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A Inteligência dos Antropóides - Köhler

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Wolfgang Köhler divide com 
M. Wertheimer e K. Koffka 
os méritos de criar e ex­
pandir a teoria da Gestalt na Psicologia. Essa 
teoria deu grande relevo ao estudo sistemático 
da percepção e procurou esclarecer a influência 
dinâmica das bases perceptivas do comporta­
mento humano. Grande investigador e prodi­
gioso trabalhador intelectual, Köhler deixou uma 
vasta bibliografia, na qual se destacam A Inteli­
gência dos Antropóides-, O Lugar do Valor em 
um Mundo de Fato s; Psicologia da G estalt; D inâ­
m ica da Psicologia e A Tarefa da Psicologia da 
Gestalt. O Professor Arno Engelmann realizou 
uma cuidadosa seleção de textos, que facilita o 
conhecimento das principais idéias e contribui­
ções de Köhler. Em sua Introdução, expõe de 
modo muito claro 0. evolução da fecunda carreira 
de investigador desse psicólogo alemão, especi­
ficando como suas descobertas se encaixaram 
na construção da teoria da Gestalt. Além disso, 
salienta o significado de sua obra para a Psi­
cologia moderna, especialmente para os cog- 
nitivistas.
C ÍÉN TJSTAS s o c i a i s
Textos básicos de 
Ciências Sociais, selecionados 
com a supervisão geral do 
Pro f. Florestan Fernandes. 
Abrangendo seis disciplinas 
fundamentais da ciência social 
- Sociologia, História, 
Econom ia, Psicologia,
Política e Antropologia - 
a coleção apresenta os autores 
modernos e contemporâneos 
de maior destaque mundial, 
focalizados através de 
introdução crítica e 
hiobihliográfica, assinada 
por especialistas 
da universidade brasileira.
A essa introdução crítica 
segue-se uma coletânea dos 
textos mais representativos 
de cada autor.
Köhler
Organizador Arno Engelmann 
Coordenador Florestan Fernandes
PSICOLOGIA
1. A INTELIGÊNCIA DOS ANTROPÓIDES * '
Vamos descrever, nas páginas seguintes, alguns tipos de comporta­
mento dos macacos antropóides, e fazer algumas observações que nos 
ajudem a compreender melhor os problemas que surgem neste campo 
de estudos. Acho que a Psicologia Animal tem de ser uma ciência do 
comportamento, ao mesmo tempo que acredito que a suposição da 
existência de uma consciência animal como fator atuante nos problemas 
e explicações pode apenas causar confusão. Aliás, este é também o 
axioma do behaviorismo neste país. Todavia, se o uso freqüente que 
faço de certos termos sugerir, apesar da declaração acima, a heresia 
de que eu acredito na existência dessa consciência, o leitor logo perceberá 
a razão disso e acreditará na minha inocência. Não podemos concordar 
com Watson quando ele condena todos os problemas aparentemente 
difíceis do sistema nervoso, rotulando-os de misticismo puro e de pós- 
-efeitos do tempo de introspecção. É verdade que essa atitude leva à 
elaboração de uma ciência simples, de poucos conceitos, mas também 
é verdade que, procedendo assim, faz-se com que grande parte do 
mundo do comportamento fique excluída da sua ciência. É por essa 
razão que eu faço distinção entre o behaviorismo dogmático, que es­
treita o seu próprio mundo de realidade, problemas e possibilidades 
teóricas, como que conhecendo, de antemão, que tipo de coisas pode 
acontecer, num contexto preciso, e o outro behaviorismo, que deseja 
ver o maior número possível de formas de comportamento, problemas 
e possibilidades teóricas, profundamente convencido de que até mesmo 
esta visão mais ampla do mundo provavelmente ainda está aquém da
* Reproduzido de K ö h l e r , W. “Intelligence in Apes.” In: M u r c h is o n , C. (org.). 
Psychologies of 1925. Worcester, Mass., Clark University Press, 1926. cap. 7, 
p. 145-61. Trad, por José Severo de Camargo Pereira e Vera Lúcia Bianco.
1 C onferência p ronunciada na C lark U niversity, U SA, em 30 de abril de 1925.
40
imensa variedade de fenômenos que existe. Prefiro este segundo modo 
de entender as coisas.
Quando observamos de modo natural a cara de antropóides, ma­
cacos e cães temos a impressão de que esses animais mostram graus 
muito diferentes de “compreensão” e de insight. A observação de ani­
mais em ação e a experimentação com eles provam que a nossa expec­
tativa é justificada, ao menos em relação à relevância que tendemos dar 
aos antropóides.
Tomemos como exemplo o método da reação retardada, 2 de Hun- 
ter, que descreverei de modo simplificado. Se um vertebrado superior 
estiver faminto e vir à sua frente três portas abertas, uma delas com 
comida, ele se moverá em direção ao alimento, e procurará comê-lo se 
as circunstâncias permitirem essa forma de comportamento. Se o expe­
rimento for repetido, colocando-se o alimento em portas diferentes, o 
animal adaptar-se-á a 'essas mudanças, buscando sempre aquela “com 
comida”. Entretanto, escolher a porta certa ficará mais difícil se o ani­
mal estiver preso no momento em que a comida por exibida, só sendo 
libertado depois que o alimento sumir atrás da porta. Nessas condições, 
os animais inferiores ao macaco encontram grande dificuldade em en­
contrar o alimento mostrado e depois escondido. Mesmo que o interregno 
entre a visão do alimento e a libertação seja pequeno — de alguns 
segundos a um minuto — o efeito posterior da percepção passada (em 
linguagem humana: “Era aquela porta!” ) parece ficar confuso. Aliás, 
em alguns casos, não sabemos mesmo dizer se existe realmente um 
pós-efeito desse tipo ou se os resultados positivos obtidos são conse­
qüência de uma forma bastante crua e primária de comportamento. s
Trabalhando com chimpanzés, usei método um pouco diferente. 
O antropóide estava preso numa jaula gradeada, observando-me. Fora 
do alcance dos seus braços, cavei um buraco, coloquei algumas frutas 
e cobri tudo — buraco e arredores — com areia. O chimpanzé não 
conseguia alcançar o alimento desejado, porque o buraco havia sido 
cavado bem longe de sua jaula. Assim que me aproximei das grades, 
ele me agarrou o braço e tentou empurrá-lo em direção ao alimento 
escondido, reação que adotava sempre que não conseguia alcançar,
2 Behavior Monographs. 1913. II, 1.
3 Com animais que possuem olfato bastante desenvolvido, é necessário muito cuidado 
para se evitar pistas olfativas no momento da reação. N o caso dos macacos antro­
póides, entretanto, esse perigo não é muito sério, porque o olfato deles equipara-se
mais ou menos ao nosso, como se pode demonstrar facilmente.
41
por seus próprios meios, o objetivo desejado. É claro que esse com­
portamento já era uma reação retardada. Todavia, como eu desejava 
um retardamento ainda maior, não lhe fiz o favor pedido. Vendo 
que as suas súplicas não eram atendidas, o chimpanzé largou o meu 
braço e começou a brincar na sua jaula, aparentemente desatento para 
com o lugar onde a comida fora enterrada. Quarenta e cinco minutos 
depois, joguei uma vara dentro da jaula, no lado oposto ao do buraco 
que continha as desejadas frutas. Acostumado que estava a usar varas 
como instrumentos, o antropóide imediatamente se apossou dela, diri- 
giu-se para as barras próximas do buraco, e começou a escavar a 
areia no ponto exato onde estavam enterradas as frutas. Conseguiu 
desenterrá-las e puxá-las para si. Esse experimento foi repetido muitas 
vezes — com as frutas enterradas em diferentes lugares — sempre com 
os mesmos resultados positivos.
Como os comportamentos obtidos eram sempre admiravelmente 
corretos, resolvi aumentar o tempo entre a percepção do "alimento e a 
oportunidade de obtê-lo. Assim, um dia, enterrei alimento num lugar 
qualquer do grande terreno que os antropóides usavam para recreação. 
Os animais assistiram a operação, mas não tiveram oportunidade de 
obter a comida desejada, porque eu os levei imediatamente para o dor­
mitório. Só os trouxe de volta, no dia seguinte, cerca de 17 horas de­
pois, mais de metade das quais eles passaram dorminflo. Pois bem. 
Assim mesmo, um dos chimpanzés não hesitou um momento: assim que 
voltou ao pátio de recreio, encaminhou-se diretamentepara o local em 
que as frutas tinham sido enterradas, e descobriu-as após algumas 
tentativas. 4
Em outro experimento, escondemos uma vara no madeirame do 
teto, de tal forma que os animais não a podiam ver do chão. Mais 
uma vez eles observaram com grande interesse o nosso incomum proce­
dimento. Logo a seguir foram levados para o dormitório. N a manhã 
seguinte, quando um deles foi trazido de volta para a sala em questão, 
viu algumas bananas do outro lado das grades, fora do alcance dos
4 Poder-se-ia dizer que o local em que estava enterrado o alimento não atraiu o 
antropóide pelo fato de este saber que havia comida ali, mas por causa do aspecto 
incomüm que o terreno apresentava, dadas as escavações feitas por mim. Aos meus 
olhos, nada havia de incomum ali, porque tomei a precaução de cobrir toda a 
área com areia seca. Todavia, para rebater melhor essa crítica, devo acrescentar 
que, depois de os animais terem sido recolhidos, cavei vários buracos e enchi 
todos da mesma forma. N c entanto, como disse, o antropóide dirigiu-se ao local 
certo.
42
seus braços. Como fazem os antropóides acostumados a usar varas, 
ele olhou em volta — da mesma forma que o faria alguém que esti­
vesse procurando algo — , mas não encontrou nenhum instrumento 
capaz de o auxiliar. Depois de alguns segundos, olhou para o lugar 
onde a vara tinha sido escondida na noite anterior. Ele não podia ver 
a vara, mas, assim mesmo, trepou naquela parte do teto onde ela tinha 
sido posta. Logo desceu com ela nas mãos, dirigiu-se às bananas e 
puxou-as para si. Repeti esse experimento com todos os chimpanzés 
que haviam visto a vara ser escondida no teto, e todos eles, indepen­
dentemente uns dos outros, resolveram o problema do mesmo modo.
Há pelo menos duas formas diferentes de a “memória” atuar. 
Muitos animais e homens aprendem a reagir de maneira específica a 
uma situação também específica, isto é, desenvolvem hábitos. Há grandes 
diferenças quanto à rapidez da aprendizagem, quanto à complexidade 
das reações que são aprendidas e quanto ao número de situações diver­
sas por meio do qual se pode aprender a reagir. Até mesmo um verme 
demonstra ter “memória” desse tipo geral, quando adquire um hábito 
muito simples como, por exemplo, o de se mover de uma forma espa­
cial precisa. No segundo tipo de memória algo mais parece estar en­
volvido: parte importante de uma situação não está realmente presente 
no momento da percepção, mas foi constatada em outro lugar ou mo­
mento. Não obstante, ela poderá ser levada em conta pelo sujeito, na 
sua resposta, se a sua lembrança ainda estiver ativa ou assim se tornar 
no instante da reação. Quando esse tipo de memória existe num ani­
mal, a sua vida e o seu comportamento parecem muito mais amplos e 
livres do que quando temos apenas a memória do tipo formação de 
hábitos. Não há muitos indícios de que essa classe de memória exista 
na maioria dos animais, e eu não tenho certeza de que até mesmo os 
macacos seriam capazes de exibir comportamento tão surpreendente 
quanto o que encontrei nos chimpanzés. 5
5 Nos animais inferiores aos antropóides, parece que, até certo ponto, podemos 
explicar as “reações retardadas” do seguinte modo. Quando o estímulo original 
é apresentado (alimento, por exemplo), o animal volta-se naturalmente para ele, 
e essa orientação corporal se mantém, por simples inércia, mesmo depois de o 
estímulo desaparecer. Depois, assim que é libertado, o animal se move na direção 
em causa, a menos que novas estimulações não o desviem. É' claro que, no nosso 
caso, os chimpanzés não permaneceram na orientação corporal adequada. Nem 
por 45 minutos, nem por 17 horas. Assim sendo, a reação retardada que apresen­
taram não pode ser explicada de modo tão simples. Aliás, devemos acrescentar 
que muitos casos de reação retardada em animais inferiores também não com­
portam essa explicação.
43
Mas talvez os experimentos mencionados não se refiram à inteli­
gência no sentido estrito da palavra. Descreverei, então, outro tipo de 
comportamento, certamente mais ligado à inteligência propriamente dita. 
Trata-se daquelas conhecidas situações experimentais em que o sujeito 
se defronta com vários objetos, e deve aprender a escolher um deles 
com base em alguma das suas características: cor, posição espacial, etc. 
O efeito é conseguido recompensando-se o animal cada vez que ele es­
colhe o objeto “certo” , e punindo-o (facultativamente) cada vez que es­
colhe o “errado”. Aprendizagens desse tipo costumam ser vagarosas, e 
não há nenhum indício de que envolvam processos psíquicos mais eleva­
dos. A curva de aprendizagem, que mostra como o número de respostas 
erradas diminui com o tempo, costuma ter forma gradualmente descen­
dente, ainda que irregular. Poder-se-ia esperar que um antropóide 
aprendesse a resolver tarefas assim simples em tempo mais curto do que 
o requerido por outros animais. No entanto, nem sempre isso acontece. 
Muito ao contrário: em geral, o seu período de aprendizagem costuma 
ser pelo menos tão longo quanto o dos animais inferiores. Mas há uma 
diferença: a forma de aprendizagem dos antropóides é, às vezes, bem 
diversa da encontrada nos vertebrados inferiores.
Quando Yerkes realizou, com um orangotango, experimentos do 
tipo geral que descrevemos, 6 esse antropóide não fez^nenhum progresso 
real por longo período de tempo. (No entanto, alguns animais muito 
inferiores na escala zoológica resolveram o problema sem grande difi­
culdade.) Finalmente, quando o experimentador já tinha quase perdido 
a esperança de conseguir que o orangotango resolvesse o problema, o 
animal logrou fazer uma escolha correta, e, a partir de então, dominou 
completamente a situação, isto é, não mais cometeu erros. Resolveu o 
problema num momento afortunado e, com isso, a sua curva de apren­
dizagem passou a apresentar uma queda abrupta. 7 Alguns dos meus 
experimentos com o processo de aprendizagem dos chimpanzés apre­
sentaram resultados muito semelhantes aos de Yerkes. Como, às vezes, 
também encontramos em experimentos com crianças esse mesmo fato 
surpreendente, é difícil evitar a impressão de que os chimpanzés se 
comportam como seres humanos que, em circunstâncias experimentais 
parecidas, conseguem perceber a essência do problema depois de algu­
6 Para a presente discussão, não interessa o fato de os experimentos de Yerkes 
terem sido do tipo múltipla escolha, e não do tipo mais simples de discriminação 
sensorial.
7 Behavior Monographs. 1916. I ll, 1.
44
mas tentativas, e dizem para si próprios: “Ora, aí está! É sempre o 
objeto escuro!” É claro que, depois disso, eles também não mais 
errariam.
Os experimentos desse tipo são, em geral, descritos como uma 
situação em que o animal aprende a conectar certos estímulos a certas 
reações, conexão essa que ficaria “gravada” ou “estampada” no psiquis­
mo do animal. N a nossa opinião, essa descrição não é boa, porque 
empresta importância muito grande ao aspecto memória ou associação, 
negligenciando outro que poderia ser ainda mais importante e mais 
difícil.
Apesar do muito que se tem falado contra o “antropomorfismo” 
na Psicologia Animal, temos aqui um exemplo persistente desse erro, 
cometido não por diletantes, mas por proeminentes homens de ciência. 
O experimentador está interessado num problema de discriminação sen- 
sorial, e constrói um aparelho apropriado para apresentar os “estímu­
los” ao animal em questão. Ao considerar a situação experimental que 
ele próprio criou, ela lhe parece completamente organizada; os “estí­
mulos” constituem a sua parte essencial, e tudo o mais não passa de 
cenário sem importância. Conseqüentemente, o experimentador concebe 
a tarefa do animal como a de conectar os “estímulos” a determinadas 
reações, não passando as recompensas e as punições de meros reforços 
para essa conexão. Acontece que, pensando assim, o cientista nãotem 
consciência de que está supondo que o animal percebe as coisas da 
mesma forma que ele, o experimentador, isto é, como uma situação 
organizada, resultante do objetivo e problema científicos que tem em 
mente. Não há dúvida de que o experimentador vê os estímulos como 
os elementos predominantes na situação. Mas por que deveria o ino­
cente animal perceber as coisas do mesmo modo? A experiência mostra 
que uma situação objetiva pode aparecer em organizações muito dife­
rentes. A formação de grupos e de formas num campo é o produto 
natural de muitas constelações de estímulos. Além disso, algumas par­
tes do campo também podem ser espontaneamente acentuadas ou apa­
recer como dominantes. Entretanto, sob a influência de interesses, de 
experiências prévias etc., a organização original tende a se transformar 
em outras novas. Ainda não estudamos esses processos nos animais, 
mas uma coisa parece evidente à primeira vista: é altamente imprová­
vel que um animal, quando confrontado com uma situação nova de 
discriminação, tenha logo de início a mesma organização de campo que 
existe no pensamento e na percepção do experimentador.
45
Sob esse aspecto, talvez, a percepção que o animal tem do campo 
seja bem diferente da do experimentador do que aquela que o estudante 
tem do tecido cerebral visto ao microscópio em relação à do neurolo­
gista treinado. O estudante não pode reagir imediatamente e de modo 
preciso às diferenças na estrutura dos tecidos, que dominam no campo 
microscópico do professor, pela simples razão de ainda não o ver nessa 
organização. Apesar disso, o estudante sabe ao menos que, na situação, 
suas experiências sensoriais reais de temperatura, tato, barulhos, cheiros 
e o mundo óptico fora do campo microscópico não têm nenhuma im­
portância no caso. Nenhuma parcela desse conhecimento selecionador 
é dada ao animal que é colocado numa situação em que deve aprender 
a “conectar estímulos e reações” . Na realidade, além de aos “estí­
mulos” , o animal está submetido a um mundo de dados sensoriais ori­
ginários do seu próprio organismo e também do ambiente que o cerca. 
Qualquer que seja a organização inicial desses dados, ela certamente 
não coincidirá com aquela altamente especial que o experimentador tem 
na situação. E assim surgem perguntas muito importantes. Que papel 
tem, nas suas reações e no processo da aprendizagem, a maneira real 
com que a situação aparece ao animal? Será que a aprendizagem pro­
gride independentemente desse fator e de possíveis mudanças na orga­
nização do campo? Ou talvez seja a reorganização, que transforma os 
“estímulos” em aspectos fundamentais do campo, umà importante parte 
do problema? Nesse caso, como o animal “usa” as tentativas que lhe 
dão? Para firmar uma conexão entre estímulos e reação ou para esta­
belecer a organização correta do campo, de tal forma que, finalmente, 
apareça a coisa correta que resulte a conexão correta? Enfim, será que 
a pressão do reforço e da punição exerce alguma influência na direção 
de tal reorganização? Em caso negativo, de que outro modo se dá a 
reorganização?
No momento, ainda não temos respostas para essas questões, pelo 
menos no que se refere aos vertebrados inferiores. Quanto aos antro- 
póides, as observações de Yerkes e as minhas próprias sugerem que, 
sob condições favoráveis, possa ocorrer com eles algo que acontece 
muito freqüentemente com os seres humanos, a saber: após algumas 
experiências com a nova situação, ocorre mudança brusca no sentido 
da reorganização apropriada à tarefa. Podemos mesmo suspeitar que, 
a seguir, não mais seja necessário muito tempo para se estabelecer uma 
conexão entre os estímulos, agora partes fundamentais da situação, e 
a reação, se é que alguma vez existiu separação real entre as duas ta­
refas. No seu habitat natural, os animais aprendem em geral de ma­
46
neira surpreendentemente rápida a distinguir quando o objeto a que 
já estão prestando atenção apresenta propriedades “boas” ou “más”.
Se essas observações tiverem algum fundamento, seremos compe­
lidos a rever nossas teorias a respeito da aprendizagem. Mas isso exi­
girá, fatalmente, novos experimentos, porque, apesar de já conhecermos 
algumas coisas a respeito da organização e reorganização de campos 
sensoriais no homem, quase nada sabemos disso quando se trata de 
animais. Assim sendo, proponho que realizemos experimentos nesse 
sentido. Temos métodos para isso. Enquanto esses experimentos não 
são realizados, podemos adiantar como simples hipótese que, tanto 
nos animais quanto nos seres humanos, a forma de apresentação dos 
estímulos num campo tem grande influência na organização subseqüente. 
Uma conseqüência prática dessa hipótese é a seguinte:, poderemos auxi­
liar melhor os animais a aprenderem, se apresentarmos os estímulos de 
tal modo e em tais condições gerais de ambientação que esses estímulos 
tendam espontaneamente a se tornar os fatores dominantes da situação. 
(Todavia, este não é o local apropriado para explicar de que modo isso 
poderá ser feito.)
Acontece que a situação não se resume a um campo sensorial; 
também existem recompensas e punições. Além disso, no animal tam­
bém existe, presumivelmente, como conseqüência das recompensas e 
das punições, algo como uma tensão fisiológica, que é a mola propulsora 
para a reorganização e a aprendizagem. Falamos dessas coisas como se 
elas fossem dissociadas, quando, na verdade, a recompensa, a punição 
e a tensão na reação ao campo é que parecem produzir reorganização e 
aprendizagem. Talvez, então, uma conexão mais íntima entre os estí­
mulos, de um lado, e a recompensa (ou a punição), do outro, encur­
tasse consideravelmente o período de aprendizagem. Por exemplo, um 
choque elétrico aplicado às pernas do animal não está intimamente 
relacionado à tarefa de ele perceber uma mancha vermelha como “estí­
mulo negativo” .' H á apenas uma conexão (espacial ou temporal) muito 
vaga entre as duas coisas. Se a própria mancha pudesse ser deslocada 
bruscamente em direção ao animal, sempre que ele estivesse errando, 
teríamos, certamente, uma situação experimental de aprendizagem bem 
mais semelhante àquelas comuns e naturais de aprendizagem do animal. 
E também uma situação mais eficiente, porque o estímulo negativo se 
transformaria de modo direto num estímulo marcante, ao mesmo tempo 
que se embeberia imediatamente de “negatividade” .
Com chimpanzés, fui ainda mais longe, uma .vez que os antropóides 
espertos podem até ser “ensinados” . Usando vários artifícios, podemos
47
dirigir a atenção dos chimpanzés para as cores de duas caixas (ou para 
a diferença entre elas), mostrando-lhes, ao mesmo tempo, que uma 
delas está vazia e a outra contém uma banana. Quando eu agia assim, 
esquecendo-me da regra de que o experimentador não deve atuar dire­
tamente nos experimentos com animais, costumava obter imediatamente 
aumentos surpreendentes do número de escolhas corretas. E não vejo 
nenhuma razão para não esquecer essa regra, uma vez que a nossa prin­
cipal intenção nesses experimentos não é estudar a forma mais grosseira 
de aprendizagem, mas fazer com que o chimpanzé resolva o mais rapi­
damente possível o seu problema. É assim que ensinamos as nossas 
crianças. Somente o mau professor é que não será capaz de verificar, 
posteriormente, se o resultado da aprendizagem independe dele. Quando 
trabalhamos com chimpanzés, é muito fácil descobrir se os resultados 
obtidos são genuínos ou se dependem de uma pista errada, isto é, do 
experimentador. 8
Dado que me parece ser de alguma importância, para a nossa 
ciência, que os psicólogos comparados reconheçam esses novos proble­
mas do campo geral da aprendizagem, quero me defender de uma pos­
sível crítica. Não é verdade, como se poderia pensar, que esses proble­
mas só aparecem quando atribuímos consciência aos animais. Muitas 
das expressões usadas na descriçãode experimentos e na exposição de 
problemas parecem envolver a suposição de que existe essa consciência. 
Se for esse o caso, o behaviorista ortodoxo terá razão de reagir pronta­
mente, e de declarar solenemente que nada tem a ver com essas coisas 
mais ou menos místicas que chamamos de organizações e reorganiza­
ções de campos. E ainda de acrescentar que, como estudioso de ciência 
natural, continuará a formular os seus problemas em termos de estí­
mulos e reações.
Minha resposta é que nenhuma das expressões que usei pretendia 
implicar a noção de consciência. Ninguém pode descrever o comporta­
mento de animais superiores, na sua realidade rica e concreta, sem usar 
termos que são ambíguos, na medida em que significam comportamentos, 
mas que também podem implicar a noção de consciência. Eu sempre 
os uso no primeiro sentido. Tomemos como exemplo a frase: “O antro- 
póide observava com grande interesse o que eu fazia.” Poderia um
8 Num novo método ■— que, aliás, aplica-se muito bem aos antropóides, como des­
cobrimos ■—■ eliminamos, eventualmente do estudo do campo sensorial todos os 
aprendizados provocados pelas reações casuais.' (Psychol. Forschung, 1922. I. 
p. 399.)
48
antropóide “observar” ou ter “interesse” sem ter consciência? Poderia 
eu afirmar que a sua “observação” se dirigia às minhas ações sem 
pressupor uma consciência nele? Não sei se, nesses casos, o antropóide 
tem ou não consciência. Mas posso continuar o meu trabalho sem 
resolver esse problema, porque “observar algo” é uma expressão que 
também tem um significado perfeitamente objetivo na linguagem coti­
diana, a saber: um comportamento visível e bem característico em di­
reção a alguma coisa. Nego peremptoriamente que sempre (ou mesmo 
em geral) nos refiramos à consciência ou pensemos nela, quando ve­
mos uma pessoa (um químico ou um policial) “observando” algo (uma 
reação química ou um automóvel suspeito). Acontece a mesma coisa 
com a palavra “interesse” . Tanto um homem quanto um chimpanzé 
podem parecer “interessados” . Quando usamos essa palavra, na maio­
ria dos casos queremos apenas nos referir a uma atitude observável e 
muito característica.
Mas por que não usarmos apenas termos que estejam livres de 
qualquer ambigüidade e que possam apenas sugerir atitudes e formas 
objetivas de comportamento? Simplesmente porque esses termos não 
existem. Ou, então, porque eles não têm as nuanças necessárias, para 
sugerirem ao leitor todas as atitudes e formas de comportamento que 
podemos observar nos animais superiores e no homem. Descrever a 
contração de todos os músculos empregados, quando uma pessoa ou 
um chimpanzé olha “interessado”, está além das minhas forças. Além 
disso, ninguém me entenderia, a menos que eu acrescentasse ao final 
uma frase como esta: “Você sabe, eu quero me referir àqueles movi­
mentos que, em conjunto, produzem a atitude interessada.” Mas, então, 
cairíamos num círculo vicioso. Por outro lado, onde estará o perigo 
de usar esses termos se convencionarmos, de uma vez por todas, que 
eles apenas significam comportamento? Finalmente, cabe dizer que o 
não-emprego sistemático desses termos tornaria extremamente pobres as 
nossas descrições de comportamentos. Nesse caso, apenas a sombra 
estéril do mundo concreto do comportamento é que seria aceita em 
nossa ciência, e os nossos conceitos teóricos se tornariam, muitó em 
breve, ião pobres e estéreis quanto o nosso material.
Todavia, a defesa que fizemos só vale para o caso das descrições 
de comportamentos. Os behavioristas imediatamente ressaltariam que, 
ao explicar o suposto problema da organização, eu mencionei a percep­
ção de campo do animal, ao mesmo tempo que enfatizei muito a orga­
nização com que o campo aparece ao animal. E novamente devo res­
ponder que, dado o uso que faço dessas palavras, é completamente sem
49
importância o fato de o animal ter ou não consciência. As minhas for­
mulações envolvem apenas duas suposições. A primeira é a seguinte: 
nos animais superiores, algumas partes do sistema nervoso central são 
a sede dos processos sensoriais, que correspondem a estimualções ex­
ternas, da mesma forma que certos campos do cérebro humano são o 
cenário de processos sensoriais. Os casos patológicos oferecem provas 
indiscutíveis do que acabamos de afirmar. E eu uso a expressão “per­
cepção da situação”, quando quero me referir à totalidade desses pro­
cessos. Estaríamos condenados a formas grotescas e enfadonhas de 
diálogo, se termos convenientes desse tipo fossem banidos pelos puri­
tanos do comportamento. A segunda suposição, que introduz o aspecto 
fisiológico da Psicologia da Gestalt (aplicada ao campo sonsorial), é 
uma hipótese de trabalho a respeito de uma propriedade geral desses 
processos sensoriais. Mesmo o behaviorista, que formula os seus pro­
blemas apenas em termos de estímulo e reação, deve admitir que alguma 
coisa acontece entre um e outra, no sistema nervoso central. Ele tende 
a negar que algum problema específico seja resolvido nessa região, entre 
os órgãos sensoriais e os reatores. Mas isso também é uma hipótese, 
na verdade, muito vaga. Pelo menos um problema deve ser aceito como 
tal. Temos condutores entre os órgãos sensoriais (os olhos, por exem­
plo) e os reatores; e tais condutores se estendem entre os dois tipos de 
órgãos como uma espécie de densa rede. Poderíamos supor que um 
condutor vá, inteiramente isolado, de um ponto da retina até um órgão 
reator, que outro vá, da mesma forma, de outro ponto do olho até 
outro efetuador etc. Nesse caso, não haveria muito que inquirir a 
respeito da região intermediária. Ou, então, percebo que seria difícil 
conceber a mencionada rede como a soma de condutores totalmente 
isolados. E, nesse caso, devo admitir que as leis mais simples da Física 
se aplicam à rede, de tal modo que os processos num condutor tornam- 
-se funcionalmente dependentes dos que ocorrem em todos os outros 
e vice-versa. Agora, a “condução” entre os órgãos sensoriais e os rea­
tores significa um problema de distribuição específica de processos, 
problema esse que, nos seus aspectos mais gerais, é semelhante aos 
que ocorrem na Física. E o efeito sobre os órgãos reatores (e conse­
qüentemente sobre o comportamento) dependerá diretamente de tal 
distribuição. É a essa distribuição dinâmica que me refiro, quando 
falo sobre a organização dos processos sensoriais. E não consigo per­
ceber como, concebido assim, esse termo possa ter algum significado 
misterioso, apesar de o ponto principal ser a descoberta das proprie­
dades concretas da distribuição, ainda pouco conhecidas por nós. É 
claro que essa organização depende da estimulação, mas não da maneira
50
que dependeria se todos os condutores fossem isolados uns dos outros. 
Dizer que o estudo do comportamento deve ser a investigação de rea­
ções que dependem de “estímulos” , aparece agora como programa um 
pouco confuso, propício a encobrir o problema fundamental, que é o 
seguinte: De que modo os processos sensoriais dependem de determi­
nado conjunto de estímulos? Como se dá, portanto, a organização do 
campo, e como se dão as reações? Falaremos sobre isso futuramente.
Poder-se-ia considerar como terceira suposição (apesar de se tratar 
de algo obrigatório) a idéia de que a distribuição ou a organização dos 
processos sensoriais não depende apenas da constelação de estímulos, 
mas também da situação interior total existente no animal, de tal forma 
que as influências exteriores (fome, medo, raiva, fadiga etc.) e as 
organizações, que ocorreram em experiências prévias; possam produzir 
mudanças num a distribuição. Todavia, quanto a isso, o behaviorista 
— no caso de ele admitir o problema das organizações — terá certa­
mente a mesma opin ião .9
Alguns psicólogos afirmariam que um animal (como o orango­
tango de Y erkes), que “capta” , de repente, a essência de um a situação, 
em experimentosde aprendizagem, revela um tipo genuíno de compor­
tamento inteligente. Mas podemos aplicar outro teste, talvez de maior 
significância. Um fato freqüentemente observado nas salas de aula 
ilustrará o que pretendo dizer.
Estou tentando explicar aos meus alunos uma demonstração mate­
mática meio difícil, organizando, para tanto, as minhas frases, na se­
qüência correta, procurando ser o mais claro possível. Como a demons­
tração é difícil, provavelmente não serei bem sucedido na primeira 
tentativa. É o que as expressões faciais dos meus alunos estão mos­
trando: não estou sendo feliz. Repito tudo o que disse. Assim, quem 
sabe, no decorrer da terceira tentativa, alguns rostos comecem a passar 
por modificações características, indicadores seguros de que terá havido 
uma “clarificação” . Chamo, então, um desses alunos ao quadro, e ele 
é capaz de repetir a minha demonstração. (O u será que eu deveria 
dizer imitar o meu desempenho anterior?) Alguma coisa aconteceu na
9 Não pretendo negar, que a ênfase que coloco neste problema decorre; em grande 
parte, de estudos com seres humanos, meus próprios e de outros. Que mal há 
nisso? Muitos dos melhores trabalhos realizados no campo da Psicologia Animal 
foram sugeridos por experimentos feitos com seres humanos. Foi o que acon­
teceu com os estudos a respeito da discriminação de cores, do fenômeno de Pur- 
quinje, do contraste, do efeito da distribuição na aprendizagem etc.
51
mente desse aluno enquanto eu estava explicando a demonstração, algo 
suficientemente importante para se tornar imediatamente visível, na 
alteração do aspecto externo do aluno, e permitir a eclosão de nova 
forma de comportamento.
Se tentarmos transportar o que dissemos para a experimentação 
com antropóides, é claro que não poderemos fazer uso da linguagem 
nem deveremos tentar explicar demonstrações matemáticas. Qual o 
efeito que terá sobre um antropóide a visão de alguém, símio ou homem, 
realizando uma ação que, se imitada, lhe será de muita valia? Aqui, 
talvez, surja uma objeção, a saber: alguns afirmarão que um antropóide 
não está revelando nenhuma forma de inteligência quando imita o que 
vê outros fazerem, Não são os macacos e os antropóides dotados de 
instinto especial para imitar a maioria dos atos que eles presenciam? 
Assim, se eles também o fazem em experimentos, que conclusão pode­
ríamos tirar disso?
Quem pensar assim estará completamente errado. A idéia ou 
crença de que os macacos e os antropóides estão constantemente imi­
tando comportamentos alheios parece ter a seguinte origem: eles nos 
causam forte impressão devido às semelhanças flagrantes que existem 
entre o seu comportamento e o nosso. Não usam as mãos do mesmo 
modo que os seres humanos? Os seus rostos não revelam “expressões’’ 
semelhantes às nossas em muitos estados emocionais? Tudo isso seria 
facilmente explicável, se os primatas sentissem prazer especial em copiar 
ou se eles fossem mecanicamente compelidos a imitar as atitudes e os 
comportamentos humanos. No entanto, os macacos e os antropóides 
caçados nas selvas da África Central ou da Ásia revelam, desde o início, 
ter esse mesmo tipo de comportamento. E isso antes que o convívio 
com os seres humanos tivesse tido tempo de exercer alguma influência 
sobre eles. A semelhança que mostram em relação ao homem é natural, 
não resultando ela da atuação de nenhum forte “instinto de imitação” .
De fato, tal instinto não existe. A imitação é quase tão difícil e 
rara nos antropóides quanto nos vertebrados inferiores. Podemos obser­
var várias formas ou tipos diferentes de imitação nos antropóides. 
Todavia, não são muito freqüentes, e só surgem após o preenchimento 
de certas condições. O primeiro tipo de imitação que, surpreso, vi nos 
antropóides é bastante comum nas crianças. Lançando mão de objetos 
muitas vezes inadequados (livros, pedaços de madeira, e tc.), elas ten­
tam freqüentemente imitar o comportamento dos adultos que vêem ser­
rando objetos, pregando, pintando, etc. Chamemos esse comportamento
52
das crianças de “brinquedo sério” . É uma brincadeira, mas uma brin­
cadeira séria, o que é bastânte comum nas crianças. Elas se sentem 
importantes ao assumirem o papel de um artesão, e ficam muito desgos­
tosas quando alguém ri das suas “brincadeiras” .
Eu também chamaria de imitação do tipo “brinquedo sério” o 
seguinte comportamento de um chimpanzé. Na área de recreação do 
animal, um homem estava pintando de branco um poste de madeira. 
Terminado o trabalho, ele se retirou, deixando no local a lata de tinta 
e o pincel. Eu estava observando o único chimpanzé presente, escon­
dendo o rosto com as mãos como se não estivesse prestando atenção 
nele. O chimpanzé volta-se para mim e me observa atentamente. Ele 
quer se aproximar do pincel e da tinta, mas já aprendeu que o uso 
indevido das nossas coisas pode lhe trazer sérias conseqüências. Toda­
via, encorajado com a minha atitude, pega o pincel, mergulha-o na tinta, 
e pinta uma grande pedra que está próxima. Durante todo o tempo em 
que durou a “brincadeira”, o animal se comportou de maneira extre­
mamente séria. E também é assim que se comportam os antropóides 
ao imitarem a lavagem de roupas ou o uso de uma broca.
A sociedade moderna nos leva a julgar todas as coisas com base 
no valor prático que tenham, mas eu acho que ela exagera um pouco 
nesse ponto. O ato de pintar, executado pelo meu chimpanzé, é uma 
brincadeira sem valor prático para ele. Nessas condições, gostaria de 
saber se também imitaria um ato que tivesse valor prático para ele. 
E, no caso afirmativo, se o faria de forma que fosse “mais do que uma 
brincadeira” . H á casos dessa espécie.
Um dia, um chimpanzé não foi alimentado pela manhã, mas a 
sua comida foi colocada no teto da sua habitação. Pusemos uma caixa 
no chão, a alguns metros do local adequado, mas o animal não a usou. 
Na verdade, ele nunca havia usado anteriormente um a caixa como ins­
trumento auxiliar. Tentou, em vão, alcançar a comida dependurada no 
teto, pulando para alcançá-la, subindo pelas paredes e correndo ao 
longo do telhado. Em dado momento, ficou tão fatigado que foi várias 
vezes até a caixa para se sentar e descansar um pouco, enquanto olhava 
tristemente para a comida dependurada no teto. Passaram-se muitas 
horas sem que o chimpanzé mostrasse qualquer indício de ter atinado 
com a solução do problema. Peguei, então, a caixa, coloquei-a debaixo 
do alimento, subi nela, e toquei a comida com as mãos. Em seguida 
desci e novamente empurrei a caixa para longe. Em menos de um 
minuto, o chimpanzé, que havia estado observando minhas manipula­
53
ções, pegou a caixa, arrastou-a para debaixo do alimento, subiu nela, 
e conseguiu a fruta desejada.
Outro exemplo. Quando a comida era dependurada no teto, perto 
de uma porta fechada, os chimpanzés abriam-na, viravam-na em dire­
ção ao alimento, e subiam por ela para alcançá-lo. Um dia, dificultei 
a tarefa deles, prendendo a porta à parede por meio de um gancho e 
de um anel. Queria ver como os animais se comportariam nessas novas 
condições. O antropóide que escolhi para o experimento tentou abrir 
a porta, mas falhou completamente por não reparar no gancho e no 
anel. Os chimpanzés não compreendem facilmente que um objeto 
pequeno (gancho e anel, no caso) possa ter importância para os movi­
mentos de um objeto grande (a porta, no caso). Depois de várias 
tentativas inúteis, o animal desistiu de abrir a porta, mas observou-me 
atentamente quando eu me aproximei dela, levantei o gancho e abri-a 
um pouco. Nesse instante, ele deu o grito de surpresa, muito semelhante 
à correspondente expressão vocálica emocional do homem. E mal eu 
havia acabado de restabelecer a situação inicial porta-gancho-anel e me 
afastado, já o antropóide havia resolvido o problema e se apoderado 
do alimento desejado.
Esses exemplos podem, facilmente, causar a impressãode que a 
imitação seja algo fácil de ser feito, e não uma aquisição de certa im­
portância. Mas é só repetirmos um desses experimentos com um an­
tropóide menos inteligente, para vermos que certas condições devem 
ser preenchidas antes de a imitação ser possível. Em Tenerife, um dos 
meus chimpanzés era quase estúpido; pelo menos quando comparado 
a outros antropóides. Viu muitas vezes alguns chimpanzés utilizarem 
uma caixa para alcançarem frutas dependuradas bem alto. Nessas con­
dições, eu esperava que ele também fosse capaz de fazer o mesmo, che­
gada a sua vez. Quando o experimentei na situação descrita — alimento 
dependurado no teto e caixa deslocada em relação a ele — o animal 
dirigiu-se para a caixa. Subiu nela, sem primeiramente deslocá-la para 
debaixo do alimento, e começou a dar pulos inúteis no ar. Depois, 
começou a pular debaixo das bananas, mas diretamente do chão, aban­
donando a caixa. Várias vezes outros animais procederam corretamente 
na sua frente, mas ele não conseguia imitá-los. Apenas conseguia copiar 
partes do comportamento dos seus companheiros, o que, evidentemente, 
não resolvia o problema. Ele subia na caixa, corria da caixa para 
debaixo das bananas, e pulava para elas, diretamente do chão. Estava 
claro que o animal ainda não havia conseguido estabelecer a conexão 
correta entre a caixa e o alimento. Algumas vezes ele deslocava a caixa
54
do lugar, mas o fazia a esmo, isto é, tanto para perto quanto para 
longe da comida. Somente depois de inúmeras observações do com­
portamento dos seus companheiros é que ele aprendeu a resolver o 
problema, de um modo que não posso explicar rapidamente. Vemos, 
pois, que, na aprendizagem por imitação existe uma tarefa séria, mesmo 
para um aníropóide menos inteligente. Observando o comportamento 
de um companheiro que sabe resolver o problema, um chimpanzé 
inteligente percebe logo que, por exemplo, mover a caixa significa des- 
locá-la para debaixo da comida. O movimento é percebido como um 
deslocamento com essa orientação essencial. Por outro lado, um animal 
estúpido vê o movimento da caixa como algo isolado, isto é, não o 
relaciona imediatamente com o local da comida. Ele verá fases isoladas 
do desepenho todo, não as percebendo como partes relacionadas com 
a estrutura essencial da situação, como partes da solução. É claro que 
essa organização correta não é simplesmente transmitida na seqüência 
de imagens retinianas que a ação do animal-modelo produz. Com o 
imitar acontece o mesmo que com o ensinar. Ao ensinarmos crianças, 
apenas podemos propiciar a elas condições ou “sinais” favoráveis para 
as novas coisas que a criança tem de “aprender” ; é sempre necessário 
que a criança também contribua com algo, algo esse que poderíamos 
chamar de “entendimento”, e que, às vezes, surge de repente. Não 
podemos simplesmente despejá-lo dentro da criança.
Se, em alguns casos, os antropóides são capazes de “ver” a conexão 
necessária que existe entre as partes do desempenho que observam e os 
fundamentos de um a situação, surge naturalmente a pergunta. Será 
que, às vezes, esses animais seriam capazes de inventar desempenhos 
semelhantes, como soluções para novas situações? Um antropóide que 
vê um a caixa colocada sob algumas frutas dependuradas do teto, mas 
não diretamente, tentará alcançá-las trepando nela. Como a caixa não 
está corretamente colocada, talvez o antropóide não consiga alcançar 
imediatamente a comida desejada. Seria ele capaz de “entender a situa­
ção” e mover um pouco a caixa para que ela fique sob o alimento? 
Já descrevi, em outra ocasião, o modo pelo qual alguns chimpanzés 
resolvem esse tipo simples de problema, sem a ajuda de treinos ou da 
imitação do comportamento de companheiros. Essá descrição já foi 
uma vez traduzida para o inglês; não há necessidade de repeti-la aqui.
Seja-me, porém, permitido mencionar um aspecto do comportamento 
dos antropóides, que pode ser observado em muitos experimentos. Um 
antropóide vê sua comida no chão, fora de sua jaula e longe do alcance 
das suas mãos. Ele já usara diversas vezes uma vara como instrumento
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auxiliar nessa situação, mas, agora, não há nenhuma na sua jaula, mas 
apenas uma pequena árvore, um tronco com dois ou três galhos. Du­
rante muito tempo o animal não encontra solução para o seu problema. 
Êle conhece varas e sabe usá-las, mas, agora, não as tem à sua dispo­
sição e sim uma árvore. Ele não vê as partes da árvore como varas 
em potencial. Mas, de repente, ele descobre a solução dó problema: 
quebra um dos galhos da árvore e o usa como uma vara. No entanto, 
para mim, o importante é que, durante certo tempo, a árvore não 
parecia ter qualquer relação com o problema de alcançar o alimento. 
Os seres humanos, acostumados a analisar e reorganizar a estrutura do 
seu ambiente, em relação aos problemas que têm de enfrentar, veriam, 
desde o primeiro momento, os ramos de uma árvore como varas em 
potencial. Para entendermos o comportamento do antropóide, do ponto 
de vista do ser humano, precisamos usar uma estrutura algo mais com­
plicada do que uma simples árvore com galhos. Suponhamos que, por 
alguma razão, você precise de uma armação de madeira que tenha o seguin­
te formato: Na sala onde você está
não existe tal armação, mas existem ou­
tras, como as que vemos ao lado, que, 
à primeira vista, não parecem servir para 
a situação, mesmo que você tenha à sua 
disposição um serrote. Mas, agora, de­
pois de eu ter feito aquelas observações 
a respeito do comportamento dos antro­
póides, você começará a examinar as ditas formas, porque suspeita de 
que eu “escondi” o formato que você queria. E, assim, você rapida­
mente o descobre no R. Mas talvez você desistisse, se a mencionada 
suspeita não tivesse surgido e esses formatos parecessem apenas partes 
casuais do ambiente, não é verdade? Para o nível mental de um chim­
panzé, a árvore parece ser, em relação à vara (o galho), aquilo que 
o mencionado grupo de formatos, e especialmente o R, é, para nós, em 
relação à citada armação: a parte que poderíamos usar não será uma 
realidade ótica enquanto fizer parte do todo dado inicialmente. Mas 
poderá sê-la, mediante modificação do ambiente. A reorganização do 
ambiente, sob a pressão de determinada situação, seria, então, nova­
mente, aspecto essencial da tarefa e, ao mesmo tempo, sua principal 
dificuldade.
Sei que muitos psicólogos não acreditarão facilmente que a des­
crição que dei do comportamento inteligente dos antropóides seja 
correta. Uma atitude quase que negativista desenvolveu-se na Psico-
wOO
Cb
ORS
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logia Animal, de tal modo que todos nós vivemos com medo de sermos 
criticados por causa de tendências antropomórficas, caso a descrição 
que dermos do comportamento animal não negue, mas afirme, a exis­
tência de algumas formas superiores de processos psíquicos. Assim 
sendo, tomei o cuidado de filmar alguns experimentos do tipo mencio­
nado. Esses filmes são muito mais convincentes do que todas as pa­
lavras e argumentos que eu possa usar para corroborar as minhas 
afirmações. Infelizmente, os leitores de uma publicação científica, 
enquanto tais, não podem assistir a uma exibição de filmes.

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