaughan, Almir Bittencourt, Francisco Antônio Paes Landim Filho, Heitor Matallo Jr., Airton Antonio Bohn e Marcelino Leal Barroso de Carvalho. Agradeço ainda à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES -, pela bolsa de estudos, e à Universidade Federal do Piauí, pelo afastamento remunerado, a fim de que eu pudesse realizar o curso de doutorado em São Paulo. VII SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ....................................................................................................IX PREFÁCIO .............................................................................................................XI INTRODUÇÃO ........................................................................................................XIII PRIMEIRA PARTE ASPECTOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL CAP. I – NOÇÃO DE DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL..................... 17 CAP. II – FONTES NO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL................... 28 CAP. III – DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL............................................................................... 36 SEGUNDA PARTE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL CAP. IV – DEFINIÇÃO, ESPÉCIES E FIGURAS AFINS..................................... 56 CAP. V – CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL....................................................... 71 CAP. VI – MEDIDAS DESTINADAS A EVITAR, ATENUAR OU ELIMINAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL..................... 81 TERCEIRA PARTE PECULIARIDADES DAS CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL CAP. VII – PROCESSO DE ELABORAÇÃO E ENTRADA EM VIGOR DAS CONVENÇÕES DOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL....................................................... 99 CAP. VIII – APLICAÇÃO DAS CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL..................................................... 112 CAP. IX – CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO INTENACIONAL ENTRE ESTADOS DESENVOLVIDOS E ESTADOS EM DESENVOLVIMENTO .......................................... 129 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 135 IX APRESENTAÇÃO O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, entidade complementar à Universidade de São Paulo, entre as realizações de cursos de direito tributário que vem promovendo desde sua fundação, idealizou e com o maior êxito mantém a Mesa Semanal de Debates de Casos e Problemas Tributários. Esta, com absoluta regularidade promove esses estudos às 5ªs. feiras letivas, das 8 às 10 horas, no Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Comparecem seus Diretores, Membros do Conselho Deliberativo e Associados, todos, tributaristas que, por suas formações, exercício profissional ou de funções públicas ou empresariais são professores de várias universidades, juristas, magistrados, procuradores, funcionários fiscais, enfim dedicados representantes do universo tributário. Em cooperação não só intercambiam informações, mas debatem e estudam os casos e problemas tributários mais relevantes e atuais. O maior objetivo da criação desta Mesa Semanal dentro da Faculdade foi trazer para esta a colaboração do universo dos tributaristas e poder oferecer, especialmente aos estudantes do Mestrado e do Doutorado desta área, mais esta fonte de informações, conhecimentos e intercâmbios, tanto teóricos como práticos. Não só para incentivar os participantes da Mesa, mas também pôr à disposição dos demais associados e interessados os trabalhos da Mesa, o IBDT passou a publicá-los em coletâneas, sob o título DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, que já se encontra no vol. 12, como ainda trabalhos que possam enriquecer a literatura jurídico-tributária. Dentre os mais assíduos participantes da Mesa, este Instituto contou sempre com a presença do doutorando Antônio de Moura Borges que acaba de conquistar nesta Faculdade, com honrosa distinção, a láurea de Doutor, com a presente tese. Associando-se a este êxito alcançado por seu sócio Doutor Antônio de Moura Borges, esta entidade científica tem a satisfação e honra de, com a Editora da Universidade Federal do Piauí, co-editar e não só recomendar esta nova contribuição aos estudos da tributarística, como também poder oferecê-la a cada consócio do IBDT/USP. RUY BARBOSA NOGUEIRA Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Presidente do IBDT. XI PREFÁCIO Vejo, com redobrada alegria, a feliz iniciativa da Universidade Federal do Piauí de publicar esta ótima monografia de Antônio de Moura Borges, versando as convenções sobre a dupla tributação internacional. Em primeiro lugar, porque se trata de trabalho que passou pelo crivo de ínclita banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na qual pontificavam os professores ALCIDES JORGE COSTA, GERD WILLI ROTHMANN, CARLOS ALBERTO LONGO e PAULO DE BARROS CARVALHO, obtendo distinção. Esta circunstância me parece suficiente para recomendar aos especialistas em direito tributárioa leitura deste livro, mormente àqueles que se interessam mais de perto por assuntos conexos ao direito internacional. A forma didática, em que a exposição se desenrola, concatenando os diversos assuntos, aliada aos subsídios doutrinários de autores nacionais e estrangeiros, torna a leitura, de um tema aparentemente árido e massante, num agradável estudo de questões relativas a aspectos e fontes do direito tributário internacional, causas e conseqüências da dupla tributação, aplicação das convenções para evitá-las etc. Acrescenta-se que a bibliografia referida no texto, resultado de difícil, prolongada e trabalhosa pesquisa, elaborada pelo autor, inclusive com várias viagens a São Paulo, onde as obras nacionais e estrangeiras a serem consultadas ou adquiridas podiam ser alcançadas com menos dificuldade, dá ao escrito seguras bases às conclusões expendidas. Em segundo lugar, meu júbilo decorre de ver concluído um trabalho que conheci em seu nascedouro. Quando, há alguns anos, o autor indicou-me como seu orientador e procurou- me para os primeiros relacionamentos desse encargo, percebi logo tratar-se de competente intelectual, disposto a aperfeiçoar-se em sua vocação para o magistério. Vinha ele já amparado com o título de mestre, obtido na Southern Methodist University School of Law, em Dallas, Estados Unidos da América. Sua preferência no campo do Direito era o direito tributário, embora já contaminado pelo vírus do direito internacional, que o contagiara em sua estada em terras setentrionais. Durante os anos em que freqüentou, em São Paulo, o Curso de Pós- Graduação, sob a direção do Prof. Ruy Barbosa Nogueira, obtendo os créditos para poder concorrer ao doutoramento, mantivemos inúmeros contatos, discutindo questões tributárias genéricas, como também cuidando do direito tributário internacional, pois o plano da pesquisa já estava esboçado. Nessa época pôde, também, realizar proveitosos contatos com mestres paulistas de direito internacional. De volta a Teresina, capital de seu estado natal, retornou ao ensino na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Piauí, onde galgou postos do magistério, sendo, atualmente, professor adjunto, lecionando Direito Tributário, Direito Financeiro e Direito Internacional Público. Nesse período, foram estampados artigos de Antônio de Moura Borges em publicações de Brasília, Piauí e São Paulo. Por tudo isso, este trabalho, vindo a lume, vai atender a uma enorme gama de estudiosos do direito tributário. WALTER BARBOSA CORRÊA XIII INTRODUÇÃO O caráter cosmopolita do homem, de que trata o professor Irineu Strenger,1 ensejou, com o extraordinário desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, verdadeira internacionalização da vida e das atividades humanas. A época atual se caracteriza pela grande importância das relações internacionais, para cujo desenvolvimento os Estados envidam esforços, mesmo porque a História demonstra que o isolamento de uma população lhe proporciona inexoravelmente conseqüências desfavoráveis. No contexto das relações internacionais, a economia assume notável acuidade, por se o campo em que os contatos e os vínculos são mais extensos e intensos.2 Com efeito, sendo, em geral, economicamente interdependentes, os Estados se acham forçados a adotar medidas que incentivem ou, pelo menos, não prejudiquem o desenvolvimento das atividades econômicas internacionais. Entre tais medidas, as de natureza tributária desempenham papel relevante. Os Estados têm experimentado crescente necessidade de receitas, disso resultando aumento do nível de fiscalidade. Ademais, geralmente os Estados tributam tanto os seus residentes, pela totalidade das suas rendas, incluindo as provenientes do exterior, quanto as rendas produzidas nos respectivos territórios, ainda que os seus beneficiários residam no exterior ou sejam estrangeiros. Diante, pois, de relações que ultrapassem as fronteiras de um Estado, a possibilidade de mais de um Estado tributar a mesma realidade é muito grande. Considerando que, em cada Estado, o nível de fiscalidade freqüentemente é alto, a dupla tributação internacional produz, dentre outras conseqüências, empecilho ao desenvolvimento das atividades econômicas internacionais. Dentre as possíveis medidas tendentes a evitar, atenuar ou eliminar a dupla tributação internacional, destacam-se, no atual estágio de desenvolvimento do Direito Tributário Internacional, as convenções internacionais bilaterais, objeto do presente estudo, por meio das quais os Estados, fazendo concessões mútuas, limitam os respectivos poderes de tributação. Este trabalho, que se pretende seja uma contribuição ao estudo das convenções bilaterais sobre dupla tributação internacional, terá o seu corpo dividido em três partes. A primeira parte se justifica por serem os estudos de Direito Tributário Internacional ainda relativamente incipientes no Brasil. Nela, determinar-se-ão as noções propedêuticas do Direito Tributário Internacional, examinar-se-á a importância, em tal campo do conhecimento jurídico, das várias fontes do Direito, e indicar-se-ão os princípios e critérios em que assenta e pode assentar a tributação nos sistemas tributários dos Estados. Na segunda parte do trabalho, estudar-se-ão os aspectos mais relevantes da dupla tributação internacional, nomeadamente, a sua definição; as modalidades de que se reveste; a distinção entre tal fenômeno e algumas figuras que lhe são afins, 1 Curso de direito internacional privado, pp. 3-5. 2 Cf. José Maria de la VILLA GIL, “Las relaciones fiscales internacionales; la realidad española”, in Relaciones fiscales internacionales, p. 85. XIV para o efeito de melhor caracterizá-lo; as suas causas; as suas conseqüências; e as medidas, unilaterais e internacionais, passíveis de utilização para prevenir ou eliminar o fenômeno. Na terceira parte, estudar-se-ão as peculiaridades das convenções sobre dupla tributação internacional. Por questão didática, tais convenções serão examinadas de modo amplo e sistemático, ao invés de se analisarem apenas as características que as distinguem da maioria dos tratados internacionais. Assim, cuidar-se-á do processo de elaboração e entrada em vigor das convenções sobre dupla tributação internacional, do seu âmbito de aplicação, da sua interpretação, da sua relevância no ordenamento jurídico interno, e, por último, ressaltar-se-ão as especificidades de que se revestem tais convenções, quando os contratantes são Estados que se encontram em fases de desenvolvimento econômico muito diferenciadas. Ressalte-se que todo o trabalho estará voltado mais diretamente para a dupla tributação sobre o rendimento, por ser, como afirma Manuel Pires, a que “... se apresenta com maior vigor e com maior riqueza de problemática.”3 Apenas de modo acessório, referir-se-ão às duplas tributações sobre o patrimônio, sobre as sucessões e sobre as doações, às quais se aplicam, mutatis mutandis, as soluções ao problema da dupla tributação sobre o rendimento. Quanto aos impostos indiretos, também necessitam de certa disciplina internacional, que é feita por meio de dispositivos do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – GATT -, de normas emanadas de organizações internacionais de integração econômica, ou de trabalhos gerais sobre o comércio, dispensando, assim, no que respeita às duplas tributações, convenções bilaterais de conteúdo especificamente tributário. Por este motivo, far-se-á apenas uma alusão a tais impostos, no capítulo III. Saliente-se, por último, que, embora o trabalho seja de cunho jurídico, far-se- á referência a aspectos econômicos, necessários à melhor compreensão de alguns assuntos nele tratados. 3 Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento, pp. 22-3. PRIMEIRA PARTE ASPECTOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 17 CAPÍTULO I NOÇÃO DE DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 1.1. DENOMINAÇÃOO problema da denominação da disciplina em apreço ainda é por demais controvertido e decorre das diferentes concepções existentes a respeito das relações entre o Direito interno e o Direito Internacional. Para explicar a natureza dessas relações, duas doutrinas prevalecem, quais sejam: a dualista, ou pluralista, e a monista. Sustenta a primeira que o Direito Internacional e o Direito interno são ordenamentos jurídicos igualmente válidos, mas absolutamente separados e independentes, por terem fundamentos de validade e destinatários distintos. Enquanto as normas do Direito Internacional são produzidas de acordo com um procedimento internacional, para regular as relações entre os diversos Estados da sociedade internacional, as normas do Direito interno objetivam as relações entre os indivíduos ou entre estes e o próprio Estado. Contrapondo-se à doutrina dualista, a doutrina monista não aceita a existência de duas ordens jurídicas separadas e independentes. Para esta doutrina, a ordem jurídica interna e a internacional formam um sistema único, não sendo, pois, as diferenças existentes entre o Direito interno e o Direito Internacional de essência, mas meramente de grau. Assim, normas de uma ordem jurídica podem influir sobre a outra. A doutrina monista está dividida em duas posições opostas, quais sejam: a que defende a primazia do Direito interno, e a que sustenta a primazia do Direito Internacional. Segundo Hildebrando Accioly, “... é lícito sustentar-se, de acordo, aliás, com a opinião da maioria dos internacionalistas contemporâneos, que o direito internacional é superior ao Estado, tem supremacia sobre o direito interno, por isto que deriva de um princípio superior à vontade dos Estados.”1 Ressalte-se que a jurisprudência internacional é unânime em afirmar a primazia do Direito Internacional sobre o Direito interno.2 Apesar das críticas dirigidas à doutrina dualista, especialmente de que ela atenta contra o bem comum internacional e contra a desejável unidade das relações entre as ordens jurídicas, destacados autores da disciplina em estudo a têm adotado, distinguindo o Direito Internacional Tributário do Direito Tributário Internacional. É o que afirma Alberto Xavier, ao dizer que “A doutrina tem distinguido, na esteira de Isay e Udina, o Direito Internacional Tributário do Direito Tributário Internacional, atendendo à origem e ao objeto dos seus preceitos: enquanto o primeiro seria constituído por normas de origem internacional e tendente a regular as relações entre Estados em matéria tributária (Zwischenstaatliches Steuerrecht), o segundo seria constituído por normas 1 Manual de direito internacional público, p. 5. 2 Cf. Celso D. de Albuquerque MELLO, Curso de direito internacional público, p. 54; Luis Ivani de Amorim ARAÚJO, Curso de direito internacional público, p. 43. Noções mais aprofundadas a respeito das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno são encontrados em Celso D. de Albuquerque MELLO, Curso de direito internacional público, pp. 49-59; Alfred VERDROSS, Derecho internacional público, pp. 94-104; e Vicente Marotta RANGEL, “Os conflitos entre o direito interno e os tratados internacionais.” Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 62(2): 81-134, 1967. 18 internas, tendo por objetivo disciplinar questões conexas por qualquer dos seus elementos com mais de uma ordem tributária.”3 Assim, distinguindo o Direito Internacional Tributário do Direito Tributário Internacional, e lembrando que esta distinção nem sempre é feita com clareza pela doutrina, e que a falta de rigor no emprego dos qualificativos enseja confusões conceituais muito perturbadoras, Fernando Sainz de Bujanda insere o Direito Internacional Tributário no Direito Internacional, como um dos seus ramos, e diz que se destina a regular as relações de natureza tributária entre os Estados. Por outro lado, segundo o mesmo autor, o Direito Tributário Internacional é formado pelas normas de Direito interno que disciplinam relações jurídico-tributárias cujos elementos – pessoais, reais ou formais – encontram-se insertos dentro do âmbito de eficácia de ordenamentos jurídicos de diversos Estados.4 Também Ottmar Bühler, com a autoridade de um dos juristas que mais se destacaram no estudo deste campo do conhecimento jurídico, detendo-se sobre a polêmica terminológica existente sobre ele, reconhece não ser fácil a tarefa de solucioná-la, especialmente considerando a firmeza com que a doutrina e muitas organizações internacionais consideram como sendo de Direito Internacional apenas as normas de origem internacional. Lembrando que a principal finalidade da seara do Direito em estudo, desde o seu desenvolvimento, a partir da Primeira Guerra Mundial, foi a luta contra a dupla tributação, e que esta luta tem sido travada com igual intensidade, tanto com a utilização de convenções internacionais, como de disposições unilaterais dos Estados interessados, para solucionar referida polêmica, Bühler propõe a distinção entre Direito Internacional Tributário em sentido estrito e Direito Internacional Tributário em sentido amplo. O primeiro seria constituído apenas por normas de origem internacional, enquanto que o último o seria por tais normas e também por normas do Direito interno, ou seja, pelo que grande parte da doutrina denomina Direito Tributário Internacional.5 A proposta de Bühler, relativamente à denominação da disciplina em apreço, tem sido lembrada e muitas vezes adotada pelos autores que a cultivam, mas, estando de qualquer forma baseada na doutrina dualista, não é plenamente satisfatória. Sobre a identidade de natureza das normas, independentemente da origem de sua fonte, Haroldo Valladão ensina que “Todo problema jurídico pode, hoje, em princípio, ser objeto de um ato internacional ou interno, dum tratado ou duma lei, desde uma questão de divórcio a um problema de imunidade de jurisdição ou à própria guerra. Depende do menor ou maior grau de estabilidade e da extensão a dar à norma jurídica, se deve valer apenas no âmbito de um certo Estado, seja na sociedade nacional, ou ir além, tornar-se superior ou alargar-se para prevalecer no círculo maior de dois ou vários Estados, na comunidade internacional. A vida contemporânea se internacionalizou completamente e no estudo de qualquer problema jurídico de nossos dias o jurista precisa procurar logo, no assunto, quais as regras internacionais e quais as internas existentes, e, nestas, as constitucionais, as legais e as decorrentes da própria vontade das partes.” Tratando, logo após, diretamente da questão, assevera o mesmo mestre que “A distinção entre as 3 Direito tributário internacional do Brasil, p. 25. 4 “La interpretación, en derecho español, de los tratados internacionales para evitar la doble imposición”, in Hacienda y derecho, t. II, p. 194, incluindo nota de rodapé nº 10, pp. 194-6. 5 Principios de derecho internacional tributario, pp. 4-6. 19 normas internacionais e as internas, qual nestas a diferenciação entre as constitucionais e as legais, não pode, assim, ser de ordem material, pela sua substância, mas apenas formal, pelas suas fontes, pelo seu grau de eficácia, pela sua importância. Um Tratado, uma Constituição, uma lei não se separam pelo seu objeto, pois podem abranger qualquer tema jurídico, divergem apenas pelo grau de obrigatoriedade, de validade de cada um, descendentes, do primeiro ao último”.6 Considerando, portanto, a identidade de natureza das normas internacionais e internas, e que, em caso de conflito, prevalecem as primeiras, pode parecer preferível desde logo a denominação Direito Internacional Tributário para a disciplina em estudo. Todavia, a tributação é atividade precipuamente interna.7 Quando esta atividade apresenta problemas de ordem internacional, sem que normas internas possam resolvê-los, é que se recorre às convenções internacionais, ou mesmo a outras normas do Direito Internacional.A disciplina de que se cogita, pois, abrangendo apenas a atividade tributária que é dominada por considerações internacionais, é melhor identificada pela denominação Direito Tributário Internacional, por dar ênfase ao aspecto tributário do problema com conotação internacional.8 Ademais, observa-se atualmente, na prática e na doutrina internacional, forte tendência pelo uso de tal denominação, o que por si só constitui importante indicativo para a decisão de adotá-la.9 6 Direito internacional privado, vol. 1, pp. 56-7. Obs.: Os grifos são do autor. 7Prefere dizer-se que a tributação não é atividade exclusivamente interna, porque algumas organizações internacionais figuram como verdadeiros sujeitos ativos de obrigação tributária. É o que acontece com a Organização das Nações Unidas – ONU -, com a Comunidade Econômica Européia – CEE -, com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço – CECA -, e com a Comunidade Européia de Energia Atômica – Euratom. A ONU dispõe de um tributo incidente sobre os salários dos seus funcionários, em substituição aos impostos devidos por tais funcionários nos seus países de origem. A CECA tem como receita principalmente a proveniente do imposto sobre o volume de negócios das empresas dos setores do carvão e do aço, cuja alíquota máxima é de um por cento (1%) do valor médio da produção respectiva. A CEE e a Euratom, por seu turno, dispõem de um tributo incidente sobre a importação de produtos agrícolas, de outro tributo aduaneiro, percebido de conformidade com a alíquota exterior comum, além de uma fração de até um por cento (1%) do imposto sobre o valor acrescido (IVA), a ser uniformizado em todos os Estados-membros (Cf. Alberto XAVIER, Manual de direito fiscal, pp. 308-9, incluindo nota de rodapé nº 2; João Mota de CAMPOS, Direito comunitário, vol. I, pp. 421-3; e Louis CARTOU, Droit financier et fiscal européen, pp. 15-21). 8 Cf. Louis TROTABAS e Jean-Marie COTTERET, Droit fiscal, p. 118; e Gilbert TIXIER e Guy GEST, Droit fiscal international, pp. 13-4. 9 A denominação de uma disciplina jurídica não é questão meramente acadêmica, como querem alguns. Ela se reveste de certa importância, reclamando por isso atenção especial, devendo indicar, de forma clara e precisa, o seu conteúdo. Todavia, muitos são os ramos do Direito em que não há unanimidade quanto ao uso de sua denominação. Para citar apenas alguns exemplos, lembre-se Direito Penal e Direito Criminal; Direito Comercial, Direito Mercantil e Direito Empresarial; Direito Judiciário e Direito 20 1.2. OBJETO Se muito controvertido ainda é o problema da denominação da disciplina em apreço, o mesmo já não acontece quanto à delimitação do seu objeto. Os estudiosos do Direito Tributário Internacional estão quase sempre de acordo quanto ao seu objeto, embora muitas vezes discordem na sua fundamentação. Processual; Direito do Trabalho, Direito Social, Direito Operário, dentre outras denominações; Direito Tributário e Direito Fiscal. A preferência pelo uso de determinada denominação decorre quase sempre de sua consagração pela doutrina, pela jurisprudência, pelas leis etc. A própria denominação de Direito Internacional é muito criticada, vez que este rumo do Direito não trata de relações entre nações, mas entre Estados e outras pessoas internacionais. Sobre o assunto, é a seguinte a opinião de Celso D. de Albuquerque MELLO: “A denominação direito internacional não é correta, mas não vemos nenhum inconveniente em mantê-la, uma vez que está consagrada, desde que guardemos a restrição já anunciada” (op. cit.. p. 34). 21 Na delimitação do objeto do Direito Tributário Internacional, há de partir-se da consideração, de um lado, do caráter cosmopolita do homem, de que fala Irineu Strenger,38 que, com o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, ensejou uma verdadeira internacionalização nos movimentos de capitais, pessoas, bens e serviços,39 e, de outro, da soberania fiscal dos Estados.40 Do confronto entre estas duas realidades surgem, com freqüência, problemas de dupla tributação e de evasão fiscal, que, não podendo ser resolvidos por normas dos atuais ramos do Direito, inclusive do Direito Internacional Privado, ocasionaram o surgimento do Direito Tributário Internacional. Constituem, pois, objetos do Direito Tributário Internacional a dupla tributação internacional e a evasão fiscal internacional. Influenciados pela doutrina do Direito Internacional Privado, e muitas vezes incluindo nele o Direito Tributário Internacional, como um dos seus ramos,41 muitos autores consideram como objetos do Direito Tributário Internacional os conflitos de leis tributárias no âmbito internacional. Daí falar-se, nesta área do Direito, em “conflitos internacionais de tributação.” Estes conflitos resultariam da adoção, pela legislação dos vários Estados, de diferentes elementos de conexão, ou ainda de conceituação diversa do mesmo elemento de conexão. Segundo ensinamento de Pedro Soares Martinez, “Quando uma situação se acha ligada, pela diversidade dos seus elementos, a mais de uma ordem jurídica, essa disparidade na definição de pressupostos tributários pode determinar ou que mais de um Estado tribute tal situação ou que nenhum a tribute, quando, normalmente, sem essa bilateralidade de conexões, ela seria tributada.” Continuando, afirma o mesmo autor que, “No primeiro caso, o conflito é positivo, dele resultando uma duplicação de impostos; no segundo caso, o conflito é negativo e dá lugar a uma evasão fiscal.”42 De acordo com este raciocínio, pois, no fundo, os objetos do Direito Tributário Internacional são a dupla tributação internacional e a evasão fiscal internacional. Alberto Xavier discorda da afirmação de que a dupla tributação envolve um conflito de normas. Diz ele, com razão, que “... na figura da dupla tributação não se verifica uma contradição lógica das normas em concurso, em termos de exclusão recíproca, mas uma aplicação autônoma e independente de que resulta a produção conjunta de ambas as conseqüências jurídicas. Verifica-se, pois, a figura do concurso real cumulativo, do cúmulo de normas ou do cúmulo de pretensões 38 Curso de direito internacional privado, pp. 3-5. 39 Cf. Manuel PIRES, Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento, pp. 15-8. 40 Para esclarecimentos sobre a noção da soberania fiscal, cf. infra, cap. III, pp. 39-44. 41 Cf, infra, pp. 25-6. 42 Manual de direito fiscal, p. 81. Obs.: Os grifos são do autor. Sobre o assunto, são idênticas as opiniões de, dentre outros, os seguintes autores: Jean-Marc RIVIER, Droit fiscal suisse – le droit fiscal internacional, p. 31; Agustinho Fernandes Dias da SILVA, “Direito fiscal internacional”, in Introdução ao direito internacional privado, pp. 76-8, passim; e Ezio VANONI, “Valore della legge tributaria nello spazio”, in Opere giuridiche, pp. 77-8. Os dois últimos autores referem de forma expressa apenas ao conflito positivo de leis tributárias. 22 (Anspruschsãufung), na terminologia de Georgiades.”43 Por outro lado, referindo- se à evasão fiscal internacional, lembra o mesmo autor que o “negócio fiscalmente menos oneroso”, que se obtém com a conjunção de leis de mais de um Estado, pode ensejar tanto a exclusão44 como simplesmente uma redução da tributação. Segundo ele, apenas no caso de exclusão pode falar-se em conflito negativo.45 De qualquer forma, do que acaba de ser exposto, verifica-se que os objetos do Direito Tributário Internacional são a dupla tributação internacional e a evasão fiscal internacional. Ambos os fenômenos são nocivos, criando situações de injustiça tributária nas relações internacionais, ou mesmo impondo obstáculo ao comércio e aos investimentos internacionais. Assim, o Direito Tributário Internacional tem como finalidade exatamente solucionar os problemas de dupla tributação e de evasão fiscal internacionais. 1.3. DEFINIÇÕES Neste ponto, convém tratar-se da definição do Direito TributárioInternacional, embora se esteja diante de tarefa difícil, considerando que muitos dos seus institutos e conceitos ainda não foram estudados com a devida profundidade. Alberto Xavier define o Direito Tributário Internacional como compreendendo “... o complexo das normas tributárias de conflitos, quer sejam reveladas por fontes internas, quer por fontes internacionais.”46 Para Gerd Willi Rothmann, “O direito tributário internacional é o conjunto das normas que delimitam as soberanias fiscais dos Estados, tanto de direito nacional, como de direito internacional.”47 Semelhante é a definição de Walter Ryser, ao afirmar que “... o Direito Tributário Internacional é essencialmente o conjunto de regras concernentes à delimitação da competência tributária dos Estados, relativamente a matérias imponíveis relacionadas com intercâmbios econômicos com conotação internacional.”48 Convém ainda citar a definição formulada por Jean-Marc Rivier, com base em Knechtle, segundo quem 43 Op. cit., p. 65. Obs.: Os grifos são dele. Esta posição, que se impõe pela sua logicidade, é defendida modernamente, dentre outros, por Manuel PIRES, Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento, cit. pp. 78-81; Louis TROTABAS e Jean Marie COTTERET, Droit fiscal, p. 116, que dizem, textualmente: “En réalité il n’y a pas conflit quand on se trouve en presence de lois fiscales concurrentes.”; e Louis CARTOU, Droit fiscal internacional et européen, pp. 15-6. 44 Neste contexto, a palavra “exclusão”, utilizada por Alberto Xavier, significa o não surgimento da obrigação tributária, não tendo, pois, o mesmo significado de “exclusão do crédito tributário”, de que trata o art. 175 do Código Tributário Nacional. 45 Op. cit., pp. 66-7. 46 Direito tributário internacional do Brasil, cit., p. 29. 47 “Bitributação internacional”, in Temas fundamentais do direito tributário atual, p. 124. 48 Introduction au droit fiscal internacional de la Suisse, p. 15. No texto original, o autor se expressa da seguinte maneira: “Dans une approche approximative, on peu dire que le droit fiscal international est essentiellement l’ensemble des règles concernant la délimitation de la compétence fiscale des Etats, concernant des matières imposables liées à des rapports économiques a connotation internationale.” 23 “...o Direito Tributário Internacional compreende o conjunto de regras de conflitos e de normas de Direito Tributário material que se aplicam aos estados de fato internacionais, quer estas regras encontrem sua fonte no Direito público interno ou no Direito Internacional Público.”49 As definições de Alberto Xavier, Gerd Rothmann e Jean-Marc Rivier têm o mérito de mostrar que as normas do Direito Tributário Internacional são emanadas tanto de fonte interna, quanto de fonte internacional. Relativamente à natureza de tais normas, todos os autores citados as posicionam como sendo “normas de conflitos”,50 ressaltando-se que, para Jean-Marc Rivier, como se viu, assim como para Gerd Rothmann, elas podem também ser materiais. Normas de conflitos, também denominadas de indiretas, formais, colisionais, são aquelas normas que, nas hipóteses de conflitos de leis, indicam a lei que irá regular o assunto, enquanto que as normas materiais, diretas, regulam imediatamente o caso. As normas do Direito Tributário Internacional, como ensina Ottmar Bühler, com muita proficiência, não se destinam a indicar a lei tributária competente, mas apenas determinam ou não que certas pessoas ou situações são tributadas por um Estado, no que elas são materiais.51 Ademais, não se pode falar em “conflito de leis” em Direito Tributário Internacional, considerando que leis tributárias de mais de um Estado podem ser aplicadas ao mesmo tempo, ou mesmo que nenhuma lei tributária seja aplicada.52 Portanto, com a ressalva apenas de que as normas do Direito Tributário Internacional são normas materiais, todas as definições citadas apresentam aspectos positivos, ao precisar o domínio da disciplina em cogitação, que, todavia, é melhor definida como o conjunto das normas materiais, de Direito interno e de Direito Internacional, destinadas a delimitar a competência tributária internacional dos Estados. 1.4. POSIÇÃO Existe ainda muita controvérsia, em doutrina, sobre a posição que o Direito Tributário Internacional ocupa na ciência jurídica. A questão consiste em considerá- lo capítulo do Direito Tributário, do Direito Internacional Privado, do Direito 49 Op. cit., p. 32. No idioma original, a definição é a que segue: “Conçu au sens large, le droit fiscal international comprend ainsi l’ensemble des règles de conflit e des normes de droit fiscal matériel qui s’appliquent à des états de fait internationaux, que ces règles trouvent leur source dans le droit public interne ou dans le droit international public.” 50 Para maiores esclarecimentos sobre a posição dos autores referidos, relativamente à natureza de normas de conflitos das normas do Direito Tributário Internacional, cf., respectivamente, Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., pp. 11-22 e 26-30; Gerd Willi ROTHMANN, “Bitributação internacional”, in Temas fundamentais do direito tributário atual, cit., pp. 124-5 e Interpretação e aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação, pp. 8-12 e 45; Walter RYSER, op. cit., pp. 16-9; e Jean-Marc RIVIER, op. cit., pp. 31-2. 51 “Les accords internationaux concernant la double imposition et l’évasion fiscale”, in Recueil des cours, v. 55 (1936)-I, p. 454. 52 Cf. id., ibid., p. 454. 24 Internacional Público, se é formado por um conjunto de normas que pertencem a diferentes ramos do Direito, ou se é ramo autônomo do Direito. Existem defensores de todas estas posições,53 embora sejam raros os trabalhos cujos autores tratam da possível autonomia do Direito Tributário Internacional e, mesmo assim, quando o fazem, fazem-no de forma tímida, sem se posicionarem de maneira clara e precisa sobre o assunto. O problema da autonomia de ramos do Direito tem ensejado críticas por parte de alguns juristas, que não a aceitam se encarada sob o aspecto científico, mas apenas do ponto de vista didático.54 Em defesa de sua tese, o principal argumento que utilizam é o de que o Direito forma uma unidade sistêmica, não podendo por isso qualquer dos seus ramos ser dele independente. A razão de tal crítica, contudo, está no significado da palavra “autonomia”, que, para estes juristas, é sinônima de “independência”. 53 É comum tributaristas dividirem o Direito Tributário nos seguintes sub-ramos que o integrariam: direito tributário material, direito tributário formal, direito tributário constitucional, direito tributário penal, direito tributário internacional (Cf. José Afonso da SILVA, Direito urbanístico brasileiro, p. 23). Alguns autores propõem divisão um pouco diversa do Direito Tributário, como Bernardo Ribeiro de Morais, para quem, de acordo com o objeto da legislação tributária, este ramo do Direito se divide em direito tributário constitucional, direito tributário internacional, direito tributário penal, direito tributário administrativo e direito tributário procedimental (Compêndio de direito tributário, pp. 107-8); e Héctor Villegas, que o divide em direito tributário material, direito tributário formal, direito processual tributário, direito penal tributário, direito internacional tributário e direito constitucional tributário (Curso de direito tributário, pp. 63-4). Para a maioria dos tributaristas, pois, o Direito Tributário Internacional se insere no domínio do Direito Tributário. Por outro lado, muitos especialistas em Direito Internacional Privado encaram o Direito Tributário Internacional como sendo um dos seus ramos, citando-se, como exemplos, os seguintes: Haroldo Valladão, Direito internacional privado, v. III, p. 293; e J. P. Niboyet, “Les doubles impositions au point de vue juridique”, in Recueil de cours, v. 31 (1930)-I, pp.44-51, passim. Sobre a inserção do Direito Tributário Internacional no Direito Internacional Público, Gerd W. Rothmann afirma que, “Modernamente, a maioria dos autores enquadra o Direito Tributário Internacional no Direito Internacional Público” (Interpretação e aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação, cit., p. 10). A posição segundo a qual o Direito Tributário Internacional é formado por um conjunto de normas que pertencem a diferentes ramos do Direito é defendida especialmente por autores que se dedicam a este campo do conhecimento jurídico. Ao defender esta posição, com base em Ottmar Bühler, Gerd W. Rothmann se expressa da seguinte forma: “Concluimos, pois, que, pela sua fonte, o Direito Tributário Internacional é Direito Internacional Público, Direito Nacional e, de forma incipiente, também Direito Supranacional. Sua natureza internacional reside principalmente no seu objeto, que são as hipóteses de conflitos fiscais no âmbito Internacional” (op. cit., p. 11). 54 Cf. Alfredo Augusto BECKER, Teoria geral do direito tributário, pp. 27-9, e Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, pp. 11-2. 25 Todavia, a palavra autonomia não deve ser entendida como significando independência. Conforme ensina José Afonso da Silva, ela “... significa a atuação de normas próprias (auto = próprio, a; nomos = norma) dentro do círculo maior da ordem jurídica...”.55 Sobre o assunto, é elucidativo o ensinamento de Fernando Sainz de Bujanda, ao dizer que, “Partindo-se da premissa de que autonomia não significa independência absoluta, isolamento ou desconhecimento dos demais ramos do Direito, a possibilidade de predicar este caráter de uma disciplina determinada depende de que tenha um conteúdo material próprio, constituído por um conjunto orgânico de relações jurídicas que, por sua natureza e pelos efeitos que produzem, podem, por um lado, reduzir-se a unidade conceitual e, por outro lado, não podem encontrar encaixe adequado em outras disciplinas jurídicas.”56 A denominada autonomia didática surge quando, por razões de ordem prática ou metodológica, se agrupam normas em torno de um mesmo assunto, que, todavia, não se acham sujeitas a princípios próprios e específicos, eis por que não deve ser considerada uma verdadeira autonomia.57 O que caracteriza realmente a existência de um ramo autônomo do Direito é a autonomia científica, que pode ser vista sob dois aspectos complementares, o dogmático e o estrutural. Segundo famosa lição de Rubens Gomes de Sousa, um ramo do Direito tem autonomia dogmática quando é regido por princípios e conceitos próprios; tem autonomia estrutural, quando referidos princípios e conceitos inspiram a elaboração de institutos ou figuras jurídicas diversas das que pertencem a outros ramos do Direito e não são por eles utilizáveis.58 Feitas estas considerações, convém agora tratar-se da posição que o Direito Tributário Internacional ocupa na ciência jurídica. Como já se afirmou neste estudo, a tributação é atividade precipuamente interna.59 No campo da tributação, a soberania estatal se manifesta de forma particularmente contundente, considerando principalmente que o poder tributário é uma das mais importantes prerrogativas dos Estados. Com base neste dado, juristas há que vêem no Direito Tributário Internacional apenas a parcela do Direito Tributário que se projeta no plano internacional, vale dizer, a que trata da aplicação da lei tributária a contribuintes ou riquezas estrangeiras, ou a contribuintes nacionais que exercem atividades no exterior. Todavia, nem sempre as medidas unilaterais resolvem de maneira eficaz todos os problemas que pode suscitar a aplicação da lei tributária a situações 55 Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 27. Obs.: Os grifos são dele. 56 Lecciones de derecho financiero, p. 7. No original, o texto é o seguinte: “Partiendo de la premisa de que autonomía no significa independencia absoluta, aislamiento o desconocimiento de las demás ramas jurídicas, la possibilidad de predicar este caracter de una disciplina determinada depende de que tenga un contenido material propio, constituido por un conjunto orgánico de relaciones jurídicas que, por su naturaleza y por los efectos que producen, puedan, por una parte, reducirse a unidad conceptual y, por outra, no puedan encontrar encaje adecuado en otras disciplinas jurídicas.” 57 Cf. Ruy Barbosa NOGUEIRA, Curso de direito tributário, p. 31. 58 Compêndio de legislação tributária, p. 56. 59 Cf. supra, p. 19. 26 internacionais, tendo, portanto, que se fazer uso de convenções internacionais. Estas se tornam a cada dia mais necessárias, na medida em que se avolumam os denominados “problemas tributários internacionais”, conseqüência do aceleramento dos movimentos de internacionalização de capitais, pessoas, bens e serviços. Cobrindo hoje praticamente toda a sociedade internacional, independentemente do nível de desenvolvimento e do regime político e social dos seus vários Estados, as convenções internacionais sobre matéria tributária transformam progressivamente o domínio dos tributos.60 Isso faz com que muitos autores enquadrem o Direito Tributário Internacional no Direito Internacional Público. Por outro lado, o Direito Tributário Internacional tem também sido inserido no Direito Internacional Privado, como um dos seus ramos. Segundo Gerd W. Rothmann, após a Primeira Guerra Mundial, houve o abandono desta tendência.61 Modernamente, contudo, ainda existem autores que defendem tal posição. É o caso de Haroldo Valladão, que afirma: “O Direito Fiscal Internacional, na mesma linha dos anteriores ramos do DIP., resolve os conflitos de leis fiscais no espaço, considerando os direitos dos estrangeiros quanto ao gozo, à aplicação direta das leis fiscais estrangeiras e, sobretudo, à indireta, com o reconhecimento de atos e decisões fiscais realizados no exterior sob a regência daquelas leis”.62 Não se deve olvidar que são estreitas as relações entre o Direito Tributário Internacional e o Direito Internacional Privado. No entanto, diferenças sensíveis os separam, não obstante que autores de Direito Tributário Internacional, não atentos a essas diferenças, façam uso de métodos e termos próprios do Direito Internacional Privado.63 O Direito Tributário Internacional se distingue do Direito Internacional Privado principalmente por lhe ser estranha a noção de “conflitos de leis”, e pela natureza de suas normas, materiais que são.64 A posição segundo a qual o Direito Tributário Internacional é ramo autônomo do Direito também não é de todo defensável, em seu presente estágio, embora caminhe, a passos largos, no sentido da aquisição de tal status. Há muito tempo ele adquiriu autonomia didática, o que se explica pela grande quantidade de obras sobre o assunto publicadas, especialmente em alguns dos países mais desenvolvidos, pela sua inclusão no currículo de vários cursos de Direito, nesses mesmos países, e pelos trabalhos desenvolvidos a respeito dos seus mais variados temas por organizações internacionais – como a Sociedade das Nações, a Organização das Nações Unidas, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos e, na América Latina, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio, substituída pela Associação Latino-Americana de Integração, e o Pacto Andino -, por institutos científicos – como o Institut de Droit International e a International Fiscal Association – e pela Câmara de Comércio Internacional. A sua autonomia científica, no entanto, ainda não se consolidou por completo. É bem 60 Cf. Jean-Claude MARTINEZ, Les conventions de double imposition, p. 6, e Bernard PLAGNET, Droit fiscal international, p. 2. 61 Interpretação e aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação, cit., p. 9. 62 Direito internacional privado, v. III, p. 293. 63 Dentre os termos próprios do Direito Internacional Privado, utilizados por autores de Direito Tributário Internacional,destacam-se, pela sua constância. “conflitos de leis” e “elementos de conexão”. 64 Cf. supra, p. 23. 27 verdade que o Direito Tributário Internacional conta com vários conceitos próprios. Quanto a princípios,65 ele tem, na realidade, segundo Alegría Borrás, apenas um, que é o da “soberania fiscal”.66 Duas idéias fundamentais, entretanto, norteiam todo o desenvolvimento do Direito Tributário Internacional, que são a necessidade de evitar-se que mais de um Estado tribute uma pessoa, em razão do mesmo fato gerador, e o interesse em impedir-se o não pagamento de tributos, ou a sua redução, com a conjugação de leis de mais de um Estado. Mesmo não se tratando de princípios, estas idéias fundamentais têm inspirado a elaboração dos institutos67 da dupla tributação e da evasão fiscal internacionais. Constata-se, assim, que o Direito Tributário Internacional, não sendo ainda ramo autônomo do Direito, é formado por um conjunto de normas que pertencem a diferentes ramos do Direito, a saber: Direito Tributário, Direito Internacional Público e Direito Comunitário, se se entender que este já adquiriu a sua autonomia científica.68 Com efeito, são do Direito Tributário as normas internas que disciplinam a tributação, inclusive quando ela incide sobre estrangeiros ou ocorre em virtude de atividades realizadas no exterior; são do Direito Internacional Público o instituto da “convenção internacional” e inúmeros conceitos e princípios utilizados em Direito Tributário Internacional; são do Direito Comunitário, por último, normas provenientes de algumas organizações internacionais – dentre as quais se destacam as Comunidades Européias – que tratam da harmonização, por vezes da própria unificação, da legislação, inclusive tributária, dos Estados que as compõem. 65 Sobre a noção de princípio, Cf. Antônio de Moura BORGES, “O princípio da igualdade na tributação”, in Direito tributário atual, v. 6, p. 1623 e Miguel REALE, Lições preliminares de direito, pp. 299-315. 66 La doble imposición: problemas jurídico-internacionales, p. 168. 67 Sobre a noção de instituto jurídico, Cf. José CRETELLA JÚNIOR, Curso de filosofia do direito, pp. 204-6. 68 Referindo-se ao Direito Comunitário, João da Mota CAMPOS afirma que, “Antes de mais trata-se de um direito autónomo, tanto pela sua finalidade própria (disciplina jurídica dos interesses comuns dos Estados) e pela sua origem supranacional, como pelos princípios específicos que o caracterizam” (Direito comunitário, v. II, p. 12). Os grifos são do autor. 28 CAPÍTULO II FONTES NO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 2.1. NOÇÃO DE FONTES DO DIREITO 2.1.1. DEFINIÇÃO E ESPÉCIES As fontes do Direito constituem aspecto de primordial importância da Ciência Jurídica e, não obstante os muitos estudos de que têm sido objeto, continuam a ensejar confusões e dúvidas entre os juristas. Em vernáculo, a palavra “fonte” significa nascente de água e, em sentido figurado, aquilo que origina ou produz. Donde normalmente dizer-se que fonte do Direito é aquilo de que ele se origina ou promana. Os autores, em geral, adotam antiga distinção entre fontes materiais e fontes formais do Direito. As primeiras apenas inspirariam o Direito, não integrando ainda o ordenamento jurídico, enquanto as últimas seriam as de vigência do Direito. Por ter, tal classificação, produzido equívocos no campo da Ciência Jurídica, Miguel Reale propõe o uso do termo “fonte do Direito” para expressar tão-somente os processos de produção de normas jurídicas, devendo desprezar-se a expressão “fonte material”, por ser estranha à Ciência do Direito. Para ele, fonte do Direito são “... os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia.”1 Lembra ainda Miguel Reale que as fontes do Direito pressupõem um poder que especifique o conteúdo do que é devido, mesmo que não seja apto a aplicar a sanção penal, quando do seu descumprimento. Assim, segundo o grande mestre, “... quatro são as fontes de direito, porque quatro são as formas de poder: o processo legislativo, expressão do poder legislativo; a jurisdição, que corresponde ao Poder Judiciário; os usos e costumes jurídicos, que exprimem o poder social, ou seja, o poder decisório anônimo do povo; e, finalmente, a fonte negocial, expressão do poder negocial ou da autonomia da vontade.”2 Da enumeração acima das fontes do Direito, deve fazer-se alguns reparos. O primeiro é o de que não é o processo legislativo, verdadeiramente, fonte do Direito, devendo tal expressão ser substituída por “legislação”. Processo é a sucessão de momentos, ou o encadeamento de etapas, que devem ser observadas para a formação de cada uma das fontes do Direito.3 O segundo reparo a ser feito é o de que o costume jurídico é forma de expressão jurídica resultante da fonte do Direito denominada de “prática consuetudinária”. Relativamente ao uso jurídico, não é forma de expressão autônoma do Direito, por depender, para a sua aplicação, de determinação legal. Encontra-se no uso, efetivamente, o elemento objetivo do 1 Lições preliminares de direito, pp. 139-40. 2 Ibid., pp. 140-1. 3 Cf. Eduardo GARCÍA MÁYNEZ, Introduccion al estudio del derecho, p. 51. 29 costume, ou seja, a prática mais ou menos reiterada e constante de certos atos. Quanto ao seu elemento subjetivo, que diz respeito apenas à consciência de sua generalidade, é bem menos intenso que o elemento subjetivo do costume, a opinio juris seu necessitatis.4 Do que acaba de ser exposto, verifica-se que são as seguintes as fontes do Direito: 2.1.2. LEGISLAÇÃO É o processo por meio do qual um ou vários órgãos do Estado formulam e promulgam determinadas regras jurídicas de observância geral, denominadas de “leis”. Não são estas, pois, fontes do Direito, mas produto da legislação.5 2.1.3. JURISDIÇÃO Jurisdição é a fonte do Direito de que resulta a jurisprudência. Por jurisprudência, deve entender-se, segundo Miguel Reale, “... a forma do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.”6 São as decisões reiteradas dos tribunais no mesmo sentido, ou, como quer Eduardo García Máynes, é o conjunto de princípios e doutrinas contidas nas decisões dos tribunais.7 2.1.4. PRÁTICA CONSUETUDINÁRIA Consiste na prática geral, uniforme e constante de certos atos que, se observada na convicção de que é juridicamente obrigatória, produz o costume jurídico. O costume se constitui de dois elementos distintos, quais sejam: um objetivo, material, extrínseco ou aparente, que é a repetição constante dos atos – a inveterata consuetudo -; outro subjetivo ou psicológico, representado pela crença de que o comportamento em questão corresponde a uma necessidade jurídica – a opinio juris seu necessitatis. 2.1.5. FONTE NEGOCIAL É aquela que enseja o surgimento de normas particulares ou individualizadas, subordinadas às normas de caráter geral e estabelecidas nos limites em que se reconhece a “autonomia da vontade”, vinculando apenas os participantes da relação jurídica. Segundo Miguel Reale, a fonte negocial se caracteriza pela “... convergência dos seguintes elementos: 4 Para maiores esclarecimentos sobre a distinção entre uso e costume, cf. Eduardo GARCÍA MÁYNEZ, op. cit., pp. 65-6, e as obras por ele citadas, assim como José de Oliveira ASCENSÃO, O direito – introdução e teoria geral, pp. 230-2, para quem o uso é fonte do Direito. 5 Cf. Eduardo GARCÍA MÁYNEZ, op. cit., p. 52. 6 Op. cit., p 167. 7 Op. cit., p. 68. 30 A. manifestação de vontade de pessoas legitimadas a fazê-lo; B. forma de querer que não contrarie a exigida em lei; C. objeto lícito; D. quando não paridade, pelo menos uma devida proporção entre os partícipes da relação jurídica.”8 2.1.6. DOUTRINA É mister fazer ainda referência à doutrina, considerada por muitos como sendofonte do Direito. Por doutrina, entende-se o resultado da atividade especulativa dos juristas, tendente a sistematizar, teoricamente, os preceitos jurídicos, ou interpretar as normas jurídicas para a sua fiel aplicação. A despeito de sua grande importância no desenvolvimento do ordenamento jurídico, ao influir especialmente sobre a legislação e a jurisdição, a doutrina carece de força vinculante, não sendo, assim, fonte do Direito. Como muito bem ensina Miguel Reale, a doutrina não é fonte do Direito porque “... não se desenvolve numa ‘estrutura de poder’, que é um requisito essencial ao conceito da fonte.”9 2.1.7. CLASSIFICAÇÃO As classificações, muito utilizadas pelos cientistas, têm importância meramente didática. Segundo Aliomar Baleeiro, elas “... ensinam a distinguir, por certos caracteres fundamentais, as diferentes espécies de instituições e fatos do mesmo gênero.”10 Como já foi visto neste estudo, o Direito é um só. As normas jurídicas, pois, têm a mesma natureza, podendo, todavia, ser diferençadas do ponto de vista formal, ou seja, pelo seu grau de abrangência.11 Assim, de acordo com o seu âmbito de validade, as fontes do Direito podem ser classificadas em internas e internacionais. Fontes internas são: a legislação interna; a prática consuetudinária interna; a jurisdição interna; e a fonte negocial interna. Por seu turno, as fontes internacionais são as seguintes: a fonte negocial internacional, ou o acordo internacional;12 a prática consuetudinária internacional; a jurisdição internacional; 8 Op. cit., p. 180. Deve, contudo, lembrar-se que a forma de querer não deve contrariar nenhuma norma de caráter geral, não apenas a lei. 9 Op. cit., p. 176. 10 Uma introdução à ciência das finanças, p. 106. 11 Cf. supra, cap. I, p. 19. 12 Em geral, os autores se equivocam ao elencar o tratado internacional dentre as fontes do Direito Internacional. Na realidade, fonte do Direito é o acordo internacional, em virtude do qual o tratado é celebrado. Sobre o assunto, é elucidativo o ensinamento de Eduardo García Máynez, ao afirmar que “... los tratados internacionales, que tienen también el caráter de normas individualizadas, puesto que sólo obligan y facultan a las partes contratantes, no se confunden com los acuerdos conducentes a su formalación. Declarar que la convención o el tratado son fuentes formales del derecho de gentes es error análogo al cometido por quienes afirman que la ley es fuente del orden jurídico en vigor. Así como la legislación es un processo cuyo fin estriba en la formulación de normas generales, el acuerdo internacional constituye un processo formalmente regulado, que culmina en el establecimiento de la individualizada que llamamos tratado internacional” (Op. cit., pp. 75-6). O grifo é do autor. 31 devendo mencionar também, como formas de expressão jurídica, as normas comunitárias, ou supranacionais, considerando que o Direito Comunitário, para muitos autores, já adquiriu a sua autonomia.13 Deve ainda aduzir que, no Direito Internacional Público, os princípios gerais do Direito, os atos unilaterais e as decisões das organizações internacionais são formas de expressão jurídica que se revestem de importância. 2.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DAS FONTES NO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 2.2.1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS Considerando que o Direito é uno, que os seus ramos não são independentes, mas apenas autônomos, as fontes do Direito são as mesmas para todos os seus ramos. Todavia, tais fontes não são igualmente importantes para cada um dos ramos do Direito. Portanto, com base neste dado, e lembrando que, como já se afirmou neste estudo, o Direito Tributário Internacional ainda não é ramo autônomo do Direito, sendo formado por um conjunto de normas que pertencem ao Direito Tributário, ao Direito Internacional Público e ao Direito Comunitário,14 tecer- se-ão, a seguir, considerações sobre o papel das fontes no Direito Tributário Internacional. 2.2.2. FONTES INTERNAS Em Direito Tributário Internacional, as fontes internas, também denominadas de “unilaterais”, revestem-se de grande importância, considerando que a tributação é atividade de caráter precipuamente interno,15 em que a soberania dos Estados se manifesta com muito vigor.16 Em matéria tributária, pois, cabe ao Direito Tributário interno o estudo de tais fontes, que interessam ao Direito Tributário Internacional se se referirem a situações tributárias internacionais. Em face do princípio da legalidade tributária, segundo o qual “não haverá tributo sem lei que o institua”, a legislação se destaca como a mais importante fonte no Direito Tributário.17 E, como em geral afirmam os tributaristas, o princípio fundamental do Direito Tributário é o da legalidade tributária.18 13 Cf. supra, cap. I, p. 27, nota nº 40. 14 Cf. supra, cap. I, pp. 26-7. 15 Cf. supra, cap. I. p. 19. 16 Cf. Gilbert TIXIER e Guy GEST, Droit fiscal international, p. 13. Sobre a noção de “soberania fiscal”, cf. infra, cap. III, pp. 39-44. 17 Cf. A. Donato GIANNINI, I concetti fondamentali del diritto tributário, p. 22; e Fernando SAINZ DE BUJANDA, Lecciones de derecho financiero, p. 15, referindo-se à esfera financeira. 18 Cf. especialmente Gerd W. ROTHMANN, “O princípio da legalidade tributária”, em Temas fundamentais do direito tributário atual, p. 90 e Bernardo Ribeiro de MORAIS, Compêndio de direito 32 De acordo com outro princípio, o da territorialidade, as leis tributárias aplicam-se apenas aos fatos ocorridos no território abrangido pelo poder tributário.19 Em Direito Tributário, segundo observação de Alberto Xavier, tal princípio comporta um sentido negativo e um sentido positivo. Para ele, “Em sentido negativo, o princípio da territorialidade limita-se a significar que as leis fiscais estrangeiras não se aplicam no território do país em causa”, enquanto, em sentido positivo, “... significa que as leis tributárias internas se aplicam no território nacional, de um modo generalizado, até aos que não são nacionais do respectivo Estado.”20 Em sistemas tributários assentes em impostos reais, o princípio da territorialidade permite que se resolva a maioria dos problemas tributários de natureza internacional ou, mesmo, evita o seu surgimento.21 Tais problemas afloraram com a difusão dos impostos pessoais, como o imposto sobre sucessões e, principalmente, o imposto sobre a renda, ao se pretender tributar o contribuinte sobre a totalidade da sua renda, independentemente da origem dela. Dada a complexidade desses problemas, que se interligam diretamente à soberania fiscal dos Estados, as soluções contidas no Direito interno nem sempre são suficientes para resolvê-los, tendo, portanto, que se fazer uso de convenções internacionais. 2.2.3. ACORDO INTERNACIONAL Acordo internacional, ou fonte negocial internacional, é o processo por meio do qual sujeitos do Direito Internacional Público estabelecem normas individualizadas, que recebem as mais variadas denominações.22 Embora, em geral, os autores de Direito Internacional Público adotem, como padrão, o termo “tratado”, muitos outros termos são também empregados na prática internacional para denominar referidas normas.23 Em matéria tributária, os termos mais utilizados são, pela ordem, tanto na prática quanto na doutrina, convenção, acordo e tratado. tributário, p. 393. Sobre o princípio da legalidade, consulte-se também Alberto XAVIER, Os princípios de legalidade e da tipicidade da tributação; Victor UCKMAR, Princípios comuns de direito constitucional tributário; Edgar Lincoln de Proença ROSA, A questão do decreto-lei sobre tributos – O princípio da legalidade tributária e sua exceção formal; Yonne Dolacio de OLIVEIRA, Tipicidade no direito tributário brasileiro; e o Caderno de Pesquisas Tributárias nº 6, São Paulo, Co-edição Centro de Estudos de Extensão Universitária e Ed. Resenha Tributária, 1981, coordenado pelo professor Ives Gandra da Silva Martins,onde foram publicadas dezenove (19) monografias de autores brasileiros, todas referentes ao “princípio da legalidade”. 19 Cf. Alberto XAVIER, Manual de direito fiscal, pp. 203-4; e Bernardo Ribeiro de MORAIS, Compêndio de direito tributário, cit., p. 443. 20 Op. cit., p. 204. Os grifos são do autor. 21 Cf. Louis TROTABAS e Jean-Marie COTTERET, Droit fiscal, p. 118; e Alberto XAVIER, op. cit., pp. 207-8. 22 Cf. nota nº 12, supra. 23 Sobre essa problemática terminológica, cf. José Francisco REZEK, Direito dos tratados, pp. 83-120. 33 Por vezes, disposições tributárias são previstas em tratados que versam essencialmente sobre outras matérias, tais como comércio, estabelecimento, navegação, amizade.24 Todavia, são as convenções de conteúdo especificamente tributário que conferem maior dimensão ao Direito Tributário Internacional, tanto pela importância dos problemas que visam a solucionar – particularmente dupla tributação e evasão fiscal -, quanto pelo seu grande número atual, abrangendo, aos poucos, praticamente todos os Estados da sociedade internacional, independentemente dos seus níveis de desenvolvimento econômico e dos regimes políticos e sociais que adotam.25 Normalmente, essas convenções são bilaterais. As convenções multilaterais de conteúdo inteiramente tributário ainda não são numerosas, por diversos motivos, dentre os quais se destacam a grande diversidade dos atuais sistemas tributários e os interesses particulares de cada um dos Estados.26 As primeiras convenções sobre matéria tributária surgiram no século XIX, com o objetivo de eliminar as duplas tributações e instituir uma cooperação administrativo-tributária entre os Estados signatários. A primeira delas foi a firmada entre a Bélgica e a França, em 1843, visando a instituir assistência administrativa recíproca relativamente ao imposto sobre sucessões.27 De 1899 a 1919, apenas vinte e quatro convenções foram concluídas, uma das quais sobre cooperação administrativo-tributária.28 Após a Primeira Guerra Mundial, contudo, passou a haver aumento significativo no número dessas convenções. De 1919 a 1939, duzentos e cinqüenta e seis novas convenções entraram em vigor, e, entre 1963 e 1979, quase 24 Cf. NORR, “Jurisdiction to tax and international income”, in Readings in federal taxation, p. 614; Louis TROTABAS e Jean-Marie COTTERET, Droit fiscal, pp 119-20; e Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, p. 25. 25 Cf. supra, cap. I, p. 25. 26 Cf. Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., p. 32; e Manuel PIRES, Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento, p. 483. Para informar-se a respeito de casos de convenções multilaterais sobre matéria tributária, cf. id., ibid., pp. 484-8. Tratando das duplas tributações, Manuel PIRES afirma que a via ideal para eliminá-las, “... enquanto não fosse estabelecida a uniformidade das legislações – cuja realização se antevê impossível -, seria a convenção universal ou mais estritamente multilateral.” Em seguida, esclarece que “A uniformidade das soluções encontradas, a maior vinculação que implicam, o âmbito mais extenso da sua aplicação são argumentos a favor, pelo menos, da multilateralidade e contra a bilateralidade.” Continuando, explica que “Não obstante, verifica-se que a diversidade de situações em que os Estados se encontram, a não identidade dos sistemas fiscais – reflexo também daquela diversidade – e o desejo de os Estados não verem limitados os respectivos poderes em medida considerada não razoável têm conduzido, como se verá, a gorarem-se tentativas feitas no domínio da multilateralidade. Não sendo a via ideal, as convenções bilaterais são a via factível” (id., ibid., p. 479). 27 Cf. Jean-Claude MARTINEZ, Les conventions de double imposition, p. 6; e Manuel PIRES, op. cit., p. 182. 28 Cf. Louis CARTOU, Droit fiscal international et européen, P. 107. 34 quatrocentas.29 Em meados da década de oitenta, o número de convenções sobre matéria tributária já era superior a mil e trezentos.30 Esse número tende a aumentar a cada dia, principalmente considerando o maior interesse demonstrado pelos países em desenvolvimento em firmar tais acordos entre eles e também com países desenvolvidos, fazendo com que os acordos internacionais se tornem fonte ainda mais importante no Direito Tributário Internacional. 2.2.4. PRÁTICA CONSUETUDINÁRIA INTERNACIONAL O costume internacional, resultado da prática consuetudinária internacional, segundo Louis Cartou, desempenha papel relevante no Direito Tributário Internacional, preenchendo as lacunas existentes nas leis e nas convenções internacionais. Para ele, a regra de conformidade com a qual uma convenção internacional pode aliviar as obrigações do contribuinte, porém não agravá-las, é de origem consuetudinária.31 Por outro lado, autores há que afirmam não desempenhar o costume qualquer papel neste campo do conhecimento jurídico.32 Mais correta, todavia, é a posição da grande maioria dos autores, assim como da jurisprudência internacional, ao demonstrarem a existência do costume no Direito Tributário Internacional, em que exerce função nitidamente secundária em relação a outras formas de expressão jurídica.33 Para Dalimier, esta função estaria restrita à interpretação das normas contidas em convenções internacionais.34 Em geral, os autores referem a existência de apenas um costume em Direito Tributário Internacional, que é o de conceder-se isenção, nos Estados onde se acham acreditados, aos agentes diplomáticos e, de certa forma, também aos funcionários consulares, quanto aos impostos diretos.35 Algumas práticas têm sido invocadas como começando a ganhar força de costume internacional, tais como a da tributação exclusiva das sociedades de 29 Cf. Jean-Claude MARTINEZ, op. cit., p. 6. 30 Cf. id., ibid., p. 6. 31 Op. cit., pp. 26-7. 32 Cf. Bernard PLAGNET, op. cit., p. 51. Cf. também Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., p. 48, nota nº 1, relativamente à referência que faz à posição de Knechtle. 33 Cf. Bernard PLAGNET, op. cit., p. 51; Ottmar BÜHLER, Principios de derecho internacional tributario, p. 52; Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., pp. 47-8; e Alegría BORRÁS, La doble imposición: problemas jurídico-internacionales, pp. 164-5. 34 Apud Alegría BORRÁS, op. cit., pp. 164-5. 35 Cf. Ottmar BÜHLER, op. cit., p. 52; Alegría BORRÁS, op. cit., p. 165; Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., pp. 47-8; Bernard PLAGNET, op. cit., pp. 73-9; Celso Duvivier de Albuquerque MELLO, Curso de direito internacional público, v. II, pp. 685 e 706. Para Manuel PIRES (op. cit., p. 550), NORR, (op. cit., p. 602, nota nº 3) e Manlio UDINA (“Il diritto internazionale tributario” in Trattato di diritto internazionale, pp. 156-7), referida isenção resulta da mera cortesia internacional, enquanto que, para P. J. MICHAUD (Régime fiscal des étrangers en France et des français à l’étranger, p. 120), do uso internacional. 35 navegação marítima e aérea no Estado da residência, e a que dispõe sobre a necessidade de estabelecimento estável situado no território de um Estado para a tributação de atividade empresarial exercida nesse Estado por residente de outro Estado. Estas práticas preenchem o requisito da inveterata consuetudo, não, porém, o da opinio juris seu necessitatis, ou seja, a convicção da sua obrigatoriedade, dada a crítica generalizada de que têm sido objeto por parte dos países em desenvolvimento, por lhes serem prejudiciais.36 2.2.5. JURISDIÇÃO INTERNACIONAL A jurisprudência internacional, produto da jurisdição internacional, tem desempenhado papel irrelevante do Direito Tributário Internacional, o que se explica por dois dados fundamentais: a recusa dos Estados em invocar jurisdições internacionais quanto a litígios de natureza tributária, e a impossibilidade de particulares funcionaremcomo partes na Corte Internacional de Justiça, principal órgão judiciário das Nações Unidas, que sucedeu à antiga Corte Permanente de Justiça Internacional, criada pela Liga das Nações.37 Obviamente, as questões tributárias são suscitadas quase sempre entre particulares e os Estados que lhes exigem o pagamento de tributos.38 36 Cf. Ottmar BÜHLER, op. cit., p. 53; Manuel PIRES, op. cit., pp. 550-1, nota nº 261; e Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., p. 48. 37 De acordo com o artigo 34-1 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, “Só os Estados poderão ser partes em questão perante a Corte.” A competência ratione personae da Corte abrange também determinados órgãos e organizações internacionais, relativamente a pareceres consultivos, embora o Estatuto não preveja expressamente essa hipótese. Quanto aos particulares, se desejam “... fazer valer direitos perante a Corte, é necessário que o seu governo espose as respectivas pretensões ou reclamações” (Hildebrando ACCIOLY, Manual de direito internacional público, p. 151). Sobre as causas da irrelevância da jurisprudência internacional no Direito Tributário Internacional, cf. Alegría BORRÁS, op. cit., p. 168; Bernard PLAGNET, op. cit., p. 25; e Alberto XAVIER, Direito tributário internacional do Brasil, cit., p. 48. 38 Em geral, os autores fazem referência à existência de apenas três decisões dos tribunais acima mencionados, envolvendo matéria tributária. São elas: parecer consultivo emanado da Corte Permanente da Justiça Internacional, em 5 de setembro de 1931, relativamente à licitude da união aduaneira formada entre a Alemanha e a Áustria, impugnada pela Sociedade das Nações; acórdão da Corte Permanente de Justiça Internacional, proferido em 7 de junho de 1932, a respeito de litígio entre a França e a Suíça sobre a zona de Genebra, versando também sobre questão aduaneira; acórdão da Corte Internacional de Justiça, proferido em 27 de agosto de 1952, em decorrência de litígio entre os Estados Unidos e a França sobre a isenção tributária de nacionais americanos residentes no Marrocos, na época Estado protegido pela França (Cf. Alegría BORRÁS, op. cit., p. 169; Bernard PLAGNET, op. cit., p. 26; e Ottmar BÜHLER, op. cit., p. 58). Todas estas decisões apresentam algo em comum, que 36 A fim de remover os obstáculos que dificultam à jurisprudência internacional o desempenho de papel mais importante no Direito Tributário Internacional, tem sido sugerida, há décadas, a criação de um Tribunal Internacional Tributário, ou mesmo de uma Câmara Tributária, no seio da Corte Internacional de Justiça.39 Este Tribunal – ou esta Câmara – teria competência para conhecer os litígios relativos à aplicação de convenções tributárias, resolver questões concernentes à dupla tributação e à evasão fiscal que surjam entre Estados na ausência de tais convenções e, principalmente, para receber diretamente dos particulares reclamações contra as decisões de natureza tributária internacional dos seus respectivos Estados. 2.2.6. NORMAS COMUNITÁRIAS Normas jurídicas comunitárias são aquelas provenientes de algumas organizações internacionais regionais, as comunidades de Estados, dentre as quais se destacam, pela sua importância e pelo êxito alcançado, as Comunidades Européias – Comunidade Européia do Carvão e do Aço, Comunidade Econômica Européia e Comunidade Européia da Energia Atômica. Trata-se de formas de expressão jurídica resultantes das várias fontes do Direito. Nas Comunidades Européias, tais normas jurídicas comunitárias constam dos tratados que as constituíram, respectivamente, Tratado de Paris, firmado em 18 de abril de 1951, e Tratado de Roma, assinado em 25 de março de 1957; outras de atos normativos diversos – decisões, diretivas, regulamentos -, emanados da Autoridade Comunitária, formada pelo Conselho de Ministros e pela Comissão, que são os órgãos executivos comuns à três Comunidades; outras resultam ainda da jurisdição do Tribunal das Comunidades Européias e mesmo da prática consuetudinária. As normas jurídicas comunitárias exercem papel relevante no Direito Tributário Internacional, ao tratarem da harmonização, por vezes da própria unificação, da legislação tributária dos Estados que compõem as comunidades de Estados, evitando o surgimento, entre eles, de problemas tributários internacionais e, caso surjam, facilitando a sua solução. é a afirmação da soberania fiscal dos Estados, conforme frisam Bernard PLAGNET e Alegría BORRÁS (respectivamente, op. cit., p. 25 e op. cit., p. 169). 39 Referida proposta foi feita no V Congresso da “International Fiscal Association”, celebrado em Zurique, em 1951 (Cf. Cahiers de droit fiscal international, v. 8). Sobre a importância da criação de tal tribunal, cf. as opiniões de Maxime CHRÉTIEN, “Contribution a l’étude du droit international fiscal actuel: le rôle des organizations internationales dans le règlement des questions d’impôts entre les divers Etats”, in Recueil des cours, v. 86, p. 111; Ottmar BÜHLER, op. cit. p. 57; e Alegría BORRÁS, op. cit., p. 170. 37 CAPÍTULO III DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL 3.1. SOBERANIA FISCAL 3.1.1. NOÇÃO O princípio da soberania fiscal é de fundamental importância no Direito Tributário Internacional, não sendo mesmo exagero afirmar que este como que gira em torno do referido princípio.1 Apesar da grande relevância do princípio em cogitação, todavia, normalmente os autores de Direito Tributário Internacional não lhe dispensam a devida atenção, deixando pouco explorados vários dos seus aspectos. Dentre os autores que se ocuparam do assunto, há aqueles para quem a soberania fiscal é absoluta, no sentido de que não existem normas de Direito Internacional Público que a limitem, e os que entendem que ela é relativa, por existirem tais normas. Ademais, afirmações como as de que a soberania fiscal se distingue da soberania política, e de que não existe correlação necessária entre soberania fiscal e soberania territorial, apesar de polêmicas, geralmente não são acompanhadas da devida fundamentação. Para tratar desses assuntos, é mister fazer ligeira incursão no estudo da noção de soberania estatal. Lembra Celso D. Albuquerque Mello, citando Bigne de Villeneuve, que a noção de soberania é uma das “... mais obscuras e mais discutidas...”, não obstante ter sido um dos assuntos mais estudados pelos autores de Teoria do Estado e de Direito Internacional.2 Segundo o mesmo autor, tal noção “... é eminentemente histórica, no sentido de que a sua interpretação tem variado no tempo e no espaço.”3 Coube ao jurista francês Jean Bodin a utilização, pela primeira vez, do termo “soberania” para designar a índole dos novos Estados independentes, que se foram constituindo na Europa a partir do século XIII.4 Ele a definiu como sendo o poder absoluto e perpétuo de uma República, vinculado, todavia, ao direito natural e ao direito das gentes.5 O conceito de soberania estatal foi posteriormente desenvolvido por 1 Cf. supra, cap. I, p. 26. 2 Curso de direito internacional público, v. I, p. 199. 3 Ibid., p. 200. Para um resumo da evolução das idéias a respeito de soberania, cf. José Alfredo de Oliveira BARACHO, “Teoria geral da soberania”, in Revista brasileira de estudos políticos, Belo Horizonte, (63/64): 7-137, jul./1986, jan., 1987. 4 Cf. José Alfredo de Oliveira BARACHO, op. cit., pp. 32-3; Alfred VERDROSS, Derecho internacional publico, p. 9; e Celso D. de Albuquerque MELLO, op. cit., p. 200. 5 Cf. Celso D. de Albuquerque MELLO, op. cit., p. 200. Alfred VERDROSS afirma que Jean Bodin admitiu que o poder soberano estaria vinculado também ao direito divino (op. cit., p. 9). Para José Alfredo de 38 Vattel, abrangendo a existência de “governo próprio” e de “independência”. Para ele o governo próprio dos Estados estaria subordinado às normas de moral e do Direito Internacional positivo, considerando que a independência
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