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Universidade Federal de Pernambuco Departamento de F´ısica – CCEN F´ısica Experimental 1 Apostila 1: Medidas e incertezas Resumo O objetivo dos primeiros experimentos e´ estabelecer procedimentos para expressar resultados de medidas. Voceˆ aprendera´ como quantificar a confiabilidade de medidas. Introduziremos os conceitos de algarismos significativos e de incerteza, em especial aquela associada ao instrumento de medida. Voceˆ aprendera´ como propagar incertezas. Os apeˆndices reu´nem instruc¸o˜es sobre o manuseio de alguns instrumentos de medida. Suma´rio 1 O que significa medir uma grandeza? 2 2 Medida e incerteza 3 2.1 Algarismos significativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.2 Regras de arredondamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2.3 Notac¸a˜o cient´ıfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 3 Leitura de instrumentos de medida e incerteza 7 3.1 Exemplos de leitura instrumental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 4 Propagac¸a˜o de incertezas 12 4.1 Propagac¸a˜o de incertezas na soma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 4.2 Composic¸a˜o de fontes independentes de incerteza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 4.3 Propagac¸a˜o de incertezas por linearizac¸a˜o a derivadas parciais . . . . . . . . . . . . . 17 Apeˆndice A Paqu´ımetro 21 Apeˆndice B Microˆmetro 23 F´ısica Experimental 1 1 O que significa medir uma grandeza? Voceˆ certamente ja´ sabe de forma intuitiva o que significa medir grandezas f´ısicas. Quase sem- pre uma medic¸a˜o consiste em comparar duas quantidades de uma mesma grandeza (comprimentos, massas, tempos etc), sendo uma delas definida como um padra˜o. O padra˜o e´ a convenc¸a˜o a definir a quantidade unita´ria de certa grandeza, recebendo sua unidade uma nomenclatura especial (e.g. metro, grama, segundo etc). O processo de comparac¸a˜o envolvido numa medida e´ realizado utilizando-se um instrumento previamente calibrado pelo padra˜o de medida, como uma re´gua ou uma balanc¸a. Por exemplo, quando afirmamos que um objeto possui 1 kg de massa, queremos dizer que, dentro de certa precisa˜o, sua massa e´ igual ao padra˜o convencionado de massa, cuja unidade de medida no sistema adotado e´ o quilograma, denotada pelo s´ımbolo ‘kg’. Em toda medida e´ fundamental o uso da unidade da grandeza correspondente, uma vez que padro˜es dependem de convenc¸o˜es. A convenc¸a˜o mais utilizada atualmente e´ o Sistema Internacional de unidades (SI), ou sistema me´trico. A tabela 1 mostra algumas unidades do SI. Grandeza Nome S´ımbolo Comprimento Metro m Massa Quilograma kg Tempo Segundo s Corrente ele´trica Ampe`re A Temperatura Kelvin K Tabela 1: Exemplos de unidades adotadas no SI. A maior parte das grandezas envolvidas na descric¸a˜o dos fenoˆmenos estudados em F´ısica Geral 1 e 2 pode ser expressa a partir de apenas treˆs grandezas fundamentais: tempo, comprimento e massa. Para lhe dar uma noc¸a˜o de como sa˜o definidas as unidades no SI, explicitamos abaixo as definic¸o˜es dessas grandezas: • Segundo: o tempo que um certo iso´topo do a´tomo de ce´sio leva para realizar 9.192.631.770 oscilac¸o˜es entre duas configurac¸o˜es eletroˆnicas internas dadas. • Metro: a distaˆncia percorrida pela luz no va´cuo na frac¸a˜o de 1/299.729.458 de um segundo (ou seja, a velocidade da luz e´ definida como exatamente 299.729.458 m/s). • Quilograma: a massa de um cilindro de platina-ir´ıdio depositado no Biroˆ Internacional de Pesos e Medidas, em Se`vres, Franc¸a. 2 Apostila 1: Medidas e incertezas Um bom padra˜o de medida e´ hoje entendido como algo robusto que pode ser verificado com alta precisa˜o atrave´s de experimentos em qualquer parte do mundo. Da´ı a prefereˆncia por padro˜es definidos por constantes fundamentais da natureza, como a veloci- dade da luz, ou quantidades adimensionais, como o nu´mero de oscilac¸o˜es de um a´tomo numa dada transic¸a˜o. 2 Medida e incerteza Uma medida determina o valor de uma grandeza f´ısica nas unidades convencionadas. Presume-se que, independentemente do ato de medir, exista um valor verdadeiro associado a` grandeza, e que a medida seja um processo de mera extrac¸a˜o dessa informac¸a˜o. No entanto, toda medida e´ realizada dentro de certa precisa˜o, restando sempre alguma du´vida sobre o valor verdadeiro. Essa du´vida, inerente a todo processo de medida, e´ representada pela incerteza da medida. A incerteza denota o intervalo de confianc¸a em que o(a) experimentador(a) garante como correto o resultado da medida, ou, de forma complementar, o quanto o valor mais confia´vel obtido pela medida pode diferir do valor verdadeiro. A incerteza e´ sempre denotada por um nu´mero positivo. Para expressar corretamente o resultado de uma medida, e´ preciso fornecer, ale´m do valor obtido para a grandeza, tambe´m sua incerteza e sua unidade de medida. Notac¸a˜o A notac¸a˜o utilizada para comunicar o resultado de medida reu´ne de forma compacta todas as informac¸o˜es relevantes: valor mais confia´vel, incerteza e unidade. Denotamos o resultado de uma medic¸a˜o pelo valor que acreditamos ser o mais pro´ximo do ver- dadeiro, o valor mais confia´vel, sendo sua incerteza colocada apo´s o s´ımbolo ‘±’. O resultado da medic¸a˜o de uma grandeza m qualquer e´ denotado da forma m = M ± σM , (1) em que M e´ o valor mais confia´vel (e.g. a leitura do instrumento de medida), e σM , a incerteza, representa o quanto esse valor pode ter sido subestimado ou superestimado. A expressa˜o acima estabelece que m vale com alta confianc¸a algo entre M −σM e M +σM , sendo o nu´mero M a melhor estimativa para a grandeza m. Mas quanto e´ ‘alta confianc¸a’? E´ alta probabilidade de que o resultado esteja correto dentro dos limites da incerteza. Mas quanto e´ ‘alta probabilidade’? Depende do contexto. Conforme veremos, 3 F´ısica Experimental 1 va´rias fontes de erro seguem regras probabil´ısticas simples que permitira˜o convencionar de forma rigorosa o significado da incerteza em diversos contextos. Pode ocorrer de a incerteza ser assime´trica em torno do valor de maior confianc¸a, caso em que a expressa˜o acima deve ser escrita como m = M +σM+ −σM − . (2) Isso significa que o valor mais confia´vel para m continua a ser M , no entanto a incerteza da medida permite que o valor verdadeiro da grandeza esteja entre M − σM − e M + σM+ . 2.1 Algarismos significativos A incerteza na medic¸a˜o implica que na˜o faz sentido representar resultados de medida por valores nume´ricos com tantos algarismos quanto se queiram: a precisa˜o nume´rica perde significado caso na˜o seja compat´ıvel com a precisa˜o da medida. Os algarismos que de fato guardam sentido sa˜o chamados algarismos significativos. E´ mesmo um erro muito comum expressar o valor de medidas com mais algarismos do que permitido por sua incerteza ou pelo contexto: a forma correta de escrita deve indicar ate´ que casa decimal o valor nume´rico da grandeza e´ confia´vel. Tomemos um exemplo corriqueiro. E´ comum encontrar placas informativas de altitude de cidades num formato como 729,8756 m com relac¸a˜o ao n´ıvel do mar. A notac¸a˜o utilizada aponta nada menos do que 7 algarismos como significativos. Faz sentido empregar tal precisa˜o nesse caso? Claro que na˜o. Em primeiro lugar, porque a medida em si certamente na˜o possui precisa˜o de 0,1 mm (o diaˆmetro de um fio de cabelo!) em 730 m (precisa˜o de uma parte em 10 milho˜es); em segundo lugar e mais importante, a pro´pria ide´ia na˜o faz sentido, pois a altitude de uma cidade inteira varia muito mais do que isso em seu interior. Para a finalidade que possui uma placa desse tipo, seria ja´ exagerado denotara altitude como 730 m, sendo mais razoa´vel escreveˆ-la simplesmente como 0,7 km ou 0,73 km. Quando na˜o explicitada, a incerteza numa medida deve ser entendida como igual a uma unidade em seu algarismo de menor valor no posicionamento decimal1. Neste curso, iremos expressar incertezas explicitamente na maior parte das vezes, e voceˆ deve tentar fazer isso sempre que poss´ıvel. Convencionamos neste curso utilizar apenas 1 algarismo significativo no valor da incerteza. Por exemplo, preferiremos a forma 730± 3 m (3) 1Segundo o exemplo acima, a notac¸a˜o empregada na placa nos leva a entender a altitude da cidade como sendo igual a 729,8756±0,0001 m, claramente um absurdo. 4 Apostila 1: Medidas e incertezas em lugar de 730,0± 2,8 m, (4) embora ambas sejam encontradas na literatura cient´ıfica. E´ de fato comum encontrar a incerteza denotada com dois algarismos significativos quando o primeiro e´ igual a 1 ou 2. O valor mais confia´vel e a incerteza devem possuir o mesmo nu´mero de casas decimais. Isso e´ necessa´rio pelo significado do que esta´ escrito. De fato, cada algarismo da incerteza se refere ao algarismo na posic¸a˜o decimal correspondente do valor mais confia´vel, e portanto na˜o faria sentido denotar um sem o outro. Como consequeˆncia, note que na Eq. (4) fomos obrigados a manter o algarismo 0 (zero) disposto a` direita da v´ırgula na notac¸a˜o do valor mais confia´vel. Isso se da´ porque o algarismo 0 e´ tambe´m significativo nesse caso, indicando claramente que o algarismo daquela posic¸a˜o decimal e´ nulo dentro da incerteza. Em f´ısica experimental, zeros colocados ‘depois da v´ırgula’ possuem significado! Finalmente, note que para passar da segunda forma acima para a primeira, e´ necessa´rio arredondar os nu´meros. As regras de arredondamento sa˜o descritas na pro´xima sec¸a˜o. 2.2 Regras de arredondamento Vamos adotar as normas da Associac¸a˜o Brasileira de Normas Te´cnicas (ABNT) para os arredon- damentos nume´ricos, que sa˜o de fato bem intuitivas. A incerteza deve ser arredondada pelas mesmas regras ate´ atingir 1 algarismo significativo, de acordo com a convenc¸a˜o adotada neste curso. Regra 1 - Quando o algarismo a ser desprezado for inferior a 5, mante´m-se o algarismo a` sua esquerda inalterado. Ou seja, ‘arredonda-se para baixo’. Exemplos: l = 3,4745± 0,0320 m −→ l = 3, 47± 0,03 m, t = 1,11238± 0,00533 s −→ t = 1, 112± 0,005 s, m = 9,49075± 1,11111 kg −→ m = 9± 1 kg. (5) Regra 2 - Quando o algarismo a ser desprezado for superior a 5 ou igual a 5 seguido por um algarismo diferente de zero, soma-se a unidade ao algarismo anterior. Ou seja, ‘arredonda-se para 5 F´ısica Experimental 1 cima’. Exemplos: l = 3,4751± 0,0290 m −→ l = 3, 48± 0,03 m, t = 1,11260± 0,00483 s −→ t = 1, 113± 0,005 s, m = 9,51075± 0,96315 kg −→ m = 10± 1 kg. (6) Regra 3 - Quando o algarismo a ser desprezado for igual a 5 seguido de zeros (ainda que impl´ıcitos), aplica-se a seguinte convenc¸a˜o: se o algarismo anterior for ı´mpar, acrescenta-se uma unidade a ele; se for par, permanece inalterado. O arrendondamento tem efeito muito pequeno sobre o resultado nume´rico da medida, uma vez que os algarismos desprezados na˜o sa˜o confia´veis. 2.3 Notac¸a˜o cient´ıfica A notac¸a˜o cient´ıfica e´ uma forma de representac¸a˜o exponencial de nu´meros, dada explicitamente por M · 10p, em que M e´ a mantissa (por vezes convencionada como um nu´mero entre 1 e 10) e p e´ a ordem de grandeza do nu´mero. Esse tipo de notac¸a˜o e´ usado para acomodar de forma compacta nu´meros muito grandes (e.g. 200.000.000.000 = 2 · 1011) ou muito pequenos (e.g. 0,000.000.000.03 = 3 · 10−11). Sua vantagem com relac¸a˜o a` representac¸a˜o decimal convencional ao ser empregada para repre- sentar resultados de medidas e´ eliminar ambiguidades ou mesmo equ´ıvocos de notac¸a˜o rela- cionados ao nu´mero de algarismos significativos. Na notac¸a˜o cient´ıfica, o nu´mero de algarismos da mantissa representa o nu´mero de algarismos significativos. Por exemplo, a maior distaˆncia observa´vel do universo e´ medida como cerca de 400.000.000.000.000.000.000.000.000 m. Com esse nu´mero na˜o queremos dizer que o tamanho do universo e´ conhecido com precisa˜o de metros. Nesse caso, a notac¸a˜o cient´ıfica traz a vanta- gem de representar adequadamente a quantidade de algarismos significativos, como por exemplo 4 · 1026 m, caso em que a incerteza fica impl´ıcita como sendo ja´ no algarismo 4. Outros exemplos: 2483 → 2,483 · 103, 2100000 → 2,1 · 106, 0, 00034 → 3,4 · 10−4. (7) 6 Apostila 1: Medidas e incertezas Na conversa˜o entre notac¸a˜o decimal e cient´ıfica, tivemos de supor algo sobre a precisa˜o das medidas, uma vez que a notac¸a˜o decimal e´ amb´ıgua a esse respeito e as incertezas na˜o foram explicitadas. Cabe ser pessimista nesse caso, e por isso obtivemos apenas dois algarismos signi- ficativos como resposta no segundo exemplo, na forma 2,1 · 106. Caso soube´ssemos que aquela medida possui na verdade quatro algarismos significativos, dever´ıamos ter escrito 2,100 · 106 (i.e. incerteza impl´ıcita de 0,001 · 106). Podemos usar a notac¸a˜o cient´ıfica tambe´m para simplificar a notac¸a˜o da incerteza usando apenas 1 algarismo significativo. Usando um dos exemplos acima, escrever´ıamos 2100000± 1000 −→ (2,100± 0,001) · 106. (8) Nesse caso, e´ comum denotar a incerteza como um nu´mero entre pareˆnteses referente ao u´ltimo algarismo do valor medido, tornando a notac¸a˜o mais econoˆmica, da forma (2,100± 0,001) · 106 = 2, 100(1) · 106. (9) E´ tambe´m comum adicionar um algarismo significativo a` incerteza quando esta for igual a 1 ou 2, caso em que a notac¸a˜o ficaria (2,1000± 0,0010) · 106 = 2, 1000(10) · 106. (10) Note que nesse caso o valor medido deve tambe´m receber um algarismo significativo adicional para acompanhar de forma consistente a precisa˜o do valor da incerteza. 3 Leitura de instrumentos de medida e incerteza A primeira fonte de incerteza encontrada ao se fazer uma medida e´ consequeˆncia da precisa˜o do instrumento de medida. Para equipamento bem calibrado, podemos dizer: instrumentos de medida determinam um certo nu´mero de algarismos significativos de maneira exata e, em muitos casos, permitem que o operador estime um algarismo adicional por inspec¸a˜o visual. Este u´ltimo e´ por vezes chamado de algarismo inexato ou duvidoso, sendo definido como o algarismo no qual recai a incerteza. Alguns equipamentos na˜o permitem a estimativa do algarismo duvidoso, caso em que a fornecem no manual de operac¸a˜o. Para utilizar um instrumento corretamente, devemos nos perguntar: • Quantos algarismos significativos o instrumento fornece? • Qual a incerteza inerente ao instrumento? 7 F´ısica Experimental 1 A primeira questa˜o se responde facilmente pela forma de leitura do instrumento. O nu´mero de algarismos significativos e´ simplesmente igual ao nu´mero de algarismos que se consegue ler a partir do instrumento. Esse nu´mero e´ igual ao nu´mero de algarismos exatos (lidos diretamente na escala enumerada ou mostrador do instrumento) mais o nu´mero de algarismos duvidosos (em geral apenas 1 ou 2 algarismos onde recai a incerteza). Ja´ para determinar as incertezas instrumentais, adotaremos alguns crite´rios ou convenc¸o˜es expli- citados abaixo: • Se o instrumento permitir a avaliac¸a˜o visual do algarismo duvidoso, a incerteza sera´ tomada como metade da menor divisa˜o de leitura do instrumento. • Se o instrumento na˜o permitir a avaliac¸a˜o do algarismo duvidoso, este sera´ considerado como o u´ltimo algarismo (mais a` direita) da leitura do instrumento; a incerteza sera´ tomada como igual a 1 na posic¸a˜o desse algarismo. • A incerteza na medida sera´ expressa por apenas 1 algarismo significativo nestecurso. Ale´m disso, e´ comum ocorrerem erros de calibrac¸a˜o que ira˜o afetar negativamente a precisa˜o efetiva do equipamento. Em geral, outras fontes de incerteza ira˜o combinar-se a` incerteza inerente ao instrumento, formando a incerteza total de medida, tratada mais adiante. 3.1 Exemplos de leitura instrumental Exemplo 1 Considere a re´gua da figura 1 e um bloco retangular do qual desejamos medir o comprimento. A mı´nima gradac¸a˜o da re´gua e´ dada em cent´ımetros. Isso significa que o fabricante do instrumento nos garante leitura exata ate´ algarismos que denotem cent´ımetros. Assim, objetos menores do que 1 cm na˜o podem ser medidos de forma exata com esse instrumento. Figura 1: Medida de comprimento do bloco com re´gua graduada em cent´ımetros. Vemos da figura que o comprimento do bloco vale algo entre 3 e 4 cm, afirmac¸a˜o que podemos fazer de maneira exata. Poder´ıamos escrever como resultado da medida L = 3,5± 0,5 cm, (11) 8 Apostila 1: Medidas e incertezas o que estaria compat´ıvel com a observac¸a˜o. No entanto, nesse caso nos furtamos a estimar o valor mais confia´vel. Ale´m disso, o valor encon- trado e´ pessimista na incerteza, uma vez que o comprimento do bloco e´ certamente maior que 3,1 cm ou mesmo que 3,2 cm, e aparentemente menor que 3,5 cm. Em toda medida, devemos estimar o valor mais confia´vel e, se necessa´rio, tambe´m a incerteza. Uma estimativa visual razoa´vel seria nesse caso L = 3,4 cm, podendo estar entre L = 3,3 cm e 3,5 cm. Portanto, no limite da precisa˜o visual, obter´ıamos L = 3,4± 0,1 cm. (12) Nos resultados acima, o algarismo 3 e´ igualmente obtido em ambos, pois e´ o algarismo exato do instrumento; ja´ o segundo algarismo na˜o precisa necessariamente concordar entre as medidas pois, sendo estimado visualmente, e´ o algarismo duvidoso. Diferentes experimentadores poderiam estimar valores distintos para o algarismo duvidoso. Pore´m, todas as medidas devem concordar dentro do intervalo de incerteza. Isso de fato ocorre entre as duas medidas acima, pois seus intervalos de confianc¸a se sobrepo˜em. A diferenc¸a fundamental entre elas e´ a confianc¸a que o experimentador deposita em seu instrumento de medida2. O primeiro resultado e´ mais conservador, pois da´ prefereˆncia a permanecer dentro de margem mais segura de incerteza, enquanto o segundo utiliza o instrumento de medida ao limite, de forma a dele extrair o valor mais preciso poss´ıvel. A escolha da margem de incerteza depende muito dos objetivos da medida, e ambas as formas acima estariam corretas dentro do contexto apropriado. Neste curso, vamos adotar o crite´rio conservador, tomando como incerteza da medida o valor igual a` metade do intervalo de menor divisa˜o do instrumento. Devemos ainda assim estimar o algarismo duvidoso, a fim de estabelecer o valor mais confia´vel poss´ıvel da medida. Assim, o resultado dessa medida conforme convencionado neste curso seria L = 3,4± 0,5 cm. (13) Vemos que a incerteza de medida adotada e´ conservadora, pois denota ser o comprimento real do bloco algo entre 2,9 cm e 3,9 cm, sendo que temos certeza do valor com maior precisa˜o do que isso. Nossa convenc¸a˜o busca simplificar a atribuic¸a˜o de incerteza instrumental que, como dito, sempre guarda certa subjetividade para medidas tomadas visualmente. Embora ela possa parecer pessimista para uma re´gua graduada em cent´ımetro, a verdade e´ que para gradac¸o˜es mais finas na˜o seria poss´ıvel estimar visualmente o algarismo duvidoso com tanta precisa˜o, e nossa regra seria menos pessimista. Note que todas as medidas acima foram enunciadas com dois algarismos significativos, uma vez que esse e´ o limite do instrumento para objetos com dimenso˜es de cent´ımetros. 2Note que o ‘instrumento de medida’ e´ na verdade formado pelo uso composto da re´gua e do instrumento humano de visa˜o! Por isso a incerteza pode variar de pessoa para pessoa. 9 F´ısica Experimental 1 Exemplo 2 Considere agora outra re´gua, graduada em mil´ımetros, conforme ilustra a figura 2, e o mesmo bloco do exemplo anterior. Como a resoluc¸a˜o oferecida pela escala graduada da re´gua e´ maior, o resultado de medida deve possuir incerteza menor, pois o algarismo duvidoso do exemplo 1 passa a ser um algarismo exato nesse caso. Figura 2: Medida de comprimento do bloco com re´gua graduada em mil´ımetros. A melhor leitura do valor medido, como ja´ discutido, deve ser o nu´mero de unidades lido direta- mente no instrumento acrescido de uma estimativa visual para a quantidade extra que se encontra entre marcac¸o˜es do instrumento. Inspec¸a˜o direta do instrumento nos fornece o comprimento L do bloco entre 3,4 cm e 3,5 cm. Sendo a menor divisa˜o do instrumento igual a 1 mm, convencionamos associar 0,5 mm como incerteza instrumental. Supondo que o experimentador estime o algarismo duvidoso como sendo 6, sua melhor resposta para o comprimento do bloco seria L = 3,46± 0,05 cm. Note que agora a medida fornece treˆs algarismos significativos (sendo dois deles exatos) como consequeˆncia da maior precisa˜o instrumental dispon´ıvel. Exemplo 3 Vamos investigar neste exemplo o caso em que o instrumento de medida na˜o permite ao ex- perimentador a estimativa do algarismo duvidoso. Nessas situac¸o˜es, o algarismo duvidoso e´ dado diretamente a partir da resoluc¸a˜o do mostrador do instrumento. Figura 3: Mostrador de balanc¸a eletroˆnica. Considere uma balanc¸a eletroˆnica a medir o valor de uma massa, conforme mostrado na figura 3. Seu mostrador indica 71 kg. Neste caso, na˜o ha´ como fazer estimativas de algarismos adicionais ale´m dos impressos na tela, e a incerteza do instrumento e´ providenciada em seu manual. Na auseˆncia do 10 Apostila 1: Medidas e incertezas manual, cabe ser pessimista e tomar como incerteza da medida a resoluc¸a˜o do mostrador que, neste caso, e´ de 1 kg. O resultado da medida e´ m = 71± 1 kg. Dois algarismos significativos sa˜o fornecidos pelo instrumento. O algarismo duvidoso e´ nesse caso o u´ltimo algarismo fornecido, sem a possibilidade de estimativas adicionais. Figura 4: Mostrador de balanc¸a digital. Suponha que a leitura no painel de uma balanc¸a mais precisa fosse 71,0 kg, como indicado na figura 4. Ao contra´rio do que pode parecer a` primeira vista, o zero colocado apo´s a v´ırgula na˜o e´ desnecessa´rio, mas possui significado experimental: o instrumento nos indica que, dentro de sua incerteza de 0,1 kg, aquele algarismo e´ de fato medido como nulo. Sendo assim, o resultado de medida passa a ser m = (71,0± 0,1) kg, com 3 algarismos significativos, sendo 1 duvidoso. Finalmente, uma balanc¸a mecaˆnica, com leitura por ponteiro, possuindo a mesma escala de divisa˜o da balanc¸a digital anterior (0,1 kg), permitiria ainda a estimativa de um algarismo significativo adicional. O valor convencionado da incerteza e´ metade da menor divisa˜o da balanc¸a, ou seja, 0,05 kg nesse caso. Supondo que o experimentador tenha atribu´ıdo o valor 0 para o algarismo duvidoso dispon´ıvel, o resultado da medida seria m = (71,00± 0,05) kg, com 4 algarismos significativos, dos quais 1 e´ duvidoso. Exemplo 4 Pode ocorrer de o mostrador de um instrumento eletroˆnico apresentar leituras varia´veis no tempo. No exemplo acima, a balanc¸a poderia comec¸ar mostrando o valor 71,0 kg para, um segundo depois, pular para 71,3 kg, retornando mais tarde a` leitura 71,0 kg. Nesse caso, fica a crite´rio do experimentador decidir como interpretar a leitura do instrumento, sempre tendo em mente que o objetivo da medida e´ obter o valor mais confia´vel da grandeza dentro de uma faixa especificada de incerteza. Algumas pessoas decidiriam tomar a me´dia dos valores extremos e colocar a incerteza como metade do intervalo de variac¸a˜o da leitura, como 71,15 ± 0,15kg, o que poderia se tornar 71,2 ± 0,2 kg (note que o arredondamento da incerteza ficou tambe´m a crite´rio do experimentador). Outras 11 F´ısica Experimental 1 poderiam notar que o mostrador fica mais tempo no valor 71,0 kg do que em 71,3 kg, e por isso escolheriam ser mais conservadoras deixando de confiar na u´ltima casa decimal do instrumento para escrever simplesmente 71± 1 kg. Em geral, esse tipo de detalhe depende de especificidades de funcionamento do instrumento, e deve ser checado no manual do equipamento se necessa´rio. Todas as formas de expressa˜o comentadas estariam corretas se justificadas e serviriam a propo´sitos diferentes. 4 Propagac¸a˜o de incertezas Em va´rias situac¸o˜es na˜o e´ poss´ıvel medir diretamente a grandeza de interesse. Nesse caso, o caminho e´ medir as grandezas de que depende para inferir seu valor. A incerteza da grandeza inferida e´ obtida pela propagac¸a˜o das incertezas das grandezas medidas. Discutimos nesta sec¸a˜o algumas regras para determinac¸a˜o desse tipo de incerteza. Por exemplo: como medir uma componente da forc¸a agindo sobre um corpo utilizando apenas instrumentos capazes de medir massa e acelerac¸a˜o? A resposta o´bvia e´ empregar a 2a lei de Newton, que relaciona essas treˆs grandezas. A incerteza no valor da forc¸a, obtida indiretamente, dependera´ de qua˜o precisas sa˜o as medidas de massa e acelerac¸a˜o. Multiplicac¸a˜o Antes de tratarmos do tema de forma mais rigorosa, podemos estabelecer algumas regras naturais no trato de nu´meros com incertezas. Nas operac¸o˜es alge´bricas mais comuns, voceˆ deve atentar ao nu´mero de algarismos significativos, que na˜o pode aumentar. Se o valor de uma grandeza e´ conhecido com um certo nu´mero de algarismos significativos, grande- zas que dela dependem devem ser conhecidas com nu´mero similar de algarismos ; caso contra´rio, isso significaria que a precisa˜o da grandeza composta estaria aumentando conforme fontes de imprecisa˜o fossem adicionadas, o que seria absurdo. Portanto, a precisa˜o de uma grandeza composta deve estar limitada pela mais imprecisa das grandezas de que depende. Seguindo o exemplo dado acima, suponhamos que a massa da part´ıcula seja medida como m = 0,9 kg, e sua acelerac¸a˜o como a = 1,23 m/s2. Supo˜e-se que esses valores possuam a u´ltima casa indicada como incerta em uma unidade, conforme convenc¸a˜o adotada, sendo explicitamente m = 0,9±0,1 kg e a = 1,23±0,01 m/s2. Nesse caso, a forc¸a, conforme calculada pela multiplicac¸a˜o, resultaria igual a F = 1,107 N. No entanto, sabemos que conheceˆ-la com 4 algarismos significativos e´ certamente muito otimista, pois a massa e´ determinada com apenas 1 algarismo significativo, limitando a precisa˜o na magnitude da forc¸a. 12 Apostila 1: Medidas e incertezas Devemos esperar que o valor calculado da forc¸a so´ tenha 1 ou 2 algarismos significativos, devendo ser escrito como 1 N ou 1,1 N. Para escolher entre elas, notemos que a primeira forma implica imprecisa˜o quase total, i.e. 100%, dado que seu valor seria implicitamente entendido como F = 1±1 N (ou seja, entre 0 N e 2 N), a segunda forma deve ser a mais apropriada nesse caso, ou seja, F = 1,1± 0,1 N, ou simplesmente F = 1,1 N com incerteza impl´ıcita. Nesse caso, a imprecisa˜o e´ de aproximadamente 10%, compat´ıvel com a incerteza relativa inicial na massa. Esse exemplo nos indica ser a incerteza relativa mais relevante do que o nu´mero de algarismos significativos para o ca´lculo da incerteza composta. A estimativa do nu´mero de algarismos signi- ficativos e´ apenas uma indicac¸a˜o grosseira da precisa˜o esperada. A escolha entre essas duas formas no exemplo acima ficara´ mais sistema´tica a seguir, quando desenvolveremos ferramentas para calcular a incerteza de forma quantitativa. Por enquanto, uma forma va´lida pore´m trabalhosa de se calcular a incerteza, chamado aqui coloquialmente de ‘me´todo trabalhoso’, e´ determinar os valores ma´ximo e mı´nimo da grandeza compat´ıveis com o intervalo de incerteza das quantidades das quais depende. De fato, por ser calculada a partir de multiplicac¸a˜o, o valor compat´ıvel mı´nimo da forc¸a ocorre quando massa e acelerac¸a˜o sa˜o mı´nimas dentro da incerteza, ou seja, parammin = m−σm = 0,8 kg e amin = a−σa = 1,22 m/s2, com o que obtemos Fmin = 0,96 N. Repetindo o mesmo procedimento para seu valor ma´ximo, obtemos Fmax = mmax · amax = 1,24 N. Sendo o valor mais confia´vel da forc¸a dado por F = m · a = 1,107 N, podemos estimar a incerteza na forc¸a como σF = (Fmax − Fmin)/2 = 0, 14 N (note que tambe´m podemos calcular σF como σF = Fmax − F = F − Fmin). Conforme veremos, essa forma de estimativa da incerteza e´ pessimista, pois supo˜e estarem ambas as grandezas maximamente erradas ao mesmo tempo, o que na˜o e´ prova´vel. Seguindo a convenc¸a˜o de denotar a incerteza com apenas um algarismo significativo, obtemos pelo me´todo trabalhoso a resposta F = 1,1 ± 0,1 N. Assim, nossa estimativa inicial baseada somente no nu´mero de algarismos significativos permitidos ja´ fornecia resposta compat´ıvel com esse racioc´ınio. Soma Um caso mais problema´tico ocorre nas operac¸o˜es de soma com nu´meros possuindo incerteza, sendo esse um to´pico bastante conhecido em computac¸a˜o. Similarmente a` situac¸a˜o experimental, a representac¸a˜o de um nu´mero no computador so´ pode ser realizada dentro de certa precisa˜o. No caso do computador, esse nu´mero e´ limitado em u´ltima instaˆncia pela quantidade de memo´ria alocada na representac¸a˜o do nu´mero, enquanto em f´ısica experimental ele e´ limitado pela incerteza da medida. Para procedermos com a soma, devemos identificar as posic¸o˜es decimais dos algarismos duvidosos de cada parcela e soma´-las ate´ a posic¸a˜o decimal do algarismo menos confia´vel entre eles. 13 F´ısica Experimental 1 Por exemplo, suponhamos que precisemos somar os nu´meros 12,8 e 146. Apesar de ambos possu´ırem treˆs algarismos significativos, o nu´mero 146 na˜o possui definido o algarismo na primeira posic¸a˜o decimal apo´s a v´ırgula, sendo sua incerteza impl´ıcita de uma unidade ja´ no algarismo 6, seu algarismo duvidoso. Portanto, o algarismo duvidoso do nu´mero 12,8 (no caso, 8), por possuir posic¸a˜o decimal de maior precisa˜o, perde significado no resultado da soma. Devemos considerar, na verdade, a soma de 13 e 146, em que ambos os nu´meros devem ser arre- dondados antes de realizada a operac¸a˜o de soma. A resposta confia´vel seria 159, com incerteza impl´ıcita de 1 no u´ltimo algarismo e herdada essencialmente do nu´mero 146. Note como o resul- tado mudaria bastante de significado caso o nu´mero a ser somado fosse 146,0 (quatro algarismos significativos). Nesse caso, na˜o haveria grande perda de precisa˜o na soma, sendo o resultado confia´vel dado por 158,8. Esse procedimento pode fornecer resultados indefinidos para a soma! Um exemplo de situac¸a˜o patolo´gica ocorre na soma dos nu´meros 12,12 e −12,12. Apesar de cada parcela ser conhecida com quatro algarismos significativos, obtemos algo indefinido como resultado, pois a soma fica indeterminada dentro da incerteza. A forma correta de representar o resultado dessa soma e´ 12,12 + (−12,12) = 0,00 ± 0,01. Nesse exemplo, passamos de um erro inicial de 1 parte em 10 mil (ou seja, 4 algarismos significativos) para indefinic¸a˜o total. O significado da notac¸a˜o do exemplo acima e´ que podemos afirmar o resultado como compat´ıvel com zero dentro da incerteza. Em outras palavras, na˜o possu´ımos precisa˜o nem para apontar a ordem de grandeza de seu valor mais confia´vel, mas apenas para afirmar que esta´ entre 0,01 e −0,01 (a incerteza). Nesse caso, toda a informac¸a˜o reside de fato na incerteza, que denota a confianc¸a com que podemos afirmar o valor zero como resultado. Resultado similar seria obtido ao se tentarmedir o diaˆmetro de um fio de cabelo com uma re´gua milimetrada, por exemplo. O valor medido na˜o possuiria qualquer algarismo significativo nesse caso, fato que pode ser visto facilmente em notac¸a˜o cient´ıfica, na qual seria representado como (0± 1) · 10−2, ou, alternativamente, como 0(1) · 10−2. A precisa˜o da medida so´ permite visualizar um ‘zero a` esquerda’, falhando mesmo em estimar o primeiro algarismo significativo do valor verdadeiro. A operac¸a˜o de soma sempre resulta em valores relativamente mais imprecisos. Por isso e´ deseja´vel medir diretamente grandezas compostas por somas quando poss´ıvel. 4.1 Propagac¸a˜o de incertezas na soma Vimos que, na soma de duas grandezas, a incerteza do resultado deve ser maior que a incerteza absoluta com que cada parcela e´ conhecida. No caso mais pessimista, a incerteza do resultado sera´ a soma das incertezas de cada parcela. 14 Apostila 1: Medidas e incertezas Conceitualmente, somar as incertezas de todas as parcelas significaria esperar que todos os valores somados estivessem ao mesmo tempo no limite superior (ou inferior) de seus intervalos de confianc¸a. Se as medidas forem independentes e descorrelacionadas, e´ pouco prova´vel que isso ocorra. E´ mais plaus´ıvel esperar que poucos valores se encontrem nos limites superior ou inferior de seus intervalos de confianc¸a; uma frac¸a˜o maior das medidas deve estar equivocada por e.g. metade da incerteza, tanto acima quanto abaixo do valor verdadeiro; mas a maior frac¸a˜o delas deve se concentrar nas proximidades dos valores verdadeiros. Nesse caso, devemos compor as incertezas levando em conta as diferentes probabilidades de magnitude de erro afetando uma frac¸a˜o das parcelas. Ja´ sabemos que a incerteza na grandeza inferida deve ser maior que a maior incerteza dentre todas as parcelas, pois a quantidade final na˜o pode ser conhecida de maneira mais precisa que nenhuma de suas parcelas. Pore´m, ela deve ser menor que a soma de todas as incertezas, como vimos. O valor mais prova´vel da incerteza estara´ entre esses dois extremos. A forma rigorosa de se propagar incertezas supo˜e que se referem num certo sentido a distribuic¸o˜es estat´ısticas, como veremos em mais detalhe na Apostila 2. Sejam duas medidas de uma mesma grandeza qualquer com valores m1 = M1 + σM1 e m2 = M2 + σM2 . O valor mais confia´vel da grandeza m = M + σM , inferido a partir da soma como m = m1 +m2, deve ser dado obviamente por M = M1 +M2. (14) Ja´ sua incerteza deve ser propagada por uma regra de composic¸a˜o triangular3 (σM) 2 = (σM1) 2 + (σM2) 2. (15) De fato, essa expressa˜o limita σM inferiormente pela grandeza de maior incerteza, por ser uma soma de quadrados. Se σM1 ≫ σM2 , enta˜o σM ≈ σM1 (demonstre!). Por outro lado, se as duas incertezas sa˜o parecidas (σM1 ≈ σM2), enta˜o a Eq. (15) fornece algo mais otimista do que a soma das incertezas diretas, pois nesse caso obtemos σM ≈ √ 2 σM1 < σM1 + σM2 (demonstre!). Note que a incerteza se calcula da mesma forma para uma soma entre nu´meros com sinais opostos. Se, por exemplo, vale que m1 > 0 e m2 < 0, a resposta seria m = |M1| − |M2| ± √ (σM1) 2 + (σM2) 2, sem mudanc¸a no ca´lculo da incerteza. Assim, o valor obtido da grandeza m a partir de medidas diretas de M1 e M2 e´ m = (M1 +M2)± √ (σM1) 2 + (σM2) 2, (16) 3O motivo dessa forma para composic¸a˜o de incertezas adve´m da suposic¸a˜o de que cada fonte de incerteza seja independente das demais e represente uma distribuic¸a˜o gaussiana de probabilidade de erro. A composic¸a˜o de va´rios processos gaussianos independentes fornece como resultado um novo processo gaussiano cuja variaˆncia e´ a soma das variaˆncias de todos os processos subjacentes. Veremos esses conceitos em mais detalhe na Apostila 2. 15 F´ısica Experimental 1 expressa˜o na qual ja´ aparecem o valor mais prova´vel e sua incerteza. Retornando ao exemplo da u´ltima sec¸a˜o, podemos calcular agora a incerteza na soma de 12,8 e 146 de maneira mais sistema´tica. Tomando m1 = 12,8 ± 0,1 e m2 = 146 ± 1, obtemos M = 12,8 + 146 = 158,8 e σM = √ (0,1)2 + (1)2 ≈ 1,005. Devemos novamente manter apenas 1 algarismo significativo na incerteza e adequar a ela a resposta do valor mais prova´vel, e portanto σM = 1 pelas regras de arredondamento; obtemos como resultado m = 159± 1. Note que no exemplo acima a incerteza do nu´mero 12,8, por ser muito menor que aquela do nu´mero 146, na˜o contribui efetivamente para a incerteza do resultado final. Como regra informal, na propagac¸a˜o das incertezas de uma soma, podemos desprezar de in´ıcio incertezas menores que a metade da maior das incertezas das parcelas. Para um nu´mero qualquer de parcelas, a Eq. (15) se generaliza facilmente. Seja a grandeza m = M + σM composta por N parcelas mk = Mk + σMk , com ı´ndice k = 1, 2, 3, . . . , N . Temos enta˜o (σM) 2 = (σM1) 2 + (σM2) 2 + · · ·+ (σMN )2 = ∑ k (σMk) 2. (17) A propagac¸a˜o de incerteza de soma se da´ essencialmente pela soma dos quadrados das incertezas de todas as parcelas, outra propriedade de processos gaussianos. 4.2 Composic¸a˜o de fontes independentes de incerteza A mesma regra de propagac¸a˜o da soma vale para compor fontes independentes de incerteza na medida direta de uma u´nica grandeza. Utilizando os mesmos argumentos, supomos nesse caso que cada processo a contribuir para a incerteza da medida e´ independente dos demais, obedecendo estat´ıstica gaussiana. A incerteza total e´ obtida pela aplicac¸a˜o da Eq. (15) utilizando σM1 e σM2 como as incertezas respectivas de cada processo. Por exemplo, suponhamos que ao medir o bloco da figura 1 descubramos que a re´gua utilizada e´ mais imprecisa do que pensa´vamos de in´ıcio. Comparando-a com uma re´gua de alta qualidade, percebemos que suas marcac¸o˜es variam de lugar por ate´ 3 mm. Nesse caso, a incerteza da medida do bloco e´ composta por duas fontes de incerteza, da leitura conforme obtida normalmente e das posic¸o˜es das pro´prias marcac¸o˜es de ma´ qualidade. Poder´ıamos reescrever o valor do comprimento do bloco como L = 3,4±0,5±0,3 cm, dessa forma especificando cada fonte de incerteza (a primeira sendo a incerteza de leitura e a segunda, das marcac¸o˜es do instrumento). Poder´ıamos tambe´m compoˆ-las a fim de obter a incerteza total da medida do bloco. Usando a Eq. (15), obtemos σL = √ 0,52 + 0,32 = 0,6, com o que o resultado da medida seria modificado para L = 3,4± 0,6 cm. 16 Apostila 1: Medidas e incertezas De qualquer forma, na˜o e´ aconselha´vel utilizar instrumentos de ma´ qualidade, pois podem escon- der outras fontes de incerteza e dessa forma erodir a confianc¸a no resultado de medida. De maneira ana´loga, N fontes independentes de incerteza resultara˜o na incerteza total dada pela Eq. (17). 4.3 Propagac¸a˜o de incertezas por linearizac¸a˜o a derivadas parciais Uma outra forma comum de inferir grandezas ocorre atrave´s de func¸o˜es baseadas em produtos, diviso˜es e poteˆncias. Nesse caso, determinamos a incerteza da grandeza inferida por seu intervalo de variac¸a˜o conforme pequenas variac¸o˜es ocorrem nos valores das grandezas das quais depende. Em outras palavras, queremos determinar como o valor de uma func¸a˜o responde a pequenas variac¸o˜es independentes em seus argumentos. Isso nos remete a` ideia de derivadas parciais. Func¸o˜es de uma varia´vel e incerteza relativa Considere uma func¸a˜o bem comportada f(x) qualquer. Buscamos saber quanto seu valor muda conforme seu argumento x varia da quantidade σx. O significado disso e´ claro: quanto a incerteza σx influencia o valor da grandeza composta f(x)? Se a variac¸a˜o σx for relativamente pequena, podemos expandir a func¸a˜o em primeira ordem em torno de x usando a aproximac¸a˜o linear pela derivada, f(x+ σx) ≈ f(x)+ df(x) dx · σx. (18) Portanto, chegamos a` incerteza de f(x) dada pela expressa˜o σf = |f(x+ σx)− f(x)| = ∣∣∣∣df(x)dx ∣∣∣∣ · σx, (19) na qual impomos o fato de que a incerteza e´ sempre positiva. A expressa˜o acima e´ ilustrada de forma gra´fica na figura 5. Note como a derivada no ponto x fornece a relac¸a˜o de proporcionalidade entre as incertezas σx e σf no entorno de uma regia˜o pequena. 17 F´ısica Experimental 1 Figura 5: Propagac¸a˜o de incerteza pela derivada. Tomemos um exemplo. Gostar´ıamos de medir a a´rea de um ladrilho quadrado, e para isso medimos o comprimento de um de seus lados como l = 41±4 cm. Ale´m disso, verificamos dentro da precisa˜o experimental que todos os seus lados possuem o mesmo comprimento. A a´rea do ladrilho e´ calculada como A = l2. Usando a Eq. (19), sua incerteza e´ dada por σA = d dl (l2) · σl = 2lσl. (20) Substituindo o valor medido e aplicando as convenc¸o˜es de notac¸a˜o, obtemos a a´rea A = (1,7 ± 0,3) · 103 cm2 (voceˆ encontrou esse resultado?). Notemos algo peculiar no exemplo acima. Ao dividirmos a incerteza na medida de comprimento por seu valor mais confia´vel, verificamos que a incerteza relativa na medida de comprimento e´ aproximadamente σl/l = 0,1, ou seja, ela possui incerteza percentual de 10%. Ja´ para a a´rea inferida, o mesmo ca´lculo revela uma incerteza percentual de 20% (σA/A = 0,2): a incerteza relativa dobra no processo de propagac¸a˜o. Vejamos porque isso acontece. Voltando a` Eq. (20), notamos que ela pode ser reescrita dividindo seus dois membros pela expressa˜o da a´rea, de onde obtemos σA A = 2lσl l2 =⇒ σA A = 2 σl l . (21) Portanto, a incerteza relativa dobra por causa da dependeˆncia quadra´tica de A em l. Para qualquer func¸a˜o f(x) dada por uma poteˆncia de x, obter´ıamos em geral f(x) = xn =⇒ σf f = n σx x . (22) Da mesma forma, se n < 1 a incerteza percentual diminui na grandeza composta. Qualquer que seja a dependeˆncia funcional bem comportada de f(x) em x, a Eq. (19) pode ser empregada para propagac¸a˜o de incerteza, assim como o me´todo gra´fico equivalente da figura 5. 18 Apostila 1: Medidas e incertezas Func¸o˜es de mu´ltiplas varia´veis e derivadas parciais Consideremos agora uma grandeza inferida a partir de duas outras grandezas que podem ser medidas diretamente. Consideramos novamente essas medidas independentes, ou seja, a medida de uma delas na˜o altera o resultado de medida da outra. Representamos a grandeza inferida por uma func¸a˜o de duas varia´veis f(x, y). Se x e y sa˜o varia´veis independentes, a se´rie de Taylor se generaliza para σf = f(x+ σx, y + σy)− f(x, y) ≈ ∂f(x, y) ∂x · σx + ∂f(x, y) ∂y · σy. (23) A derivada parcial de f(x, y) com relac¸a˜o a x, denotada por ∂f(x,y) ∂x e´ calculada como a derivada comum com relac¸a˜o a x considerando y constante, e vice-versa para ∂f(x,y) ∂y . Voltemos ao exemplo da sec¸a˜o 4, em que se buscava determinar a forc¸a agindo sobre um corpo a partir de medidas diretas de sua massa e acelerac¸a˜o. As derivadas parciais relevantes sa˜o nesse caso ∂F ∂m = a e ∂F ∂a = m. Usando a Eq. (23), obtemos σF = ∂F ∂a · σa + ∂F ∂m · σm = mσa + aσm. (24) Dividindo os dois membros da equac¸a˜o pela expressa˜o da forc¸a, encontramos para a incerteza relativa σF F = σa a + σm m . (25) Ou seja, a incerteza relativa da grandeza inferida e´ dada no caso mais conservador pela soma das incertezas relativas das grandezas medidas diretamente. Ja´ vimos esse tipo de composic¸a˜o de incertezas na sec¸a˜o. 4.1. Essa e´ a forma pessimista de se estimar a incerteza na grandeza inferida, uma vez que e´ pouco prova´vel que todas as grandezas independentes das quais depende possuam erro ma´ximo ao mesmo tempo. A diferenc¸a com relac¸a˜o a` discussa˜o anterior e´ que a expressa˜o acima considera a incerteza relativa no lugar da incerteza absoluta. Devemos interpretar a Eq. (23) num sentido estat´ıstico, tal como fizemos para a propagac¸a˜o da soma de grandezas. A forma mais adequada de se calcular a incerteza final e´ supor que cada argumento da func¸a˜o contribui com erro relativo independente e, de acordo com argumentos estat´ısticos, soma´-los de maneira triangular. Assim, a incerteza relativa da grandeza composta deve ser calculada como (σf ) 2 = ( ∂f(x, y) ∂x · σx )2 + ( ∂f(x, y) ∂y · σy )2 , (26) va´lida no limite de pequenas incertezas relativas. 19 F´ısica Experimental 1 Assim, para grandezas calculadas atrave´s de multiplicac¸o˜es e operac¸o˜es afins, e´ a incerteza relativa que aumenta conforme mais fontes de incerteza sa˜o inclu´ıdas. Analogamente ao caso da propagac¸a˜o de incerteza da soma, a incerteza relativa final e´ maior que a mais incerta das incertezas relativas que a compo˜em. Aplicando a Eq. (26) ao exemplo anterior, obtemos a incerteza relativa da forc¸a como (σF F )2 = (σa a )2 + (σm m )2 . (27) Sua incerteza absoluta final e´ σF = √(σa a )2 + (σm m )2 F. (28) Usando os valores do exemplo da sec¸a˜o 4, a incerteza relativa da massa seria σm/m ≈ 0,1 (i.e. 10%), enquanto da acelerac¸a˜o seria σa/a ≈ 0,01 (i.e. 1%). Como σa/a ≪ σm/m, a incerteza da forc¸a e´ quase toda devida a` incerteza na massa. Fazendo o ca´lculo em detalhe com o emprego da Eq. (19), obtemos σF /F = 0,1, i.e. σF = 0,12 N. Note que esse valor e´ ligeiramente menor do que encontrado na sec¸a˜o 4, embora concordem no algarismo significativo, mostrando que o ca´lculo de incerteza conforme realizado naquela sec¸a˜o era de fato conservador. O valor final da forc¸a fica denotado como F = 1,1± 0,1 N, nesse caso o mesmo encontrado anteriormente. A Eq. (26) se generaliza facilmente para uma grandeza inferida a partir de um nu´mero qualquer de grandezas que podem ser medidas diretamente. Consideremos a func¸a˜o f(x1, x2, . . . , xN ) para representar essa grandeza, com argumentos inde- pendentes. Generalizando a Eq. (23), a incerteza em f e´ calculada como (σf ) 2 = ( ∂ ∂x1 f · σx1 )2 + ( ∂ ∂x2 f · σx2 )2 + · · ·+ ( ∂ ∂xN f · σxN )2 = N∑ k=1 ( ∂ ∂xk f(x1, x2, . . . , xN) · σxk )2 (29) Dividindo a equac¸a˜o acima pela expressa˜o de f(x1, x2, . . . , xN ), determinamos o peso com que as incertezas relativas parciais contribuem para a incerteza da grandeza inferida. Esse procedimento permite antever quais medidas parciais sera˜o mais cr´ıticas na medida. Suponhamos que queremos encontrar a densidade ρ de um so´lido em forma de cubo a partir da medida de sua massa M = 1,02 kg e do comprimento de um de seus lados, L = 25,0 cm. A expressa˜o para a densidade e suas derivadas parciais sa˜o ρ = M L3 =⇒ ∂ρ ∂M = 1 L3 . ∂ρ ∂L = −3M L4 . (30) 20 Apostila 1: Medidas e incertezas Note que a derivada parcial ∂ρ ∂L e´ negativa, indicando que os sentidos de variac¸a˜o de ρ e L sa˜o opostos (e.g. ρ e´ superestimado quando L e´ subestimado). No entanto, como incertezas parciais sa˜o combinadas quadraticamente, a incerteza total na˜o e´ afetada. Substituindo as derivadas parciais acima na Eq. (26), obtemos (σρ) 2 = ( 1 L3 σM )2 + ( 3M L4 σL )2 . (31) Ja´ poder´ıamos substituir os valores medidos de M , L, σM e σL nessa expressa˜o para determinar- mos a incerteza em ρ. No entanto, prosseguimos com a divisa˜o dos dois membros da equac¸a˜o pela expressa˜o de ρ a fim de determinar a importaˆncia de cada grandeza parcial na incerteza final da densidade. Obtemos ( σρ ρ )2 = (σM M )2 + ( 3 σL L )2 . (32) A grandeza L contribui com peso treˆs vezes maior na incerteza final. O motivo estat´ıstico para isso e´ o fato de que sua incerteza aparece treˆs vezes na expressa˜oe de forma correlacionada. Segundo os valores dados, as incertezas percentuais de M e L sa˜o, respectivamente, 1% e 0,4%. Normalmente, seguindo a regra informal da sec¸a˜o 4.1, poder´ıamos desprezar a contribuic¸a˜o da incerteza relativa em L, por ser esta menor que metade da incerteza relativa em M . Entretanto, como L aparece com poteˆncia 3 na expressa˜o de ρ, sua incerteza acaba pot tornar-se mais cr´ıtica. Obtemos σρ ρ = 2%, isto e´, ρ = 65± 1 kg/m3. Por fim, notamos que se o valor de alguma incerteza relativa for muito grande, a propagac¸a˜o por expansa˜o linear na˜o sera´ mais eficaz para estimar o valor da incerteza final. Nesse caso, podemos expandir a func¸a˜o ate´ ordens mais altas, ou utilizar o ‘me´todo trabalhoso’ (mais conservador) da sec¸a˜o 4 para estimar a incerteza. Apeˆndice A Paqu´ımetro O paqu´ımetro e´ um instrumento especializado em medir objetos pequenos de maneira versa´til e precisa4. Sua maior aplicac¸a˜o reside em medidas de diaˆmetros internos e externos, comprimentos de objetos, profundidade de rebaixos etc. Todos esses tipos de medidas podem ser lidos em um sistema formado por duas escalas: a escala principal, denotada no corpo fixo do instrumento, e a escala auxiliar, gravada na pec¸a mo´vel a que chamamos vernier ou noˆnio. 4Applets em http://www.stefanelli.eng.br/webpage/metrologia/p-paquimetro-nonio-milimetro-05.html. 21 F´ısica Experimental 1 Figura 6: Paqu´ımetro. Para atingir resoluc¸a˜o melhor do que 1 mm, o paqu´ımetro faz uso da escala auxiliar em combinac¸a˜o com a escala principal, atingindo resoluc¸a˜o cerca de dez vezes maior do que dispon´ıvel fazendo uso apenas de sua escala principal. Vejamos como funciona o paqu´ımetro e como utilizar o vernier para conseguir medidas de maior precisa˜o. A leitura do instrumento ate´ o algarismo do mil´ımetro e´ realizada observando-se onde a marcac¸a˜o ‘0’ do vernier se localiza com relac¸a˜o a` escala localizada no corpo fixo do instrumento, no mesmo esp´ırito da leitura de uma re´gua comum. Vemos na figura 7 a escala principal em detalhe. Pela marcac¸a˜o ‘0’ do vernier, a leitura direta da escala principal nos fornece o valor 87 mm. Portanto, seguindo as convenc¸o˜es das sec¸o˜es anteriores, poder´ıamos estimar o algarismo duvidoso como sendo talvez 7, e dessa forma denotar o resultado de medida como 87,7± 0,5 mm usando o paqu´ımetro como se fosse uma re´gua. Figura 7: Detalhe do vernier. Observemos agora o vernier em mais detalhe. Pela figura 7, vemos que ele possui 10 diviso˜es, cada qual correspondendo a um nu´mero de 0 a 10, conforme indicado em sua escala. Pela construc¸a˜o do paqu´ımetro, essa escala e´ calibrada para representar no total 1 mm, de forma que sua menor divisa˜o deve corresponder a 0,1 mm. Portanto, a escala do vernier fornece o pro´ximo algarismo significativo. Para identifica´-lo, deve- mos observar qual de suas marcac¸o˜es melhor coincide com uma marcac¸a˜o qualquer da escala principal, e ler seu valor correspondente no vernier. No exemplo da figura, essa marcac¸a˜o se refere ao algarismo 8 no vernier. Assim, o valor medido nesse caso seria L = 87,8± 0,1 mm. 22 Apostila 1: Medidas e incertezas Note que a medida final e´ bem mais precisa do que o valor anteriormente obtido utilizando o paqu´ımetro como se fosse uma re´gua. No paqu´ımetro na˜o temos como estimar visualmente o algarismo duvidoso, e a incerteza do paqu´ımetro reside no u´ltimo algarismo que ele nos fornece de forma direta (conforme a regra es- tabelecida anteriormente). Tomamos assim a incerteza do instrumento como igual a` sua menor divisa˜o, tornando-se o u´ltimo algarismo lido, na verdade, o algarismo duvidoso. Figura 8: Detalhe do vernier. Vejamos um outro exemplo a seguir. Na figura 8, temos um vernier com 20 diviso˜es na escala auxiliar, diminuindo a incerteza da medida por um fator 2 (ja´ que a escala do vernier continua representando 1 mm em sua totalidade). Seguindo o mesmo procedimento, obtemos o valor 76 mm a partir da escala principal, e, identificando a marcac¸a˜o do vernier que melhor coincide com a escala principal como correspondendo ao algarismo 9, podemos escrever como resposta final o valor L = 76,90± 0,05 mm. Como na˜o e´ poss´ıvel estimar visualmente o u´ltimo algarismo, mantemos seu valor conforme lido diretamente da escala do vernier, com incerteza dada por sua menor divisa˜o. Apeˆndice B Microˆmetro O microˆmetro, ou parafuso microme´trico, e´ constitu´ıdo por um parafuso de passo constante bem preciso. Uma rotac¸a˜o completa do parafuso corresponde a um deslocamento de um passo. Ele e´ usado para medir dimenso˜es com resoluc¸o˜es da ordem de 10 µm. Apesar de apresentar uma resoluc¸a˜o maior que o paqu´ımetro, o microˆmetro mostra-se um instru- mento bem menos versa´til. As dimenso˜es medidas na˜o podem passar de alguns cent´ımetros e devem corresponder sempre a diaˆmetros externos. A figura 9 ilustra um microˆmetro com a nomenclatura de suas parte. Para iniciar a utilizac¸a˜o do instrumento, e´ necessa´rio determinar a correc¸a˜o do zero de sua escala, lida a partir do tambor. Para tanto, gira-se o parafuso microme´trico ate´ que as superf´ıcies de fuso e batente se encostem. Para medir a dimensa˜o de um objeto, repete-se o procedimento com o mesmo localizado entre fuso e batente. Atenc¸a˜o: Caso o zero na escala do tambor na˜o coincida com o zero da escala linear quando fuso 23 F´ısica Experimental 1 Figura 9: Microˆmetro. e batente se encostam, o valor lido deve ser usado para corrigir todas as medidas efetuadas com o microˆmetro em questa˜o. A maioria dos microˆmetros possui uma catraca, localizada na extremidade do parafuso, cuja func¸a˜o e´ aliviar pressa˜o excessiva que o operador possa exercer, evitando deformar o objeto a ser medido ou danificar o instrumento por tenso˜es mecaˆnicas excessivas. A dimensa˜o do objeto e´ lida a partir de duas escalas, como ilustrado em detalhe na figura 10. A primeira escala, expressa em mil´ımetros, se localiza na bainha e e´ responsa´vel para leitura com precisa˜o de 0,5 mil´ımetro; a segunda escala, de maior precisa˜o, se encontra inscrita no tambor. A marcac¸a˜o graduada localizada na bainha e´ geralmente subdividida em intervalos mı´nimos de 1 ou 0,5 mm. As marcac¸o˜es dos mil´ımetros partem da linha da escala num sentido, enquanto as marcac¸o˜es de meio mil´ımetro, quando existentes, partem no outro. Sua leitura e´ realizada diretamente pelo nu´mero indicado pelo corte que o tambor cria na escala subjacente. Ou seja, a parte vis´ıvel da escala da bainha denota o valor da medida. Figura 10: Detalhe das escalas de leitura na bainha e no tambor. O tambor, que se encontra fixo ao parafuso, proporciona a leitura dos demais algarismos. O princ´ıpio de funcionamento do microˆmetro consiste em dividir o deslocamento de um passo do pa- rafuso por um nu´mero N de diviso˜es (normalmente, N = 50 ou 100), no movimento circular do 24 Apostila 1: Medidas e incertezas tambor. Sua menor divisa˜o corresponde a 0,01 mm. A leitura do nu´mero do tambor e´ realizada de forma similar, pelo ponto em que sua escala numerada e´ cortada pela linha horizontal inscrita na bainha. Isso permite ler dois algarismos exatos no tambor e estimar o algarismo duvidoso. O resultado final da medida e´ a soma das leituras das duas escalas. No exemplo da figura 10, a leitura da escala em mil´ımetros proporciona o valor 17,5 mm. Ja´ a escala do tambor proveˆ a leitura do nu´mero 32, que deve ser entendido como 0,32 mm. O algarismo duvidoso pode ser estimado como 0, fornecendo portanto a leitura 0,320 mm na escala mais fina, que fornece a incerteza. Assim, o resultado da medida e´ a soma desses nu´meros, L = 17,820± 0,005 mm, em que a incerteza de leitura foi tomada, de acordocom a convenc¸a˜o estabelecida, em metade da menor divisa˜o de leitura da escala mais fina (tambor). Questo˜es sobre o material dida´tico devem ser enderec¸adas no momento ao Prof. Alessandro S. Villar, no e-mail villar@df.ufpe.br. 25
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