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Maneirismo na Arte e Arquitetura

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MANEIRISMO
Diante da dificuldade em caracterizar as qualidades de todos os movimentos artísticos importantes dos séculos XV ao XVII, os pesquisadores, a partir do início do século XX, introduziram um novo termo para distinguir as importantes diferenças verificadas entre a Alta Renascença e a arte produzida no final do século XVI (Barroco): o chamado “maneirismo”.
Histórico
Federico Barocci (1528-1612): “A Fuga de Enéas”
Século XVI: Reforma e Contra-Reforma
Reforma: Movimento de reação contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica iniciado por Martinho Lutero em 1517. Logo recebeu o apoio de diversos religiosos e governantes europeus, tendo maior impacto em regiões da Alemanha, França, Suíça, Países Baixos, Reino Unido e Escandinávia. Como resultado, a igreja cristã divide-se entre os católicos romanos e os “reformados” ou “protestantes”.
Contra-Reforma: Em resposta à Reforma protestante, a Igreja Católica, a partir do Concílio de Trento (1545) põe em ação uma série de medidas em defesa de seus interesses: a retomada da Inquisição, a proibição de vários livros, criação de novas ordens religiosas (destaque para a Companhia de Jesus), expansão da catequese no Novo Mundo etc. 
O conceito de “Maneirismo”, portanto, é um conceito moderno (década de 1920), surgido quando os estudiosos voltaram suas atenções a um período da arquitetura do século XVI que, em função de sua atitude “peculiar” - e particular - em relação às normas clássicas, havia sido anteriormente repudiado e definido como algo “excêntrico” ou “perverso e decadante”;
A palavra “maneirista”, por sua vez, origina-se do termo italiano “maniera”, que pode ser definido como “maneira” ou “modo”, o que implica uma abordagem autoconsciente e/ou planejada.
O Maneirismo
Variedade: tanto na decoração quanto na forma de utilização dos elementos clássicos;
Arrojadas soluções técnicas, frequentemente disfarçadas de modo bastante “elegante”;
Sofisticação: normalmente manifestada na forma de interessantes “jogos visuais”.
As principais características da arquitetura maneirista são:
Detalhe do Palazzo del Té (c.1534)
 (Giulio Romano)
O Maneirismo
Um arquiteto maneirista, portanto, é um profissional que, a partir da profunda compreensão das normas clássicas, quebra-as ou altera-as em função de uma variedade de objetivos e/ou motivações próprias. 
O Maneirismo
Villa Giulia (1551-1553): projeto de Jacopo (ou Giacomo) Vignola, com contribuições de Michelangelo, Giorgio Vasari e Bartolomeu Ammanati
O Maneirismo
Villa Giulia, em Roma (1551-1553)
O Maneirismo
Palazzo del Te, em Mântua (c.1526-1534), de Giulio Romano
O Maneirismo
“O Renascimento e o seu apogeu (...) mantiveram o equilíbrio, a harmonia e a gravidade romana. O Maneirismo, porém, tinha ideias diferentes. Recorreu à dessemelhança, à tensão emocional, (...) ao efeito cênico e à sobrecarga decorativa para conseguir os efeitos desejados. Os arquitetos maneiristas podiam desprezar todas as regras vitruvianas para serem mais românticos e individualistas que os seus antecessores imediatos”; (R. Jordan)
G. C. Argan: o maneirismo “nasce como arte livre da obrigação de imitar, ou mais precisamente, como arte que é mimesis, mas da ideia e não da natureza”.
A Arte Maneirista
“Se equilíbrio e harmonia são as principais características da Alta Renascença, o maneirismo é seu oposto: é a arte do desequilíbrio e da dissonância”. (N. Pevsner)
El Greco
(Cristo na cruz adorado por doadores, c.1594)
El Greco
(Laocoonte, c.1610)
A Arte Maneirista
Agnolo Bronzino (Noli me tangere, c.1565)
Agnolo Bronzino (Alegoria do triunfo de Venus, c.1545)
Em Tiziano, “há uma beleza luxuriante; em Rafael, uma austeridade majestosa; em Michelangelo, uma força gigantesca, mas os tipos do maneirismo são delgados, elegantes e com atitudes afetadas”; 
Uma tal “afetação” era uma experiência nova para o Ocidente. A Idade Média, e também a Renascença, haviam sido muito mais ingênuas; 
A Reforma e a Contra-Reforma romperam com esse “estado de inocência”, e esta é a razão pela qual “o maneirismo é cheio de maneirismos.” (N. Pevsner)
A Arte Maneirista
Michelangelo: “Escravo morrendo” (c.1513-1520)
O classicismo é uma atitude estética apreciada pela primeira vez durante esta fase do maneirismo – “representa um ponto de vista muito mais estético do que uma real submissão à Antiguidade”;
Clássico x Classicismo
Ou seja, o classicismo, mais do que a imitação da Antiguidade, é a imitação do momento clássico da Renascença, em detrimento da sua expressão direta (ou mais atenta à fidelidade).
A Arquitetura Maneirista
A aplicação dos princípios do maneirismo à arquitetura, porém, “é relativamente recente e ainda objeto de controvérsias.” (Pevsner)
Biblioteca Laurenziana (Michelangelo)
A Arquitetura Maneirista
Para a sua melhor compreensão, Pevsner propõe, como exemplo, a comparação de dois palácios do século XVI: o Palazzo Farnese (de Antonio da Sangallo) e o Palazzo Massimi alle Colonne (de Baldassare Peruzzi) – “os mais perfeitos exemplos da arquitetura entre palácios da Alta Renascença e do Maneirismo”.
A Arquitetura Maneirista
Palazzo Farnese
Palazzo Massimi alle Colonne
O Palazzo Massimi, de Baldassare Peruzzi (1481-1536), membro do círculo de Bramante e Rafael em Roma, foi iniciado em 1535 e, de fato, não seguiu fielmente os cânones da Antiguidade; 
A edificação compõe-se, na realidade, de dois palácios (para dois irmãos), habilmente construídos de modo a terem uma só fachada. 
A Arquitetura Maneirista
No Palazzo Massimi há um vivo contraste entre a profunda escuridão da loggia do térreo e a “planeza e a finura de folha de papel dos andares superiores”. (Pevsner)
A Arquitetura Maneirista
As janelas do primeiro andar têm pouco relevo comparadas com as que víamos na Alta Renascença, enquanto as janelas do segundo e terceiro andares são pequenas e têm curiosas molduras. Ou seja, não se diferenciam pelo tamanho e nem pela importância, como acontecia durante a Renascença. 
A Arquitetura Maneirista
“As janelas superiores – nada clássicas – mais parecem quadros com belíssimas molduras penduradas na parede do que aquilo (...) chamado janelas. São uma extravagância, e uma extravagância deliciosa de Peruzzi”. (R. Jordan)
A Arquitetura Maneirista
Além disso, uma leve curva de toda a fachada dá “delicadeza e animação” ao conjunto, “enquanto as fachadas rigorosamente retilíneas da Renascença pareciam expressar uma poderosa solidez”;
O Palazzo Massimi, apesar de menor que o Palazzo Farnese em tamanho e “dignidade”, “tem, por sua vez, uma sofisticada elegância que se dirige ao connoisseur intelectual e supercivilizado”. 
A Arquitetura Maneirista
Ou seja, só um verdadeiro conhecedor da arquitetura clássica e/ou Renascentista poderá perceber claramente onde o arquiteto ousou, onde ele foi além de uma mera cópia e como ele interpretou – à sua maneira – a composição clássica em seu projeto!
A Arquitetura Maneirista
Palazzo Massimi (pátio interno)
Peruzzi iniciou, portanto, uma fase nova e original na arquitetura italiana. “Representou uma inovação, marcando o começo do Maneirismo” em Roma. (R. Jordan)
A Arquitetura Maneirista
A Arquitetura Maneirista
No Maneirismo, o espaço também possui características próprias (e criativas); 
Os arquitetos agora podiam criar deliberadamente suas perspectivas: “não se tratava, evidentemente, de uma característica exclusiva do Maneirismo; no entanto, as perspectivas monótonas e extensas de algumas plantas maneiristas pareciam projetadas para conduzir a um clímax misterioso”. (Pevsner)
Biblioteca Laurenziana (Michelangelo)
O pátio dos Uffizi, em Florença, da autoria de G. Vasari (começado em 1560), o interior de S. Giorgio Maggiore, em Veneza, de Palladio (desenhado em 1566) ou a própria Biblioteca Laurenziana (Michelangelo), todos apresentam essa característica, à qual Nicolau Pevsner chamou o “poder de sucção” – o espectador “é sugado para o âmago do projeto”.
A Arquitetura Maneirista
Galleria
Degli Uffizi 
(G. Vasari)
A Arquitetura Maneirista
Salão de leitura da Biblioteca Laurenziana (Michelangelo) em Florença
Andrea Palladio (1508-1580)
Michelangelo Buonarroti (1475-1564)
A Arquitetura Maneirista: Arquitetos
Os arquitetos maneiristas em destaque são:
Andrea Palladio
Nascido em Pádova, Palladio (Andrea di Pietro dalla Gôndola) é descrito como o “mais descontraído e sereno dos arquitetos do fim do século XVI”; o “homem que em muitos sentidos foi o arquiteto mais original de todo o período”; 
O termo “palladiano”, por exemplo, tornou-se – na língua inglesa – sinônimo de arquitetura clássica;
Após ter colaborado com uma das edições de Vitrúvio, foi autor do importante tratado de arquitetura intitulado Quattro Libri dell’Arquitetura, publicado em 1570. 
Andrea Palladio
Palladio “tomou emprestados” conceitos do passado, acrescentou suas próprias ideais e desenvolveu uma abordagem para o projeto que facilitaria sua aplicação pelos futuros construtores;
Graças a isso, Palladio tornou-se um dos arquitetos mais copiados do ocidente, inspirando projetos de casas nobres e prédios públicos ao redor do globo. 
Basilica de Vicenza 
(1549-1617)
Andrea Palladio
La Rotonda
Villa Foscari
Villa Valmarana
As casas de campo de Palladio: plantas simples, regulares e simétricas, facilitando a construção.
Andrea Palladio
A “janela palladiana”
Andrea Palladio
Palladio buscou a perfeição arquitetônica através da simetria (em plantas e fachadas), do estudo das proporções, do uso das ordens clássicas, da rica decoração escultórica e até mesmo através de algumas inovações construtivas (ex.: a tesoura palladiana). 
Andrea Palladio
Villa Rotonda
Atuando principalmente em Vicenza e seus arredores, Palladio era chamado para projetar, de modo quase exclusivo, casas urbanas e de campo - os palazzi e as villa -, e é bem significativo que os efeitos do seu estilo possam ser demonstrados sem recorrer à análise de suas igrejas; 
De fato, a partir da Renascença, a arquitetura secular tornou-se tão importante como veículo de expressão visual quanto a arquitetura religiosa.
Ao combinar a “austeridade” de Roma com “a atmosfera ensolarada” do norte da Itália, Palladio atingiu “uma desenvoltura pessoal” que nenhum de seus contemporâneos conseguiu igualar; 
O seu Palazzo Chiericati, por exemplo, iniciado em 1550 na cidade de Vicenza, é inconfundível. Suas colunas dórico-toscanas e o entablamento marcante são bastante característicos. 
Andrea Palladio: Palazzi
Palazzo Chiericati
Andrea Palladio: Palazzi
A liberdade em “colocar na fachada aquilo que fora confinado aos pátios dos palácios romanos”, abrindo assim a maior parte da fachada e mantendo apenas uma parte compacta no centro do primeiro andar, “cercada de ar por todos os lados” – isso também é característico de Palladio; 
R. Jordan: “o contraste entre o sólido e o difuso exercia um grande fascínio sobre ele.”
Andrea Palladio: Palazzi
Uma de suas mais conhecidas – e bem preservadas – casas de campo é a Villa Capra, ou Villa Rotonda, construída nos arredores de Vicenza entre 1550 e 1554;
Andrea Palladio: Villas
Compõe-se, de fato, de um “caso extremo de uma simetria (...) absoluta”; uma “realização acadêmica de alta perfeição”. 
Uma casa como a Villa Rotonda, contudo, não tem apenas uma fachada simétrica: é simétrica em todas as fachadas e o fato de estar sobre-elevada e ter grandes lanços de escadas de acesso “dá-lhe o aspecto de um mirante ou de um templo de jardim”. 
Andrea Palladio: Villas
Como casa para se viver, ela realmente não apresenta o conforto de outras casas de sua região, mas ainda assim “é nobre e, como seus finos pórticos jônicos, seus frontões, suas poucas janelas de frontão sabiamente dispostas e seu domo central, é solene sem ser pomposa”. 
Andrea Palladio: Villas
Vista aérea da Villa Rotonda
Andrea Palladio: Villas
Interior da Villa Rotonda
Andrea Palladio: Villas
Porém, para se apreender a totalidade da composição de Palladio para uma villa é preciso acrescentar a esse núcleo (a casa) as colunatas curvas e as alas baixas que, em projetos como a Villa Trissino (Meledo) e a Villa Badoer, “formariam o elo entre a villa e a área a seu redor”. 
Andrea Palladio: Villas
Vista aérea da Villa Badoer
Andrea Palladio: Villas
Vista aérea da Villa Emo
Andrea Palladio: Villas
Essa atitude “abrangente” viria a ter grande consequência histórica. Nestas villas, pela primeira vez na história da arquitetura ocidental, a paisagem e o edifício foram concebidos “como pertencentes um ao outro”, “como dependentes um do outro”;
 Aqui, pela primeira vez, “os eixos principais de uma casa continuam pela natureza adentro; ou, inversamente, um espectador situado do lado de fora vê a casa estendendo-se como se fosse um quadro, fechando a perspectiva”. 
Villa Angarano
Andrea Palladio: Villas
R. Jordan: “Foi este casamento da arquitetura com a Natureza (...) que assegurou a popularidade de Palladio junto da nobreza inglesa do século XVIII”.
Vista aérea da Villa Godi
Andrea Palladio: Villas
Michelangelo Buonarotti
Michelangelo(1475-1564), mais do que qualquer outro artista, “foi responsável por ter conduzido a arte em direção ao Maneirismo”;
“A verdade é que Michelangelo pertenceu à Renascença apenas por uns poucos anos, no início de sua carreira”. Segundo Pevsner, “de seu trabalho posterior a 1515 quase nada é renascentista”;
Seu difícil temperamento, segundo alguns autores, teria tornado impossível para ele aceitar os ideais da Renascença por muito tempo. 
Michelangelo, como vários de seus contemporâneos, passou da pintura e escultura direto para a arquitetura sem qualquer preparação específica. 
Michelangelo Buonarotti
1550 
1499/1500
1513–15
Michelangelo Buonarotti
Detalhe do teto da Capela Sistina (Vaticano)
Michelangelo Buonarotti
Contudo, enquanto outros escultores, na posição de arquitetos, enxergavam a arquitetura meramente como uma forma de expor as esculturas, Michelangelo parecia enxergar as próprias edificações como esculturas em grande escala, e como resultado disso tratou a arquitetura de forma intrinsicamente diferente de seus colegas;
Curiosamente, Michelangelo, em seus projetos, costumava trabalhar com maquetes e croquis, abrindo mão dos desenhos precisos, com medidas criteriosamente calculadas, “a antítese da prática no século XVI”.
Michelangelo Buonarotti
Maquete (em madeira) da fachada da Basílica de San Lorenzo
Michelangelo Buonarotti
Michelangelo acreditava que o conhecimento da anatomia humana era crucial para um arquiteto e, de acordo com alguns estudiosos, está claro que ele, de algum modo, aplicou o seu domínio do corpo humano na forma em que abordava os projetos, “desejando expressar os estresses, a tensão e a força muscular visíveis no corpo humano em movimento ao usar elementos como colunas, capitéis e entablamentos no lugar de músculos e ossos”. (L. Collinge)
Michelangelo Buonarotti
Michelangelo Buonarotti
Ele teria introduzido uma nova forma de expressão das ordens clássicas, com base em seus conhecimentos anatômicos. Ou seja, “ao invés de usar as ordens como meros exemplos decorativos (…), ele as usou como partes essenciais e funcionais de seus edifícios; ao invés de superfícies de parede sem qualquer sinal dos elementos construtivos, ele enfatizou o poder e a força dos elementos arquitetônicos, obrigando o espectador a reconhecer as tensões presentes em uma edificação”. (A. Ricketts) 
Para Michelangelo, o grande conflito interno que enfrentou em sua vida foi “a luta entre o ideal platônico de beleza e a sua ardorosa fé em Cristo”; 
Coerentemente, é um conflito semelhante a esse que verificamos entre a época da Renascença, na qual ele viveu quando jovem, e a da Contra-Reforma e do Maneirismo, que se iniciou quando ele já estava com 50 anos; 
Em Roma, neste período, “parecia que nada havia sobrado da alegria da Renascença”. 
Michelangelo Buonarotti
Em 1520, após concluir a Capela
Sistina e tendo abandonado o projeto do túmulo de Júlio II, Michelangelo retornou a Florença para trabalhar na Capela dos Medici (o mausoléu da família Medici) e na Biblioteca Laurenziana (a biblioteca dos Medici), com o respectivo vestíbulo e escadaria; 
Este conjunto pode ser descrito como o mais puro Maneirismo: “não há (...) nenhuma distorção deliberada, nenhuma anarquia (...)... apenas um certo uso arbitrário dos elementos clássicos em ordem ao cumprimento de um objetivo sublime”.
Michelangelo Buonarotti
Capela dos Medici - A capela dos Medici, o primeiro trabalho de arquitetura de Michelangelo (c.1520), é na verdade a Nuova Sacrestia da Basílica de San Lorenzo (Florença), projeto original de Brunelleschi, composta de um quadrado com cerca de 12m de lado, construída sob encomenda do papa Leão X (Giovanni de Medici).
Michelangelo Buonarotti
A Basílica de San Lorenzo já possuía uma sacristia (a Vecchia Sacrestia), que fez parte do projeto original de Brunelleschi para a igreja (iniciada por volta de 1421).
Michelangelo Buonarotti
Nas palavras de Pevsner, a nova capela constitui “uma sinfonia em mármore branco e pedra preta”. Mesmo inacabada, possui um dos mais impressionantes conjuntos escultóricos de Michelangelo.
Michelangelo Buonarotti
A função da Nuova Sacrestia era pouco convencional: como mausoléu privativo da família Medici, teve o seu uso definido em Bula Papal de 1532. De acordo com estas instruções, os clérigos de San Lorenzo deveriam celebrar missas todos os dias, em todos os turnos, revezando os celebrantes;
Uma vez que a capela era de uso privado, não havia, de fato, necessidade de espaço para a congregação e com isso o corpo da capela tornou-se, de certa forma, “um altar tridimensional”.
Michelangelo Buonarotti
Capela Medici
Nesta capela, a ordem coríntia é dominante, e Michelangelo destacou-a como suporte de um entablamento que percorre todo o perímetro interno. 
Michelangelo Buonarotti
Com relação às paredes, a novidade de Michelangelo – em contraste com o projeto de Brunelleschi para a Vecchia Sacrestia - foi enfatizar os esforços estruturais da edificação, dando uma força expressiva às suas superfícies.
Michelangelo Buonarotti
As pilastras de Michelangelo, por exemplo, possuem uma presença muito mais “incisiva”, muito mais volumosa, do que as pilastras de Brunelleschi na capela próxima;
Exemplo: atrás de algumas destas pilastras, existe uma “segunda camada” de pietra serena com dupla função: apoiam os arcos do segundo pavimento e também acrescentam massa às pilastras principais (à sua frente). 
Michelangelo Buonarotti
Este recurso, ao lado da maneira na qual a superfície da parede sobre as tumbas foi recortada/escavada, não apenas na área do arco mas também nos tímpanos, “dá à articualção da pietra serena um papel bem mais destacado do que ela possui na Velha Sacristia”.
Michelangelo Buonarotti
Uma vez definido o esquema do interior da capela, Michelangelo então voltou sua atenção aos “outros ornamentos”; ou seja, às tumbas em mármore e demais elementos decorativos.
Michelangelo Buonarotti
A abordagem usual, até então, era tratar cada parede em uma capela como uma superfície isolada (em separado);
Na Capela Medici, por outro lado, a intenção de Michelangelo era garantir que o seu interior (a união de todos os elementos) formasse um “monumento integrado” para a família Medici.
Michelangelo Buonarotti
Para este fim, ele usou como veículos de expressão não apenas as tumbas e as superfícies das paredes, mas também elementos “mais mundanos”, tais como portas e efeitos de iluminação. Ou seja, é importante entender que tudo foi projetado com o efeito geral em mente!
Michelangelo Buonarotti
As figuras centrais de Giuliano e Lorenzo Medici, por exemplo, não tinham a intenção de funcionar como representações fiéis destes indivíduos, mas sim como símbolos idealizados de uma “alegoria do tempo”;
Michelangelo Buonarotti
Tudo indica que Michelangelo, desde o princípio, manipulou a luz de forma a realçar as diferentes qualidades desses dois conjuntos escultóricos. 
Giuliano Medici representa a “Vida Ativa”, flanqueado pelas estátuas do “Dia” e da “Noite”.
Michelangelo Buonarotti
Lorenzo, por sua vez, com uma postura bem mais pensativa e flanqueado pelas representações da “Aurora” e do “Crepúsculo”, representou a “Vida Contemplativa”.
Michelangelo Buonarotti
A capela como um todo é iluminada pela cúpula e pelas janelas do andar superior. Portanto, a luz que penetra pela janela superior situada no lado oposto à estátua de Giuliano, tem como função destacar o conjunto que representa a “Vida Ativa”. Do mesmo modo, uma janela situada ao lado foi bloqueada, de forma a que Lorenzo, ao invés de aparecer em forte relevo, simulasse “um recolhimento à sombra”. 
Michelangelo Buonarotti
Michelangelo Buonarotti
Esta manipulação da luz natural com o objetivo explícito de enfatizar determinadas qualidades raramente foi usada na arquitetura desse período; 
De fato, foi apenas na época do Barroco, já no século XVII, que todas as possibilidades desse tipo de abordagem foram exploradas!
Michelangelo Buonarotti
De forma análoga à abordagem dada aos elementos decorativos, objetos funcionais, tais como portas, também foram usados de “uma rara forma expressiva”;
Na maior parte das edificações, a porta, por exemplo, é um elemento essencial, geralmente destacada pela arquitetura de forma a se tornar facilmente acessível. 
Michelangelo Buonarotti
O mausoléu dos Medici, porém, foi pensado como um “mundo recluso privado”; quando as portas são fechadas, o mundo externo, portanto, deixa de ter importância. As portas, sob este ponto de vista, são uma distração, e assim, ao invés de serem facilmente reconhecíveis, são utilizadas como um motivo ornamental, repetido oito vezes ao redor das paredes do nível inferior. 
Michelangelo Buonarotti
Porém, somente quatro destas portas são “reais”: duas dando acesso a pequenos aposentos que flanqueiam o altar, uma ao transepto e uma ao exterior da igreja. Portanto, quando estão todas fechadas, existe realmente uma sensação deliberada de desorientação! 
Michelangelo Buonarotti
Michelangelo Buonarotti
Nesse contexto, o seu desenho “incomum” se torna mais lógico do que aparenta à primeira vista. Ou seja, elas não foram projetadas para lembrar portas convencionais, pois sua função está subordinada ao “simbolismo da capela como um todo”, e por isso a moldura ao redor das portas continua pelo piso, de forma “a negar sua função”. 
O papel dos tabernáculos também deve ser analisado sob este mesmo ponto de vista: uma vez que não havia intenção de enfatizar as portas, os elementos de destaque nestas áreas - aqueles com a função de chamar a atenção do visitante - foram justamente os tabernáculos situados logo acima.
Michelangelo Buonarotti
Igualmente curioso é o fato dos nichos não serem profundos o bastante para serem usados da forma convencional – ou seja, como uma moldura para uma escultura -, mas foram propositalmente projetados para permanecerem vazios! 
Michelangelo Buonarotti
Em resumo, nas palavras de Pevsner, esta capela, “tal como o Panteão (...) representa a conjugação perfeita da escultura com a arquitetura, o que constitui o ideal supremo da arquitetura”, independentemente do estilo;
Foi assim que Michelangelo – como outros artistas maiores de sua geração -, ao afastar-se da Renascença, concebeu o maneirismo e o Barroco;
“O século XVI inspirou-se no maneirismo de Michelangelo, o século XVII apreciou sua terribilitá e dela extraiu o Barroco”. (N. Pevsner)
Michelangelo Buonarotti
Outros projetos relevantes de Michelangelo: a Bilioteca Laurenziana (também para os Medici, em Florença), a praça do Capitólio (Roma), a complementação do Palazzo Farnese (Roma) e, naturalmente, uma nova proposta para a Basílica de São Pedro (principalmente a parte posterior e o domo) em Roma.
Michelangelo Buonarotti
Escadaria do vestíbulo da Biblioteca Laurenziana (Florença)
Michelangelo Buonarotti
Vestíbulo da Biblioteca Laurenziana (Florença)
Michelangelo Buonarotti
Vestíbulo da Biblioteca Laurenziana (Florença)
Piaza del Capitolio (Roma)
Michelangelo Buonarotti
Michelangelo Buonarotti
Piaza del Capitolio (Roma)
Michelangelo Buonarotti
Piaza del Capitolio (Roma)
Michelangelo Buonarotti
Planta baixa da Basílica de São Pedro (Michelangelo) - 1547
Planta baixa da Basílica de São Pedro (Bramante) – c.1505
Centralidade, simetria, racionalidade na composição e homogeneidade espacial
Dissimula a centralidade, enfatiza o peso da construção, elimina a luz e isola o 
homem do meio ambiente e de Deus 
Michelangelo Buonarotti
Planta baixa da Basílica de São Pedro (com a extensão da nave projetada por Carlo Maderno) – c.1603
Igreja de Gesú
Entre os edifícios mais importantes de todo o Maneirismo (por outras razões que não puramente arquitetônicas) conta-se a Igreja de Gesú, a igreja-mãe dos jesuítas e da Contra-Reforma, em Roma, cujo projeto influenciou centenas de outras igrejas (principalmente as barrocas), espalhadas por toda a Europa (e Américas), durante quase 400 anos; 
Concebida por Santo Ignácio de Loyola (fundador da Ordem dos Jesuítas) em 1551, foi a primeira (e a maior) igreja inaugurada em Roma (em 1584) após o saque de 1527.
Igreja de Gesú
O projeto original é de Giacomo Vignola (1507-1573). Tem-se considerado esta igreja como “uma tentativa de conciliação da planta centrada com a longitudinal”. É certo que, tal como na Igreja de San Andrea, de Leon B. Alberti, das naves laterais só restaram “meros vestígios nas capelas laterais”, além de um imenso espaço no “cruzeiro”. 
Igreja de Gesú
O edifício foi começado por Vignola em 1568, mas foi terminado por Giacomo Della Porta (1533-1602). Este último seguiu Alberti ao usar enormes volutas como arremate decorativo. Esta solução também conseguiu ocultar os contrafortes, “indispensáveis numa igreja abobadada”. 
Igreja de Gesú
Fachada de Vignola
Fachada de Della Porta
Quanto ao interior, Vignola manteve a interpretação de Alberti (naves laterais na forma de uma sequência de capelas abrindo para a nave principal), mas aqui ele permitiu uma comunicação entre elas.
Igreja de Gesú
Ou seja, “ele não lhes atribui a independência considerada necessária pelo arquiteto renascentista, sempre tão ansioso por fazer, de cada parte do edifício, um todo”; 
As grandes dimensões da nave, sob uma poderosa abóbada de berço, porém, relegam as capelas à condição de “meros nichos que acompanham um amplo salão.” 
Igreja de Gesú
Igreja de Gesú
Vista interna da Igreja de Gesú (Il Gesú)
Referências:
BARNES, Bernardine. Mannerism. Disponível em: <http://www.csus.edu/indiv/c/craftg/HRS134/Mannerism.doc>. Acesso em: 05 abr. 2014.
COLLINGE, Lucinda Hawkins. RICKETTS, Annabel. Michelangelo. Greenwich: Brompton Books Corp., 1992.
JORDAN, Robert Furneaux. História da Arquitetura no Ocidente. São Paulo: Editorial Verbo, 1985. 
PEVSNER, Nikolaus. Panorama da Arquitetura Ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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