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[TRADUÇÃO] Governo e Comunidade - Susan Reynolds - capítulo 2

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Tradução do Texto “Government and community” publicado originalmente em LUSCOMBE, David (org.). 
The New Cambridge Medieval History (Volume IV parte I). Cambridge: Cambridge University Press, 2006. 
p. 86-112.
A tradução para fins didáticos não é proibida desde que citada a obra original.
CAPITULO 4
GOVERNO E COMUNIDADE
Susan Reynolds
Grande parte dos historiadores deste período prefere utilizar a palavra senhorio em 
vez de governo. A razão pode ser que, enquanto governo sugere uma autoridade im-
pessoal e pública, senhorio implica um tipo de poder político mais pessoal e menos 
público que é frequentemente utilizado para caracterizar o século XI, inclusive o século 
XII também. O típico governante da época, segundo este argumento, era o ‘senhor 
feudal’, cuja autoridade sobre seus súditos, livres ou nobres, estava fundada no con-
trato de vassalagem, pessoal e voluntário, e cuja autoridade sobre os camponeses era 
fundada nos seus direitos de propriedade sobre as herdades destes. Tais atividades 
coletivas, como eram consideradas neste mundo de relações essencialmente pesso-
ais, eram encontradas principalmente entre camponeses e habitantes das cidades. 
Antes do ‘movimento comunal’ do século XII, contudo, eles ainda não formavam co-
munidades com alguma grande solidariedade. Quando a solidariedade popular se de-
senvolveu, pensou-se amiúde que ela seria logo, se não imediatamente, dirigida a as-
segurar uma medida de independência coletiva frente aos senhores: senhorio e co-
munidade eram, desta forma, essencialmente opostos entre si. O intuito deste capitulo 
é argumentar que essas opiniões sobre governo e comunidade nos séculos XI e XII 
são inadequadas. Por um lado, o governo era muito mais do que o senhorio pessoal: a 
crença na ausência de qualquer sentido de prosperidade e responsabilidade públicas 
parece descansar em nenhuma outra coisa que no antigo estereótipo da sociedade 
feudal . Uma vez que o senhor exercia controle político razoável e efetivamente sobre 1
uma área por algum tempo, sua autoridade era legitimada pela prevalência de ideias 
sobre costume, sujeição legítima e boa ordem. Considerava-se que ele tinha o dever 
de proteger seus súditos e tratá-los com justiça, enquanto se considerava que estes 
tinham o dever de obedecê-lo. Em outras palavras, não levando em conta sua origem 
histórica, seu poder não era meramente poder, mas autoridade pública, com obriga-
ções para com o bem-estar público – o bem-estar dos seus súditos, os quais, dado o 
fato de que eles constituíam uma unidade de governo público e legítimo, eram, portan-
to, percebidos como parte de algum tipo de comunidade . Quando grupos de súditos 2
protestavam ou rebelavam-se, eles parecem ter feito isto, geralmente, com o fim de 
defender os mesmos valores tradicionais que o seu governante deveria resguardar.
 Reynolds (1994), pp. 17–47.1
 Reynolds (1997), passim.2
O governo em qualquer nível, desde os reinos até as aldeias ou estados, de-
pendia em grande parte da atividade coletiva. Cada governante devia ser aconselhado 
por seus principais súditos simplesmente porque precisaria contar com eles para levar 
a cabo as suas ordens: se seus nobres não concordassem em ir para guerra e juntar 
forças dos seus seguidores, o rei teria um exército pequeno. O aumento dos impostos, 
a prisão de criminosos, o julgamento dos litígios tinha que ser feito coletivamente por-
que até mesmo um governante com os mais leais e eficientes servidores não podia 
pagar um número suficiente deles para fazer tudo o que ele queria. De fato, os gover-
nos mais eficientes tendiam a evocar a atividade mais coletiva: quanto melhor eram 
mantidas a lei e a ordem e mais os impostos cresciam, mais grupos de súditos volun-
tários seriam precisos para denunciar crimes, proferir sentenças e fiscalizar tributos. 
Na ausência de armas e tanques que os coagissem, até mesmo os camponeses não 
livres poderiam ser mais eficazmente explorados se eles pudessem ser induzidos a 
tomar parte nesta tarefa em turnos a fim de organizar-se mutuamente e assumir a res-
ponsabilidade coletiva das tarefas e serviços. 
Estas realidades práticas refletiam-se em hipóteses e ideias a respeito de co-
munidades e subordinação legítima. Uma das hipóteses que fez com que a subordina-
ção parecesse legítima e tolerável era que qualquer unidade de vida política e social 
que persistisse por mais de umas poucas gerações passava a ser considerada não 
como um mero pedaço de território que passou a ser governado por uma força absolu-
ta – apesar de que na realidade isso bem poderia ter-se originado desta forma – mas 
como uma comunidade de cultura e origem comum. Tais comunidades eram referidas 
em latim como gentes, nationes ou populi. Pode resultar enganoso dar demasiada ên-
fase a palavras específicas, principalmente palavras em uma língua que poderia ter 
oferecido somente uma vaga aproximação à grande diversidade de línguas vernácu-
las. Todas estas três palavras podiam ser utilizadas em sentidos que não teriam cono-
tações de coletividade social ou política. Contudo, todas elas também podiam ser utili-
zadas, de uma forma mais ou menos intercambiável, com distintas implicações políti-
cas. Em certos contextos, populus podia significar as pessoas comuns em contraposi-
ção aos nobres. Alguns escritores definiram gens e natio para distinguir grupos coleti-
vos de diferentes tamanhos e naturezas, mas poucos, senão nenhum, seguiram as 
suas próprias definições consistentemente e muitos outros não estavam cientes delas. 
O ponto importante é que em muitos contextos todas estas três palavras eram aplica-
das a grupos que correspondiam a unidades de governo. O seu uso em tais contextos 
sugere que um reino era percebido como uma área habitada por um povo – um popu-
lus, gens ou natio que precisava de um rei porque, como uma unidade natural de soci-
edade, também era uma unidade natural de governo. Os nomes dos reinos eram os 
nomes dos povos que se pensava que os compunham. O mesmo parece, às vezes, 
ter sido aplicado para condados, províncias e senhorios. Numa história do século XII 
do Conde Godofredo de Anjou (+1151) e seus antepassados, relatou-se como a An-
degavorum gens era famosa por seus governantes belicosos e pelo medo que provo-
cava nos povos vizinhos (circumfusis nationibus) . Era provável que somente os súdi3 -
tos de unidades de governo relativamente importantes e independentes, como os An-
 John of Marmoutier, ‘Historia Gaufredi ducis Normannorum et comitis Andegavorum’.3
jou, merecessem palavras como gens ou natio, mas algumas com a mesma qualidade 
de comunidade eram também atribuídas a áreas menores e menos independentes.
Novos reinos, às vezes, precisavam de novos nomes que poderiam levar um 
tempo para serem aceitos e posteriormente registrados em textos latinos que sobrevi-
veram para nossa informação. O nome Franci era demasiado glorioso e bem estabe-
lecido para ter sido esquecido quando o Império Franco entrou em colapso, mas foi 
utilizado inconsistentemente até que novas solidariedades fossem formadas e novas 
terminologias desenvolvidas para expressá-las. Para o século XI os nomes francos 
ocidentais e francos orientais não eram mais adequados para denotar os dois reinos 
em que a França e a Alemanha haviam-se convertido. A falta de consenso a respeito 
de um nome no reino oriental antes do século XII tem sido considerada como um indí-
cio da sua falta de unidade, mas é difícil de acreditar que os soldados que seguiram 
Conrado II ou Henrique III à Itália, mesmo que eles se pensassem primeiramente 
como saxões, bávaros, suábios, ou como fosse, não sentiram uma solidariedade mai-
or como súditos dos seus grandes reis e imperadores, seja qual for o nome com que 
eles chamaram seu reino. No século XI, os estrangeiros, e notavelmente os italianos, 
referiam-se a todos eles como Teutonici, um nome adaptado da palavra anterior
utili-
zada para denominar sua língua (lingua theodisca, todesca, teutisca, etc.). O nome 
regnum Teutonicorum aparece logo depois. Outras comunidades, estabelecidas muito 
antes que o reino surgisse, ainda funcionavam como unidades de governo dentro dele. 
Os habitantes do Reino Suábio, por exemplo, fossem ou não chamados pelas crônicas 
latinas de Suevi ou Alemanni, precisavam de um nome – ou nomes – já que eles eram 
um tipo de comunidade política que às vezes era chamada de gens. O nome particular 
de qualquer comunidade importava menos que a noção de entidade governamental 
que requeria ser chamada de alguma forma pelo mero fato de que era uma entidade.
Na metade ocidental do antigo Império Carolíngio, onde muitos condes ou ou-
tros senhores eram efetivamente independentes do seu rei no século XI e no começo 
do XII, era inclusive mais óbvio para os contemporâneos que os súditos destes senho-
res formassem entidades distintas que podiam ser chamadas de gentes, nationes ou 
populi. A consciência de categorias maiores não desapareceu, mas tornou-se variável 
de acordo com o contexto e a circunstância. Na França do século XII, os Franci eram 
às vezes os habitantes do norte da França, em contraste, por exemplo, com os aqui-
tanos, e eram às vezes os únicos imediatamente sujeitos à autoridade real, em con-
traste, por exemplo, com os normandos. Às vezes eles parecem incluir a todos no rei-
no que agora era o reino dos Francos ou França (Franci), em vez dos francos ociden-
tais, apesar de que é difícil de acreditar que muitas pessoas teriam mais certeza das 
suas fronteiras do que os modernos historiadores têm. Entretanto, no século XI, os 
senhorios e reinos da Espanha cristã haviam ganhado suficiente solidariedade, a des-
peito das instáveis fronteiras e das divisões internas, para conservar suas identidades 
separadas por séculos dentro de um caleidoscópio de combinações dinásticas. 
O uso de nomes coletivos era, desta maneira, uma expressão precisa e inva-
riável que tinha menos a ver com as realidades políticas em curso do que com uma 
atitude política ou suposição que era ainda mais influente por não estar articulada nem 
ser razoável. Qualquer unidade de governo que se havia estabelecido pelo costume 
era assumida como sendo do tipo de comunidade natural de origem comum e costu-
me que havia caracterizado a sociedade humana desde que as tribos descenderam 
dos filhos de Noé e haviam se propagado pelo mundo. A maneira com que muitos cro-
nistas escreveram sobre a origem e a história do seu próprio povo e dos outros é evi-
dência do pressuposto comum de que as unidades políticas do tempo do cronista 
eram unidades antigas e naturais. Era um pressuposto injustificado. As gentes medie-
vais eram, principalmente, unidades políticas de origens mais heterogêneas do que as 
suas histórias sugeriam. Certamente, eles não eram raças no sentido de compartilhar 
características físicas herdadas de algum tipo de população separada e que os distin-
guia de seus vizinhos. Eles estavam mais próximos de serem unidades de cultura co-
mum, embora não tão próximo assim, já que variações nos costumes e na linguagem 
entre unidades políticas não eram, frequentemente, maiores do que aquelas que exis-
tiam no interior delas. Nenhum destes desajustes importa. As pessoas entendiam que 
a cultura era transmitida junto com as características físicas, como sabemos agora 
que não é. Uma vez que acreditaram que gentes eram entidades reais e objetivas, 
cada uma com sua própria linhagem e cultura, eles viram o que eles acreditavam que 
estava lá. Isso faz as suas crenças mais significativas: uma crença que meramente 
reconhece o que é obvio, raramente vale a pena ser mencionada. Como quer que 
seja, a suposição universal de que os povos eram entidades reais e permanentes re-
flete ideias sobre a sociedade e a política que explicam um grau de solidariedade e 
submissão aos governantes que se torna difícil de atribuir a laços puramente interpes-
soais. 
Historiadores dos normandos do século XII sabiam que os seus governantes 
haviam sido outrora dinamarqueses que, por sua vez, eram, no fim das contas, des-
cendentes dos troianos; no entanto, eles não acharam necessário considerar quantos 
habitantes da Normandia eram descendentes dos dinamarqueses e quantos o eram 
dos francos. As histórias concentraram-se nos governantes e nobres, mas somente 
porque eles eram as pessoas que importavam: não há nenhuma sugestão de que 
apenas os nobres eram normandos (ou dinamarqueses) enquanto os camponeses 
eram súditos francos. Para Orderico Vital, os normandos, que eram descendentes dos 
troianos, eram os habitantes do ducado de Normandia, como o que existia naquela 
época. Muitos historiadores medievais, como muitos modernos, parecem ter partido da 
ideia de que suas gens ou nação eram uma realidade objetiva e, então, traçaram a 
sua história. Para Henrique de Huntingdon ou Guilherme de Malmesbury, o povo in-
glês, embora fosse anteriormente dividido em gentes separadas com seus próprios 
reinos, havia sido uma entidade antes de formar um único reino que era seu destino 
manifesto. Exceções foram observadas de tal forma a implicar a regra que as fez ex-
cepcional: o rei Estevão da Hungria (+1038) aconselhou seu filho a acolher os imigran-
tes chegados de diferentes partes com diferentes línguas e costumes: um reino com 
somente uma língua e um modo de vida (unius moris) era débil e vulnerável . Gui4 -
lherme da Apúlia afirmou que os invasores normandos do sul da Itália ensinaram sua 
forma de vida e idioma àqueles que uniram as suas forças para criar um único povo . 5
 PL 151, col. 1240.4
 Guillaume de Pouille, Geste de Robert Guiscard i, line 168.5
Fulquério de Chartres maravilhou-se de como na Palestina toda classe de povos, fran-
cos ou romanos, haviam se esquecido de suas terras nativas, casando-se entre si e 
com nativos, e, combinando as suas línguas, tonaram-se uma comunidade unida por 
uma única fé .6
Não todos os imigrantes eram facilmente assimilados e unidos. Justamente 
porque as comunidades políticas eram um pressuposto tão básico de vida política, 
uma violenta invasão e conquista que quebrasse o antigo sentido da legitimidade po-
deria criar grandes ressentimentos. Demorou várias gerações antes de que o sentido 
de comunidade do reino superasse as cicatrizes deixadas pela conquista normanda de 
Inglaterra. No final do nosso período, Geraldo de Cambrai pensava que os ingleses 
ainda eram miseravelmente escravizados pelos normandos, de modo que eles haviam 
se convertido em escravos por natureza. Ele estava sendo um pouco tendencioso. 
Bem antes do seu tempo, uma grande quantidade de pessoas cujos ancestrais (ou um 
desses ancestrais) haviam chegado da Normandia, pensavam em si mesmos, em vá-
rios contextos, como ingleses . Um sentido de comunidade estava sendo restabeleci7 -
do, consolidado não apenas frente à hostilidade de inimigos externos, ora franceses, 
galeses ou escoceses, mas também como consequência de um governo excepcio-
nalmente centralizado e resistente que uniu os seus súditos tanto na indignação frente 
as suas demandas como em todas as atividades coletivas cujas demandas as faziam 
necessárias. A história imensamente popular de Godofredo de Monmouth pode ter ad-
quirido parte do seu atrativo pela forma com que ultrapassava as divisões causadas 
pelas recentes invasões para mostrar a Bretanha como uma unidade na qual, galeses 
e escoceses podiam reivindicar um grau de independência, o rei da Inglaterra tendo 
autoridade suprema sobre toda a ilha, e na qual, ao final das contas, todos podiam rei-
vindicar algum tipo de descendência dos troianos.
 Há, certamente, muitas unidades de governo sobre cujas origens não temos 
nenhuma história que implique ideias tão claras sobre os povos. Nós não podemos 
saber, por exemplo, se se considerava que a gens Andegavorum tinha existido antes
de ter tido condes já que as fontes que sobreviveram deste período concentram-se 
nos condes e referem-se aos seus súditos somente de passagem. Porém, é notável a 
quantidade de cidades cujos próprios mitos fundadores ignoravam as contínuas mi-
grações que sustentaram as suas populações. Na prática, alguns grupos permanece-
ram forasteiros. Comerciantes que se aferravam a privilégios coletivos em uma cidade 
estrangeira podiam conservar uma identidade coletiva separada, sobretudo se eles 
mantivessem contato com seus lares ou se seus privilégios incluíssem o direito a se-
rem julgados de acordo as suas próprias leis. Ser tratado como uma unidade coletiva 
nem sempre implicava uma marca de liberdade. Os judeus estavam condenados a 
serem forasteiros em toda parte e sua exclusão tornou-se mais feroz com as cruza-
das. Apesar de terem sido dispersados e perseguidos, eles eram vistos, não obstante, 
como um povo de origem e cultura comum, mostrando o lado inverso das crenças a 
 ‘lingua diversa iam communis facta utrique nationi fit nota et iungit fides quibus est ignota pro6 -
genies’: Historia Hierosolymitana iii.xxxvii.
 Gillingham (1995).7
respeito dos povos em geral. Cartas de proteção –de algum tipo– eram outorgadas às 
comunidades locais de judeus e eles eram não somente massacrados como indivídu-
os, mas, às vezes, obrigados a assumir a responsabilidade coletiva pelas dívidas indi-
viduais. 
Enquanto a distinção das leis e dos costumes da cada povo pode parecer que 
teve um sentido mais prático que as suas histórias míticas, o corpo comum e distintivo 
de leis de um povo era raramente menos uma questão de fé do que era sua origem 
comum. A lei consuetudinária variava de um lugar para o outro e de tempos em tem-
pos. Quais regras e procedimentos estavam envolvidos quando Henrique III deu aos 
húngaros a lei germânica (scita Teutonica) é difícil de contemplar . Uma versão poste8 -
rior da história fez do seu presente uma lei bávara, mas, apesar de que isso poder ter 
constituído um corpo de costumes ligeiramente mais coerente, a diferença é simples-
mente de grau. A questão não era os detalhes da lei na prática, mas a ideia dos cro-
nistas germânicos de que a suposta aceitação da lei germânica –ou bávara– por parte 
dos húngaros era um símbolo de sua submissão: povos independentes tinham suas 
próprias leis. Inclusive os canonistas e glosadores do século XII, que tendiam a assu-
mir ou exaltar a universalidade do direito canônico ou romano, parecem ter aceitado 
que na prática todos os povos, seja formando reinos ou províncias, tinham seus pró-
prios costumes locais e leis. Quando um bispo do século XII de S. David em Gales re-
clamou a independência em relação ao arcebispo da Cantuária, ele salientou que seu 
povo diferia daqueles da Cantuária no que tangia à nação, língua, leis, forma de vida, 
julgamentos e costumes . Apesar dos galeses não formarem um único reino, sua hos9 -
tilidade para com os ingleses cimentou seu sentido de ser um povo – um povo diferen-
ciado do inglês por costumes e leis diferentes. 
O idioma podia ser outra marca distintiva de um povo separado, como o era 
entre os húngaros e os germanos, os galeses e os ingleses, e, primeiramente, entre 
os normandos e os ingleses. Em todos estes casos as diferenças de idioma ratificaram 
hostilidades políticas e solidariedades. Em outros casos, diferentes línguas coexistiram 
sob o mesmo governo e não inibiram, inclusive se elas se atrapalhavam, o desenvol-
vimento de uma solidariedade política. Embora inconvenientes diferenças de língua 
possam existir na prática - e o extenso uso de um tipo de francês, o qual os ingleses 
chamaram de lei comum, sugere que isto pode ser exagerado – o idioma não veio a 
ser considerado como um componente vital da ideia de uma nação por séculos. Em 
qualquer caso, as ideias dos séculos XI e XII sobre as nações e os povos não precisa-
ram ser consistentes já que elas eram pressupostas e, portanto, incontroversas. En-
quanto hoje em dia uma suposta ascendência comum e uma suposta cultura comum 
são vistas como razões para formar um estado à parte, na Idade Média elas eram 
simplesmente vistas como atributos de unidade políticas existentes. A ideia de nações 
ou povos tinha, portanto, pouco potencial revolucionário e não precisava ser discutida.
 Annals of Niederaltaich, 1044.8
 ‘natione lingua legibus et moribus iudiciis et consuetudinibus’: Bernard of St David’s quoted by 9
Gerald of Wales, De invectionibus ii.vii.
Não há muito a respeito da teoria política deste período, mas o que há, como o 
pouco sistemático pensamento que se encontra refletido nas crônicas, cartas e leis, 
sugere que o pensamento político começou não a partir de indivíduos isolados, mas 
de grupos. A analogia que João de Salisbury faz da res publica como um corpo não 
faz outra coisa que expressar antigas premissas em uma erudita e sofisticada metáfo-
ra. A ênfase no grupo não significava que os direitos individuais fossem ignorados: vir-
tualmente todas as cartas de liberdade, desde aquela concedida ao povo de Nonanto-
la (Emilia) em 1058, a Carta Magna ou a Bula de Ouro da Hungria, ambas logo após o 
nosso período, continham cláusulas que tinham por objetivo proteger indivíduos da 
opressão arbitrária. Ideias sobre a justiça, a prosperidade pública e o bom governo 
não apareceram, porém, a partir de premissas individualistas e igualitárias que se têm 
desenvolvido desde o século XVII. Os indivíduos nasciam em uma gens como nasci-
am em uma família, e eles eram nascidos sob a autoridade do governante ou dos go-
vernantes da sua gens. Povos ou nações eram vistos não como coleções de indivídu-
os semelhantes, mas como comunidades compostas por ordens diferentes, cada uma 
das quais cumpria com sua devida obrigação segundo o costume e a ordem correta. 
Os governos tinham a autoridade de controlar -mas não de monopolizar- o legítimo 
uso da força física e de coagir seus súditos, desde que atuassem com justiça e de 
acordo com o costume. Onde eles alcançavam um sucesso razoável, seus territórios 
eram, portanto, tão dignos de serem pensados em nossos termos como estados como 
são muitos no século XX. Nos seus termos, o equivalente do que nós chamamos de 
estados eram povos, entendidos em um sentido que implica uma existência coletiva: 
eles eram comunidades.
Os nobres, é verdade, frequentemente pensavam a si mesmos como ligados à 
obediência somente à medida em que a haviam livremente professado, e gostavam de 
pensar em sua obrigação para com seu rei ou senhor como algo que surgiu do que 
agora chamaríamos de uma relação interpessoal afetiva. Isto não deveria ser levado 
muito a sério. Em muitas sociedades é comum encarar as obrigações em termos pes-
soais e afetivos, ignorando as estruturas nas quais os indivíduos atuam e pelas quais 
constrangem suas atividades, mas que as tomam por assentado. As pessoas de esta-
tuto social elevado em particular gostam de pensar que suas obrigações eram voluntá-
rias e pessoais. A honra dos homens livres exige que eles pareçam estar ligados ape-
nas pela sua submissão voluntária. Os nobres medievais que alegavam estarem dis-
pensados de obrigações porque eles não haviam jurado fidelidade ou prestado home-
nagem, não estavam, contudo, isentos de acusação de traição: a menos que deixas-
sem suas terras, eles ainda eram parte da comunidade e tinham que considerar as 
suas demandas. Quanto às pessoas que se encontravam na base da sociedade, que 
não tinham nenhuma opção no que se refere às suas obrigações, são muitas as evi-
dências que indicam que elas guardavam ressentimentos, sobretudo quando as obri-
gações eram aumentadas em detrimento do costume, mas há pouco para sugerir que 
elas rejeitassem a estrutura geral de autoridade. A crença nos tipos de igualdade hu-
mana que os modernos liberais ou socialistas valorizam não parece ser aquela que 
tenha sido amplamente compartilhada
no decorrer da história humana, portanto não 
há nenhuma razão pela qual os camponeses medievais deveriam ter-se comportado 
dessa forma desafiando as convenções do seu tempo, apesar do muito que podemos 
pensar que eles deveriam ter agido. O governo poderia não ter trabalhado tão bem 
como fez sem as solidariedades engendradas pela crença de que os súditos de qual-
quer governo, por mais injusto que o governo fosse e por mais díspares que fossem 
seus súditos, eram uma comunidade natural de ascendência comum e costumes co-
muns. Tampouco seus fracassos e injustiças poderiam ter sido ressentidos como fo-
ram sem esta crença. Os governantes tinham a autoridade suprema, mas era uma au-
toridade para governar com justiça e de acordo com o costume. Eles podem declarar o 
costume em nome da comunidade, mas não poderiam criá-lo unilateralmente. Justa-
mente porque o governo deveria ser conduzido para o beneficio dos seus súditos e 
porque os súditos formavam uma comunidade na qual grandes e pequenos deviam 
ser tratados justamente segundo sua posição social, pensava-se que os principais 
membros dessa comunidade tinham o dever, bem como o direito, de expressar-se 
quando seu governante ultrapassava seus costumes e agia como um tirano. 
Como resultado destas ideias, os direitos e as obrigações de grupos não preci-
savam ser explicados ou justificados em termos de serem tipos de grupos com direito 
de atuar como muito posteriormente a lei chamaria de ‘pessoas jurídica’ ou ‘órgãos 
corporativos’ com ‘personalidade jurídica’. Isto resulta importante quando se conside-
ram a natureza, as causas e os efeitos do ‘movimento comunal’ do século XII. No final 
da Idade Média, os governos estavam utilizando advogados profissionais para inibir a 
ação popular, de modo que os sistemas jurídicos começaram a desenvolver regras 
para dividir grupos (corporações ou pessoas jurídicas) que foram autorizados a agir 
como se fossem indivíduos de grupos que não existiam. Esta distinção havia se arrai-
gado tanto no século XIX que muitos historiadores pensaram então que as comunas 
dos séculos XII e XIII alcançaram um novo tipo de unidade ao adquirir personalidade 
jurídica como grupos corporativos. Desde o século XIX praticamente todas as tentati-
vas de definir as comunas e de identificar o que era novo sobre elas têm começado 
por assumir esta distinção e têm assinalado um sentido especial às palavras como 
communa e universitas, como se seu uso implicasse necessariamente um novo senti-
do de corporativismo. Durante este período, no entanto, tanto os senhores quanto o 
povo viviam no mesmo mundo coletivista e não sentiam a necessidade de nenhuma 
lei de corporações. Permitia-se aos grupos tomar responsabilidade e, frequentemente, 
eram incentivados a fazê-lo – desde que não fossem vistos como subversivos. Desde 
os primórdios da Idade Média, os grupos locais eram punidos coletivamente e taxados 
coletivamente, às vezes eles mesmos eram deixados encarregados de determinar e 
coletar as contribuições das penalidades ou taxas para eles mesmos – embora, é cla-
ro, esperava-se que os grandes proprietários de qualquer grupo e, talvez, o senhor de 
toda a área (a menos que ele já estivesse aplicando o castigo e as taxas) assumissem 
a liderança. Todo tipo de grupos, alguns sem terem membros permanentes ou fixos, 
tinha propriedades e lhes era permitido comparecer ao tribunal para defendê-la ou re-
clamá-la. Se eles alegavam liberdade de deveres, ou liberdade de ação que seus se-
nhores não queriam conceder, então seus casos bem poderiam ser dirimidos e ocasi-
onalmente eram informados de que não poderiam agir coletivamente. Os grupos a que 
se permitiam agir coletivamente, contudo, não se distinguiam daqueles que não o 
eram de forma alguma de modo que pudesse corresponder à moderna distinção entre 
corporações, ou grupos potencialmente incorporáveis, e os demais. A distinção entre 
grupos corporativos e não corporativos não se desenvolveu por alguns séculos .10
Isso não significa que no século XII não houve um grande desenvolvimento de 
atividades coletivas no campo, nas cidades e na administração de reinos e províncias. 
Sim, houve: mas na tentativa de explicar o que aconteceu, devemos tirar das nossas 
cabeças todos os resíduos das ideias jurídicas do século XIX sobre comunas e univer-
sitates como coletividades que por definição encarnavam um novo e especial tipo de 
unidade. Pode ser que aquilo que modificou as atividades coletivas fosse alguma coi-
sa que não tinha a ver com a natureza dos grupos como tais, mas com o ambiente no 
qual eles funcionavam. Populações em crescimento e economias em crescimento es-
tavam provocando novos tipos de disputas. Vizinhos de estatuto similar tinham que 
competir mais intensamente por terra e comércio. Mais importante ainda, o conflito en-
tre aqueles que pagavam impostos e serviços e aqueles que os recebiam e queriam 
mais estava se tornando mais concentrado e mais articulado. A crescente alfabetiza-
ção tornava possível que os governos em cada um dos níveis explorassem seus súdi-
tos mais eficientemente, se comunicassem através de áreas mais extensas, controlas-
sem seus oficiais, e estabelecessem registros sobre tudo. Era natural, em um mundo 
onde as comunidades e a atividade coletiva eram tomadas como evidentes, que as 
pessoas com interesses comuns negociassem coletivamente com outros grupos e 
com seus governantes e, por volta do século XII, que as negociações que eles acor-
davam deviam ficar registradas em cartas e listas de alfândega. Enquanto há pouca 
evidência de que as primeiras negociações e transações foram motivadas pelas novas 
ideias, seu efeito foi estimular novas demandas. Palavras como comuna (communa, 
communia, communio, etc.) adquiriram conotações novas e variadas em novas e vari-
adas circunstâncias nas quais elas eram utilizadas. Outras palavras como consul ou 
res publica começaram a ser utilizadas, ou mais amplamente utilizadas, à medida que 
a educação acadêmica se expandia, de modo que o prestígio da antiga Roma foi con-
ferido a novos governos cívicos. Assim como todo governo tornou-se mais formalmen-
te estruturado, os grupos coletivos também o foram. Enquanto isso, a profissionaliza-
ção do governo e da lei criou nova rigidez, enfocando-se e esclarecendo as disputas 
provocadas pelos conflitos de interesse econômico e poder governamental. A longo 
prazo, as novas práticas, as novas disputas e as novas formas de discutir sobre elas 
estimulariam completamente novas ideias sobre direitos, obrigações e a correta orde-
nação da sociedade. Isso, porém, estava longe, no futuro, em 1204.
COMUNIDADES URBANAS
As cidades estavam crescendo rapidamente durante todo este período e sua 
história oferece os mais famosos exemplos de atividade coletiva. Na Itália, onde as 
comunidades urbanas eram relativamente grandes e há muito estabelecidas, e onde 
Veneza era completamente independente, muitas outras cidades começaram a assu-
mir o comando dos seus próprios governos durante o século XI. Certo número de bis-
 Reynolds (1995).10
pos e alguns senhores laicos objetaram quando as comunidades urbanas assumiram 
o controle sobre poderes que eles, antigamente, haviam exercido, mas muitos foram 
acalmados sem muito conflito, enquanto os imperadores reconheciam os fatos concre-
tos -e ganhavam para si aliados úteis- através de cartas de liberdade. Durante o sécu-
lo XII a palavra comuna começou a ser utilizada para descrever os governos citadinos, 
mas isto não parece ter tido implicações particularmente revolucionarias. Frederico 
Barbarossa não se envolveu nas guerras com as cidades lombardas porque elas eram 
comunas ou mesmo porque elas tinham um grau de independência que era desco-
nhecido e indesejado por um rei germânico. As causas fundamentais da disputa resi-
dia m no fato de que Milão era estrategicamente vital para ele; que ele queria recupe-
rar os direitos que seus predecessores haviam renunciado havia muito tempo e que 
Milão e as outras cidades lombardas os tinham assumido; e que ele queria definir e 
registrar estes direitos. Roma, certamente, era um caso especial. Nem o papa nem o 
imperador podiam tolerar a autonomia coletiva ali, qualquer que seja a forma com que 
a coletividade fosse descrita. De fato, apesar de que os historiadores frequentemente 
se referem ao governo laico que os rebeldes romanos estabeleceram no Capitólio em 
1143 como uma comuna, os próprios romanos parecem não terem utilizado a palavra. 
Eles se autodenominavam por meio de um título muito mais evocativo e ambicioso: 
Senatus Populusque Romanus. Frederico veio para acabar com esta arrogante repú-
blica romana para o papa em 1155, antes mesmo de ele ter-se envolvido nas suas 
guerras lombardas. 
Fora da Itália, e principalmente no norte, as cidades começaram com muito 
menos, especialmente em termos de instituições urbanas. A distinção das suas eco-
nomias, as necessidades de defesa e cobrança de pedágio, e sua função como cen-
tros de governo, no entanto, deram aos seus habitantes boas oportunidades de traba-
lhar juntos em assembleias lidando com o governo local e a lei. Para o século XI al-
guns comerciantes e citadinos estavam também organizando-se mais independente-
mente através de associações de tipo clube, frequentemente chamadas de fraternida-
des ou, em algumas parte do norte de Europa, guildas, que se empenhavam em ativi-
dades de convívio, religiosas e de mútuo apoio. Seu caráter variava em toda parte de-
pendendo de serem mais dados à bebida ou a piedade, à subversão ou à manutenção 
da paz, e se eram exclusivos ou se forçavam as pessoas a unir-se, mas eles comparti-
lhavam uma característica geral como associações voluntárias organizadas por seus 
membros para os seus próprios propósitos. O seu ideal era o da fraternidade, no en-
tanto, dadas as ideias medievais de sociedade, era uma fraternidade na qual os mais 
ricos e substanciais assumiam a liderança como irmãos mais velhos. Apesar de não 
serem de modo algum exclusivamente urbanos, eles construíram veículos adequados 
para os comerciantes que precisavam associar-se para proteção mútua e outros fins 
comuns. Os homens de Tiel (Guéldria, na Holanda), que afirmavam ter o consentimen-
to do imperador para administrar seus próprios assuntos, aparentemente por volta da 
década de 1020, olharam para o relato de Alpert de Metz mais como uma guilda . Na 11
Inglaterra, a estreita ligação dos antigos governos municipais com os guildas é sugeri-
da pela forma com que os palácios municipais se tornaram os palácios das guildas. A 
 Elenchus fontium historiae urbanae 1, pp. 424–5.11
maneira com que as guildas e as fraternidades se constituíam, faziam as regras, pos-
suíam propriedade, negociam com os governos, tudo lhes era permitido desde que 
não aparentassem ser subversivas ou ameaçadoras, faz delas a perfeita ilustração da 
aceitação medieval das coletividades e da irrelevância da distinção moderna entre 
grupos corporativos e não corporativos. 
Em uma grande quantidade de cidades fora da Itália, os citadinos, seja organi-
zando-se através de guildas ou de outra forma, negociavam sua forma de obter uma 
maior autonomia quase tão pacificamente quanto os Italianos, embora fizessem isto 
posteriormente e alcançassem menos no final. Quando havia algum problema era, ge-
ralmente, por causa de condições locais específicas. Muitas das cidades onde aconte-
ceram revoltas violentas estavam sob o governo de bispos e abades cujo poder era 
demasiado localizado para proporcionar a lei efetiva e ordem na área circundante, 
mas que, contudo, mostrava ser opressivo dentro da cidade de uma forma que parece 
ter sido rara na Itália. O clero das catedrais e dos mosteiros urbanos, além disso, es-
tavam frequentemente ansiosos por manter um controle firme das cidades nas quais 
eles estavam e das quais alguns recebiam grande parte das suas rendas. Reis e se-
nhores laicos estavam usualmente bastante mais preparados para delegar a sua auto-
ridade, mas não às cidades que particularmente eram importante para eles política ou 
estrategicamente. Assim como Roma e Milão eram especialmente sensíveis na Itália, 
Londres era susceptível de ter as suas liberdades revogadas e Paris nunca teve algo 
que valesse a pena ser notado. 
A primeira vez em que a palavra comuna, no sentido dado pelos historiadores 
do ‘movimento comunal’, entrou para os registros foi quando as pessoas da cidade 
episcopal de Le Mans, em 1070, formaram uma conjuração e chamaram-na de comu-
na (coniurationem quam communionem vocabant) . Outras cidades no norte da Fran12 -
ça e na fronteira do reino da Germânia seguiram o exemplo, com os mais graves pro-
blemas aparecendo nas cidades governadas por senhores eclesiásticos. Na Germânia 
eles foram, às vezes, tanto mais graves por coincidirem com conflitos externos. À me-
dida que o século XII avançava, muitas cidades de ambos os reinos alcançaram algu-
ma grau de autonomia, com ou sem cartas, com mais tranquilidade. Na Espanha, 
houve algumas notáveis lutas iniciais pelas cartas, com senhores eclesiásticos entre 
os indispostos outorgantes, mas as necessidades da fronteira asseguraram que mui-
tas cidades recebessem um grau de independência juntamente com as suas respon-
sabilidades militares. Na Inglaterra, algumas cidades haviam negociado acordos com 
o rei a respeito de impostos e serviço militar antes de 1066, mas até então não tinham 
nenhuma carta que o comprovasse. Posteriormente, quando eles enfim conseguiram 
as cartas, suas liberdades permaneceram estritamente limitadas e passíveis de serem 
revogadas. A opressão que tiveram que enfrentar foi a de um forte governo central, 
que pode ter sido mais suportável que aquela de um bispo local, uma vez que foi 
combinada com uma relativamente efetiva manutenção da paz e proteção. A ênfase 
no lado pacífico do crescimento das liberdades urbanas coletivas não pretende sugerir 
que reis e senhores concederam liberdades de pura generosidade ou por perspicaz 
apreciação do valor de promover o autogoverno. Exceto quando um rei ou senhor fun-
 Actus pontificum Cenomannis, p. 378.12
dava uma nova cidade para proporcionar mais rendas ou atuar como uma fortaleza, 
ou ambas, e queria atrair habitantes, parece provável que toda concessão era uma 
resposta às queixas, demandas da comunidade urbana, e às vezes ofertas de grandes 
somas de dinheiro. Mas a evidência do século XII não suportará o brilho que lhe foi 
colocado pelos liberais do século XIX que viram o ‘movimento comunal’ como uma 
primeira agitação de um governo popular e um precursor das revoluções democráti-
cas. Os citadinos dos séculos XI e XII parecem ter recorrido à revolta violenta somente 
quando seus governantes desconsideraram as normas tradicionais de costume e go-
verno consultivo.
Os historiadores modernos frequentemente têm enfatizado a distinção entre 
cidades que eram chamadas de comunas e aquelas que não o eram. A marca de uma 
comuna, às vezes, crê-se ter sido o juramento coletivo realizado entre seus membros, 
o que tornava uma comunidade local (communitas) uma coisa mais próxima, mais 
unida, e, portanto, mais revolucionária – uma comuna. A palavra parece, porém, ter 
tido conotações menos consistentes. Por volta de 1200 estava tão bem estabelecida 
na Itália que denotava um governo coletivo independente de modo que ela foi aplicada 
ao governo em oposição aos seus súditos. Na França setentrional algumas cidades 
com certo grau de autonomia mantiveram o nome de comuna que haviam adotado nos 
vertiginosos dias de rebelião, enquanto outras o adquiriram em circunstâncias mais 
pacíficas. Em 1200, ninguém, a não ser uns poucos monges nervosos, provavelmente 
se arrepiaria ao ouvir falar nisso. Jacques de Vitry, que era muito ácido ao denunciar a 
perversidade e a desordem
da vida urbana, não distinguia commune de communita-
tes . Tampouco é evidente que as comunas se distinguissem particularmente pelo ju13 -
ramento que impunham aos seus membros. Pessoas que formavam associações em 
momentos de tensão frequentemente proferiam juramentos para manterem-se coesos. 
Tendo em vista que algumas das comunas se formaram nesse tipo de ocasiões, a pa-
lavra comuna pode ter passado a ser associada à prestação de juramentos, mas a as-
sociação não era exclusiva. Os membros das fraternidades ou guildas frequentemente 
prestavam juramento, enquanto os oficiais da cidade e os conselheiros geralmente 
eram empossados, chamando-se ou não de comunas. A automática prestação do ju-
ramento por parte de todos os cidadãos ou burguenses*, por outro lado, pode bem 
ter-se desvanecido em várias cidades, qualquer que seja a forma com que eram cha-
madas, em tempos de paz, quando a necessidade de compromisso parecia menos 
urgente. Além de qualquer outro motivo, poucas cidades mantiveram os tipos de regis-
tros que teriam feito os juramentos compulsórios mais práticos.
Uma indicação de que os governos municipais raramente eram vistos como 
intrinsecamente revolucionários é a maneira com que os contemporâneos que lamen-
taram seus conflitos internos ou, menos frequentemente, deploraram sua independên-
cia da autoridade externa, fizeram extremadamente pouco do que para um historiador 
parece ser sua mais óbvia e revolucionária característica: num mundo de monarquias, 
o governo das cidades não era apenas consultivo, como era aquele das boas monar-
quias, mas republicano. A falta de comentários sugere o grande grau de atividade co-
letiva que foi presumida em todo governo local e até mesmo o maior grau de autono-
 Giry, Documents, pp. 58–62.13
mia efetiva que as assembleias da cidade frequentemente gozavam inclusive antes de 
garantirem as liberdades formais. Os citadinos, como todos os outros grupos, não pre-
cisavam ser comunas ou terem cartas de liberdade para poder negociar coletivamente 
ou litigar coletivamente, e muito menos para tomar responsabilidade coletiva para au-
mentar os impostos ou pagar as penalidades. A verdadeira mudança conquistada no 
século XII não foi que as cidades ganharam uma nova unidade ou uma nova capaci-
dade para a atividade coletiva. Foi que algumas delas, chamando-se ou não de comu-
nas, ganharam um novo grau de liberdade e poder no exercício das suas decisões co-
letivas. Isto foi uma mudança real e importante, mas não deveríamos exagerá-lo ou 
distorcê-lo ao ignorar o elemento coletivo em todo governo. 
Outro motivo pelo qual a natureza republicana dos governos citadinos era tão 
raramente comentada, desde que fosse pacificamente alcançada, era que os usos nos 
quais eles colocavam os diferentes graus de independência eram muito pouco revolu-
cionários. Em toda parte os mais ricos e os cidadãos mais bem estabelecidos ou bur-
guenses* assumiram a liderança e esperava-se que assim o fizessem. Quando o im-
perador Henrique IV concedeu uma carta à Pisa, em 1081, os doze homens que iriam 
dar o assentimento deles para a sua nomeação como um marquês da Toscana deviam 
ser eleitos por uma assembléia convocada pelos sinos. No evento, aqueles eleitos po-
deriam ter sido os mesmos, ou alguns dos mesmos, que já haviam negociado a carta 
e foram escolhidos para tal fim porque eles já formavam uma elite ou um círculo íntimo 
dentro da assembleia legal e governamental da cidade. No século XII, os conselhos ou 
grupos de cidadãos que governavam as cidades italianas geralmente passaram a ser 
chamados de cônsules, enquanto a efêmera e republicana Roma escolheu um patri-
cius e um senado. Para o final do século, muitas cidades italianas tinham um único 
podestà a quem se supunha estar acima das divisões internas e conflitos.
Quando a cidade de Ipswich adquiriu uma carta, em 1200, teve de criar as 
suas instituições do zero, por isso, toda a cidade encontrou-se no adro da igreja e ele-
geu ‘doze chefes porteiros juramentados como existem em outros bairros de Inglater-
ra’ . Eles também elegeram alguns executivos, mas nenhum oficial presidente. Ainda 14
como prefeitos, os característicos oficiais das comunas da França setentrional esta-
vam apenas começando a aparecer nas cidades da Inglaterra. Uma grande quantida-
de de cidades fora da Itália eram geridas sem nenhum oficial presidente enquanto 
muitas cidades menores geriam-se somente com suas cortes ou assembleias abertas, 
em vez de conselhos, para supervisionar os poucos executivos que precisavam. Inclu-
sive nas grandes cidades da Itália, assembleias abertas continuaram sendo realizadas 
para assuntos importantes, apesar de que a maioria das propostas às quais as multi-
dões assentiam gritando ‘Fiat, fiat’ seriam propostas aos cidadãos por seus conselhos 
dirigentes . Muito era decidido, e se esperava que fosse decidido, em privado. Em 15
1204, a dimensão e, acima de tudo, a independência das cidades italianas estava es-
timulando a desenvolver estruturas mais complexas de cortes e conselhos, enquanto a 
sua administração estava profissionalizando-se, notavelmente pelo aparecimento de 
 Gross, Gild Merchant ii, p. 117.14
 Bonaini, Statuti inediti di Pisa i, p. 18; Boncompagnus, Rhetorica novissima, p. 297.15
advogados profissionais e juízes nos tribunais que utilizavam o direito romano. O tri-
bunais, porém, ainda seguiam os antigos procedimentos coletivos do direito consuetu-
dinário e ainda havia muito trabalho de todo tipo para ser feito pelos conselhos ou gru-
po de cidadãos voluntários. O tamanho, a independência e a riqueza também produzi-
ram mais conflitos econômicos e sociais e mais tentações à corrupção e opressão. A 
prova disto já é visível em 1204, mas existe pouca evidência de que os citadinos opri-
midos quisessem mais do que ser governados com mais justiça e com a costumeira 
consulta: às vezes eles queriam novos tipos conselhos e outras nomeavam um único 
chefe de governo, mas isto era ir tão distante quanto as novas ideias sobre estruturas 
e método de governo parecem ter ido.
Quanto aos propósitos do governo, eles eram sempre os mesmos: manter a lei 
e a ordem, tratar a todos com justiça de acordo com sua posição, e proteger, promover 
e regular a prosperidade da cidade. Um dos muitos pressupostos coletivistas do go-
verno medieval era que as economias deviam ser reguladas. Era pecado ou loucura, 
não um inerente conflito de interesses, que impedia que os governantes regulassem o 
comércio no interesse de todos na comunidade. Onde as economias urbanas eram 
suficientemente complexas, o comércio e o artesanato deviam ser regulados separa-
damente. Os governos municipais independentes às vezes anulavam as guildas que 
os artesãos já haviam formado para proteger os seus próprios interesses, ou pelos 
menos, tentavam trazê-los sob um maior controle. As associações artesanais, aprova-
das pelos governos urbanos e até utilizadas por eles, eram, às vezes, chamadas de 
guildas, mas eram diferentes em principio dos clubes voluntários e das sociedades às 
quais o termo era mais usualmente aplicado. As associações artesanais, que eram 
utilizadas para regular o comércio e a indústria, trabalhavam por intermédio de uma 
autoridade imposta mais ou menos explicitamente e normalmente controlavam todos 
os profissionais do artesanato dentro da cidade. As guildas voluntárias ou as fraterni-
dades continuaram a existir ao lado deles, e freqüentemente em estrita associação 
com eles, mas a imagem de uma guilda artesanal fraternal e independente é, em 
grande medida, uma criação dos historiadores do século XIX. Isso tem tendido a obs-
curecer o grau em que os governos das cidades medievais controlavam, e esperava-
se que controlassem, seus negócios e fábricas no interesse, não dos artesãos, mas da 
comunidade por inteira como a viam. O único vínculo entre as ideias de fraternidade e 
sociabilidade
consagradas na guilda e a política econômica, que requeria que o co-
mércio e artesanato fossem controlados, era a característica coletivista mais forte da 
sociedade na qual as duas coexistiam. 
COMUNIDADES RURAIS
As comunidades locais do espaço rural europeu certamente eram quase me-
nos estruturadas antes de 1100 do que algumas delas tornaram-se mais tarde. Tendo 
em conta os hábitos coletivistas e os pressupostos da época, é duvidoso que isso sig-
nifique, como às vezes é mantido, que não havia nenhuma comunidade rural ou so-
mente comunidades fracas e fragmentadas. Alguns historiadores atribuíram a suposta 
falta de atividade comunal antes do século XII ao assentamento mais disperso que 
parece ter caracterizado a Alta Idade Média. O assentamento disperso não era, po-
rém, universal, nem, apesar de que o crescimento da população ampliou muitas aldei-
as e concentrou nelas as casas mais estreitamente, desapareceu mais tarde. De qual-
quer forma, apesar de que seja fácil ver como a proximidade geográfica podia facilitar 
a atividade coletiva, algumas das muito efetivas e independentes comunidades dos 
valeis alpinos ou dos pântanos da costa do Mar do Norte o lograram sem ela, no sécu-
lo XII, e posteriormente. O assentamento disperso não precisa, portanto, ter em si 
mesmo uma atividade coletiva inibida e um sentido de comunidade antes desse mo-
mento. Apesar da escassez de evidencia há, de fato, muitas indicações de que a ativi-
dade coletiva que vemos no século XII não era sem precedentes. Os grupos de habi-
tantes da Catalunha do início do século XI construíram igrejas locais, compraram bos-
ques e pastos, e envolveram-se em disputas para defender seus direitos coletivos. Em 
algumas áreas, tanto do norte quanto do sul da Europa, os bosques e os pastos eram 
compartilhados de uma forma que já precisava de algum tipo de regulamentação, ain-
da que isto fosse menos comum, e o regulamento fosse menos rigoroso do que seria 
mais tarde, quando as grandes populações estivessem pressionando com maior afin-
co pela quantia de resíduo que era deixada. A agricultura arável era também menos 
regulada do que posteriormente tornar-se-ia em algumas áreas de agricultura de cam-
po aberto, mas ambas em ditas regiões, e em outras onde nunca haveria uma regula-
mentação formal, as propriedades estavam às vezes tão mescladas que uma boa 
dose de cooperação era, contudo, necessária. Em algumas áreas havia cursos de 
água que forneciam irrigação e drenagem e que deveriam ter necessitado manutenção 
cooperativa. Onde os serviços de trabalho eram obrigatórios, podem ter sido, algumas 
vezes, executados por grupos de diferentes tipos, enquanto ambos os serviços e obri-
gações com frequência devem ter pressionado bastante, ainda que não igualmente, 
sobre todos os membros dos grupos locais a ponto de provocar o resmungo coletivo 
ou coisa parecida.
Duas outras formas de atividade coletiva eram, provavelmente, muito difundi-
das. Parece certo que a proliferação de igrejas paroquiais em toda Europa, no século 
XI, deveu-se bastante à demanda leiga. Frequentemente, os camponeses podem ter 
tido que fornecer apenas dinheiro ou trabalho, mas onde o senhorio era débil ou os 
senhores não eram residentes, eles provavelmente tomaram um papel mais ativo e 
organizativo, como haviam feito em Catalunha desde o século IX. Em toda parte, en-
tretanto, por mais que o fizessem sob comando senhorial, os camponeses proprietári-
os tiveram de compartilhar a responsabilidade pela manutenção da lei e da ordem. 
Embora os historiadores tradicionalmente prestem mais atenção ao serviço militar dos 
nobres neste período, um bom número de camponeses parece ter sido requerido para 
cumprir algum tipo de obrigação militar. Para os mais pobres pode ter sido na forma de 
trabalho compulsório ou provisões, mas, pelo menos, alguns dos mais prósperos tive-
ram que fazer mais. A julgar pelas remissões do serviço militar nas cartas de liberdade 
do século XII, o fardo era pesado o suficiente para provocar pedidos de isenção. Onde 
os senhores faziam com que os camponeses servissem em exércitos de ataque, a co-
operação coletiva poderia ser mínima, mas o policiamento e a defesa locais eram ou-
tra questão. Na Inglaterra, todos os homens maiores de doze anos eram organizados 
em grupos de dez (dezenas*) para o policiamento mútuo, enquanto os homens de 
cada aldeia ou localidade tinham o dever de informar ao homem encarregado das cen-
tenas (um grupo de aldeias) a respeito do gado roubado. Disposições semelhantes 
podem ter sido obtidas em muitas áreas. Se o governo local era conduzido através do 
que os historiadores chamam de assembleias ‘públicas’ de condados e centenas ou 
nas jurisdições supostamente ‘privadas’ das castelanias, funcionou por meio das as-
sembleias dos mais estabelecidos e respeitáveis dos governados. Os senhores que 
haviam conquistado territórios para si mesmos ao redor de seus castelos podem ter 
tido uma boa posição para intimidar os seus súditos a aceitarem obrigações extras, 
mas não puderam dispensar a sua cooperação. Os senhores e seus oficiais, por mais 
tirânicos que fossem nas suas intenções, viviam em uma sociedade onde o costume 
deveria reger, onde se supunha que as decisões procediam da comunidade, cujo cos-
tume era praticado, e onde se esperava que os membros mais velhos da comunidade, 
mesmo que fossem considerados, em certo sentido, como não livres, dissessem o que 
o costume e a justiça requeriam. As ordens tomadas nas assembleias que administra-
vam as castelanias e domínios ou outros senhorios menores, e faziam justiça dentro 
delas, tinham que ser cumpridas e obedecidas por aqueles que deles participavam, do 
mesmo modo que acontecia nas reuniões dos condados e centenas. Estas duas coi-
sas pressupunham e promoviam o senso de comunidade.
Dada a pobreza das fontes que sobreviveram na maioria das áreas anteriores 
ao século XII, dada a aceitação habitual de subordinação pelos governados, e dada a 
também aceitação habitual de um grau de consulta pelos governadores, torna-se mui-
to difícil saber até que ponto qualquer uma destas atividades coletivas eram, nessa 
altura, independentes do controle senhorial. Que os interesses dos senhores e dos 
camponeses entravam em conflito de muitas maneiras, é bastante óbvio. O que os 
camponeses pensaram ou fizeram a respeito não o é. No entanto, há algumas evidên-
cias de que eles, às vezes, organizavam-se de tal forma que preocupavam seus se-
nhores. De acordo com uma história que provavelmente não perdeu nada durante os 
setenta anos de repetição pelos assustados monges, por volta do começo do século 
XI, os rustici de toda a Normandia formaram conventicula, cada um dos quais elegeu 
dois representantes para uma única reunião. Eles queriam viver segundo as suas pró-
prias leis e utilizar livremente os bosques e as águas . Quando o conde soube disso, 16
os representantes tiveram suas mãos e pés cortados e os restos foram mandados 
para casa, para seus arados. Protestos menos ambiciosos e revolucionários puderam, 
porém, conquistar algo inclusive antes de 1100. Uma das primeiras cartas de liberdade 
foi emitida pelo abade de Nonantola (Emilia) em 1058 para todo o povo de Nonantola, 
de então e no futuro . O sentido coletivo de populus é muito claro aqui. O abade pro17 -
meteu ao povo garantir direitos de herança e liberdade frente a prisões arbitrárias, as-
saltos, confiscações de bens e demolição de suas casas. Ele deu a todo o populus 
todas as terras, os bosques, os pântanos e assim por diante, nos limites estabeleci-
dos, não com a intenção, é claro, de que os direitos de propriedade dos indivíduos 
dentro desses limites devessem ser anulados, mas que eles seriam mantidos sob a 
comunidade em vez de, ou também, sob ele. Nem ele nem seus sucessores outorga-
riam nada dentro dos limites estabelecidos a ninguém, exceto para o comum proveito 
 Guillaume
de Jumièges, Gesta Normannorum Ducum, pp. 73–4.16
 ‘cuncto populo Nonantulensi nunc habitanti et in futuro habitaturo’: Muratori, Antiquitates 3, p. 17
241.
do populus. Em contrapartida, o populus comprometeu-se a construir três quartos de 
um muro em volta do assentamento, enquanto ele construiria o resto. Sanções pecu-
niárias, em caso de infração dos termos, eram estabelecidas para cada uma das par-
tes, aquelas a serem pagas pelos membros do populus, classificados em maiores, 
medianos e menores. Tudo isto implica uma considerável organização comunal antes 
que a carta fosse concedida. O abade tirou proveito disso, mas se pudesse ter conse-
guido com que o povo construísse o muro sem fazer concessões, ele, presumivelmen-
te, o teria feito. Eles tinham reclamações e agiram coletivamente para vê-las resolvi-
das, e pensaram que podiam organizar a construção do muro e a aplicação do acordo 
para o futuro. Enquanto não há nenhuma razão para supor que as pessoas em toda 
parte foram igualmente unidas e bem organizadas, ou que surgiam ocasiões seme-
lhantes de atividade coletiva na maioria das aldeias, tampouco há alguma que sugira 
que a solidariedade do povo de Nonantola fosse única. 
No século XII, as cartas às comunidades locais tornaram-se bastante comuns. 
Algumas fizeram pouco mais do que fixar obrigações, mas ainda pressuponham a 
existência de grupos aos quais elas foram concedidas. Muitas, como a carta de No-
nantola, foram concedidas a comunidades existentes que já possuíam a solidariedade 
suficiente para negociar. Algumas foram concedidas por senhores que queriam incre-
mentar sua renda obtendo terras incultas para as cultivarem e pensaram que poderi-
am atrair colonos oferecendo-lhes rendas fixas e uma medida de autogoverno. Alguns 
colonos chegaram em grupos, o que poderia ter exercido uma pressão sobre os se-
nhores desde o início. Em outras áreas, não havia, aparentemente, nenhuma comuni-
dade preexistente, mas as cartas, não obstante, assumiam a existência de um grupo, 
às vezes chamado de comuna, que era coeso o bastante para receber privilégios e 
gerir seus próprios assuntos. As cartas que reconheciam ou estabeleciam uma comu-
na nem sempre davam mais independência do que aquelas que não o faziam. Aldeias, 
paróquias, guildas e toda classe de grupos muito amorfos possuíam propriedades, as-
sim como as cidades possuíam, sem adquirirem cartas ou serem chamadas de comu-
nas. Communia ou communantia em qualquer caso, às vezes, não significava nada 
mais do que terras comuns para pastagem ou outra propriedade comum. Na Inglater-
ra, onde as aldeias, aparentemente, não obtinham cartas de liberdade como estas, os 
senhorios eram mantidos e administrados por aldeãos com rendas anuais, desde, pelo 
menos, 1086. Alguns arranjos posteriores desta natureza deram aos arrendatários 
uma maior autonomia em comparação com a que obtiveram algumas aldeias de lon-
ge, com suas comunas e cartas. Em 1168, quando aumentou-se um imposto sobre os 
arrendatários dos senhorios reais ingleses, alguns pagamentos foram anotados como 
feitos por indivíduos, mas em alguns casos a commune ville responsabilizou-se pela 
soma total. Dois anos mais tarde, foi dito que toda a soca de um senhor de Norfolk – 
presumivelmente todos aqueles sob sua autoridade – haviam disputado com ele a 
respeito de um pasto . Eles haviam perdido a sua alegação e tiveram que pagar-lhe 18
52 s, mas nada sugere que eles não tenham tido o direito de fazer uma reclamação 
coletiva. 
 Red Book of the Exchequer ii, p. cclxxvii (no. 46).18
Até que ponto as comunidades locais organizavam-se, tanto em aldeias quanto 
em assentamentos dispersos, é geralmente desconhecido. De um modo geral, é pro-
vável que a pressão externa devido a procedimentos mais formais no governo e na lei 
provocou estruturas mais formais a nível local, e que estas eram propensas a desen-
volver-se onde havia mais independência. Algumas aldeias em regiões onde as cida-
des tinham cônsules, também nomearam cônsules, enquanto as aldeias francesas 
com comunas tinham, frequentemente, prefeitos. Em muitos casos, contudo, a única 
dica que temos da estrutura interna é que uma comunidade local representava-se por 
um grupo de boni homines, probi homines ou jurati, que podem ter sido nomeados ad 
hoc. Em alguns casos, a descrição poderia ter sido utilizada para cobrir qualquer um 
que comparecesse em qualquer ocasião ou aos mais importantes entre eles. Muitas 
comunidades rurais eram o suficientemente pequenas para serem capazes de gerir os 
seus próprios assuntos através de assembleias de proprietários de residências ou 
proprietários de terras mais ou menos abertas que nomeariam os executivos ou os 
grupos ocasionais que precisavam. Em toda parte, como nas cidades, era provável 
que o mais rico assumisse a liderança: não deveríamos ser sentimentalistas a respeito 
da feliz harmonia democrática que a expressão ‘comunidade de aldeia’ pode sugerir 
aos leitores modernos. 
A não incomum suposição de que as mais firmes estruturas alcançadas pelo 
‘movimento comunal’ no espaço rural do século XII automaticamente significou um 
aumento de ‘comunidade’ é, em alguns aspectos, paradoxal. Hoje em dia, quando as 
pessoas falam do valor da comunidade, geralmente parecem crer que a comunidade 
significa uma união voluntária, com um máximo de interação direta entre os membros 
da comunidade não mediada por oficiais e um mínimo de coerção – algo como a co-
munidade de comum vontade, costume e sociabilidade que o sociólogo do século XIX, 
Tönnies, chamou de Gemeinschaft. Na medida em que as ‘comunas rurais’ do século 
XII desenvolveram estruturas mais firmes e formais, podem ter-se distanciado deste 
tipo de comunidade. Se isso significa que se converteram em associações deliberati-
vas e ad hoc, que Tönnies chamou de Gesellschaften, resulta duvidoso. O problema é 
que a evidência para as comunidades que se parecem, claramente, mais com Ge-
meinschaften do que com Gesellschaften, é muito fraca. Isso pode ser por causa da 
pobreza de evidências para o período anterior, que poderia ter sido a época da Ge-
meinschaft. Posteriormente, quando a evidência aprimora-se, as associações em 
transformação do tipo Gesellschaft parecem ter-se combinado com pressupostos so-
bre o seu próprio funcionamento que se parecem mais apropriadamente com Ge-
meinschaften. Isso se enquadra na opinião de Tönnies de que os valores da fase mais 
antiga sobreviveram, enquanto o tipo de associação mais recente começava a preva-
lecer na prática, mas disso resulta um problema mais sério. Toda a tipologia parece ter 
sido construída combinando premissas de evolução social que parecem altamente 
questionáveis hoje em dia com uma restrita seleção de provas medievais e da primeira 
modernidade, interpretada de uma forma bastante sentimentalizada e nostálgica. O 
argumento que conecta as duas formas de associação com períodos sucessivos é, 
por conseguinte, circular. É difícil achar a prova de que o século XII presenciou uma 
mudança no caráter das coletividades além daquela imposta pelas mudanças externas 
na economia e no governo.
Comunidades rurais podem ter-se tornado menos retraídas ao expandir-se o 
comércio, mas não é de todo claro que os camponeses não se deslocassem antes ou 
de que as suas atividades coletivas fossem todas realizadas nos mesmos grupos fe-
chados e adscritos. Se houver alguma verdade na história de Guilherme de Jumièges, 
os camponeses normandos não se encaixavam nesse modelo padrão. Embora haja 
muito menos evidência para o começo do nosso período, entretanto, não temos ne-
nhuma razão para crer que os grupos muito vagamente definidos e sobrepostos, que 
achamos nos registros mais abundantes do século XII e posteriormente, sejam uma 
inovação. Eles podiam ser o resultado natural dos hábitos coletivistas de ambos os 
períodos: uma vez que qualquer grupo poderia agir em conjunto
por qualquer motivo, 
desde que não fosse rebelde, a atividade coletiva rural em 1024 pode ter sido moldada 
para o que era preciso na suposta forma de tipo Gesellschaft, como o foi em 1204 e 
posteriormente. O grupo que colaborou na construção da igreja não precisa ter sido o 
mesmo grupo que colaborou para cercar um campo ou para se opor a um senhor. Em 
alguns aspectos, a ação coletiva pode ter-se tornado mais constrita dentro das unida-
des rígidas quando o costume fossilizou-se em registros escritos. No século XIX e, in-
clusive mais tarde, algumas paróquias e áreas do governo local ainda refletiam os limi-
tes estabelecidos, respectivamente, pelas construções da igreja e as cartas liberdade 
do século XII. Algumas aldeias toscanas produziram, no século XII, comunas diferen-
tes para as elites (conhecidas como milites ou lambardi) e para os camponeses, en-
quanto, anteriormente, os diferentes grupos poderiam ter entrado e saído da associa-
ção com cada uma, segundo requeria a ocasião – como continuaram a fazer em ou-
tras áreas. Em geral, contudo, os registros de atividade coletiva continuam a sugerir 
muita imprecisão sobre os limites, categorias e filiação. 
REINOS
A natureza das comunidades que operavam no mais alto nível dos condados 
ou ducados, ou no mais alto nível dos reinos, é ainda mais complexa e obscura. Neste 
nível, poder-se-ia pensar que a única comunidade real e efetiva de indivíduos intera-
gindo com frequência acontecia na corte do governante, no seu grupo armado, ou no 
parentesco imediato, ou na combinação dos três. Não obstante, os contemporâneos 
viam as coisas de forma diferente. Supunha-se que os grandes homens que de vez 
em quando se encontravam para aconselhar-se com os governantes, como represen-
tantes de toda a comunidade, deviam estar unidos por efetivos laços de lealdade mú-
tua. Mesmo se os laços não fossem efetivos, a prática governamental, enquanto fun-
cionou, envolvia reuniões e consultas. Alguns dos conselhos convocados para instituir 
e conservar a Paz de Deus no século XI podem ter restabelecido métodos conciliares 
e um senso de prosperidade pública nas regiões da França onde eram levados a 
cabo. Se assim for, isso ocorria apenas porque o governo havia quebrado acima do 
nível local. Em pelo menos algumas áreas, conselhos de paz eram muito intimamente 
associados com o governo senhorial regular . A consulta já estava enraizada nas prá19 -
ticas do governo secular. Nos reinos da Germânia e da Inglaterra, por exemplo, que 
dificilmente podiam ser classificados como meras exceções no mapa da Europa, os 
 Martindale (1992).19
nobres estavam acostumados a participar de reuniões para discutir e decidir disputas 
e política e depois servir nos exércitos para executá-la.
Os germanos não seguiram os seus reis para a Itália tão-somente pela pilha-
gem ou porque cada um sentia uma obrigação pessoal com seu senhor imediato: eles, 
certamente, também sentiram o dever de obedecer a uma convocação real e algo 
como espírito de equipe – o espírito da melhor equipe na cristandade ocidental. Alguns 
ignoraram seu dever e alguns fugiram deles, mas após Henrique, o Leão, o nobre 
mais poderoso da Germânia, combinou-se a falta de serviço com uma mais aberta ins-
tigação de distúrbios e ele foi punido. Seu castigo foi ostensivamente imposto em 1180 
pelo julgamento dos príncipes e de todos os presentes, em uma grande assembleia 
régia. Algumas décadas antes, Otto de Freising não concordara com a maneira com 
que ele pensava que os criminosos húngaros foram punidos pela vontade do príncipe, 
e não pelo julgamento dos seus pares. Na prática, certamente os reis não pediam ou 
tomavam conselhos sobre tudo, nem havia conselhos invariavelmente harmoniosos. 
No século XI, os boêmios reclamaram que o imperador Henrique III estava proscre-
vendo os acordos que eles haviam feito com os reis francos. Ele respondeu que sem-
pre foi costume (mos) os reis adicionarem novas leis. Ele prosseguiu: ‘Aquele que 
rege as leis não é regido pela lei, pois a lei, como eles dizem (ut aiunt vulgo), tem um 
nariz de cera e o rei tem uma comprida mão de ferro com a qual pode torcê-lo como 
lhe aprouver’ . Não eram apenas os reis que estavam tentados a quebrar as regras 20
não escritas. A solidariedade entre os seus nobres era frequentemente interrompida 
por ambições, ressentimentos e ciúmes mútuos, como o demonstra o caso de Henri-
que, o Leão. Esses são fatos de qualquer política. Desde que alguns conflitos pare-
cem ter envolvido demandas de separação formal de um reino, contudo, não se pode 
presumir que um conflito como tal era hostil à comunidade. Na Germânia, reiterados 
fracassos de herdeiros deram margem para a eleição de reis que, por sua vez, favore-
ceu o conflito entre homens ambiciosos. Mesmo assim, apesar dos esforços papais 
para dividir os príncipes da Germânia durante os problemáticos anos após 1198, eles 
repetidamente uniram-se em torno do melhor candidato que pudessem achar para a 
eleição do rei.
Na Itália, o programa de um rei germânico, se o calor, as doenças e a oposição 
o permitiam, era viajar de um lado para o outro, como Conrado II fez em 1026, partici-
pando dos conselhos e reuniões régias em locais adequados. Naquela altura, ele já 
havia lidado com Pavia, onde o palácio real fora atacado e saqueado durante o inter-
regno antes da sua chegada. Para se desculpar, os habitantes de Pavia disseram que 
não tinham feito nada de errado porque, naquele tempo, não havia nenhum rei; Con-
rado, segundo o seu biografo Wipo, afirmou que um reino sobrevive ao seu rei assim 
como um navio sobrevive a seu timoneiro. O palácio era propriedade pública, não pri-
vada, e não lhes pertencia. Alguns historiadores têm sugerido que Conrado (ou Wipo) 
estava aqui tomando uma visão mais sofisticada do que era comum no século XI, com 
seu olhar supostamente ‘pessoal’ das relações políticas. Isso, entretanto, pressupõe 
que há algo sofisticadamente não medieval no que tange ao governo ‘transpessoal’ e 
o sentido de prosperidade e responsabilidade públicas. 
 Cosmas of Prague, Chronik der Böhmen ii.viii.20
Na Inglaterra, o governo era já o suficientemente eficaz no final do reinado de 
Æthelred para incitar demandas por um governo mais justo, dirigindo-se primeiramen-
te a ele e depois a Cnut, quem fez promessas bastante específicas a respeito de miti-
gar antigas opressões. Em 1051, quando o maior conde no reino estava em rebelião, 
a paz foi recuperada porque, segundo um cronista, as pessoas não queriam lutar con-
tra outros ingleses, a quem viam como da sua própria família (agenes cynnes man-
num), ou deixar o caminho aberto para uma invasão estrangeira enquanto estavam 
fazendo isso . Inclusive nesta etapa, o reino da Inglaterra estava começando a de21 -
senvolver a classe de registro governamental que tão visivelmente mudaria o caráter 
da atividade coletiva do século XII. As rebeliões internas e as guerras francesas que 
se seguiram à conquista normanda favoreceram o seu desenvolvimento posterior. As 
demandas por impostos, serviço militar e aparições nas cortes régias, que, por sua 
vez, produziram ocasiões para a imposição de penalidades, não apenas estimularam 
os súditos a se unirem contra o governo, mas revelaram como o crescimento da buro-
cracia profissional em um reino, como nas cidades italianas, não diminuiu a necessi-
dade de serviço amador ao lado. Enquanto isso, na Escócia, onde não havia um de-
senvolvimento burocrático comparável, a conscientização do rei pelo seu povo como 
um todo, além dos seus imediatos cortesãos e nobres, reflete-se nos destinatários das 
cartas régias. Desde a década de 1140, elas eram direcionadas não aos bispos, con-
des e assim por diante, mas a todos os bons homens (omnibus probis hominibus) do 
reino .22
Nos reinos hispânicos, o estímulo à atividade coletiva, se algum fosse necessá-
rio, proveio tanto das necessidades
militares como da oposição aos esforços régios 
para controlar a lei e a ordem. Em 1188, o rei de Aragão teve que abandonar o uso 
exclusivo dos seus próprios oficiais para manter a paz na Catalunha. As concessões 
que ele fez deviam ser ditas que eram para o bem-estar comum (comunis utilitas, pu-
blica utilitas) pelo arcebispo, certos bispos e por todos os magnatas ou barões da sua 
terra (isto é, a Catalunha). Entre outras coisas, o rei-conde prometeu não nomear ne-
nhum vicarius que não fosse catalão. Quatro anos mais tarde, nova legislação foi pro-
clamada não só apenas para o clero, magnatas e cavaleiros, mas para outros bons 
homens tanto nas cidades como nas aldeias e ao povo (ceteris tam civitatum quam 
villarum probis huminibus et populo) . Em Leão, Alfonso IX realizou sua primeira 23
grande corte na presença do arcebispo, bispos, magnatas e cidadãos escolhidos den-
tre, ou eleitos por, cada uma das cidades (et cum electis civibus ex singulis 
civitatibus) . Ele jurou manter os bons costumes (mores) dos seus predecessores e 24
conservar a paz e a justiça em todo o seu reino, e prometeu não fazer a guerra, a paz 
ou tratado (placitum) sem o conselho dos bispos, nobres ou bons homens pelos quais 
ele devia ser julgado. Em Castela, no mesmo ano, bispos, nobres e representantes 
 Anglo-Saxon Chronicle, d 1051.21
 Barrow (1992).22
 Cortes de Cataluña I, pp. 63, 67, 68.23
 Cortes de León y de Castilla I, pp. 39–40.24
das cidades prestaram juramento de cumprir o tratado de casamento de Alfonso VIII. 
No âmbito do governo e da comunidade no século XII, a teleologia de decidir se esses 
eventos podem ser interpretados como as ‘primeiras assembleias representativas’ ou 
‘primeira reunião de estados’ da Europa, é irrelevante. A questão aqui é que os reinos 
(e, no caso da Catalunha, um condado) estavam sendo tratados como comunidades 
que deveriam ser consultadas por seus governantes e estas deveriam respaldá-lo no 
governo. As cidades eram integradas ao processo de consulta e responsabilidade por-
que desempenhavam um papel vital no governo e na defesa. 
Apesar de o Abade Suger representar algo como a resistência unida de todo o 
reino da França (exceto Normandia) à invasão germânica de 1124, não há muita evi-
dência de que o sentido vestigial da comunidade no reino da França se desenvolveu 
significativamente antes das últimas décadas do século XII. De fato, pode ter sido ain-
da mais corroído quando a Normandia foi subsumida nos domínios dos angevinos de 
modo que o rei teve que enfrentar problemas quase constantes vindos da metade oci-
dental do seu reino efetivamente separada. Não obstante, as solidariedades políticas 
eram, ao mesmo tempo, ampliadas sobre áreas maiores enquanto grandes senhores 
estendiam e intensificavam sua autoridade. O assassinato de Carlos, o Bom, em 1127, 
produziu mais de um ano de conflito e massacre em Flandres, mas o relato de Galbert 
de Bruges sugere uma sensação generalizada de que a nobreza, os cavaleiros e as 
cidades, por mais divididos que estivessem, compartilhavam um interesse comum na 
escolha de um novo conde. Quando um conde de Boulogne faleceu sem herdeiros, 
em 1173, a sucessão, também ali, foi aparentemente considerada como uma questão 
para os homens da terra. No extremo sul, Guilherme VIII, senhor de Montpellier 
(+1202), havia feito um registro notavelmente bem organizado dos seus direitos e as 
etapas pelas quais ele e seus predecessores haviam estendido seu poder. Montpellier, 
conforme a declaração dos seus costumes, que passaram a fazer parte do Liber ins-
trumentorum em 1190, tinha um senhor que governava sua honra e seu povo (popu-
lus) com a ajuda e conselho de seu bajulus e dos seus bons e sábios homens a quem 
lhes deu o suficiente para permitir-lhes colocar de lado os seus próprios assuntos e 
comparecer à corte diariamente para fazer justiça . Nessa altura, catorze anos antes 25
da conquista da Normandia, a atividade da corte régia sugere que Felipe Augusto es-
tava começando a despertar a latente solidariedade do seu reino. Que isso ainda es-
tava ali para ser despertado era, seguramente, porque reis e reinos estavam tão pro-
fundamente enraizados no pensamento medieval sobre política que os reis começa-
ram com uma vantagem que nenhum outro governante gozava. 
O reino da Itália, é verdade, finalmente se desmoronou quase ao mesmo tem-
po em que aquele da França estava unindo-se, mas ali as tensões eram excepcionais. 
Além da presença rival do papado e do forte crescimento das comunidades urbanas, 
os reis germânicos da Itália não apenas começaram como estrangeiros, mas perma-
neceram como tais, irrompendo no reino ocasionalmente para perturbar os costumes 
que haviam se estabelecido em sua ausência. O contraste com o novo reino da Sicília 
é impactante. Seus reis e sua nobreza começaram no século XI como invasores es-
trangeiros, mas depois se tornaram o suficientemente estabelecidos e absorvidos pelo 
 Liber instrumentorum, no. 239.25
Regno a ponto de ter desenvolvido um significativo sentido de comunidade já em 
1189. A julgar pelo que aconteceu depois disso, os reis, até então, eram vistos como 
membros do povo que Guilherme da Apúlia pensou que os invasores normandos havi-
am criado. Assim era o jovem Frederico II após 1198. O sentido de unidade política 
deve ter sido promovido aqui, como na Inglaterra, pela penetrante burocracia régia. 
Contudo, não foi a burocracia quem criou as ideias de reinos e povos que permitiram 
aos reis da Sicília, seus conselheiros e aqueles que escreveram sobre eles, ver uma 
população de línguas e religiões diferentes, constituindo um único povo – o povo de 
um reino. 
MUDANÇAS NA ATIVIDADE COLETIVA
Discussões sobre as comunas e outras formas de atividade coletiva neste período im-
plicam, inevitavelmente, algum tipo de ideia sobre a natureza da comunidade. Geral-
mente, parece estar subentendido que as comunas, junto com algumas, mas não to-
das, as outras formas de atividade coletiva, possuíam características que lhes davam 
uma unidade emocional como também formal ou legal. Seus membros não eram me-
ramente pessoas que por acaso eram vizinhos ou trabalhavam juntas de alguma ma-
neira: eles eram comunidades. As características essenciais que têm sido atribuídas a 
tais grupos, seja de forma explícita ou não, têm sido muito diversas, refletindo as vari-
adas ideias sobre sociedade e política que os historiadores modernos trazem à evi-
dência medieval. Enquanto definições mais explícitas facilitam distinguir ideias moder-
nas das medievais, no entanto, ‘comunidade’ não é um conceito para o qual possa ha-
ver acordo em uma definição, e muito menos para aplicá-lo a todas as sociedades. 
Seja qual for a definição que alguém possa escolher, além disso, nenhum coletivo hu-
mano será uma perfeita comunidade. Parece improvável, por exemplo, que qualquer 
uma que envolva mais do que contatos ocasionais e propósitos triviais esteja a ponto 
de ligar-se espontaneamente, sem uma medida de regulação e coerção. Na melhor 
das hipóteses, alguém pode ser capaz de avaliar várias formas e níveis de ‘comuni-
dad-ismo’, de modo que as comunidades medievais que desceram na escala porque 
tinham pouca reciprocidade semelhante ou demasiada coerção podem, contudo, as-
cender devido ao seu grau de participação e interação imediata. Que elas sobem é, 
sobretudo, na sua assunção de propósitos e atividades coletivas, e no ideal de harmo-
nia que foi aplicado a todas as unidades de governo, imperfeitamente como foi cum-
prido e insensato como podemos pensar que foi ao tentar aplicá-lo em tudo.
Ao apreciar como o caráter das comunidades mudou neste período, uma abor-
dagem que deveria ser descartada imediatamente é aquela que conecta o crescimen-
to da ação coletiva ou da comunidade com a obtenção da personalidade jurídica. A 
antiga ideia de que as comunas ou universitates eram, de algum modo, mais

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