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• —- CIVILIZAÇÃO MATERIAL, ECONOMIA E CAPITALISMO SÉCULOS XV-XVIII » Fernand Braudel da Academia Francesa Tradução TELMA COSTA Revisão da tradução MON1CA STAHEL Volume 3 O Tempo do Mundo Martins Fontes Scc Paulo 1998 Q°i M Prefácio 10 Os cinco capítulos seguintes (2 a 6) tentam dominar o tempo, nosso principal ou mesmo único adversário. Uma vez mais, investi no longo prazo17. Isso é, evi dentemente, calçar as botas de sete léguas e não ver certos episódios e realidades de pouco fôlego. Nas páginas que se seguem, o leitor não encontrará nem uma biogra fia de Jacques Coeur, nem um retrato de Jacob Fugger, o Rico, nem a milésima explicação do Sistema de Law. São lacunas. Mas haverá outra maneira de ser logicamente breve? Dito iáso, segundo um procedimento habitual e venerável, divi di o tempo do mundo em longos períodos que levam em conta, acima de tudo, as sucessivasexperiênciasda Europa. Dois capítulosto segundo, Veneza,e o terceiro, Amsterdam) falam das Economias antigas de dominação urbana. O capítulo 4, que tem o título Mercados nacionais, estuda o florescimento das economias nacionais no século XVIII, sobretudo a da França e a da Inglaterra. O capítulo 5 — O mundo por ou contra a Europa — dá a volta à terra no chamado Século das Luzes. O capí tulo 6, Revolução Industrial e crescimento, que deveria ser o último, estuda a enor me ruptura que está na origem do mundo em que ainda hoje vivemos. A conclusão, ao se alongar, assumiu as dimensões de um capítulo. Espero que. através dessas diversas experiências históricas observadas atenta e detidamente, as análises do volume anterior sejam reforçadas. Na obra que para nós. historiadores, é a sua obra-prima — History of Economic Analysis, 1959 —, Joseph Schumpeter dizia que1há três maneiras"* de estudar a economia — pela his tória, pela teoria, pela estatística —, mas que, se tivesse que recomeçar sua carreira, seria historiador. Gostaria que também os especialistas das ciências sociais vissem na história um meio excepcional de conhecimento e de pesquisa. Não é o presente em grande parte a presa de um passado que se obstina em sobreviver, e o passado, por suas regras, diferenças e semelhanças, a chave indispensável para qualquer compreensão séria do tempo presente? Capítulo 1 AS DIVISÕES DO ESPAÇO E DO TEMPO NA EUROPA Tal como seu título anuncia, este capítulo, que se pretende teórico, comporta dois desdobramentos: tenta dividir o espaço, depois dividir_o-tempo-— estando o problema em situar antecipadamente as realidades econômicas, e mais as realida- des sociais que as acompanham,conforme seu espaço, depois conforme sua dura- _cão. Essas especificações serão longas, sobretudo a primeira, necessária a uma compreensão mais fácil da segunda. Mas. creio eu. ambas são úteis: balizam o ca minho a seguir, justificam-no e propõem um vocabulário apropriado. Ora. como em todos os debates sérios, as palavras são soberanas. 11 r •V 4 ESPAÇO E ECONOMIAS: AS ECONOMIAS-MUNDOS t/ O espaço, fonte de explicação, põe em causa ao mesmo tempo todas as reali dades da história, todas as partes envolvidas da extensão: os Estados, as sociedades, as culturas, as economias... E. conforme escolhamos um ou outro destes conjun- tos\ modificar-se-ão o significado e 6 papel do espaço. Mas não inteiramente. Gostaria de tratar em primeiro lugar das economiase, por um instante, de ver apenas a elas. A seguir, tentarei delimitar o lugar e a intervenção dos outros conjun tos. Começar pela economia não é apenas estar em conformidade com o programa desta obra; de todas as abordagens do espaço, a econômica, como veremos, é a mais fácil de situar e a de maior amplitude. E ela não só dá o ritmo do tempo mate rial do mundo: todas as outras realidades sociais, cúmplices ou hostis, intervém in cessantemente no seu funcionamento e são, por sua vez, influenciadas: é o mínimo que se pode dizer. As economias-mundos Para iniciar o debate, devemos esclarecer as duas expressões que se prestam a confusão: economia mundial e economia-mundo. A economia mundial estende-se à terra inteira: representa, como dizia Sismondi, "o mercado de todo o universo"2, "o gênero humano ou toda aquela par te do gênero humano que faz comércio e hoje constitui, de certo modo, um único mercado"1. A economia-mundo (expressão inusitada e mal acolhida pela língua francesa, que outrora forjei, a falta de melhor e sem grande lógica, para traduzir um emprego especial da palavra alemã Weltwirtschaft*) envolve apenas um fragmento do uni- versot um pedaço do planeta economicamente autônomo, capaz, no essencial, de bastar asi próprio e ao qual suas ligações e trocas internas conferem i-ití.-i imiil:nli»_ orgânica5. Por exemplo, estudei, há muito tempo, o Mediterrâneo do século XVI enquan to Welttheater ou Weltwirtschaft" — "teatro-mundo". •"economia-mundo" — enten dendo por tal não apenas o mar propriamente dito. mas tudo o que é posto em mo vimento, a maior ou menor distância das suas margens, pela sua vida de trocas. Enfim, um universo em si. um todo. Com efeito, a zona mediterrânica, embora di vidida política, cultural, socialmente também, admite uma certa unidade econômica que. na verdade, foi construída a partir de cima. a partir das cidades dominantes do norte da Itália. Veneza à frente e. a seu lado. Milão. Gênova. Florença7. Esta econo mia do conjunto não é toda a vida econômica do mar e das regiões que dependem dele. E. de certo modo, sua camada superior, cuja ação. mais ou menos forte con forme os lugares, encontramos em todo o litoral e. por vezes, bem para o interior das terras. Essa atividade transcende os limites dos Impérios —o hispânico, cujo desenhose definirácom Carlos V (1519-1558), e o turco, cujo avanço é bem ante- Veneza, amigo centroli economia-mundo européiano século XV, é ainda, no fim do séculoXVIIe início do séculoXVIII, uma cidadecosmopolita ondeos orientais sentem-seem ca.sa. LucaCarlevaris. La Piazzctta (</f• talhe). (Oxford, A.shmoiean Museumi 13 + » y A > * / \ . v d i v i s õ e s d o e s p a ç o e d o t e m p o r i o r à c o n q u i s t a d e C o n s t a n t i n o p l a ( 1 4 5 3 ) . E l a t r a n s c e n d e t a m b é m o s l i m i t e s m a r - 3 f p a d o s e i n t e n s a m e n t e s e n t i d o s e n t r e a s c i v i l i z a ç õ e s q u e c o m p a r t i l h a m o e s p a ç o • ^ - $ m e d i t e r r â n i c o : a g r e g a e m p o s i ç ã o d e h u m i l h a ç ã o e d e r e c u o s o b o j u g o c r e s c e n t e # d o s t u r c o s ; a m u ç u l m a n a , c e n t r a d a e m I s t a m b u l ; a c r i s t ã , l i g a d a s i m u l t a n e a m e n t e a F l o r e n ç a e a R o m a ( a E u r o p a d o R e n a s c i m e n t o , a E u r o p a d a C o n t r a - R e f o r m a ) . I s l ã ^ e C r i s t a n d a d e e n f r e n t a m - s e a o l o n g o d e u m a l i n h a d e s e p a r a ç ã o n o r t e - s u l t r a ç a d a • y - e n t r e o M e d i t e r r â n e o d o P o e p t e e o M e d i t e r r â n e o d o L e v a n t e , l i n h a q u e , a t r a v é s d a s . c o s t a s d o A d r i á t i c o e d a S i c f l i a , a t i n g e o l i t o r a l d a a t u a l T u n í s i a . N e s s a l i n h a q u e d i v i d e e m d o i s o e s p a ç o m e d i t e r r â n i c o s i t u a m - s e t o d a s » a s b a t a l h a s r e t u m b a n t e s e n t r e i i n f i é i s e c r i s t ã o s . M a s o s b a r c o s m e r c a n t e s n ã o c e s s a m d e a t r a v e s s á - l a . ^ . O r a , a c a r a c t e r í s t i c a d e s s a e c o n o m i a - m u n d o p a r t i c u l a r c u j o e s q u e m a e v o c a - ' a j m o s — o M e d i t e r r â n e o d o s é c u l o X V I — é p r e c i s a m e n t e t r a n s p o r a s f r o n t e i r a s p o l í - t t i c a s e c u l t u r a i s q u e , c a d a q u a l a s e u m o d o , f r a g m e n t a m e d i f e r e n c i a m o u n i v e r s o m e d i t e r r â n i c o . _ A s s i m , e m 1 5 0 0 , o s m e r c a d o r e s c r i s t ã o s e s t ã o n a S í r i a , n o E g i t o , e m I s t a m b u l , n o n o r t e d a Áf r i c a ; o s m e r c a d o r e s I e v a n t i n o s , t u r c o s , a r m ê n i o s e s p a l h a r - < e - ã o m a i s t a r d e p e l o A d r i á t i c o . I n v a s o r a , a e c o n o m i a , q u e f o r j a a s m o e d a s e a s t r o - . c a s . t e n d e a c r i a r u m a c e r t a u n i d a d e e n q u a n t o t u d o . - p o r o u t r o l a d o . a t u a a f a v o r d e b l o c o s d i f e r e n c i a d o s . A t é a s o c i e d a d e m e d i t e r r â n i c a s e d i v i d i r i a , g r o s s o m o d o , s e g u n d o d o i s e s p a ç o s : d e u m l a d o u m a s o c i e d a d e c r i s t ã e m m a i o r p a r t e s e n h o r i a l , d o o u t r o a s o c i e d a d e m u ç u l m a n a c o m p r e d o m í n i o d e u m s i s t e m a d e b e n e f í c i o s , d e s e n h o r i o s d e t í t u l o v i t a l í c i o , r e c o m p e n s a s p a r a t o d o a q u e l e q u e f o s s e c a p a z d e s e d i s t i n g u i r e s e r v i r n a g u e r r a . C o m a m o r t e d o t i t u l a r , o b e n e f í c i o o u o e n c a r g o v o l t a r a m p a r a o E s t a d o e e r a m d i s t r i b u í d o s n o v a m e n t e . R e s u m i n d o , d o e x a m e d e u m c a s o p a r t i c u l a r d e d u z i m o s q u e u m a e c o n o m i a - m u n d o é u m a s o m a d e e s p a ç o s i n d i v i d u a l i z a d o s , e c o n ô m i c o s e n ã o e c o n ô m i c o s . a g r u p a d o s p o r e l a ; q u e a e c o n o m i a - m u n d o r e p r e s e n t a u m a e n o r m e s u p e r f í c i e ( e m p r i n c í p i o , é a m a i s v a s t a z o n a d e c o e r ê n c i a , e m d e t e r m i n a d a é p o c a , e m u m a r e g i ã o ^ d e t e r m i n a d a d o g l o b o ) ; q u e , h a b i t u a l m e n t e , e l a t r a n s c e n d e o s l i m i t e s d o s o u t r o s g r u p o s m a c i ç o s d a h i s t ó r i a . ^ ^ ^ f t f O O & f á r t C k * E c o n o m i a s - m u n d o s d e s d e s e m p r e 1 4 D e s d e s e m p r e h o u v e e c o n o m i a s - m u n d o s , o u p e l o m e n o s d e s d e h á m u i t o t e m p o . A s s i m c o m o d e s d e s e m p r e , p e l o m e n o s d e s d e h á m u i t o t e m p o , h o u v e s o c i e d a d e s , c i v i l i z a ç õ e s . E s t a d o s e a t é i m p é r i o s . S e d e s c ê s s e m o s o c u r s o d a h i s t ó r i a c o m b o t a s d e s e t e l é g u a s , d i r í a m o s q u e a F e n í c i a a n t i g a f o i u m e s b o ç o d e u m a e c o n o m i a - m u n d o . T a m b é m C a r t a g o , n o t e m p o d e s e u e s p l e n d o r . T a m b é m o u n i v e r s o h e l e n í s t i c o . T a m b é m R o m a , e m v i g o r . T a m b é m o I s l ã , a p ó s s e u s s u c e s s o s f u l g u r a n t e s . C o m o s é c u l o I X , a a v e n t u r a n o r m a n d a n o s c o n f i n s d a E u r o p a o c i d e n t a l e s - b o ç a u m a e c o n o m i a - m u n d o b r e v e , f r á g i l , q u e o u t r o s h e r d a r ã o . A p a r t i r d o s é c u l o X I . a E u r o p a e l a b o r a o q u e v i r á a s e r s u a p r i m e i r a e c o n o m i a - m u n d o . q u e o u t r a s s e g u i r ã o a t é o p r e s e n t e . A M o s c ó v i a . l i g a d a a o O r i e n t e , â í n d i a , à C h i n a , a Á s i a c e n t r a l e à S i b é r i a , é u m a e c o n o m i a - m u n d o e m s i , p e l o m e n o s a t é a o s é c u l o X V I I I . T a m b é m a C h i n a , q u e m u i t o c e d o s e a p o d e r a d e v a s t a s r e g i õ e s v i z i n h a s , l i g a n d o - a s A s d i v i s õ e s d o e s p a ç o c d „ t e m p o i C O N O M i A - M I N U O O L I M P h K I O - M L N D O . S , J Z W " " ' t " l " " a P ° í " a ; , * W ° a r i a n o : W i n u n d a d a , d a S i b é r i a o c i d e n t a l , d o p l a n a l t o d a S t b c n a , e n t r a i , d a s m o n t a n h a , d o l e s t e o n d t ^ j n ^ - f i n d a i , t a n t o m a i s , , u e a o u d e l a s e d e f L . a c o , „ a a Z ' \ % „ T m ' n " f r " • " " " " " " - " " " " ' " • , " < " " « V * " * " d i s c u t i r c o m t m m a n u e l W a l l e r s t e i n ? C o n c e d a m o s a <s t u l t i m o , / u e a S i b é r i a s e c o n s t r u a , p e l a f o r ç a , q u e a e c o n o m i a - i s t o é . a i n t e n d e n d o - s ó f e z i r a t r a s Av ^ ? f r o n t e i r a s p o n u l l u i d a . s a s s i n a l a m o s l i m i t e s d a U R S S ' n r v 1 r s / v S a o s e u d e s t i n o : a C o r é i a , o J a p ã o , a I n s u l í n d i a . o V i e t n ã , o Y u n n a n . o T i b e t e a M o n g ó l i a , i s t o é . u m a g u i r l a n d a d e p a í s e s d e p e n d e n t e s . A í n d i a , m a i s p r e c o c e a i n d a , t r a n s f o r m a O o c e a n o Í n d i c o , p a r a s e n u s o . n u m a e s p é c i e d e m a r I n t e r i o r , d e s d e a s c o s t a s o r i e n t a i s d a Á f r i c a a t é a s i l h a s d a I n s u l í n d i a . N ã o e s t a r e m o s , a f i n a l , d i a n t e d e p r o c e s s o s c o n t i n u a m e n t e r e t o m a d o s , s u p e r a ç õ e s q u a s e e s p o n t â n e a s c u j o s v e s t í g i o s s e e n c o n t r a m p o r t o d a p a r t e ? M e s m o n o c a s o . â p r i m e i r a v . s t a r e m i t e n t e . d o I m p é r i o R o m a n o , c u j a e c o n o m i a n o e n t a n t o u l t r a p a s s a a s f r o n t e i r a s a o l o n g o d a p r ó s p e r a l i n h a d o R e n o e d o D a n ú b i o , o u , e m d i r e ç ã o a o O r i e n t e , a t e o m a r V e r m e l h o e o o c e a n o Í n d i c o : s e g u n d o P l í n i o , o V e l h o R o m a p e r d i a , n a s t r o c a s c o m o E x t r e m o O r i e n t e . 1 0 0 m i l h õ e s d e s e s t é r c i o s p o r a n o E a i n d a h o j e s e e n c o n t r a m c o m b a s t a n t e f r e q ü ê n c i a m o e d a s r o m a n a s a n t i g a s n a í n d i a 8 P 1 5 & ^ ' As divisões do espaço e do tempo Regras tendenciais y* _ O tempo vivido propõe-nos, assim, uma série de exemplos de economias-mun- fO Ç dos, não muito numerosos, mas suficientes para permitir comparações._Aliás, como XJ \\ » y ^ as economias-mundos foram de'duração muito longa, cada uma evoluiu e se trans- 0*> U? -0 formou localmente em relação a si própria e a suas épocas, as suas fases sucessivas sugerem por sua vez algumas aproximações. Enfim, a matéria é suficientemente rica para autorizar uma espécie de tipologia das economias-mundos, para se dedu zir pelo menos um conjunto de regras tendenciais9, que esclarecem e até definem as suas relações com o espaço. O primeiro cuidado ao se explicar qualquer economia-mundo é delimitar o es paço que ela ocupa. Em geral, seus limites são facilmente detectáveis, pois sua mu dança é lenta. A zona que ela engloba apresenta-se como condição primeira de sua existência. Não há economia-mundo sem um espaço próprio e significativo por vá rias razões: — ele tem limites e a linha que o contorna confere-lhe um sentido, tal como as margens explicam o mar; — ele implica um centro em benefício de uma cidade e de um capitalismo já dominante, seja qual for a sua forma. A multiplicação dos centros representa quer uma forma de juventude, quer uma forma de degenerescência ou mutação. Diante das forças externas e internas, podem, com efeito, esboçar-se descentragens, que depois se completam: as cidades com vocação internacional, as cidades-mundos, .estão perpetuamente em competição umas com as outras, substituem-se umas às outras; — hierarquizado, esse espaço é uma soma de economias particulares, umas po bres, outras modestas, sendo uma única relativamente rica no seu centro. Daí resul tam desigualdades, diferenças de voltagem, através das quais fica assegurado o fun cionamento do conjunto. Daí a "divisão internacional do trabalho" sobre a qual P. M. Svveezy diz que Marx não previu "que ela se concretizaria como modelo [espa cial] de desenvolvimento e de subdesenvolvimento que oporia a humanidade em J^, dois campos —os have e os havenot —separados por um fosso ainda mais radical do que aquele que separa a burguesiae o proletariado dos países capitalistas avan çados Todavia, não se trata aqui de uma separação "nova", mas de uma antiga ferida, por certo incurável. Existia muito antes da época de Marx. Temos, portanto, três grupos de condições, todos de alcance geral. , ocv vj^1* & Primeira regra: um espaço que vá ntamente Q ^ CMsQ CQr^*^° 0^rO-<?f> „Os limites de uma economia-mundo situam-se onde começa uma outra econo mia do mesmo tipo, ao longo de uma linha, ou melhor, de uma zona que, de um e outro lado, não há vantagem, economicamente falando, em transpor, a não ser em casos excepcionais. Para o grosso dos tráficos, e nos dois sentidos, "a perda na tro ca ultrapassaria o ganho"". Por isso. como regra geral, as fronteiras das econo- n As divisões do espaço e do tempo ^- mias-mundos se apresentam comozonas pouco animadas, inertes. Como espessos ^ "Invólucros, difíceis detranspor, muitas vezes barreiras naturais, noman 's lands, no xJ \man'sseas. Eo Saara, a despeito dassuascaravanas, entrea África Negra e a Áfri- Gca Branca. Eo Atlântico, vazio aosule a oesteda África, quedurante séculos barra S u ">a passagem para o oceano Índico, cedo conquistado para os tráficos, pelo menos na ^- u| i sua parte norte. Éo Pacífico, que a Europa conquistadora não consegue ligar bem '•>>.< com c'a mesma: o périplo de Magalhães, afinal, é a descoberta apenas de uma por- „ ta de entrada no mar do Sul. não de uma porta de entrada e de saída, isto é, de re-^ gresso. Para regressar à Europa, o périplo completou-se com a utilização da rota portuguesa do cabo da Boa Esperança. Mesmo no princípio, em 1572. as viagens do galeãode Manila não derrubaram verdadeiramente o monstruoso obstáculo que era o mar do Sul. Obstáculos igualmente maciços eram as fronteiras entre a Europa cristã e os /Bálcãs turcos, entre a Rússia e a China, entre a Europa e a Moscóvia. No século XVII, o limite oriental da economia-mundo européia passa a leste da Polônia: ex- clui a vasta Moscóvia. Esta. para um europeu, é o fim do mundo. A um certo via jante12 que, em 1602. a caminho da Pérsia, aborda o território russo a partir de Smolensk, a Moscóvia surge como uma região "grande e vasta", "selvagem, deser-' ta, pantanosa. coberta de matagais" e de florestas, "cortada por brejos que se atra vessam por estradas feitas com restos de árvores derrubadas" (contou "mais de 600 passagens desse tipo" entre Smolensk e Moscou "freqüente em muito mau esta do"), região onde nada é como nos outros lugares, vazia ("podem-se percorrer 20 ou 30 milhas sem encontrar uma cidade ou uma aldeia"), com estradas execráveis, mesmo com bom tempo, região, enfim, "tão bem fechada a qualquer acesso, que é impossível entrar e sair de lã furtivamente, sem autorização ou salvo-conduto do grão-duque". País impenetrável, é a impressão de um espanhol que, evocando a memória de uma viagem de Vilnaa Moscou por Smolensk, por volta de 16S0,afir ma que "toda a Moscóvia é uma floresta contínua" onde os únicos campos são os que o machado abriu11. Ainda em meados do século XVIII, o viajante que ultrapas-^. sasse Mittau, a capital da Curlándia, só encontrava abrigo em "hospícios pio- Ihentos", mantidos por judeus, "onde era preciso deitar-se em meio às vacas, aos porcos, às galinhas, aos patos e a um viveiro de israelitas, tudo exalando odores por causa de um fogão sempre quente demais"1"1. Convém, uma vez mais. rr.ediressas distâncias hostis, pois é no interior destas dificuldades que se estabelecem, crescem, duram e evoluem as economias-mundos. Precisam vencer o espaço paradominá-lo e o espaço nunca deixa de se vingar, de impor novos esforços. £ milagre a Europa ter deslocadoseus limites de umasó vez. ou quase de uma só vez. com os grandes descobrimentos do final do século XV. Mas era preciso manter o espaço aberto, tanto as águas atlânticas como o solo ame ricano. Manter um Atlântico \azio, uma América meio vazia, não era fácil. Mas também não era fácil abrir caminho até uma outra economia-mundo, levar até ela uma "antena", uma linha de alta tensão. Quantas condições a preencher para que a porta do comércio do Levante se mantivesse aberta durante séculos entre duas vigi lâncias, duas hostilidades... O sucesso da rota do cabo da Boa Esperança teria sido impensável sem esse triunfo prévio de longa duração. E vejam-se quantos esforços ela custará, quantas condições exigirá: Portugal, o seu primeiro operário, esgotar- 17 2c3.AS ECONOMIAS-MUNDOS EUROPÉIAS AESCALA DO PLANIfT \ Aeconomia atropela em via deexpansão é representada pelos seus tráficos mau importantes em escala mun dial. Em 15"'. j partir de Veneza, são explorados, por apropriação direta, oMediterrâneo f.eráp. III j rede das galcrc zimercatoj eoOcidente: as etapas prolongam essa exploração ate oBatuco, j Sonegae. para além das Esctlas do Levante, alé o oceano Indico. BIBLIOTECA Em 1775. «1 tentáculos dos tráficos europeus estendem-vao mundo inteiro: por sem pontos de partida distin S2 TnTn , luJ"-opar Jüi ***«*? bruànicas. Londres tornou-se ocentro domando. So 19 Asdivisões do espaçoe do tempo rj se-á literalmente nisso. Avitória caravaneira do Islã através dos deserto!itulMaté f conquista, uma conquista lentamente assegurada pela construção de uma rede de oásis ede pontos de água. - ? J Spotmda rffgra; no ceuSiüa / uma cidadf capitalista dominante.—, b1 Uma ^nnomia-mundo possui sempre um pólgjn^a^uma cidade no centra da lo^sücTd^sle^negócios: as informaçõe^sj^rc^donas^os capitais, oscre-_ -ttos°os homens, as n Ir rlfí ^aiç oh^am aela edela voltam .fsSS^mditarifleis são grandes comerciantes, por vezes excessivamen- ^rÍCCidades-etapa rodeiam opólo amaior ou menor distância - mais respeitosa 'ou n^nÍs - alciadas ou cúmplices, mais freqüentemente ainda sujeitas ao seupape secundário. Sua atividade ajusta-se àda metrópole: montam guarda ao seu re- -Srremetem para ela ofluxo dos negócios, redistribuem ou encaminham os bens uueebíhes confia, agarram-se" ao seu crédito ou submetem-se aele Veneza naoZ tlnh^Antuérpla não está sozinha: Amsterdam^^f^trópoles apresentam-se com um séquito, uma comitiva: RichardJJJ»flto«. • esse respeito, de arquipélagos de cidades, eaexpressão da aimagem. Stendhaltt- nhTa ilusão de que as grandes cidades da Itália, por generosidade, tinham preserva-dò as menos gldes<\ Mas como poderiam destruí-las? Subjugá-las s,m nada mais p seL8necessi.avam dos seus serviços Uma ridade-mundo nâo pode atin- ^ ^manter oseu alto nível devida sem osacrifício, desej^u^aç^u^ L. Das outras com as quais se parece - uma cdade euma cidade - mas das ^uais difere: éuma supercidade. Eoprimeiro sinal pelo qual areconhecemos epre- cisamente o fato de ser assistida, servida. PhilippedeComm^ies, em 1495. Veneza "é amais tr.unfan.e cidade que a. .NIa OP nião de Descartes, Amsterdam éuma espécie de "inventario do possível, e escreve Guez de Ba.zac. em 5de maio de 1631: "Que lugar poderíamos esco no mundo [ 1em que todas as comodidades etodas as cur.osidadesque se possam desehr fos em tão fáceis como neste?- Mas essas cidades deslumbrantes tambémd a Icertam. escapam ao observador. No tempo de Voltaire ou de Moiuesquie. oual óoestrangeiro que não se empenha em compreender, em explicar Londres. A viaJm à nulãlerra. um gênero literário, éum empreendimento de descoberta queSa sempre por se deparar com aoriginalidade irônica de Londres. Equem nos contaria, hoje. o verdadeiro segredo de Nova YorkQualquer cidade um pouco importante, sobretudo se eaberta p, r. omari uma "Arca de Noé". "uma verdadeira feira de mascaras . uma torre de Babel èécomo opresidente de Brosses definia.lW". Mas oeme dtete verda-deiras metrópoles? Apresentam-se sob o signo de extravagantes misturas, sejam Lo dres. Istambul. Ispahan ou Ma.aca. Surat ou Calcutá (esta a£»*"•>£ meiros sucessos).Jm_Am-tmhm soh os pilares da Bolsa que é^ma smtcscd^ universo lil li ir Tnrlm mirtii *• •"""H" Fm VRneza' t»uun ü —& 20 _4- <r :'' As divisões do espaço e do tempo ver curiosidade em ver homens de todas as partes do mundo, vestidos cada qual a seu modo diversamente, vá àpraça de S. Marcos, ou à de Rialto, onde se encontram todos os tipos de pessoas". Essa população heterogênea, cosmopolita, deve poder viver e trabalhar em .paz. A Arca de Noé é a tolerância obrigatória. Sobre o Estado veneziano diz o se nhor de Villamont'''(1590) "que não há em toda a Itália lugar onde se viva com maior liberdade [...] porque, primeiramente, é difícil a senhoria condenar um ho mem à morte, em segundo lugar, as armas não são proibidas2", em terceiro, não há inquisição para a fé, finalmente,cada um vive segundo sua fantasia e em liberdade de consciência, o que é motivopara que diversos franceses libertinos21 fiquem por lá para não serem procurados nem controlados e viverem em completa licença". Imagino que essa tolerância inata de Veneza explique em parte o seu "famoso anticlericalismo"—, melhor dizendo, a sua vigilante oposição quanto à intransi gência romana. Mas o milagre da tolerância renova-se onde quer que se instale a _ convergência mercantil. Amsterdam a abriga, e com todo o méritodepois das vio lências religiosas entre arminianos e gomaristas (1619-1620). Em Londres, o mo saico religioso tem-todas as cores.Conta um viajante francês (1725)--1: "Há judeus, protestantes alemães, holandeses, suecos, dinamarqueses, franceses, luteranos, anabatistas, milenários [sic]. brownistas, independentes ou puritanos c tementes ou quakers". Aos que se acrescentam os anglicanos,os presbiterianose os próprios ca tólicos que, ingleses ou estrangeiros, têm o hábito de ouvir a missa nas capelas dos embaixadores francês, espanhol ou português. Cada seita, cada crença têm as suas igrejas ou as suas assembléias. E cada uma se reconhece, se identifica para os ou tros: os quakers "conhecem-se a um quarto de légua pela roupa, com um chapéu de copa chata, uma gravatinha. um casaco abotoado até em cima e os olhos quase sempre fechados"-*4. Talvez a característica mais evidente destas supercidades seja ainda a sua pre- coce e forte diversificação voai. Todas abrigam proletariados, burguesia, patri- ciados donos da riqueza e do poder e tão seguros de si mesmos que logojá não se darão ao trabalho de se paramentar, como no tempo de Veneza ou de Gênova, com o título de nobili-. Patriciado e proletariado "divergem", em suma, tornando-se os ricos mais ricos, os pobres ainda mais miseráveis, pois o eterno mal das cidades ca pitalistas frenéticas é a carestia.para não dizer a inflação sem trégua. Esta está liga da à própria natureza das funções urbanas superiores destinadas a dominar as eco nomias adjacentes. Na direção de seus altos preços a vida econômica se reúne, flui por si mesma. Mas, presas dessa tensão, a cidade e a economia que a tem por meta correm o risco de sair queimadas. Em Londres ou em Amsterdam, a carestia de vida ultrapassou, em certos momentos, o limite do suportável. Nova York está atualmente se esvaziando de seus estabelecimentos comerciais e empresas que fo gem às enormes taxas de encargos e impostos locais. E. no entanto, os grandes pólos urbanos falam demais ao interesse e à imagina ção para que o seu apelo não seja ouvido, como se todos esperassem participar na festa, no espetáculo, no luxoe esquecer as dificuldades da vida de todos os dias. As cidades-mundos exibem o seu esplendor. Acrescentando-se a isso a miragem das recordações,a imagem aumenta até o absurdo. Em 1643, um guia de viagens2" evo ca a Antuérpiado século anterior: uma cidade de 200000 habitantes, "tanto nacio- - /* cTóV ! sj o <c 21 As divisões do espaçoe do tempo nais como estrangeiros", capaz de reunir "de uma vez 2500 navios no seu porto[onde aguardavam] ancorados um mês sem poderem descarregar ; uma cidade riquíssima que havia entregado aCarlos V"300 toneladas de ouro conde todos os anos eram despejados "500 milhões de prata, 130 milhões de ouro , sem contar odinheiro do câmbio que vai evem como aágua do mar" Tudo isso csonho^Fuma- ça< Mas por uma vez oprovérbio está certo: onde ha fumaça ha fogo! Em 1587, Alonso Manado, na sua Historia de Sevilla, pretendia que "com os tesouros im portados para acidade poder-se-ia cobrir todas as ruas com calçamentos de ouro e de prata"!2" Segunda regra (continuação): sucedem-se osprimados urbanos i>° ^ y> \* / ti : substituíAs cidades dominantes não o são in aeternum: substituem-se umas asoutras. Verdade na cúpula, verdade a todos os níveis da hierarquia urbana. Essas transte- ' rências onde quer que se produzam (no cume ou na encosta), de onde quer que ve nham (por razões puramente econômicas ou hão), são sempre significativas: rom pem histórias tranqüilas eabrem perspectivas.tanto mais preciosas quanto sao raras. Seja Amsterdam substituindo Antuérpia. Londres sucedendo Amsterdam ou. por volta de 19-9 Nova York ultrapassando Londres, acada vez éuma enorme massa de história que muda de rumo, revelando as fragilidades do equilíbrio anterior eas forças do que va. estabelecer-se. Podemos de antemão suspeitar que todo ocirculo da economia-mundo é assim afetado e que as repercussões nunca sao unicamente C°nQuando, em 1421. os Ming mudaram de capital, abandonando Nanquim, aber ta graças ao no Azul. à navegação marítima, para irem instalar-se em Pequim, diante dos pensos das fronteiras manchu emongol-a enorme China, economia- mundo maciça."foi inapelavelmente abalada, virou as costas auma certa forma de economia ede ação aberta às facilidades do mar. No coração do território enra.zou- se uma metrópole surda, emparedada, que tudo atraía para si. Escolha consciente ou inconsciente, mas certamente decisiva. Na competição pelo cetro do mundo, to, naquele momento que aChina perdeu uma partida em que unha entrado sem saber, com as expedições marítimas do princípio do século XV. apartir de NanquimÉuma aventura análoga à que foi selada pela opção de Filipe II. em 158Num momento em que aEspanha, politicamente, dominava a*>gr*^J^ uuistou Portugal (1580) e instalou seu governo em Lisboa, onde residira durante quase três anos. Lisboa adquiriu enorme importância. De frente para ooceano, eo lugar ideal para se controlar edominar 0mundo. Valorizada pelo rei epelas presen ça; governamentais, afrota hispânica expulsará os franceses dos Açores, em 1583. eos prisioneiros serão, sem qualquer outra forma de processo, enforcados nas ver gas dos navios. Assim, sair de Lisboa, em -1582. era abandonar uma posição de onde se dominava a economia do Império para encerrar a força espanhola no cora ção praticamente imóvel de Castela. em Madri. Que erro! AInvencível Armada.longamente preparada, corre em 1588 para sua desgraça. Aação espanhola sotreu com esse recuo, eos contemporâneos tiveram consciência disso. Na época de r-.n- Símbolo dopoderinglês sobre o mar: a derrota da Invencível Armada. Detalhede uma telade anônimo do NationalMaritime Museumde Greenmch (Londres). tCIichc do museu) pe IV ainda se encontravam intercessores para recomendar ao Rei Católico2* que realizasse o "velho sonho português" de transferir de Madri para Lisboa o centro da sua monarquia. "A.nenhum príncipe o poder marítimo importa tanto quanto ao da Espanha", escreve umdeles, "pois só pelas forças marítimas se criará um corpo únicocom tantas províncias tãoafastadas umas das outras"29. Retomandoa mesma idéia, em 1638. um escritor militar antecipa a linguagem do almirante Mahan: "O poderque mais convémàs armas da Espanha é o que se situa no mar.mas essa ma- —— 23 As divisões do espaçoe do tempo 6) *3 teria de Estado étão conhecida que não irei discuti-la, mesmo julgando que este éo lucaroportuno paratal"30. ' Epilogar sobre oque poderia ter acontecido mas não aconteceu e um jogo. U certo éque, se Lisboa, amparada pela presença do Rei Católico, tivesse saído vito riosa não teria havido Amsterdam, pelo menos não tão cedo Com efeito, no centro,, i de uma economia-mundo só pode haver um pólo decada vez. Osucesso de um e, r^rrTprazo mais ou menos longo, orecuo do outro. No tempo de Augusto através s5 ^ /\) do Mediterrâneo romano, Alexandria joga contra Roma, que ira ganhar. Na Idade ^ 'C lO Média, na lutapela posse da riqueza explorável do Oriente, énecessário que tnunle rX <? ^ uma cidade, Gênova ou Veneza. Oprolongado duelo entre as duas não se decidira -*,?•* o fim da guerra de Chioggia (1378-1381), que-assistirá àbrusca vitoria de J Veneza Os Estados-cidades daItália disputaram a supremacia com uma dureza tal que os seus herdeiros, os Estados enações modernos, não virão aultrapassar. Essas evoluções no sentido do triunfo ou do fracasso correspondem a verda deiras convulsões. Se cai acapital de uma economia-mundo, fortes abalos se regis tram ao longe, até a periferia. Aliás, é nas margens, colônias verdadeiras ou '^ eudocolônias, que oespetáculo tende sempre aser mais revelador Veneza perde o seu cetro, perde o seu Império: Negroponto, em 1540; Chipre (que era o seu fiorão) em 1572; Cândia, em 1669. Amsterdam estabelece asua superioridade: Portugal perde oseu Império do Extremo Oriente, mais tarde fica adois passos de /-. perder oBrasil. AFrança, em 1762, perde oprimeiro lance sério no seu duelo con- O ira a Inglaterra: renuncia ao Canadá e, praticamente, aqualquer futuro na índia. Londres, em 1815, afirma-se na plenitude da sua força: a Espanha, no momento M oportuno, perdeu ou perderá aAmérica. Do mesmo modo, depois de 1929, omun- 2 Jlo ainda na véspera centrado em Londres, começa ase recentrar em Nova York: •^ edepois de 1945, os Impérios coloniais da Europa serão, um após outfo. o inglês, o O ^holandês, obelga, o francês, oespanhol (ou oque dele restava), agora oportuguês.Q ÍEsta repetição dos abandonos coloniais não é fortuita; trata-se de cadeias de depen- < Idências que se romperam. Será muito difícil imaginar as repercussões que hoje Q. ° «8 acarretariam para todo ouniverso ofim da hegemonia "americana ? Segunda regra (continuação efim): Q 24 £ acarretariam para todo o universo o tim ua negemoni dominações urbanas mais ou menos completas Aexpressão cidades dominantes não deve fazer crer que se trate sempre do mesmo tipo de sucessos ede forças urbanas: ao longo da história, essas cidades centrais vão sendo mais ou menos bem armadas e as suas diferenças e insuficiên cias relativas, vistas de perto, introduzem a reinterpretaçoes bastante corretas. Tomando a seqüência clássica das cidades dominantes do Ocidente. Veneza. Antuérpia. Gênova. Amsterdam. Londres, das quais voltaremos afalar detidamen te, verificaremos que as três primeiras não possuem oarsenal completo da domina, çáo econômica. No fim do século XIV, Veneza é uma cidade mercantil em plena expansão: mas~só cm parte éafe^dn e. nnimada oela indústria e. embora tenha um enquadramento financeiro ebancário, este sistema de crédito so funciona no inte rior da economia veneziana, é um motor endógeno. Antuérpia, praticamente des- As divisões do espaço e do tempo provida de marinha, abrigou o capitalismo mercantil da Europa e foi, para os tráfi cos e para os negócios, uma espécie de albergue espanhol. Todos encontraram Y*1 aos-tráfi- / £• . aram lá o ancária, a v xf^ \que levaram para lá. Çtênova exercerá, mais tarde, apenas uma primazia bancária, a y < exemplo de Florença nos séculos XIII e XIV e, se desempenhou os papéis princi- V . y ^k pais, foi por ter como cliente o rei da Espanha, dono dos metais preciosos, e tam bém por terhavido, entre os séculos XVI e XVII, uma espécie de indecisão quanto j^ -à fixação do centro de gravidade da Europa: Antuérpia deixara de desempenhar \ J*p esse papel, Amsterdam ainda n5o o desempenhava — era uma espécie de entreato. i Com Amsterdam e Londres, as cidades-mundos já possuem o arsenal completo do. ^* poderio econômico, tomaram tuio, desde o controle da navegação até a expansão- ^ mercantil e industrial ejodo o leque dos créditos. Outra coisa que varia, de urr^i dominação para outra, éo quadro dopoder poli- _ O tico. Desse ponto de vista, Veneza tinha sido um Esiado forte, independente; no princípio do século XV. apoderara-se da Terra Firme, proteção vasta e próxima dela desde 1294. dispunha de um Império colonial. Em contrapartida, Antuérpia não terá, por assim dizer, nenhum poder político ao seu dispor. Gênova é apenas um esqueleto territorial: renunciou â- independência política, apostando num outro instrumento de dominação, que e o dinheiro. Amsterdam atribui-se. de certo modo. a propriedade das Províncias L'r_das, queiram elas ou não. Mas, enfim, o seu "rei no" não representa mais do que i Terraferma veneziana. Com Londres tudo muda, pois a enorme cidade dispõe do nercado nacional inglês e, depois, do conjunto das ilhas Britânicas, até o dia em que. o mundo mudando de escala, este aglomerado de poder não será mais do que a pecuena Inglaterra em face de um mastodonte: os Es tados Unidos. Resumindo, acompanhada em suas linhas gerais, a história sucessiva das cida- ,des dominantes daTEuropa. aparj do século XIV, desenha antecipadamente aevo- ^p luçao das economias-mundos suhacentes. mais ou menos ligadas e tensas, oscilan- \ do entre centragens fortes e centragens fracas. Essa sucessão esclarece também, de ' , "passagem, os valores variáveis ciis armasda dominação: navegação, negócios, in- ^u, Ç dústria, crédito, poder ou violência política... Terceira regra: ' as diversas zonas são hierarquizcJas As diversas zonas de uma economia-mundo estão voltadas para um mesmo ponto, o centro: "polarizadas", constituem já um conjunto com múltiplas coerèn- cias. Como dirá a Câmara de Comércio de Marselha (1763): 'Todos os comércios estão ligados e. por assim durer, de mãos dadas"*1. Um século antes, em Amsterdam, um observador já deduzia do caso da Holanda que havia "uma tal liga ção entre todas as partes do comércio do universo que ignorar algumas delas era conhecer mal as outras"'2. E, uma vez estabelecidas, as ligações perduram. Uma certa paixão fez de mi— um historiador do Mediterrâneo da segunda me tade do século XVI. Em espírito, naveguei, aportei, fiz trocas, vendi em todos os portos, durante um bom meio séc.Io. Depois precisei abordar a história do Mediter- 25 li t 5 í - o A s d i v i s õ e s d o e s p a ç o í d o t e m p o r â n e o d o s s é c u l o s X V I I e X V I I I . P e n s e i q u e a s u a s i n g u l a r i d a d e f o s s e m e d e s o r i e n t a r , q u e m e s e r á n e c e s s á r i a u m a n o v a a p r e n d i z a g e m p a r a m e l o c a l i z a r n e l a . O r a , l o g o p e r c e b i q . e e s t a v a e m t e r r i t ó r i o c o n h e c i d o , e m 1 6 6 0 . e m 1 6 7 0 o u m e s m o e m 1 7 5 0 . O e s p a c e b á s i c o , o s i t i n e r á r i o s , o s t e m p o s d e t r a j e t o , o s p r o d u t o s , a s m e r c a d o r i a s t r o c a d a s , a s e s c a l a s , t u d o , o u q u a s e t u d o , p e r m a n e c i a n o m e s m o l u g a r . A o t o d o , a l g u m a s i i t e r a ç õ e s a q u i e a l i , m a s r e l e v a n t e q u a s e s ó a d a s u p e r e s t r u t u r a , o q u e é a o m e s m a : e m p o m u i t o e q u a s e n a d a , a i n d a q u e e s s e q u a s e n a d a — o d i n h e i r o , o s c a p i t a i s . : c r é d i t o , u m a d e m a n d a a u m e n t a d a o u d i m i n u í d a d e s t e o u d a q u e l e p r o d u t o — p u d s s e d o m i n a r u m a v i d a e s p o n t â n e a t e r r a a t e r r a e c o m o q u e " n a t u r a l " ' . E s t a , p o r é n . p r o s s e g u e s e m s a b e r a o c e r t o q u e o s v e r d a d e i r o s s e n h o r e s j á n ã o s ã o o s d a v é s p e r a , p e l o m e n o s s e m s e p r e o c u p a r m u i t o c o m i s s o . S e o a z e i t e d a A p ú l i a n o s é c r i ò X V I I I . é e x p o r t a d o p a r a o n o r t e d a E u r o p a p o r T r i e s t e , A n c o n a , N á p o l e s , F e r r a - i e , m u i t o m e n o s , p a r a V e n e z a 3 3 , p o r c e r t o i s s o c o n t a , m a s t e r á a l g u m a i m p o r t â r u i a p a r a o s c a m p o n e s e s d o s o l i v a i s ? É a t r a v é s d e s s a e x p e r i ê n c i a q u e e x p l i c o a c o n s t r u ç ã o d a s e c o n o m i a s - m u n d o s e d o s m e c a n i s m e s g r a ç as a o s q u a i s o c a p i t a l i s m o e a e c o n o m i a d e m e r c a d o c o e x i s t e m , s e i n t e r p e T e r x a m , s e m n u n c a s e c o n f u n d i r e m . D e m a n e i r a r a s a e a o s a b o r d a 2 6 c o r r e n t e , s é c u l c s e s é c u l o s o r g a n i z a r a m c a d e i a s d e m e r c a d o s l o c a i s e r e g i o n a i s . E s s a e c o n o m i a i x a l q u e g i r a p o r s i m e s m a s e g u n d o a s s u a s r o t i n a s e s t á d e s t i n a d ã a f s e r p e r i o d i c a m e n t e o b j e t o d e o r n a i n t e g r a ç ã o , d e u m r e o r d e n a m e n t o • ' r a c i o n a l " e m ^ b e n e f í c i o d e u n a , z o n a e d e u m a c i d a d e d o m i n a n t e s r e i s s o p o r u m o u d o i s s é c u l o s , a t é o s u r g í m e n i : J e u m n o v o " o r g a n i z a d o r " . S c o m o s e a c e n t r a l i z a ç ã o e a c o n c e n - t r a ç a õ * * ~ d ò s r e c i r s o s e d a s r i q u e z a s s e p r o c e s s a s s e m n e c e s s a r i a m e n t e a f a v o r d e c e r t o s l u g a r e s d e e l e i ç ã o d a a c u m u l a ç ã o . U m c a s o s i m i f i c a t h o . p a r a n o s m a n t e r m o s n o â m b i t o d o e x e m p l o p r e c e d e n t e , f o i a u t i l i z a ç ã o í d A d r i á t i c o e m b e n e f í c i o d e V e n e z a . E s s e m a r . q u e a S e n h o r i a c o n t r o l a p e l o m e n o s a p a r t i r d e 1 3 8 3 . c o m a t o m a d a d e C o r t u . e q u e . p a r a e l a , é u m a e s p é c i e d e n e r c a d o n a c i o n a l , e l a c h a m a d e " o s e u g o l f o " * e d i z t ê - l o c o n q u i s t a d o à c u s t a d o s e t p r ó p r i o s a n g u e . S ó n o s d i a s d e t e m p e s t a d e d e i n v e r n o e l a i n t e r r o m p e a r o n d a c a s s u a s g a l e r a s d e p r o a d o u r a d a . M a s e s s e m a r n ã o f o i i n v e n t a d o p o r V e n e z a : a s c ü a d e s q u e o b o r d e j a m n ã o f o r a m c r i a d a s p e r e l a ; a s p r o d u ç õ e s d a s r e g i õ e s l i t o r â n e a : , a s s u a s t r o c a s e m e s m o o s s e u s p o v o s d e m a r i n h e i r o s , e l a j á e n c o n t r o u c o n s t i t u i l o s . B a s t o u - ü i e t o m a r n a s m ã o s . t a l c o m o o u t r o s t a n t o s f i o s . o s t r á f i c o s i n s t a l a d o ) a n t e s d a s u a i n t r u s ã o : o a z e i t e d a A p ú l i a a m a d e i r a d e c o n s t r u ç ã o n a v a l d a s H e r e s i a s d o m o n t e G a r g a n o . a s p e d r a s d a í s t n a o s a l d e m a n d a d o p o r h o m e n s e r e b a n r e s d e u m a e o u t r a m a r g e m , o s v i n h o s , o t r i g o . . . R e u n i u t a m b é m m e r c a d o r e s v i a j u i t e s , c e n t e n a s , m i l h a r e s d e b a r c o s e d e v e l e i r o s , e t u d o i s s o e l a r e m o d e l o u d e p o i s : o n f o r m e s u a s p r ó p r i a s n e c e s s i d a d e s c i n t e g r o u e m s u a p r ó p r i a e c o n o m i a . E s s a a p r o p r i a ç ã o é o p r o c e s s o , o " m o d e l o " q u e p r e s i d e à c o n s t r u ç ã o d e q u a l q u e r e c o n o m a - m u n d o . c o m o s s e u s m o n o p ó l i o s e v i d e n t e s . A S e n h o r i a p r e t e n d e q u e t o d o s o s r a f i c o s d o A d r i á t i c o s e j a m e n c a m i n h a d o s p a r a o s e u p o r t o e p a s s e m p a r a o s e u c c n t r o l e , s e j a q u a l f o r s e u d e s t i n o : e m p e n h a - s e . l u t a i n c a n s a v e l m e n t e c o n t r a S e g n a ! R u m e . c i d a d e s d o b a n d i t i s m o , e n ã o m e n o s c o n t r a T r i e s t e . R a g u s a e A n c o n i . r i v a i s m e r c a n t e s " . R e e n c o n t r a n r . s e m o u t r o * l u g a r e s o e s q u e m a d a d o m i n a ç ã o v e n e z i a n a . B a s e i a - s e e s s e n c i a l m e n t e n u m a d i a l é t i c a o s c i l a n t e e n t r e u m a e c o n o m i a d e m e r c a d o As divisões do espaço e do tempo que se desenvolve quase porsi, espontaneamente, e uma economia predominan te,quecoroa essas atividades menores, queas orienta e as tem à sua mercê. Faláva mos do azeite da Apúlia, durante muito tempo açambarcado porVeneza. Ora, pen semos que. para fazer isso, Veneza, por volta de 1580, tinha na região produtora mais de 500 mercadores bergamascos36, seus súditos, ocupados em coletar,armaze nar, organizar as expedições. A economia superior envolve pois a produção, dirige seu escoamento. Para se sair bem, todos os meios lhe servem, particularmente os créditos concedidos com bom fundamento. Não foi de outro modo que os ingleses estabeleceram sua supremacia em Portugal, depois do tratado de lord Methuen (1703). Ou que osamericanos expulsaram os ingleses daAmérica doSul, depois da Segunda Guerra Mundial. Terceira regra (continuação): v zonas à Thünen ^9 Talvez possamos pedir uma explicação (não a explicação) a Johann Heinrich von Thünen (1780-1851), ao lado de Marx'. o maior economista alemão do século XIX37. Seja como for, qualquer economia-mundo obedece aoesquema que ele tra çou nasua obra Der isolierte Staat (1826), onde escreve: "Imaginemos uma grande cidadeno meio de uma planície fértil,que nãoseja atravessada por um rio navegá vel nem porumcariai. Essa planície é constituída porum solo perfeitamente idênti- (v co a si mesmo e adequado ao cultivoem todaa suaextensão. A umadistânciabas- J sjjantegrande dacidade, a planície termina no'limite de uma zona selvagem, inculta. ^ *Jquesepara completamente onosso Estado do resto do mundo. Além disso, aplaní cienãocomporta qualquer cidade, além dagrande cidade citad$",H. Saudemos, uma vez mais, essa necessidade que a economia tem de sair do real paradepoiso com preender melhor39. A cidade única e o campo único atuam um sobre o outro como vasos í incomunicantes. Sendo as atividades determinadas apenas peladistância (uma vez \? que não há diferença de solos que predisponha esta ou aquela parte para determina- O da cultura), zonas concêntricas desenham-se por si sós, a partirda cidade: primeiro j círculo, ospomares, ashortas (anexas ao espaço urbano, invadindo mesmo osseus •S. interstícios livres), mais a produção leiteira; a seguir, segundo e terceiro círculos, oscereais, a pecuária: temos diante dos olhos um microcosmo cujo modelo pode-se aplicar, como fez G. Niemeier4", a Sevilha c a Andaluzia; ou, como esboçamos, às regiões que abastecem Londres ouParis'", ou, na verdade, qualquer outra cidade. A teoria se adequa à realidade na medida em queo modelo proposto é quase vazio e erii que, para retomar mais uma vez a imagem doalbergue espanhol, cada qual leva consigo tudo o que vai usar. Nãocriticarei o modelode Thünen por não dar lugar â implantação e ao desen volvimento da indústria (que existe muito antes da revolução inglesa do século XVII) oupor descrever um campo abstrato emque a distância —deus e.x maclüna —descreve por si mesma círculos de atividades sucessivas e em que não aparecem burgos nem aldeias, isto é. nenhuma das realidades humanas do mercado. Com efeito, qualquer transposição para um exemplo real desse modelo excessivamente 28 <$ As divisões do espaço edo tempo simplificado permite reintrodazir p«6#« ,.i >,>,,„. criticá-,o-eiPoPr um conceito^ Em contrapartida, nenhum do esquema. Adeslealdade ^tre aJlnS* "a° Cntrar em ,uSarexplicação. A-grandeçg^T^ l" ™f "*** - domina? ATioca cdade-campo que cn- acirculação'^T^f1^ P°r qUC ° co éum belo exemplo, diga oque disse" Ad'im Sm^h" T , ?COrP° CC°nÔmÍ- sigualdade tem as suas origensa suà í^? A"!'* %* .*** *"<«••• Es*> *•prezam excessivamente aevolução bSrXcat^ reSpe,U\°S «^mistas des- desde muito cedo algoa dizer q ' Xm S°mbra de dúvida- teve Terceira regra (continuação): o esquema espacial da economia-mundo Uma economia-mundo é umencaiv uma;.«*„ • - _, si. ma,an(veisi^raues. D^S^oXS^^5"8^T menos: um cenlro restrito, regiões secun ,ri- <h, T ' ca,cS°™s pelo enormes margens exterioresTobri,2 *dcsenvolvida* =finalmente sociedade, oíecoSaS2?ÍSE^^f?**!<-raceris.ieasda me nos deslocamos de uma zona rara o-"^ Ft '"'"'^ mUdam íonfor- - grande a.cance. amesma^eZí££iSSàSSl ™"•"í"* *sua obra. The modern Wvldsystjn (v^T Wa"« '^n para cons.ru,> toda a Jnentos pouco densos, é. pelo conitark7^,T,^, P*""""' com os seu; mm.HHedos outros. n~~gÈoESETaS C"-ummo-oalras». a«Ploracáo fácil nn,U do mundo, se£SSSW«^C.U«figro com asua conivência «"aonanente, também ene por s, mesma olo do mund„si:: z%£?u%££t!r- qujn'° *-"*" *•^—p-*- ciuando Londres im^ sua t«mTc ,' SELÍ E*f* * '—"-"* •anicas) situa-se no coaçãodS5 5££?2ZZ"a° '°das as ilhas B"~XVI, desperta, uma bela manhã, no cen.r "" ^Ti F"° ^nC'P,° Ü° S&U'° xos, como dizia Henri Pirenne lommT • '"":°5 da Europa, os Países Bai- mundo sua área metropo ana a wã I t ' f-*" •»*»*de crescimento"- éevidente ^ '" ^KM ' de a,ra,;a0 dcsscs P«« "guas. inferiores aela. mas ás vezes h^l '^"^ qUC "" ^°c°"-pressionam-na por lodoTXdos ^^m^m TÍ^^T^a*. nem sempre são pronunciadas: J£TSK3PJS2!?* AS "^""^ 29 - tP o* As divisões do espaçoe do tempo renda per capita, da balança comercial, pelo menos sempre que os números estão °"mTsocritério mais simples, se não omelhor, pelo menos omais imediatamen te acessível, éapresença ou ausência, numa determinada região, de colônias mer cantis estrangeiras. Quando está bem colocado em determinada cidade, em deter minado país,omercado7estrihg-eií5 SffiõipõFggajnienpncfadedessaculadeou " _. ". . • . i .,„(.. nu ,.micc:irui i'l ns m -minado pais. o meii<iuui Ç3wan6w~ , -,—t->—~ „,,-•país relativamente àeconomia de quecAçéjf^^^^^^^^^' - S exemplos dessas superioridades: os mercadores banqueiros genove es emMa dri no tempo de Filipe II; os mercadores holandeses em Le.pz.g no séculoXVII os nereadoresMngleses em Lisboa no século XVIII; ou os italianos, sobretudoi esses em Bruges, em Antuérpia, em Lyon ou em Paris (pelomenos.ate MazarinoPor volta de 17S0, "em Lisboa eem Cádiz todas as casas de comercio sao estabeleci mentos estrangeiros".Alie Hauscr fremde Comptoirs sina*». Asituação eamesma, ou auase amesma, em Veneza, no século XVIII49. Pelo contrário, as ambigüidades dissipam-se quando penetramos nas regiões periféricas. Aí. oerro éimpossível: são regiões pobres, arca.zantes. onde oestatuto social dominante émuitas vezes aservidão ou mesmo aescravatura (so ha campo neses livres, ou ditos livres, no coração do Ocidente). São regiões que mal entraram na economia monetária. Regiões em que adivisão do trabalho mal começou,; em que ocamponês se ocupa de todos os ofícios ao mesmo empo; em que os preços monetários, quando praticados, são irrisórios. Alias, toda av,da muito barata e, Z si só. sinai de subdesenvolvimento. Um pregador húngaro, Mart.no Szeps, Com- bor, voltando aseu país em 1618, "observa oalto nível do preço dos produtos ai - mentares. na Holanda ena Inglaterra; asituação começa a^»^£i^ euir na Alemanha, na Polônia e na Boêmia, opao continuando abaixar de preço ao k go de toda aviagem, até aHungria'-. AHungria já équase oponto mais baixo da escala. Mas podemos ir ainda mais longe: em Tobolsk, na Sibéria, as coisas ne cessárias àvida são tão baratas que um homem comum pode viver muito bem com dCZ As'reS^es anasadas, àmargem da Europa, oferecem numerosos modelos de _ economia marginal. ASicília "feudal" no século XVTII; aSardenha em, qutUque "época que se queira; os Bálcãs turcos; oMeclemburgo. aPolônia aLituânia, vastas regiões drenadas em benefício dos mercados do Ocidente, condenadas aconceder as suas produções menos às necessidades locais do que àprocura dos mercados ex- ternos; aSibéria, explorada pela economia-mundo russa. Mas também ilhas vene- z~i nas do Levante, onde ademanda externa de uvas passas ede vinhos l.corosos consumidos até na Inglaterra impôs, desde o século XV. uma monocultura m- vasiva, destruidora dosequilíbrios locais.Claro que em qualquer parte do mundojiá perífcriasjanto antes como depois de Vasco da Gama. os negros, pesquisadores de ouro ecaçadores, das regiões pri mitivas do Monomotapa, na costa oriental da África, trocam ometal amarelo eo marfim por tecidos de algodão da índia. Nós seus confins, aChina nao cessa de se estender ede invadir as regiões "bárbaras". quCe como os textos chineses as quali ficam. Com efeito, avisão chinesa, quanto aesses povos, eamesma dos gregos da época clássica quanto às populações que não falavam grego: no Vietnã oui na Insulíndia só há bárbaros. No Vietnã, entretanto, os chineses distinguem entre bar- 30 Asdivisões do espaço e do tempo baros achinados e bárbaros não-achinados. Segundo um historiador chinês do sécu loXVI,os seus compatriotas "chamavam bárbaros crusaos que se mantinham in dependentes, conservando os seuscostumes primitivos, e bárbaroscozidos aos que tinham aceitadomais ou menosa civilização chinesa*.submetendo-se ao Império". Aqui, política, cultura, economia, modelo social são conjuntamente levados em conta. JacquesDoumesexplica quecrue cozido, nesta semântica, é também aopo siçãocultura-n.aturcza, assinalando-se a crueza, acima de tudo, pela nudez dos cor pos: "Quando os Põtao ["reis" das montanhas] pagarem tributo à corte [achinada] de Anam, esta os cobrirá com roupas"52. Constatam-se também relações de dependência na grande ilha de Hainan, vizi nha do litoral sul da China. Montanhosa, independente noseu centro, a ilhaé po-. voada por não-chineses, na realidade primitivos, ao passo que a região baixa, corta da pelos arrozais, já está nas mãos de camponeses chineses. Os montanheses, saqueadores por vocação mas ocasionalmente também perseguidos como animais selvagens, gostam de trocar madeiras duras (madeira de águila e de calamba) e ouro em pó mediante uma espécie de comércio mudo, os mercadores chineses de vendo depor "'primeiro os seus.panos e mercadorias nas suas montanhas"53. Salvo quanto à transação muda, essas trocas assemelham-se às da costa atlântica-do Saara, no tempo de Henrique, o Navegador,quando se começaram a trocar por te cidos, panos e mantas de Portugal o ouro em pó e os escravos negros que os berberes nômades levavam até a costa. Lm 'barbar'!rude":desenhochinêsque representa jm cambodjano seminu com uma concha na mão. Grasura tirada do Tche Konç Tu. iB.S.) 31 As divisões do espaço e do tempo Terceira regrafcontinuação): zonas neutras? ^A yfc fr & a* 32 U* Todaria, as zonas au-asadas não se distribuem exclusivamente pelas verdadei ras periferias. Com efeito, elas crivam as próprias zonas centrais de numerosas manchas regionais, com a modesta dimensão de uma "província" ou de um cantão, de um vale isolado na montanha oa de uma zona pouco acessível porque situada fora das vias de passagem. Todas as economias avançadas ficam assim como que perfuradas por muitos poços, fora do tempodo mundoe onde o historiador que pro cura um passado quase sempre inapreensível tem a impressão de mergulhar como nas pescas submarinas. Empenhei-me, durante estes últimos anos e bem mais do que levariama supor os dois primeiros volumes desta obra em compreender esses destinos elementares, todo esse tecido histórico particular que nos situa abaixo ou à margem do mercado,já que.a economia das trocas contorna essas regiões à parte — aliás, de umponto de vista humano, nem mais infelizes nem mais felizes do que as outras, como eu já disse mais de uma vez. Mas essapesca raramenteé frutuosa: faltam os documentos, os detalhes que se recolhem sãomais pitorescos do que úteis. Ora, o que desejaríamos reunir são ele mentos para julgara espessura e a natureza"da vida econômica nas imediações des se plano zero. Claro que é pedir muito. Não há dúvida, entretanto, quanto à existên cia dessas zonas "neutras" quase fora das trocas e das misturas. No território francês, mesmo no século XVIII. esses universos aberranles encontram-se tanto no terrível interior da Bretanha como no maciço alpestre do OisansM ou no vale do Morzine55. para além do colo de Montets, ou no vale superior de Chamonix, tão fe chado ao mundo exterior antes do início do alpinisrrço. Um encontro em 1970. em Cervières. no Briançonnais. comuma comunidade de camponeses da montanha que "continuava a viver num ritmo ancestral, segundo as mentalidades do passado, e a produzir segundo técnicas agrícolas antigas, sobrevivente [em suma] do naufrá gio generalizado de suas vizinhas": eis a sorte inaudita que teve uma historiadora. Colette Baudouy56. E soube aproveitá-la bem. Seja como for. o fato de existirem tais isolais na França de 1970 recomenda que não nos surpreendam, na Inglaterra, mesmo nas vésperas da Revolução Indus trial, as regiões atrasadas que a cada passo surgem" diante do viajante ou do pesqui sador. David Hume'" (1711-1776) observava, em meados do século XVIII. que na Grã-Bretanha e na Irlanda não faltavam regiões em que a vida era tão barata quanto na França, o que é uma maneira indireta de falar de regiões que hoje chamaríamos de "subdesenvolvidas", onde a vida permanece tradicional, onde os camponeses têm ao seu Jispor os recursos da caça abundante, dos salmões e das trutas que pulu lam nos rios.Quanto às pessoas, deve-se falar de selvageria E o caso da região de Fens. na orla do golfo de Walsh, num momento em que são empreendidas na re gião numerosas melhorias à holandesa, no início do século XVII: obras de hidráuli ca fazem surgir campos capitalistas num lugar em que até então havia homens li vres, habituados à pesca e â caça da fauna aquática. Esses primitivos irão lutar ferozmentepara preservar sua vida. atacando engenheiros e empreiteiros, perfuran do os diques, assassinando os operários malditos5*. Tais conflitos, modernização contra arcaísmo, reproduzem-se ainda diante dos nossos olhos tanto na Campania Encontro de duas economias-mundos: um mercador do '••dente nos tuonrm ,/- nrnA.,r;. iHustraçàodo Livro da, Maravilhas. Marco Polo. século A, fsTslsfrÍSSífoSSÍuS "" interior como em outras regiões do mundo». No entanto, essas violências são rela- toamente mas. Geralmente, a"civilização". JUando precisa, tem muitos meios de seduzir ede penetrar nas regiões que durante muito tempo deixara abandonadas asi mesmas. Mas será o resultado tão diferente'.' Terceira regra (continuação efim): invólucro e infra-estrutura Uma economia-mundo apresenta-se como um imenso invólucro. Ela deveria a pnoru dados os meios de comunicação de outrora. reunir forças consideráveis para 33 I 34 As divisões do espaço e do tempo assegurar seu bom andamento. Ora, incontestavelmente ela funciona, embora só te- nha densidade eespessura, resultados e forças eficazes na zona central e nas regiões -que a rodeiam de peno. Eestas, além disso, quer as observemos no circulo de Veneza, de Amsterdam ou de Londres, compreendem zonas deeconomias menos _ vTvás, menos bem Usadas aos centros de decisão. Ainda hoje os Estados Unidos -têmsuas regiões subdesenvolvidas no interior de suas próprias fronteiras. Portanto, quer se considere uma economia-mundo, exposta na superfície do globo ou nas profundezas de sua zona central, o mesmo espanto se impõe: ama quina funciona e, contudo (pensemos sobretudo nas primeiras cidades dominantes do passado europeu).' dispõe de pouca potência. Como terá sido possível tal suces so'' Apergunta ressureirá ao longo de toda esta obra, sem que nossas respostas pos sam ser peremptórias? aHolanda conseguindo levar as suas vantagens comerciais até ao interior da França hostil de Luís XIV, a Inglaterra apoderando-se da índia imensa são proezas, écerto, e no limite do incompreensível. No entanto, talvez seja lícito sugerir uma explicação por intermédio de uma imagem. Tomemos um bloco de mármore60, escolhido nas pedreiras de Carrara por Michelangelo ou por um dos seus contemporâneos: um gigante por seu peso que, no entanto, será retirado por meios elementares, depois deslocado graças a forças certamente modestas: um pouco de pólvora há muito utilizada nas pedreiras e mi nas duas ou três alavancas, uma dezena dehomens (se tanto), cordas, animais-atre- ladòs toras de madeira para uma rolagem eventual, um plano inclinado - e está feito! Está feito porque ogigante está preso ao chão por seu peso; porque ele repre senta uma força enorme, mas imóvel, neutralizada. Ea massa das atividades ele mentares não está também encurralada, cativa, prçsa ao chão e,por isso, mais facil mente manobrável a partir decimàl Os aparelhos e alavancas que permitem essas proezas são um pouco de dinheiro sonante. de metal branco que chega aDanz.g ou a Messina a oferta tentadora de um crédito, de um pouco de dinheiro "artificial , ou ade um produto raro ecobiçado... Ou opróprio sistema dos mercados. No final das cadeias mercantis, os preços altos suo incitações contínuas: um sinal e tudo se põe em movimento^Acrescente-se a força do hábito: a pimenta e as especiarias pas- saram séculos apresentando-se às portas do Uvante_paraJ4íQClfflttar_Q4ttecioso metal branco.Claro que também há violência: as esquadras portuguesas ou holandesas tacili- taram as operações comerciais bem antes da "era da canhoneira". Mas, com maior freqüência ainda, foram meios aparentemente modestos que manobraram as econo mias dependentes. Com efeito, a imagem vale para todos os mecanismos da eco nomia-mundo. tanüTpara o centro com relação às periferias como para o centro ' com relação asi mesmo. Pois ocentro, repita-se, está escalonado, dividido contra si mesmo: Éas periferias também oestão. Um cônsul russo"1 escreve: "E notório que -emTãlêniib quase todos os artigos são 50% mais caros do que em Nápoles . Mas ele se esquece de dizer oque entende por "artigos" equais as exceções implica o corretivo "quase" implica. Cabe a nós imaginar a resposta e osmovimentos que po dem ser acarretados por esses desníveis entre as capitais dos dois reinos que consti tuem o sul desfavorecido da Itália. proNOMIA-MUNDO: UMA ORDEM EM FACE DE OUTRAS ORDENS Seja qual for a evidência das sujeições econômicas, sejam quais forem as suas conseqüências, seria um erro imaginar a ordem da economia-mundo governando toda a sociedade, determinando, por si só, as outras ordensda sociedade. Pois há outras ordens. Umaeconomia nuncaestá isolada. O seu território, o seu espaço são osmesmos ondese instalam e vivemoutrasentidades—a cultura, o social,a políti ca_ que incessantemente interferem nela paraa favorecer, ou então paraa contra riar. Essasmassas são tanto mais difíceis de dissociar umasdas outras quanto aqui loque se oferece à nossa observação —a realidade da experiência, o "real real", como diz François Perroux62— é umaglobalidade, aquilo que designamos por so ciedade porexcelência, o conjunto dosconjuntos6*. Cadaconjunto64 particular, dis- tin°uido por razões de inteligibilidade, permanece, na realidade vivida, misturado aos outros. Não creio por um só momento que haja uma no man 's land entre histó ria econômica e história social, como propõe Willan65. Poderíamos.escrever as equações que se seguem no sentidoque quiséssemos: economia é política, cultura, sociedade; a cultura é economia, política, sociedade, etc. Ou admitir que, numa dada sociedade, a política comanda a economia e vice-versa, etc. Dizer até, com Pierre Brunel66,que "tudo o que é humano é político, portanto, toda literatura (mes moa poesia reclusa de Mallarmé) é política". Com efeito, se uma característica es pecífica é a superação do seu espaço, não poderemos dizer o mesmo dos outros conjuntos sociais? Todos comem espaço, tentam estender-se, definem as suas su cessivas zonas à Thünen. Assim, determinado Estado surge dividido em três zonas: a capital, a provín cia, as colônias. E o esquema que corresponde a Veneza no século XV: a cidade e suas imediações —o Dogado"1 —; as cidades e territórios da Terra Firme; as colô nias —o Mar. Pai>» Florença, a cidade, o Contado, Io StatoM. A respeito deste últi mo, conquistado à custa de Siena e de Pisa. poderia afirmar que pertence à catego ria das pseudocolônias? Inútil falar da tripla divisão da França dos séculos XVII. XVIII, XIX e XX, ou da Inglaterra, ou das Províncias Unidas. Mas. à dimensão da Europa inteira, o sistema chamado do equilíbrio europeu"', estudado com predile ção pelos historiadores, nãoserá uma espécie de réplica política da economia-mun do? O objetivo é constituir e manter periferias e semiperiferias em que as tensões recíprocas nem sempre se anulem, de maneira que não seja ameaçado o poder cen tral. Com efeito, também a política tem o seu "coração", uma zona restrita de onde são vigiados os acontecimentos próximos ou distantes: wattand see. As formas sociais têm também as suas geografias diferenciais. Até onde vão. por exemplo, no espaço, a escravatura, a servidão, a sociedade feudal? A sociedade muda completamente segundo o espaço. Quando Dupont de Nemours aceita ser preceptor do filho do príncipe Czartoryski, descobre com estupefação, na Polônia, o que é um país de servidão, camponeses que ignoram o Estado e só conhecem o seu senhor, príncipes que permanecem povo. como Radziwill. que reina "sobre um domínio maior do que a Lorena" e dorme nó chão70. 35
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