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ANÁLISESOBRE IDENTIDADE E CONSUMO EM THE GREAT GATSBY Thânya dos Santos Araujo* RESUMO Esse artigo tem como objetivo apresentar uma análise sobre identidade e consumo através do livro The Great Gatsby do autor F. Scott Fitzgerald, destacando o comportamento dos personagens em relação ao consumo, uma vez que o contexto histórico é o ano de 1920 idealizado pelo sonho americano. Abordam-se questões sobre o que tais personagens são capazes de fazer para obter riqueza e consumir e, com isso, como querem se posicionar na sociedade através da relação com o dinheiro. Para tanto, identificamos conceitos de autores relacionados ao tema em questão, tais como HALL (2011) e TYSON (1950). Por fim, enfatizamos sobre a crítica ao sonho americano que tem como consequência o declínio dos personagens como um todo, sendo que ele falha na sua ideologia de trabalho duro contrastando com riqueza obtida rápido e fácil. ABSTRACT This paper has as an objective to present an analysis about identity and consumption through the book the Great Gatsby by the author F. Scott Fitzgerald, detaching the behavior of the characters in relation to consumption, once the historical context is the year of 1920 idealized by the American dream. It is approached questions about what these characters are capable of doing in order to obtain wealth and to consume and, with this, how they want to position themselves in society through the relation with money. To do so, we identify concepts of authors related to the theme at stake, such as HALL (2011) and TYSON (1950). To finalize, we emphasize on the criticism of the American dream which has as consequence, the decay of the characters as a whole, and it fails in its ideology of hard work contrasting with wealth obtained quick and easily. * Estudante de Design de Moda e Estilismo na UFPI - Universidade Federal do Piauí. 2013. 1. INTRODUÇÃO O livro The Great Gatsby do autor F. Scott Fitzgerald retrata uma crítica à sociedade Americana em 1920, período esse em que havia um foco na ideologia capitalista do sonho Americano, que é uma promessa de oportunidade econômica para qualquer pessoa que trabalhar muito obter sucesso. Essa ideologia marcou profundamente a sociedade moderna, impulsionando-a a ser considerada então uma sociedade de consumo, na qual o lema era “Eu sou tão bom quanto o que eu compro”. É diante desse romance que nos propomos a fazer uma reflexão sobre identidade e consumo em torno dos personagens, uma vez que o ato de consumir é o modo de representar identidades, que passam por processos de construção constante, esclarecendo-se, ainda, que o consume não implica em consumismo, mas sim, adquirir algo carregado de significado e valor. Dessa forma, é nesse contexto capitalista dos anos 20, também conhecido como Jazz Age, que os personagens desse livro a retratam fielmente, assim como o próprio autor Fitzgerald, pois sempre havia muito dele em suas obras e, por isso, faremos uma breve biografia do mesmo na próxima seção. 2. F. SCOTT FITZGERALD F. Scott Fitzgerald (1896 – 1940) nasceu em St Paul, Minesota, famoso não somente por seus romances e contos que abordavam a excentricidade da Jazz Age, mas também por seu estilo de vida. O escritor iniciou seus estudos na Princeton University, porém nunca chegou a ser graduado. Logo, começou a escrever seus romances e se casa Zelda Sayre, uma linda socialite com a qual passa a maior parte do tempo em festas, embarcando assim em uma vida rica, como ele mesmo disse: “As vezes não sei se Zelda e eu somos reais ou personagens de um de meus romances”1 (FITZGERALD, 1925, p. 5). Ao mesmo tempo em que o livro critica o comportamento capitalista da sociedade daquela década, Fitzgerald também tinha muitas características de seus 1 No original: “Sometimes I don‟t know whether Zelda and I are real or whether we are characters in one of my novels” (TRADUÇÃO NOSSA). personagens, por sempre frequentar festas luxuosas. Assim, The Great Gatsby é considerado sua melhor obra por justamente ser um retrato de 1920. 3. IDENTIDADE E CONSUMO EM THE GREAT GATSBY A história se passa em um ambiente Americano capitalista, no qual a sociedade vive o sonho Americano, ideologia que afirma que todos podem vencer na vida, bastando trabalhar duro e os que não obtêm sucesso é os preguiçosos. Esse pensamento sugere uma competição, ser melhor que o outro e uma visão de que “Você é o que você tem” é algo necessário para o ser humano. A questão é que talvez se nessa visão competitiva, a América não teria obtido esse grande poderio que ela tem hoje. Entretanto, com a promessa de se tornar rico rapidamente, essa crença aliena os Americanos de como ocorreu o processo de se tornar essa nação poderosa: a escravidão dos africanos, o genocídio dos nativos, as barreiras contra a mulher e o negro. De fato, essa ideologia foi vista como uma identificação nacional, pois como afirma Hall, sem um sentimento de identificação nacional, o sujeito moderno experimentaria um profundo sentimento de perda subjetiva […] a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos – um sistema de representação cultural. (HALL, 2011, p. 48) É nessa perspectiva que as pessoas fazem uma mercadorização das coisas. A teoria de Karl Marx explica que a mercadorização é relacionar pessoas ou objetos à mercadoria, ou seja, o valor de uma mercadoria não se trata do que esta pode fazer (valor de uso), mas sim no valor de troca, o que ela proporciona a quem a possui, provocando um sinal de valor de troca, o status que ela concede. Assim, o consumo passa a ser algo individual, não somente “ser melhor do que eu era”, mas também melhor do que os outros e essa prática é constante em todo o enredo do livro, pois do ponto de vista socioeconômico, é uma atitude psicológica que está sobre o domínio de nossa existência. O romance se passa em vários ambientes que caracterizam a sociedade Americana em 1920 retratada por Fitzgerald. Esses ambientes são Nova York, East Egg (que representa a velha aristocracia), West Egg (onde os novos ricos moram) e the Valley of Ashes2, situado entre West Egg e Nova York, representando uma metáfora para o declínio social e moral da América. 2 O Vale das Cinzas (TRADUÇÃO NOSSA). A história é narrada por Nick Carraway, que começa com sua mudança para West Egg, e vem a ser seduzido pelo sonho Americano que Gatsby representa, pois apesar de suas atividades criminais, Nick revela que isso não influencia em sua opinião sobre Gatsby. Ele prefere acreditar na esperança, na ilusão de que os sonhos de Gatsby se tornaram realidade: “„Quem é esse Gatsby afinal?‟ perguntou Tom de repente. „Algum contrabandista?‟ [...] „Muitas dessas pessoas recém-ricas são apenas contrabandistas, você sabe‟. „Não Gatsby‟, eu disse logo”. 3 (FITZGERALD, 1925, p. 114 e 115). Aliás, a narração de Nick sobre Gatsby tinha um tom romântico e de admiração: “Havia algo belo nele, algo com sensibilidade aguda para as promessas da vida [...] Era um dom extraordinário de esperança, uma presteza romântica tal qual nunca encontrei em outra pessoa e que provavelmente nunca encontrarei novamente”. (FITZGERALD, 1925, p. 9) 4. Gatsby é apaixonado por Daisy, porém ela o rejeita quando descobre que ele é pobre e então casa com Tom. Gatsby enriquece rapidamente e à custa de atividades criminais, pois é um contrabandista, o que contradiz o sonhoAmericano, e cria uma nova identidade, ao mentir sobre suas origens, afirmando ser filho de pais ricos, já mortos, de quem herdou dinheiro. O personagem dá festas em sua mansão com o intuit de que Daisy apareça porquanto ela é a razão pela qual ele ficou rico, apenas para impressioná-la (valor de troca). Daisy, por sua vez, não é uma mulher inocente, uma vez que ela o despreza por ser pobre e casa com Tom, colocando prestígio acima do amor, uma garota material: “„Ela tem uma voz indiscreta, ‟ [...] No alto de um palácio branco, a filha do Rei, a garota Dourada...” (FITZGERALD, 1925, p. 126) 5. Ela volta a ter encontros com Gatsby após Nick ajudá-los. Seu marido Tom é, portanto, o maior exemplo de mercadorização, é o mais rico no romance. Ele casa com Daisy como uma troca da posse dela com sua beleza por ela ficar com sua estabilidade financeira. Além disso, Tom tem um caso com Myrtle, esposa de Wilson e ambos moram em Valley of Ashes, representando a 3 No original: “„Who is this Gatsby anyhow?‟ demanded Tom suddenly. „Some bootlegger? […] A lot of these newly rich people are just big bootleggers, you know‟. „Not Gatsby‟, I said shortly” (TRADUÇÃO NOSSA). 4 No original: “There was something gorgeous about him, some heightened sensitivity to promises of life […] It was an extraordinary gift for hope, a romantic readiness such as I have never found in any other person and which it is not likely I shall ever find again” (TRADUÇÃO NOSSA). 5 No original: “„Shes‟s got an indiscreet voice, ‟ [...] High in a white palace, the King‟s daughter, the Golden girl...” (TRADUÇÃO NOSSA). classe baixa. É entendido que Tom procura uma mulher de renda inferior com o objetivo de ostentar sua riqueza, sendo arrogante e perfeito exemplo de “Você é o que você tem”. Tom faz questão de falar de sua casa para Nick: “„Tenho um lugar agradável aqui [...] Pertenceu a Demaine, o homem do petróleo‟” (FITZGERALD, 1925, p. 21) 6, como se a condição de a casa ter pertencido a alguém importante lhe concedesse um pedigree. Há ainda a personagem Jordan Baker, amiga de Daisy, que teve um breve relacionamento com Nick. Na verdade, ele não estava totalmente apaixonado, mas ela lhe despertava curiosidade e lhe proporcionava valor de troca, pois como ela era campeã de golf e todos a conheciam, ele gostava de sair com ela. Observam-se algumas contradições na história, especificamente no capítulo IX que é o ultimo capítulo, a começar pelo casal Tom e Daisy que pertencem à aristocracia, mas ambos não têm caráter, são egoístas: Daisy atropela Myrtle e esta morre; Gatsby assume a culpa por amor a Daisy. Além do mais, Tom finge ser amigo de Wilson, sendo amante de Myrtle e, no momento em que Tom descobre que Daisy tem encontros com Gatsby, persuade Wilson a se vingar dele (por pensar que é o assassino de sua esposa). No fim, Wilson mata Gatsby e depois comete suicídio. Isso mostra que enquanto Gatsby que é contrabandista é ao mesmo tempo generoso e leal a Daisy, ela e Tom vão embora sem se importar com ninguém, fazem a sujeira e deixam os outros para limpá-la. Ao longo do enredo, há um objeto de consumo que faz um papel importante na cultura daquela década, que são os automóveis, a nova tecnologia da época, a exemplificar com a descrição de Nick sobre o carro de Gatsby: “O lindo carro de Gatsby [...] tinha uma cor creme vistosa, com cromados reluzentes, alargado aqui e ali ao longo de seu comprimento monstruoso com compartimento para bagagens...” (FITZGERALD, 1925, p. 69 e 70) 7. Entretanto, as mortes dos personagens foram causadas por automóveis, direta e indiretamente, fazendo uma alusão ao colapso do sonho Americano. Apesar de Myrtle ter sido a única morta por acidente de carro, cujo dono era Gatsby, este vem então a assumir a culpa por Daisy e foi morto por Wilson que cometeu suicídio. Além dos automóveis, a descrição de mercadorias como um todo é tão minuciosa que chega a despertar os cinco sentidos no leitor, como se as mansões tivessem vidas próprias, sendo até mais importantes que os próprios personagens: “Gatsby pode não fazer o melhor uso de sua mansão, de seu hidroavião, sua piscina, e sua biblioteca, mas muitos de nós podemos sentir que certamente o 6 No original: “‟I‟ve got a nice place here […] It belonged to Demaine, the oil man‟” (TRADUÇÃO NOSSA). 7 No original: “Gatsby‟s gorgeous car […] was a rich cream color, bright with nickel, swollen here and there in its monstrous length with triumphant hot-boxes…” (TRADUÇÃO NOSSA). faríamos”. (TYSON, 1950, p. 77) 8. Aqui se constata a mansão de Gatsby descrita por Nick: Era uma imitação bem aproximada de algum Hôtel de Ville em Normandia, com uma torre de um lado, que parecia nova sob a barba fina da hera que havia crescido recentemente, e uma piscina de mármore, e mais de vinte hectares de gramado e jardim. Era a mansão de Gatsby. (FITZGERALD, 1925, p. 11).9 Também há festas luxuosas dadas por Gatsby, com muita música nas noites de verão, champagnes, aonde muitas pessoas iam sem serem convidadas, mas todas se apresentando como prósperos Americanos, com o objetivo de mostrar o mundo de prazer e luxo durante a Jazz Age. Outra mercadoria que caracteriza a identidade dos personagens é a roupa. O protagonista usa ternos extravagantes, especialmente um terno rosa, considerado brega, motivo pelo qual Tom não acredita que ele seja de Oxford, pois Gatsby afirma ter sido educado lá. Daisy também usa roupas luxuosas que lhe passam ainda mais a qualidade de Golden girl, assim como Jordan: “Daisy e Jordan deitadas em um enorme sofá, como dois ídolos de prata pesando seus próprios vestidos brancos contra a brisa musical dos ventiladores”. (FITZGERALD, 1925, p. 21) 10. Em se tratando de Jordan, sabe-se que é uma campeã de golf e, por isso, é uma mulher a frente do tempo, o que também é mostrado em suas roupas, como quando Nick a observa em uma festa de Gatsby: “Eu percebi que ela usava seus vestidos de noite, todos os seus vestidos como roupas esportivas” (FITZGERALD, 1925, p. 57) 11. Jordan é um exemplo da nova mulher que quebra tabu e que faz coisas esperadas apenas que homens façam. De fato, o livro mostra o comportamento das mulheres nos anos 1920, momento esse que aconteceram mudanças enormes em relação aos direitos da 8 No original: “Gatsby may not make the best use of his mansion, his hydroplane, his swimming pool, and his library, but many of us might feel that we certainly would” (TRADUÇÃO NOSSA). 9 No original: “… it was a factual imitation of some Hôtel de Ville in Normandy, with a tower on one side, spanking new under a thin beard of raw ivy, and marble swimming pool, and more than forty acres of lawn and garden. It was Gatsby‟s mansion” (TRADUÇÃO NOSSA). 10 No original: “Daisy and Jordan lay upon an enormous couch, like silver idols weighing down their own white dresses against the dinging breeze of the fans” (TRADUÇÃO NOSSA). 11 No original: “I noticed that she wore her evening-dress, all her dresses like sport clothes” “Eu percebi que ela usava seus vestidos de noite, todos os seus vestidos como roupas esportivas” (TRADUÇÃO NOSSA). mulher como o direito ao voto. Ademais, percebem-se as mulheres com comportamento diferente: bebendo em festas, muitas delas no livro têm affairs, o que é comum apenas para homens. De acordo com Hall (2011, p. 46), “o feminismo questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a “Humanidade”,substituindo-a pela questão da diferença”. Em relação ao conceito de consumo com conotação sentimentalista, o maior representante do sonho Americano, de esperança para obter uma vida melhor é, sem dúvida, Gatsby, em especial esperança para Nick. Aqui há a metáfora da luz verde, situada no fim de East Egg, mas visível da casa de Gatsby, associando-se a Daisy e ao objetivo da protagonista em tornar-se rico: “Gatsby acreditava na luz verde, o futuro orgiástico que ano após ano se afasta de nós”. (FITZGERALD, 1925, p. 128) 12. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS “We’re living in a material world and I‘m a material girl”. Esse trecho da canção “Material Girl” da Madonna, enquadra-se ao comportamento dos personagens de The Great Gatsby, não somente Daisy, the Golden girl, mas também todos os outros, motivados pelas mercadorias, ou seja, o consumo. A Jazz Age, portanto, foi uma era de grande ostentação e glamour, em que cada indivíduo faz uso da mercadoria do modo que lhe convém, de como esta irá lhe propiciar um valor de troca. A rigor, é como se o consumo gerasse um modelo de felicidade, uma felicidade comprada, ou seja, a obtenção de algo que traga às pessoas valores emocionais. São esses elementos do romance que caracterizam a sociedade da década correspondente, um sonho Americano que falha no seu próprio lema, pois é uma falsa consciência, algo que é promovido pelo interesse daqueles que estão no poder e que, na realidade, contribui para o declínio dos valores pessoais. 12 No original: “Gatsby believed in the green light, the orgastic future that year by year recedes before us” (TRADUÇÃO NOSSA). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FITZGERALD, F. Scott. The Great Gatsby. London: Penguin, 1925. THE DEMISE of the 1920s American Dream in The Great Gatsby. Disponível em: <http://www.inforefuge.com/demise-of-american-dream-the-great-gatsby>. Acesso em: 07 dez 2011. TYSON, L. Critical theory today: a user‑friendly guide. 2. ed. New York: Routledge, 1950.
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