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Sugestão de texto para aprofundar o conhecimento sobre o assunto. http://www.segurancaetrabalho.com.br/textos-acidentes-trabalho-1.htm Metodologia de Análise de Acidentes Investigação de Acidentes do Trabalho Ildeberto Muniz de Almeida e Maria Cecília Pereira Binder Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP In: "Combate aos Acidentes Fatais Decorrentes do Trabalho". MTE/SIT/DSST/FUNDACENTRO, 2000 p.35-51. 1. INTRODUCAO O objetivo deste texto é o de auxiliar profissionais que se dedicam à prevenção de acidentes do trabalho típicos comuns - em particular, dos acidentes fatais, não abordando acidentes ampliados, nem acidentes de trânsito. Inicialmente são apresentados alguns conceitos básicos para, a seguir, enfocar aspectos considerados importantes na investigação dos acidentes do trabalho e, finalmente, aspectos relativos à gestão de segurança. Os acidentes do trabalho (AT) são fenômenos socialmente determinados, previsíveis e preveníveis. Ao contrário de constituir obra do acaso como sugere a palavra acidente, os acidentes do trabalho são fenômenos previsíveis, dado que os fatores capazes de desencadea-los encontram-se presentes na situação de trabalho (passíveis de identificação) muito tempo antes de serem desencadeados. A eliminação / neutralização de tais fatores é capaz de evitar / limitar a ocorrência de novos episódios semelhantes, ou seja, além de previsíveis, os acidentes do trabalho são preveníveis. Afirmar que os AT são socialmente determinados eqüivale a dizer que resultam de fenômenos sociais, sobretudo da forma de inserção dos trabalhadores na produção e, consequentemente, no consumo, expressando as correlações de forças existentes em sociedades concretas. Nesses termos, sua prevenção ultrapassa o âmbito das ações desenvolvidas e, ou coordenadas por ministérios como o do Trabalho, da Saúde e da Seguridade / Previdência Social. Em outras palavras, políticas públicas de saúde e segurança do trabalho, necessariamente devem contemplar, dentre outros, os seguintes aspectos: Elaboração de leis e normas (severas) acerca das condições de segurança de máquinas e equipamentos para que possam ser comercializados; Concessão de financiamentos a juros subsidiados a empresas, viabilizando investimentos para melhorar suas condições de segurança e salubridade no trabalho; Destinação de volume de recursos (compatíveis com as características e necessidades do país) às instituições públicas encarregadas da fiscalização das condições de saúde e segurança do trabalho; Criação de instituições (ou de mecanismos) capazes de aconselhar as empresas, particularmente as micro, pequenas e medias, nas questões de saúde e segurança do trabalho; Destinação de recursos visando o atendimento de demandas originadas dos problemas de saúde e segurança do trabalho prioritários nas várias macro e, ou micro-regiões do país, dirigidas sobretudo à busca de soluções adequadas e com custo compatível à realidade brasileira; Garantir que, além de assistência à saúde de boa qualidade sensu lato, os trabalhadores sejam atendidos por profissionais capacitados a suspeitar de / diagnosticar doenças profissionais e relacionadas ao trabalho, sendo ainda capazes de adotar as condutas adequadas exigidas pela legislação trabalhista e previdenciária. As mudanças das condições de saúde e segurança do trabalho passam necessariamente pela existência de pressões sociais que, praticamente inexistem no Brasil. O desafio da heterogeneidade A realidade brasileira em termos de segurança do trabalho é extremamente heterogênea, o que constitui dificuldade adicional para os profissionais da prevenção, uma vez que em seu cotidiano enfrentarão tanto situações cujo diagnóstico é relativamente simples, como situações complexas que exigirão estudo, consulta a especialistas, etc. De modo geral, pode-se dizer que em situações de incidência elevada de acidentes do trabalho, é possível identificar a maioria dos problemas com relativa facilidade, por meio de inspeções de segurança. Trata-se de situações nas quais o desrespeito à legislação é flagrante, com indicação de ações de prevenção calcadas na aplicação das normas legais vigentes. Em boas condições de segurança, com baixa incidência de acidentes, estes dependem da ocorrência de várias alterações, simultâneas ou seqüenciais, na forma de desenvolvimento do trabalho que, por não estarem presentes na situação de trabalho habitual, dificilmente são identificadas por meio de inspeções de segurança clássicas. Monteau (1) sugere uma classificação dos acidentes do trabalho que pode auxiliar na escolha de métodos para sua investigação em condições de segurança do trabalho heterogêneas, como as existentes em nosso pais (vide quadro). QUADRO I – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES SEGUNDO O ESTÁGIO DE SEGURANÇA DAS EMPRESAS, SEGUNDO MONTEAU. CARACTERÍSTICA ANALISADA TIPOS DE ACIDENTES 1 2 3 Taxa de freqüência elevada moderada baixa Estrutura do AT linear ou quase linear conjunção de alguns fatores conjunção de muitos fatores Situação acidentogênica Freqüência de aparecimento permanente/ muito freqüente esporádica excepcional Atividades em desenvolvimento específicas, habituais, ligadas ao posto de trabalho conexas, secundárias, não habituais inespecíficas Natureza dos problemas desrespeito flagrante à legislação de segurança relacionados a fatores da organização do trabalho/gerenciamento da empresa acúmulo de fatores que, isoladamente não afetariam a segurança Diagnóstico a priori Fácil difícil muito difícil Como diagnosticar inspeções de segurança análise auditorias de qualidade, método ADC, árvore de falhas... Operação de máquinas com zona de operação aberta, permitindo acesso de partes do corpo do trabalhador e trabalho em altura sem proteção contra quedas constituem bons exemplos de situações que geram acidentes do tipo 1, observando-se que a maioria dos fatores estavam presentes na situação de trabalho habitual. Basta pequena mudança na realização da tarefa, às vezes imperceptível ao próprio acidentado, para que o acidente sobrevenha, verificando-se que a segurança depende, quase que exclusivamente, do desempenho do trabalhador. Como exemplos de acidentes do tipo 2 temos: 0 equipamento para suspensão de motores de empilhadeiras ("girafinha") durante atividades de conserto e manutenção está quebrado. 0 motor de uma empilhadeira quebra e, para consertá-lo, o mecânico apoia o motor em dois "sarrafos" de madeira. 0 motor "escapa", atinge a mão do mecânico, ferindo-a. A furadeira de peças, com sistema que mantém imóvel o conjunto peça-gabarito quebra e é temporariamente substituída por furadeira de chapas (sem fixação). Durante a furação, uma peça escapa, atingindo o operador. Nesses dois casos, as condições que geraram o acidente estiveram presentes de forma limitada no tempo e inspeções de segurança, realizadas em condições habituais de trabalho, não revelariam o perigo, pois o conserto do motor estaria sendo executado na "girafinha" e a peça, furada com equipamento apropriado. Situações semelhantes – com duração limitada no tempo – freqüentemente ocorrem durante operações de ajustes para reprogramação de máquinas, em casos de intervenções para corrigir falhas em processo de produção e na realização de manutenções, sobretudo corretivas. Vejamos um exemplo de acidente do tipo 3: Um pega-toras entra em pane durante o turno noturno e a equipe de plantão (reduzida) não consegue conserta-lo. Um carregamento de matéria-primaaguardado para o dia seguinte chega à empresa e o supervisor designa o operador do pega-toras em pane para operar um triturador raramente utilizado. Nessa nova situação, o trabalhador sofre um acidente. No exemplo, constata-se que as condições habituais de trabalho sofreram várias modificações, que ocorreram de forma limitada no tempo e de forma quase simultânea, dando origem ao acidente. Da mesma forma que nos dois exemplos anteriores (tipo 2), uma inspeção de segurança dificilmente identificaria os fatores envolvidos no desencadeamento desse acidente. Se tivessem ocorrido isoladamente - pane do pega-toras, pane noturna, incapacidade de reparação pela equipe de manutenção (noturna e reduzida), antecipação da chegada de matéria-prima -, tais fatores não teriam sido capazes de gerar as pré-condições representadas pela designação de um trabalhador para operar uma máquina com a qual não estava familiarizado e que culminou com a ocorrência do acidente. Relatos desse tipo tem ocorrido em sistemas complexos, como usinas de energia atômica, empresas aeroespaciais, indústrias químicas ... Nessas empresas, consideradas seguras, geralmente a história do acidente revela tolerância pregressa à presença de fatores que, isoladamente, não seriam suficientes para desencadea-lo. Tal tolerância provavelmente relaciona-se com o fato de cada uma das alterações, isoladamente, não ser considerada perigosa. É necessário salientar que, na classificação proposta por Monteau, não existem limites estanques entre um tipo de acidente e outro, mas toda uma gradação que vai de situações nas quais os acidentes são fenômenos relativamente simples, com fatores causais diagnosticáveis por inspeções de segurança, até situações altamente complexas, que exigem utilização de métodos que dêem conta dos múltiplos fatores envolvidos na gênese dos casos investigados. 2. IMPLICAÇÕES DA CONCEPÇÃO CAUSAL NA PREVENÇÃO DE ACIDENTES Acreditar que o acidente do trabalho é fruto da fatalidade implica em aceitar que não há como preveni-lo. Concebê-lo como castigo de Deus, em buscar a solução em orações. Entender que os acidentes do trabalho são fenômenos uni ou pauci-causais, decorrentes, sobretudo, de atos inseguros praticados pelos trabalhadores, implica em centrar as ações preventivas no comportamento dos trabalhadores. Aliada à identificação de responsável pelo acidente, tal concepção acaba por atribuir ao acidentado, culpa pela ocorrência de que foi vitima. Cabe salientar que o encontro de responsável ou culpado, torna desnecessário investigar as causas do acidente, deixando intocados os fatores que lhes deram origem. Investigações que atribuem a ocorrência do acidente a comportamentos inadequados do trabalhador ("descuido", "negligência", "imprudência", "desatenção" etc.), evoluem para recomendações centradas em mudanças de comportamento: "prestar mais atenção", "tomar mais cuidado", "reforçar o treinamento"... Tais recomendações pressupõem que os trabalhadores são capazes de manter elevado grau de vigília durante toda a jornada de trabalho, o que é incompatível com as características bio-psico-fisiológicas humanas. Em conseqüência, a integridade física dos trabalhadores fica na dependência quase exclusiva de seu desempenho na execução das tarefas. De acordo com concepções mais recentes, os acidentes de trabalho resultam de modificações ou desvios que ocorrem no interior de sistemas de produção, modificações ou desvios esses que por sua vez resultam da interação de múltiplos fatores. Concebendo a empresa como um sistema sócio- técnico aberto e o acidente como um sinal de mau funcionamento desse sistema, investigá-lo implica em analisar aspectos do sub-sistema técnico (instalações, máquinas, lay-out, tecnologia, produtos ...) e do sub-sistema social da empresa (idade e sexo dos trabalhadores, qualificação profissional, organização do trabalho, relações pessoais e hierárquicas, cultura da empresa, contexto psico- sociológico, etc.). Um conceito básico na teoria de sistemas e o de equilíbrio ou homeostase, considerando-se estável o sistema que, submetido a perturbações, retorna à condição de equilíbrio devido às suas características intrínsecas ou por ação externa. Em algumas situações de trabalho o equilíbrio precário exige intervenção de operadores / trabalhadores que nem sempre se desenrolam com sucesso, podendo advir prejuízos na produtividade e, ou acidentes. 3. ACEITABILIDADE DE RISCOS Determinadas condições de trabalho configuram situação que pode ser resumida como acidente esperando para acontecer (2). Elas resultam da aceitação de situações descontroladas do ponto de vista da segurança do trabalho, constituindo condição de risco assumido pela empresa. Estudos recentes revelam que a aceitabilidade de riscos varia de acordo com algumas características sociais e que sociedades afluentes (ricas) aceitam menos os riscos que sociedades pobres. Vários fatores permeiam essa aceitabilidade particularmente os culturais, assim como o grau de organização dos diferentes grupos sociais. Estudo realizado na França (Bonnefous, 1995) revelou que os acidentes do trabalho estão em 6º lugar na percepção de riscos pela população, com 43% dos entrevistados referindo sentirem-se ameaçados pelo risco de acidentar-se no trabalho. Nesse estudo, verificou-se que riscos de acidentes em rodovias, de poluição das águas, de poluição atmosférica, de Aids e de transporte de cargas perigosas são percebidos em ordem decrescente pelos entrevistados. No interior de uma empresa, a aceitação de determinados riscos é decidida em nível gerencial, porém, quem arca com os custos humanos é o trabalhador, cabendo à sociedade como um todo, arcar com os custos sociais e econômicos (mecanismo de socialização das perdas). Simard parte do pressuposto que as empresas operam em função de fatores como racionalidade econômica, relações sociais e evolução cultural da sociedade, afirmando que, na ausência de movimento social em prol da prevenção de acidentes do trabalho, acabam prevalecendo interesses dos profissionais que planejam o trabalho, que dificilmente aceitam que houve falhas em seu planejamento, delas resultando acidentes do trabalho. 4. A INVESTIGACÃO DO ACIDENTE A partir da informação da ocorrência de um acidente a equipe de investigação deve, se possível, inteirar-se do tipo de caso a ser investigado, visando preparar-se tecnicamente para conduzi-la. É da maior importância dar início à investigação o mais rapidamente possível. Recomenda-se dispor de um "kit" pronto (papel, prancheta, lápis, caneta, borracha, trena, máquina fotográfica e, ou filmadora, e filmes). A escolha do método de investigação depende da complexidade do fenômeno investigado. Em situações de trabalho caracterizadas por desrespeito evidente à legislação e às regras básicas de segurança, a investigação é relativamente fácil de ser conduzida. Em situações de trabalho complexas em que o acidente é fruto da interação entre vários fatores, são necessários métodos de investigação capazes de elucidar os vários aspectos envolvidos em sua gênese. A coleta de dados é uma fase crucial que deve ser realizada no próprio local de ocorrência do acidente. Uma boa coleta deve possibilitar a compreensão de como o acidente ocorreu, quase como se fosse possível visualizá-lo passo a passo. A sistematização da coleta de dados facilita esta tarefa, além de ajudar a evitar que aspectos importantes deixem de ser investigados. Em nossas investigações, mesmo quando não utilizamos o método de Árvore de Causas, realizamos a coleta de dados com auxílio de suas categorias de análise, ou seja, atividade em desenvolvimento, desdobrada nos componentes: Indivíduo - (qualificação,treinamento recebido, função / posto de trabalho habituais e por ocasião do acidente etc.); Tarefa - o que o trabalhador(res) / indivíduo(s) executa(m) em condições habituais de trabalho e por ocasião do acidente; Material - maquinas e equipamentos, matérias-primas, etc utilizados na execução da tarefa; meio de trabalho – entendido como o meio social da empresa (relações sociais, pessoais, hierárquicas), forma de organização do trabalho, treinamentos ministrados, etc. Recomenda-se: Tirar fotografias / filmar; fazer esquemas do cenário / máquinas... relacionados ao acidente que ocorreu; Descrever instalações físicas, condições de iluminação, nível de ruído, posição de máquinas, equipamentos etc.; Verificar o tipo de energia utilizada; se for o caso, descrever máquinas e, ou equipamentos (tipo, forma de acionamento, de alimentação, etc.); Descrever a forma habitual de execução da atividade em desenvolvimento no momento de ocorrência do acidente; Identificar, em relação às condições de trabalho habituais (trabalho real, não trabalho prescrito), isto é, sem ocorrência de acidente, o que mudou /alterou /variou, investigando as origens das alterações / mudanças / variações ocorridas. É extremamente importante identificar as condições do sistema que permitiram o aparecimento dessas mudanças (ou variações). Em outras palavras, buscar as "causas das causas". Descrever cuidadosamente as mudanças que provocaram perturbações que ultrapassaram a tolerância habitual do sistema, ou seja, aquelas que não foram solucionadas com as estratégias adotadas no funcionamento do sistema nas situações sem acidente. Quando não for possível esclarecer como se originou determinada modificação ou variação, explorar hipóteses possíveis acerca de sua origem e, para cada hipótese, buscar evidências diretas ou indiretas de sua ocorrência. Por exemplo, no caso de sistemas técnicos, a existência de componentes alterados e, ou com marcas do ocorrido pode fornecer informações importantes, seja por visualização direta, seja por exames em laboratórios ou serviços especializados. Da mesma forma, os registros relativos ao histórico de manutenção de uma máquina, inclusive aqueles relativos às mudanças efetuadas após o acidente com vistas a sua liberação podem ser úteis. Buscar confirmação para todas as afirmações colhidas nas entrevistas visando descrever os fatores que participaram do desencadeamento do acidente com a maior fidelidade possível. A obtenção dessas informações exigirá a realização de entrevistas com vários interlocutores: acidentado (que não estará vivo para informar em casos de acidentes fatais), testemunhas do ocorrido, colegas de trabalho, chefias, membros de CIPA e SESMT (quando houver), outros acidentados que tenham sofrido acidentes semelhantes etc. Em casos de acidentes envolvendo mais de uma empresa, incluir seus membros na relação de pessoas a entrevistar. Durante as entrevistas, diante de expressões como "foi um descuido", "acho que não prestei muita atenção", "fiz uma bobeira", utilizadas pelos próprios acidentados vítimas de acidentes não fatais para descrever os episódios de que foram vítimas, é imprescindível indagar - e, se necessário, insistir -, como foi o tal "descuido", a "falta de atenção" ... procurando caracterizar o sentido da expressão utilizada pelo trabalhador (ou testemunha, ou colega ... em casos de acidentes fatais). Sobretudo, é da maior importância investigar suas causas. Freqüentemente os "descuidos" ocorrem em situações de pressão de tempo para execução de tarefas (urgências de varias naturezas e origens), ao final de turnos noturnos, ao final de jornadas de trabalho prolongadas por horas- extras, em situações de fadiga evidente do trabalhador, durante execução de tarefas anexas / secundárias, ou de tarefas eventuais, como por exemplo as de manutenção. Investigações cuidadosas geralmente permitem identificar se os limites das capacidades humanas foram ultrapassados. Mesmo em grandes empresas é freqüente encontrar situações em que a segurança do trabalhador dependia, quase exclusivamente, de seu desempenho na execução da tarefa. É fundamental que durante a coleta de informações sejam descritos fatos passíveis de constatação. Por exemplo, ao invés de registrar "expôs-se desnecessariamente ao perigo", descrever ações, posições, etc. adotadas pelo trabalhador, sem emitir juízo de valor. Da mesma forma, não incluir interpretações e ou conclusões do investigador durante a fase de coleta de dados. Uma boa descrição de acidente é objetiva e precisa, desprovida de juízos de valor, de interpretações, e de conclusões. Para conseguir executar uma coleta de dados que atenda esses requisitos, é muito importante ter sempre em mente que se buscam as "causas das causas" do acidente visando a prevenção, e não a identificação de responsáveis e, ou culpados (objetivos de investigações com finalidades jurídicas). Deve-se evitar: Interrupções precoces na coleta de dados, particularmente quando se trata de comportamentos adotados durante a execução de tarefas - é importante investigar suas origens, ao invés de simplesmente rotular como falha do acidentado. Considerar prescrições ou normas como equivalentes à tarefa habitual e padrão de referência para identificação de variações ou mudanças no sistema. 0 trabalho real não deve jamais ser confundido ou reduzido ao trabalho prescrito. Procurar conhecer o trabalho real demanda tempo, entrevistas com operadores, etc. Tomar como "causas" opiniões "a priori", que não foram adequadamente investigadas, formando opiniões precoces acerca de causas do acidente que vai ser investigado,"contaminando" e prejudicando a investigação. Aceitar como verdade informações sem verificar sua veracidade. A titulo de exemplo, pode ser citado um fato ocorrido durante investigação de acidente fatal em uma grande siderúrgica brasileira. Em reunião entre representantes sindicais, técnicos de várias instituições, um representante da empresa afirmou não ser possível a instalação de uma tampa no "panelão" que transportava aço fundido para as lingoteiras. Isso porque a tampa provocaria modificações no aço que eram incompatíveis com as especificações do produto. Posteriormente, verificou-se que tal afirmação era falsa. Organização e análise dos dados Os dados coletados devem ser organizados, isto é, deve ser elaborada uma descrição coerente do acidente, baseada em fatos passíveis de serem observados / constatados, sem emissão de juízos de valor e, ou interpretações, e que permita ao(s) investigador(es) "visualizar" da maneira mais completa possível, como o episódio se desenrolou. Esta etapa é fundamental na investigação. Embora aparentemente fáceis de serem realizadas, boas descrições exigem treinamento. Pode-se considerar adequada uma descrição cuja leitura permita a compreensão de como o acidente ocorreu, por profissionais que não participaram da investigação. Somente após elaborar a descrição do acidente é que se deve analisar e interpretar as informações registradas e que nortearão a prevenção. 5 - A PREVENÇÃO No caso de empresas já em funcionamento, a organização da prevenção implica na identificação / diagnóstico dos riscos, de preferência antes que acidentes aconteçam, por meio de inspeções de segurança. Investigações bem conduzidas de acidente, quase acidentes e incidentes (acidentes sem vítima) fornecem informações valiosas à prevenção. À fase de diagnóstico, segue-se a de correção – eliminação ou neutralização das falhas identificadas. Nessa fase, alguns autores recomendam que se inicie pela listagem de medidas sem levar em consideração exequibilidade ou custos (momento emque a criatividade deve ser estimulada). Evidentemente, em situações de desrespeito às normas consagradas de segurança, previstas em lei, e com medidas de prevenção já bem estabelecidas, a listagem de medidas é mais fácil, dispensando "exercícios de imaginação" / "brain storming". Entretanto, algumas situações mais complexas, por exemplo após ocorrência de acidentes de tipo 2 ou 3, o diagnóstico poderá revelar falhas cuja correção pode envolver medidas que não as clássicas de engenharia de segurança. Nesses casos, o "exercício de imaginação" / "brain storming" costuma ser bastante útil. Recomenda-se listar o maior número de medidas de prevenção possível, de tal forma que, no momento da seleção haja um leque de medidas para escolher. Listadas as medidas de prevenção possíveis a partir do diagnóstico realizado, a etapa seguinte é a de seleção das medidas a serem implantadas. Nesse ponto, é importante que critérios de seleção sejam considerados. Assim, recomenda-se que as medidas selecionadas sejam capazes de: eliminar ou neutralizar riscos; não criar novos riscos; ter estabilidade ao longo do tempo; não aumentar as exigências para o operador; ter prazo de implantação compatível com o risco identificado; não ter efeitos negativos sobre a produtividade (se isso ocorrer, correm o risco de ser abandonadas). Alguns autores citam a relação custo-benefício das medidas como um dos critérios de seleção. Esse pode ser um dos critérios em situações em que uma das medidas dentre as várias possíveis não oferece benefícios adicionais e apresenta custo elevado ou relação custo / benefício elevada. Cabe assinalar que os escalões hierárquicos superiores / gerências decidem que medidas adotar, porém ressaltando que quem se expõe é o trabalhador. Se a empresa não arcar com o custo da prevenção, ocorrendo o acidente, o custo passa para o trabalhador e para a sociedade. Além das características mencionadas acima, deve-se dar preferencia a medidas automáticas, ou seja, que independam de mudanças de comportamento / adesão dos trabalhadores e que, em geral, tendem a se enfraquecer ao longo do tempo, exigindo reforços periódicos. De acordo com Hale e Glendon (3), o acidente indica que as capacidades de controle do sistema foram excedidas e que, muito tempo antes disso acontecer, era possível prever sua ocorrência. Para esses autores, embora o comportamento do acidentado possa ser o fator imediatamente antecedente ao acidente, esse comportamento geralmente é irrelevante para a prevenção. Considera-se seguro o sistema capaz de tolerar erros do operador sem ocorrência de acidente. Nessa condição, diz-se que o sistema foi concebido considerando-se o princípio da falha segura. Selecionadas as medidas de prevenção, segue-se a fase de implantação, quando é imprescindível, por parte da empresa, a definição clara de recursos, de responsáveis e de prazos para a implantação de cada uma das medidas selecionadas. Por parte da equipe de fiscalização, é crucial a definição de responsável(eis) pela verificação da execução do que tiver sido estabelecido. Implantadas as medidas, segue-se a fase de acompanhamento da evolução para avaliação de seu impacto, verificação de ocorrência eventual de deslocamento de risco, de aumento de exigências para o operador etc. A negociação com a empresa sobre as medidas de prevenção requer a criação de condições capazes de facilitar seu desenrolar. Negociar, entretanto, não exclui os aspectos técnicos e o conhecimento da legislação em vigor de tal sorte que, se as condições de segurança estão em desacordo com as normas legais, não há muito que discutir em termos da necessidade de adequa-las, cabendo, eventualmente, acordar prazos. Implantar medidas de prevenção, incorporando os ensinamentos obtidos durante a investigação, é facilitado pela existência de clima favorável à negociação entre os diferentes agentes envolvidos: na empresa, por parte dos responsáveis pela tomada de decisões e dos responsáveis pela implantação e acompanhamento das medidas de prevenção indicadas, entre os trabalhadores, que devem ter consciência do direito a condições de trabalho salubres e seguras, entre os membros da equipe de investigação, que devem estar preparados para negociar e, sobretudo para acompanhar a implantação do que for acordado. A presença de representantes dos trabalhadores, particularmente dos sindicatos, tem papel fundamental nas negociações. Entretanto, nem sempre isso é possível, dada a fragilidade e mesmo a inexistência de sindicatos em muitas regiões do pais. Além de difíceis, as negociações freqüentemente são conflituosas e desgastantes, sobretudo no contexto brasileiro, no qual identificam-se mecanismos de atribuição de culpa aos acidentados, práticas autoritárias por parte de empresários, ausência de tradição de participação dos trabalhadores e de seus representantes em discussões de questões relativas à saúde e segurança do trabalho. 6. OBSERVAÇÕES FINAIS Existem alguns métodos de investigação de acidentes disponíveis na literatura. No Brasil, tem havido difusão e, ou recomendação de métodos nem sempre indicados para os tipos de episódios a serem investigados. Além disso, não é raro que a realização de treinamentos e reciclagens seja negligenciada, acarretando utilização inadequada do método adotado. Existem formulários / questionários (check list) capazes de auxiliar na identificação de "situações de risco grave e iminente" e de acidentes com máquinas, e que podem ser de grande auxílio. Entretanto, é importante salientar que tais instrumentos não suprem as carências de treinamento visando capacitar os profissionais na investigação de aspectos não explorados pelos questionários. É muito importante ter em mente que a investigação de um acidente é um processo de construção coletiva que envolve os membros da equipe investigadora e os interlocutores da empresa. No tocante ás empresas, acidentado(s), chefias, colegas de trabalho e, quando existentes, responsáveis pela manutenção, pela aquisição de materiais, técnicos e engenheiros de segurança, são pessoas que detém conhecimentos acerca de aspectos que podem ser fundamentais na identificação das "causas das causas" do episódio investigado. É indispensável que essas pessoas sejam ouvidas. É também importante consultar laudos e documentos diversos eventualmente existentes a respeito de máquinas e equipamentos direta ou indiretamente envolvidos na ocorrência do acidente. Evidentemente, o grau de aprofundamento vai estar relacionado a complexidade maior ou menor do episódio sob investigação. Em casos simples, que requeiram aplicação de medidas clássicas de engenharia de segurança, previstas na legislação, a investigação pode ser dirigida à correção de tais falhas, tomando-se o cuidado de prescrever medidas que abranjam a empresa como um todo e não apenas a situação / condição que deu origem ao acidente investigado. Qualquer que seja o tipo de acidente a ser investigado, a equipe de investigação deve procurar instruir as empresas existentes em sua área de atuação, utilizando os meios de divulgação adequados à realidade local, acerca da importância de receber as informações sobre a ocorrência dos acidentes o mais rapidamente possível, particularmente em se tratando de casos graves. Alem disso, deve divulgar a importância de preservar o local do acidente facilitando a coleta de informações que, com raras exceções, deve ser realizada no próprio local de ocorrência. É aconselhável que os dados sobre as condições de segurança da empresa, a medida em que forem sendo obtidos, sejam organizados de forma sistematizada - arquivo /banco de dados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Monteau M. La gestionde la sécurité du travail dans l’ entreprise: du carter au plan qualité.Performances Humaines et Techniques, 1992, 61: 29-34. 2. Carter FA & Corlett EN. Shiftwork and accidents. In Psychological aprroaches to night and shiftwork. International Research Papers. Edited by Alexander Widenburn and Peter Smith. Heriot-Watt University, Edinburgh, Scotland. 1984. 3. Hale AR & Glendon AI. Individual Behaviour in the Control of Danger. Amsterdam, Elservier, 1987.
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