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Auditoria e Atividades Periciais - Texto Complementar

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Sugestão de texto para aprofundar o conhecimento sobre o assunto. 
http://www.segurancaetrabalho.com.br/textos-acidentes-trabalho-1.htm 
Metodologia de Análise de Acidentes 
Investigação de Acidentes do Trabalho 
Ildeberto Muniz de Almeida e Maria Cecília Pereira Binder 
Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP 
In: "Combate aos Acidentes Fatais Decorrentes do Trabalho". MTE/SIT/DSST/FUNDACENTRO, 
2000 p.35-51. 
 1. INTRODUCAO 
 O objetivo deste texto é o de auxiliar profissionais que se dedicam à prevenção de acidentes do 
trabalho típicos comuns - em particular, dos acidentes fatais, não abordando acidentes ampliados, 
nem acidentes de trânsito. 
 Inicialmente são apresentados alguns conceitos básicos para, a seguir, enfocar aspectos 
considerados importantes na investigação dos acidentes do trabalho e, finalmente, aspectos 
relativos à gestão de segurança. 
 Os acidentes do trabalho (AT) são fenômenos socialmente determinados, previsíveis e preveníveis. 
Ao contrário de constituir obra do acaso como sugere a palavra acidente, os acidentes do trabalho 
são fenômenos previsíveis, dado que os fatores capazes de desencadea-los encontram-se presentes 
na situação de trabalho (passíveis de identificação) muito tempo antes de serem desencadeados. A 
eliminação / neutralização de tais fatores é capaz de evitar / limitar a ocorrência de novos episódios 
semelhantes, ou seja, além de previsíveis, os acidentes do trabalho são preveníveis. 
 Afirmar que os AT são socialmente determinados eqüivale a dizer que resultam de fenômenos 
sociais, sobretudo da forma de inserção dos trabalhadores na produção e, consequentemente, no 
consumo, expressando as correlações de forças existentes em sociedades concretas. 
 Nesses termos, sua prevenção ultrapassa o âmbito das ações desenvolvidas e, ou coordenadas por 
ministérios como o do Trabalho, da Saúde e da Seguridade / Previdência Social. Em outras 
palavras, políticas públicas de saúde e segurança do trabalho, necessariamente devem contemplar, 
dentre outros, os seguintes aspectos: 
 Elaboração de leis e normas (severas) acerca das condições de segurança de máquinas e 
equipamentos para que possam ser comercializados; 
 Concessão de financiamentos a juros subsidiados a empresas, viabilizando investimentos 
para melhorar suas condições de segurança e salubridade no trabalho; 
 Destinação de volume de recursos (compatíveis com as características e necessidades do 
país) às instituições públicas encarregadas da fiscalização das condições de saúde e 
segurança do trabalho; 
 Criação de instituições (ou de mecanismos) capazes de aconselhar as empresas, 
particularmente as micro, pequenas e medias, nas questões de saúde e segurança do 
trabalho; 
 Destinação de recursos visando o atendimento de demandas originadas dos problemas de 
saúde e segurança do trabalho prioritários nas várias macro e, ou micro-regiões do país, 
dirigidas sobretudo à busca de soluções adequadas e com custo compatível à realidade 
brasileira; 
 Garantir que, além de assistência à saúde de boa qualidade sensu lato, os trabalhadores 
sejam atendidos por profissionais capacitados a suspeitar de / diagnosticar doenças 
profissionais e relacionadas ao trabalho, sendo ainda capazes de adotar as condutas 
adequadas exigidas pela legislação trabalhista e previdenciária. 
 As mudanças das condições de saúde e segurança do trabalho passam necessariamente pela 
existência de pressões sociais que, praticamente inexistem no Brasil. 
 O desafio da heterogeneidade 
A realidade brasileira em termos de segurança do trabalho é extremamente heterogênea, o que 
constitui dificuldade adicional para os profissionais da prevenção, uma vez que em seu cotidiano 
enfrentarão tanto situações cujo diagnóstico é relativamente simples, como situações complexas que 
exigirão estudo, consulta a especialistas, etc. 
De modo geral, pode-se dizer que em situações de incidência elevada de acidentes do trabalho, é 
possível identificar a maioria dos problemas com relativa facilidade, por meio de inspeções de 
segurança. Trata-se de situações nas quais o desrespeito à legislação é flagrante, com indicação de 
ações de prevenção calcadas na aplicação das normas legais vigentes. Em boas condições de 
segurança, com baixa incidência de acidentes, estes dependem da ocorrência de várias alterações, 
simultâneas ou seqüenciais, na forma de desenvolvimento do trabalho que, por não estarem 
presentes na situação de trabalho habitual, dificilmente são identificadas por meio de inspeções de 
segurança clássicas. 
Monteau (1) sugere uma classificação dos acidentes do trabalho que pode auxiliar na escolha de 
métodos para sua investigação em condições de segurança do trabalho heterogêneas, como as 
existentes em nosso pais (vide quadro). 
 QUADRO I – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES SEGUNDO O ESTÁGIO 
DE SEGURANÇA DAS EMPRESAS, SEGUNDO MONTEAU. 
 CARACTERÍSTICA 
ANALISADA 
TIPOS DE ACIDENTES 
 1 2 3 
 Taxa de 
freqüência 
elevada moderada baixa 
 Estrutura do AT linear ou 
quase linear 
conjunção de 
alguns fatores 
conjunção de 
muitos fatores 
 Situação 
acidentogênica 
 
Freqüência de 
aparecimento 
permanente/ 
muito freqüente 
esporádica excepcional 
Atividades em 
desenvolvimento 
específicas, 
habituais, ligadas 
ao posto de trabalho 
conexas, secundárias, 
não habituais 
inespecíficas 
Natureza dos problemas desrespeito 
flagrante à 
legislação de 
segurança 
relacionados a fatores da 
organização do 
trabalho/gerenciamento 
da empresa 
acúmulo de fatores que, 
isoladamente não 
afetariam a segurança 
Diagnóstico a priori Fácil difícil muito difícil 
Como diagnosticar inspeções de 
segurança 
análise auditorias de qualidade, 
método ADC, árvore de 
falhas... 
 Operação de máquinas com zona de operação aberta, permitindo acesso de partes do corpo do 
trabalhador e trabalho em altura sem proteção contra quedas constituem bons exemplos de 
situações que geram acidentes do tipo 1, observando-se que a maioria dos fatores estavam presentes 
na situação de trabalho habitual. Basta pequena mudança na realização da tarefa, às vezes 
imperceptível ao próprio acidentado, para que o acidente sobrevenha, verificando-se que a 
segurança depende, quase que exclusivamente, do desempenho do trabalhador. 
 Como exemplos de acidentes do tipo 2 temos: 
 0 equipamento para suspensão de motores de empilhadeiras ("girafinha") durante 
atividades de conserto e manutenção está quebrado. 0 motor de uma empilhadeira quebra e, 
para consertá-lo, o mecânico apoia o motor em dois "sarrafos" de madeira. 0 motor 
"escapa", atinge a mão do mecânico, ferindo-a. 
 A furadeira de peças, com sistema que mantém imóvel o conjunto peça-gabarito quebra e é 
temporariamente substituída por furadeira de chapas (sem fixação). Durante a furação, 
uma peça escapa, atingindo o operador. 
 Nesses dois casos, as condições que geraram o acidente estiveram presentes de forma limitada no 
tempo e inspeções de segurança, realizadas em condições habituais de trabalho, não revelariam o 
perigo, pois o conserto do motor estaria sendo executado na "girafinha" e a peça, furada com 
equipamento apropriado. 
Situações semelhantes – com duração limitada no tempo – freqüentemente ocorrem durante 
operações de ajustes para reprogramação de máquinas, em casos de intervenções para corrigir 
falhas em processo de produção e na realização de manutenções, sobretudo corretivas. 
 Vejamos um exemplo de acidente do tipo 3: 
 Um pega-toras entra em pane durante o turno noturno e a equipe de plantão (reduzida) não 
consegue conserta-lo. Um carregamento de matéria-primaaguardado para o dia seguinte 
chega à empresa e o supervisor designa o operador do pega-toras em pane para operar um 
triturador raramente utilizado. Nessa nova situação, o trabalhador sofre um acidente. 
 No exemplo, constata-se que as condições habituais de trabalho sofreram várias modificações, que 
ocorreram de forma limitada no tempo e de forma quase simultânea, dando origem ao acidente. Da 
mesma forma que nos dois exemplos anteriores (tipo 2), uma inspeção de segurança dificilmente 
identificaria os fatores envolvidos no desencadeamento desse acidente. 
 Se tivessem ocorrido isoladamente - pane do pega-toras, pane noturna, incapacidade de reparação 
pela equipe de manutenção (noturna e reduzida), antecipação da chegada de matéria-prima -, tais 
fatores não teriam sido capazes de gerar as pré-condições representadas pela designação de um 
trabalhador para operar uma máquina com a qual não estava familiarizado e que culminou com a 
ocorrência do acidente. 
 Relatos desse tipo tem ocorrido em sistemas complexos, como usinas de energia atômica, empresas 
aeroespaciais, indústrias químicas ... Nessas empresas, consideradas seguras, geralmente a história 
do acidente revela tolerância pregressa à presença de fatores que, isoladamente, não seriam 
suficientes para desencadea-lo. Tal tolerância provavelmente relaciona-se com o fato de cada uma 
das alterações, isoladamente, não ser considerada perigosa. 
 É necessário salientar que, na classificação proposta por Monteau, não existem limites estanques 
entre um tipo de acidente e outro, mas toda uma gradação que vai de situações nas quais os 
acidentes são fenômenos relativamente simples, com fatores causais diagnosticáveis por inspeções 
de segurança, até situações altamente complexas, que exigem utilização de métodos que dêem conta 
dos múltiplos fatores envolvidos na gênese dos casos investigados. 
2. IMPLICAÇÕES DA CONCEPÇÃO CAUSAL NA PREVENÇÃO DE ACIDENTES 
Acreditar que o acidente do trabalho é fruto da fatalidade implica em aceitar que não há como 
preveni-lo. Concebê-lo como castigo de Deus, em buscar a solução em orações. 
Entender que os acidentes do trabalho são fenômenos uni ou pauci-causais, decorrentes, sobretudo, 
de atos inseguros praticados pelos trabalhadores, implica em centrar as ações preventivas no 
comportamento dos trabalhadores. Aliada à identificação de responsável pelo acidente, tal 
concepção acaba por atribuir ao acidentado, culpa pela ocorrência de que foi vitima. Cabe salientar 
que o encontro de responsável ou culpado, torna desnecessário investigar as causas do acidente, 
deixando intocados os fatores que lhes deram origem. 
Investigações que atribuem a ocorrência do acidente a comportamentos inadequados do 
trabalhador ("descuido", "negligência", "imprudência", "desatenção" etc.), evoluem para 
recomendações centradas em mudanças de comportamento: "prestar mais atenção", "tomar mais 
cuidado", "reforçar o treinamento"... Tais recomendações pressupõem que os trabalhadores são 
capazes de manter elevado grau de vigília durante toda a jornada de trabalho, o que é incompatível 
com as características bio-psico-fisiológicas humanas. Em conseqüência, a integridade física dos 
trabalhadores fica na dependência quase exclusiva de seu desempenho na execução das tarefas. 
De acordo com concepções mais recentes, os acidentes de trabalho resultam de modificações ou 
desvios que ocorrem no interior de sistemas de produção, modificações ou desvios esses que por sua 
vez resultam da interação de múltiplos fatores. Concebendo a empresa como um sistema sócio-
técnico aberto e o acidente como um sinal de mau funcionamento desse sistema, investigá-lo implica 
em analisar aspectos do sub-sistema técnico (instalações, máquinas, lay-out, tecnologia, produtos ...) 
e do sub-sistema social da empresa (idade e sexo dos trabalhadores, qualificação profissional, 
organização do trabalho, relações pessoais e hierárquicas, cultura da empresa, contexto psico-
sociológico, etc.). 
Um conceito básico na teoria de sistemas e o de equilíbrio ou homeostase, considerando-se estável o 
sistema que, submetido a perturbações, retorna à condição de equilíbrio devido às suas 
características intrínsecas ou por ação externa. Em algumas situações de trabalho o equilíbrio 
precário exige intervenção de operadores / trabalhadores que nem sempre se desenrolam com 
sucesso, podendo advir prejuízos na produtividade e, ou acidentes. 
3. ACEITABILIDADE DE RISCOS 
Determinadas condições de trabalho configuram situação que pode ser resumida como acidente 
esperando para acontecer (2). Elas resultam da aceitação de situações descontroladas do ponto de 
vista da segurança do trabalho, constituindo condição de risco assumido pela empresa. 
Estudos recentes revelam que a aceitabilidade de riscos varia de acordo com algumas 
características sociais e que sociedades afluentes (ricas) aceitam menos os riscos que sociedades 
pobres. Vários fatores permeiam essa aceitabilidade particularmente os culturais, assim como o 
grau de organização dos diferentes grupos sociais. Estudo realizado na França (Bonnefous, 1995) 
revelou que os acidentes do trabalho estão em 6º lugar na percepção de riscos pela população, com 
43% dos entrevistados referindo sentirem-se ameaçados pelo risco de acidentar-se no trabalho. 
Nesse estudo, verificou-se que riscos de acidentes em rodovias, de poluição das águas, de poluição 
atmosférica, de Aids e de transporte de cargas perigosas são percebidos em ordem decrescente 
pelos entrevistados. 
No interior de uma empresa, a aceitação de determinados riscos é decidida em nível gerencial, 
porém, quem arca com os custos humanos é o trabalhador, cabendo à sociedade como um todo, 
arcar com os custos sociais e econômicos (mecanismo de socialização das perdas). 
Simard parte do pressuposto que as empresas operam em função de fatores como racionalidade 
econômica, relações sociais e evolução cultural da sociedade, afirmando que, na ausência de 
movimento social em prol da prevenção de acidentes do trabalho, acabam prevalecendo interesses 
dos profissionais que planejam o trabalho, que dificilmente aceitam que houve falhas em seu 
planejamento, delas resultando acidentes do trabalho. 
4. A INVESTIGACÃO DO ACIDENTE 
 A partir da informação da ocorrência de um acidente a equipe de investigação deve, se possível, 
inteirar-se do tipo de caso a ser investigado, visando preparar-se tecnicamente para conduzi-la. É 
da maior importância dar início à investigação o mais rapidamente possível. 
Recomenda-se dispor de um "kit" pronto (papel, prancheta, lápis, caneta, borracha, trena, 
máquina fotográfica e, ou filmadora, e filmes). 
 A escolha do método de investigação depende da complexidade do fenômeno investigado. Em 
situações de trabalho caracterizadas por desrespeito evidente à legislação e às regras básicas de 
segurança, a investigação é relativamente fácil de ser conduzida. Em situações de trabalho 
complexas em que o acidente é fruto da interação entre vários fatores, são necessários métodos de 
investigação capazes de elucidar os vários aspectos envolvidos em sua gênese. 
 A coleta de dados é uma fase crucial que deve ser realizada no próprio local de ocorrência do 
acidente. Uma boa coleta deve possibilitar a compreensão de como o acidente ocorreu, quase como 
se fosse possível visualizá-lo passo a passo. 
 A sistematização da coleta de dados facilita esta tarefa, além de ajudar a evitar que aspectos 
importantes deixem de ser investigados. Em nossas investigações, mesmo quando não utilizamos o 
método de Árvore de Causas, realizamos a coleta de dados com auxílio de suas categorias de 
análise, ou seja, atividade em desenvolvimento, desdobrada nos componentes: 
 Indivíduo - (qualificação,treinamento recebido, função / posto de trabalho habituais e por ocasião 
do acidente etc.); 
 Tarefa - o que o trabalhador(res) / indivíduo(s) executa(m) em condições habituais de trabalho e 
por ocasião do acidente; 
 Material - maquinas e equipamentos, matérias-primas, etc utilizados na execução da tarefa; meio 
de trabalho – entendido como o meio social da empresa (relações sociais, pessoais, hierárquicas), 
forma de organização do trabalho, treinamentos ministrados, etc. 
 Recomenda-se: 
 Tirar fotografias / filmar; fazer esquemas do cenário / máquinas... relacionados ao acidente 
que ocorreu; 
 Descrever instalações físicas, condições de iluminação, nível de ruído, posição de máquinas, 
equipamentos etc.; 
 Verificar o tipo de energia utilizada; se for o caso, descrever máquinas e, ou equipamentos 
(tipo, forma de acionamento, de alimentação, etc.); 
 Descrever a forma habitual de execução da atividade em desenvolvimento no momento de 
ocorrência do acidente; 
 Identificar, em relação às condições de trabalho habituais (trabalho real, não trabalho 
prescrito), isto é, sem ocorrência de acidente, o que mudou /alterou /variou, investigando as 
origens das alterações / mudanças / variações ocorridas. É extremamente importante 
identificar as condições do sistema que permitiram o aparecimento dessas mudanças (ou 
variações). Em outras palavras, buscar as "causas das causas". 
 Descrever cuidadosamente as mudanças que provocaram perturbações que ultrapassaram a 
tolerância habitual do sistema, ou seja, aquelas que não foram solucionadas com as 
estratégias adotadas no funcionamento do sistema nas situações sem acidente. 
 Quando não for possível esclarecer como se originou determinada modificação ou variação, 
explorar hipóteses possíveis acerca de sua origem e, para cada hipótese, buscar evidências 
diretas ou indiretas de sua ocorrência. Por exemplo, no caso de sistemas técnicos, a 
existência de componentes alterados e, ou com marcas do ocorrido pode fornecer 
informações importantes, seja por visualização direta, seja por exames em laboratórios ou 
serviços especializados. Da mesma forma, os registros relativos ao histórico de manutenção 
de uma máquina, inclusive aqueles relativos às mudanças efetuadas após o acidente com 
vistas a sua liberação podem ser úteis. 
 Buscar confirmação para todas as afirmações colhidas nas entrevistas visando descrever os 
fatores que participaram do desencadeamento do acidente com a maior fidelidade possível. 
 A obtenção dessas informações exigirá a realização de entrevistas com vários interlocutores: 
acidentado (que não estará vivo para informar em casos de acidentes fatais), testemunhas do 
ocorrido, colegas de trabalho, chefias, membros de CIPA e SESMT (quando houver), outros 
acidentados que tenham sofrido acidentes semelhantes etc. Em casos de acidentes envolvendo mais 
de uma empresa, incluir seus membros na relação de pessoas a entrevistar. 
Durante as entrevistas, diante de expressões como "foi um descuido", "acho que não prestei muita 
atenção", "fiz uma bobeira", utilizadas pelos próprios acidentados vítimas de acidentes não fatais 
para descrever os episódios de que foram vítimas, é imprescindível indagar - e, se necessário, 
insistir -, como foi o tal "descuido", a "falta de atenção" ... procurando caracterizar o sentido da 
expressão utilizada pelo trabalhador (ou testemunha, ou colega ... em casos de acidentes fatais). 
Sobretudo, é da maior importância investigar suas causas. Freqüentemente os "descuidos" 
ocorrem em situações de pressão de tempo para execução de tarefas (urgências de varias naturezas 
e origens), ao final de turnos noturnos, ao final de jornadas de trabalho prolongadas por horas-
extras, em situações de fadiga evidente do trabalhador, durante execução de tarefas anexas / 
secundárias, ou de tarefas eventuais, como por exemplo as de manutenção. 
Investigações cuidadosas geralmente permitem identificar se os limites das capacidades humanas 
foram ultrapassados. Mesmo em grandes empresas é freqüente encontrar situações em que a 
segurança do trabalhador dependia, quase exclusivamente, de seu desempenho na execução da 
tarefa. 
É fundamental que durante a coleta de informações sejam descritos fatos passíveis de constatação. 
Por exemplo, ao invés de registrar "expôs-se desnecessariamente ao perigo", descrever ações, 
posições, etc. adotadas pelo trabalhador, sem emitir juízo de valor. Da mesma forma, não incluir 
interpretações e ou conclusões do investigador durante a fase de coleta de dados. 
Uma boa descrição de acidente é objetiva e precisa, desprovida de juízos de valor, de 
interpretações, e de conclusões. Para conseguir executar uma coleta de dados que atenda esses 
requisitos, é muito importante ter sempre em mente que se buscam as "causas das causas" do 
acidente visando a prevenção, e não a identificação de responsáveis e, ou culpados (objetivos de 
investigações com finalidades jurídicas). 
 Deve-se evitar: 
 Interrupções precoces na coleta de dados, particularmente quando se trata de 
comportamentos adotados durante a execução de tarefas - é importante investigar suas 
origens, ao invés de simplesmente rotular como falha do acidentado. 
 Considerar prescrições ou normas como equivalentes à tarefa habitual e padrão de 
referência para identificação de variações ou mudanças no sistema. 0 trabalho real não deve 
jamais ser confundido ou reduzido ao trabalho prescrito. Procurar conhecer o trabalho real 
demanda tempo, entrevistas com operadores, etc. 
 Tomar como "causas" opiniões "a priori", que não foram adequadamente investigadas, 
formando opiniões precoces acerca de causas do acidente que vai ser 
investigado,"contaminando" e prejudicando a investigação. 
 Aceitar como verdade informações sem verificar sua veracidade. A titulo de exemplo, pode 
ser citado um fato ocorrido durante investigação de acidente fatal em uma grande 
siderúrgica brasileira. Em reunião entre representantes sindicais, técnicos de várias 
instituições, um representante da empresa afirmou não ser possível a instalação de uma 
tampa no "panelão" que transportava aço fundido para as lingoteiras. Isso porque a tampa 
provocaria modificações no aço que eram incompatíveis com as especificações do produto. 
Posteriormente, verificou-se que tal afirmação era falsa. 
 Organização e análise dos dados 
 Os dados coletados devem ser organizados, isto é, deve ser elaborada uma descrição coerente do 
acidente, baseada em fatos passíveis de serem observados / constatados, sem emissão de juízos de 
valor e, ou interpretações, e que permita ao(s) investigador(es) "visualizar" da maneira mais 
completa possível, como o episódio se desenrolou. Esta etapa é fundamental na investigação. 
Embora aparentemente fáceis de serem realizadas, boas descrições exigem treinamento. Pode-se 
considerar adequada uma descrição cuja leitura permita a compreensão de como o acidente 
ocorreu, por profissionais que não participaram da investigação. 
 Somente após elaborar a descrição do acidente é que se deve analisar e interpretar as informações 
registradas e que nortearão a prevenção. 
5 - A PREVENÇÃO 
No caso de empresas já em funcionamento, a organização da prevenção implica na identificação / 
diagnóstico dos riscos, de preferência antes que acidentes aconteçam, por meio de inspeções de 
segurança. Investigações bem conduzidas de acidente, quase acidentes e incidentes (acidentes sem 
vítima) fornecem informações valiosas à prevenção. 
À fase de diagnóstico, segue-se a de correção – eliminação ou neutralização das falhas identificadas. 
Nessa fase, alguns autores recomendam que se inicie pela listagem de medidas sem levar em 
consideração exequibilidade ou custos (momento emque a criatividade deve ser estimulada). 
Evidentemente, em situações de desrespeito às normas consagradas de segurança, previstas em lei, 
e com medidas de prevenção já bem estabelecidas, a listagem de medidas é mais fácil, dispensando 
"exercícios de imaginação" / "brain storming". Entretanto, algumas situações mais complexas, por 
exemplo após ocorrência de acidentes de tipo 2 ou 3, o diagnóstico poderá revelar falhas cuja 
correção pode envolver medidas que não as clássicas de engenharia de segurança. Nesses casos, o 
"exercício de imaginação" / "brain storming" costuma ser bastante útil. 
Recomenda-se listar o maior número de medidas de prevenção possível, de tal forma que, no 
momento da seleção haja um leque de medidas para escolher. 
Listadas as medidas de prevenção possíveis a partir do diagnóstico realizado, a etapa seguinte é a 
de seleção das medidas a serem implantadas. Nesse ponto, é importante que critérios de seleção 
sejam considerados. Assim, recomenda-se que as medidas selecionadas sejam capazes de: 
 eliminar ou neutralizar riscos; 
 não criar novos riscos; 
 ter estabilidade ao longo do tempo; 
 não aumentar as exigências para o operador; 
 ter prazo de implantação compatível com o risco identificado; 
 não ter efeitos negativos sobre a produtividade (se isso ocorrer, correm o risco de ser 
abandonadas). 
Alguns autores citam a relação custo-benefício das medidas como um dos critérios de seleção. Esse 
pode ser um dos critérios em situações em que uma das medidas dentre as várias possíveis não 
oferece benefícios adicionais e apresenta custo elevado ou relação custo / benefício elevada. Cabe 
assinalar que os escalões hierárquicos superiores / gerências decidem que medidas adotar, porém 
ressaltando que quem se expõe é o trabalhador. Se a empresa não arcar com o custo da prevenção, 
ocorrendo o acidente, o custo passa para o trabalhador e para a sociedade. 
Além das características mencionadas acima, deve-se dar preferencia a medidas automáticas, ou 
seja, que independam de mudanças de comportamento / adesão dos trabalhadores e que, em geral, 
tendem a se enfraquecer ao longo do tempo, exigindo reforços periódicos. 
De acordo com Hale e Glendon (3), o acidente indica que as capacidades de controle do sistema 
foram excedidas e que, muito tempo antes disso acontecer, era possível prever sua ocorrência. Para 
esses autores, embora o comportamento do acidentado possa ser o fator imediatamente antecedente 
ao acidente, esse comportamento geralmente é irrelevante para a prevenção. 
Considera-se seguro o sistema capaz de tolerar erros do operador sem ocorrência de acidente. 
Nessa condição, diz-se que o sistema foi concebido considerando-se o princípio da falha segura. 
Selecionadas as medidas de prevenção, segue-se a fase de implantação, quando é imprescindível, 
por parte da empresa, a definição clara de recursos, de responsáveis e de prazos para a 
implantação de cada uma das medidas selecionadas. Por parte da equipe de fiscalização, é crucial a 
definição de responsável(eis) pela verificação da execução do que tiver sido estabelecido. 
Implantadas as medidas, segue-se a fase de acompanhamento da evolução para avaliação de seu 
impacto, verificação de ocorrência eventual de deslocamento de risco, de aumento de exigências 
para o operador etc. 
A negociação com a empresa sobre as medidas de prevenção requer a criação de condições capazes 
de facilitar seu desenrolar. Negociar, entretanto, não exclui os aspectos técnicos e o conhecimento 
da legislação em vigor de tal sorte que, se as condições de segurança estão em desacordo com as 
normas legais, não há muito que discutir em termos da necessidade de adequa-las, cabendo, 
eventualmente, acordar prazos. 
Implantar medidas de prevenção, incorporando os ensinamentos obtidos durante a investigação, é 
facilitado pela existência de clima favorável à negociação entre os diferentes agentes envolvidos: na 
empresa, por parte dos responsáveis pela tomada de decisões e dos responsáveis pela implantação e 
acompanhamento das medidas de prevenção indicadas, entre os trabalhadores, que devem ter 
consciência do direito a condições de trabalho salubres e seguras, entre os membros da equipe de 
investigação, que devem estar preparados para negociar e, sobretudo para acompanhar a 
implantação do que for acordado. 
A presença de representantes dos trabalhadores, particularmente dos sindicatos, tem papel 
fundamental nas negociações. Entretanto, nem sempre isso é possível, dada a fragilidade e mesmo a 
inexistência de sindicatos em muitas regiões do pais. 
Além de difíceis, as negociações freqüentemente são conflituosas e desgastantes, sobretudo no 
contexto brasileiro, no qual identificam-se mecanismos de atribuição de culpa aos acidentados, 
práticas autoritárias por parte de empresários, ausência de tradição de participação dos 
trabalhadores e de seus representantes em discussões de questões relativas à saúde e segurança do 
trabalho. 
6. OBSERVAÇÕES FINAIS 
Existem alguns métodos de investigação de acidentes disponíveis na literatura. No Brasil, tem 
havido difusão e, ou recomendação de métodos nem sempre indicados para os tipos de episódios a 
serem investigados. Além disso, não é raro que a realização de treinamentos e reciclagens seja 
negligenciada, acarretando utilização inadequada do método adotado. 
Existem formulários / questionários (check list) capazes de auxiliar na identificação de "situações 
de risco grave e iminente" e de acidentes com máquinas, e que podem ser de grande auxílio. 
Entretanto, é importante salientar que tais instrumentos não suprem as carências de treinamento 
visando capacitar os profissionais na investigação de aspectos não explorados pelos questionários. 
É muito importante ter em mente que a investigação de um acidente é um processo de construção 
coletiva que envolve os membros da equipe investigadora e os interlocutores da empresa. No 
tocante ás empresas, acidentado(s), chefias, colegas de trabalho e, quando existentes, responsáveis 
pela manutenção, pela aquisição de materiais, técnicos e engenheiros de segurança, são pessoas que 
detém conhecimentos acerca de aspectos que podem ser fundamentais na identificação das "causas 
das causas" do episódio investigado. É indispensável que essas pessoas sejam ouvidas. É também 
importante consultar laudos e documentos diversos eventualmente existentes a respeito de 
máquinas e equipamentos direta ou indiretamente envolvidos na ocorrência do acidente. 
Evidentemente, o grau de aprofundamento vai estar relacionado a complexidade maior ou menor 
do episódio sob investigação. Em casos simples, que requeiram aplicação de medidas clássicas de 
engenharia de segurança, previstas na legislação, a investigação pode ser dirigida à correção de tais 
falhas, tomando-se o cuidado de prescrever medidas que abranjam a empresa como um todo e não 
apenas a situação / condição que deu origem ao acidente investigado. 
Qualquer que seja o tipo de acidente a ser investigado, a equipe de investigação deve procurar 
instruir as empresas existentes em sua área de atuação, utilizando os meios de divulgação 
adequados à realidade local, acerca da importância de receber as informações sobre a ocorrência 
dos acidentes o mais rapidamente possível, particularmente em se tratando de casos graves. Alem 
disso, deve divulgar a importância de preservar o local do acidente facilitando a coleta de 
informações que, com raras exceções, deve ser realizada no próprio local de ocorrência. 
É aconselhável que os dados sobre as condições de segurança da empresa, a medida em que forem 
sendo obtidos, sejam organizados de forma sistematizada - arquivo /banco de dados. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
1. Monteau M. La gestionde la sécurité du travail dans l’ entreprise: du carter au plan 
qualité.Performances Humaines et Techniques, 1992, 61: 29-34. 
2. Carter FA & Corlett EN. Shiftwork and accidents. In Psychological aprroaches to night and 
shiftwork. International Research Papers. Edited by Alexander Widenburn and Peter Smith. 
Heriot-Watt University, Edinburgh, Scotland. 1984. 
3. Hale AR & Glendon AI. Individual Behaviour in the Control of Danger. Amsterdam, Elservier, 
1987.

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