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Análise Psicanalítica em Sonhos de Akira Kurosawa

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ESTÁCIO FIB
Professor: Gessé
Aluna: Evelyn Sant’Ana
 SONHOS DE AKIRA KUROSAWA
Deslocamento e Condensação 
Freud salientou que os sonhos seriam, essencialmente, a tentativa de realização de um desejo reprimido que se alojava no inconsciente, sendo que esse desejo seria primordialmente de natureza sexual ou encerraria aspetos proibidos pelo contexto moral. Para Freud, o sonho é produzido por dois elementos centrais, os quais são trabalhados pela psicanálise na análise do significado dos sonhos: a condensação e o deslocamento. A condensação é o resumo das ideias que têm pontos em comum e uma analogia entre si. Funde elementos que estão a um nível latente com traços comuns num só. Estabelece uma relação entre o conteúdo manifesto e o latente. Ao nível do conteúdo latente, onde existem ideais e ao nível do manifesto, onde existem imagens. O deslocamento é a obra da censura, onde um elemento do sonho a nível latente é substituído por um dos seus fragmentos constituintes. Há uma transferência da importância que tem uma ideia para outra completamente diferente e afastada dela. 
O desejo inconsciente não pode vir à consciência por causa das normas sociais, da cultura e das próprias limitações do sujeito, ainda construídas na infância na relação com os pais. Se o inconsciente busca o prazer a todo custo, há o outro lado da moeda: a censura que impede a sua realização. Daí estes desejos surgirem como lampejos nos sonhos, que se disfarçam de certos mecanismos para realizar essa função desejante. Freud criou a teoria sobre o trabalho do sonho (distorção no sonho para proteger o sujeito do caráter ameaçador dos seus desejos), em que fala dos mecanismos da condensação e do deslocamento. 
A condensação é como juntar no sonho parte das vivências do quotidiano com outras censuradas, provocando confusão. ''O mecanismo de condensação é marcado pelo conteúdo do sonho de forma abreviada. O conteúdo manifesto (lembrado) é sempre menor que o latente isso porque a condensação opera de três formas, omitindo determinados elementos dos pensamentos latentes (ocultos, inconscientes); permite que apenas um fragmento do conteúdo latente (oculto) apareça no sonho manifesto; e por último, combina vários elementos do conteúdo latente num único elemento do conteúdo manifesto. Já o mecanismo do deslocamento pode operar mudando a ênfase de um elemento relevante, que diz respeito ao desejo inconsciente, para outro sem importância como uma forma de disfarçar. Além de estes mecanismos mascararem o sonho, ainda se passam de forma cruzada, formando às vezes sonhos como espécies de quadros desconexos, o que dificulta a sua interpretação.
 
CORRELAÇÃO ENTRE SONHOS E A PSICANÁLISE
Através deste artigo procurei analisar a obra audiovisual Sonhos (Dreams, 1990) do japonês Akira Kurosawa sob o aspecto estrutural do filme, recorrendo a abordagens de narrativa e estética fílmica, e à sua mensagem, o que o diretor expressou em película.
Estudos feitos acerca do filme acham diferentes significâncias da mensagem que o filme passa, não por tratarmos aqui de um filme sem foco temático, mas por ser aberto a pensamentos e divagações, como nossos sonhos; achando referências desde a psicanálise até à questão ambiental, a sustentabilidade. Este artigo terá como foco as questões psicanalíticas tratadas por Kurosawa no filme, que questionam as grandes preocupações da psique humana: a culpa, o medo, o afloramento da sexualidade, a preocupação com a natureza, a morte.
Introdução
Sonhos é dividido em oito episódios, iniciados cada um com os dizeres “konna yume wo mita”, em inglês, na tradução original, “I had a dream like this”, traduzido para português como “vi um sonho assim” e a partir dessa cartela inicial somos levados a uma viagem com oito personagens diferentes, mais ou menos explicitados dependendo do sonho, adentrando e nos identificando com o pensamento do cineasta. Essa identificação público-obra, que tantos artistas falham em alcançar, é a verdadeira ars poética, este artifício usado para alcançar e aprofundar a compreensão de uma obra por parte de seus espectadores diminui a repulsa às fantasias de estranhos, que segundo a hipótese freudiana possuímos, e transforma-nos em cumplices do diretor. Caminhamos com ele pelos seus sonhos e somos felizes com isso, passamos para a tela nossas próprias experiências oníricas e devaneios. O nosso olhar é um aventureiro na película; como discorre Ismail Xavier em Cinema: Revelação e Engano, “este olhar confere um corpo ao olho da câmera, inventando um sujeito que percorre, como peregrino, o sonho de outrem” (Xavier, 1988). Por meio de artifícios, como a belíssima estética do filme, o diretor atenua o espirito egoísta de seus devaneios e leva-nos junto nessa viagem interior.
O filme foi uma coprodução entre Japão e Estados Unidos, contando com o patrocínio de Steven Spielberg, um fã assumido de Kurosawa. Abordando assuntos de caráter intricadamente humano, o filme apresenta-nos quatro sonhos e quatro pesadelos, discutidos isoladamente à frente. Todos os sonhos dialogam entre si, como um amadurecimento pessoal do artista; o filme cresce em significância e sentimentos retratados: nos dois primeiros sonhos somos apresentados a crianças (o personagem-diretor se faz presente desde o início) que expõem seus medos e descobertas de infância, nos próximos sonhos, já com adultos retratando o eu do diretor – diga-se de passagem, que o mesmo ator representou os protagonistas dos seis últimos sonhos -, desaguamos em seus temores mais sedimentados e amadurecidos. É nessa passagem de sonhos que se monta a narrativa, o fluxo da história, assim como o próprio cinema se faz com a passagem de vários quadros que dialogam entre si, “a significação de uma imagem depende muito do confronto com as imagens vizinhas” (Martin, 1985, p. 94). 
Por não tratar-se de um filme norte-americano, o grande público espera reconhecer na película elementos visuais e culturais que mostrem o país de onde o filme tem origem, mas Sonhos destoam deste pensamento. Motivo até de uma das principais críticas ao diretor, ao qual acusam que a obra deste seria apenas uma cópia de menor valor do cinema ocidental. A discussão sobre a nacionalidade das obras artísticas, desde a arquitetura até a literatura, sempre foi muito discutida e não nos cabe neste artigo iniciar um parêntese sobre o assunto, o importante a ser dito é que Kurosawa era um cidadão do mundo apaixonado pela arte, Os corvos, o quinto episódio de Sonhos dialoga com os quadros de Van Gogh – interpretado por Scorsese, outro fã confesso de Kurosawa – e com a música de Chopin, dois artistas europeus que possuem obras de grande valor artístico reconhecidas mundialmente. 
O filme inicia-se com Um raio de Sol através da chuva, em que temos a discussão sobre a curiosidade sexual que nos permeia na infância e a descoberta acerca das consequências que as transgressões levam. Logo depois temos O jardim dos pessegueiros, o desabrochamento da realidade, a desilusão com os pais, o amadurecimento são tratados aqui. Em sequência, logo após o crescimento deste personagem-diretor, é nos dado A Tempestade e o primeiro pesadelo; o desamparo e a morte circulam este sonho e ainda nossa relação com estes elementos. O túnel, o episódio seguinte, através do trauma da guerra, já consolidado no Japão, retrata em pesadelo, a morte do eu para o mundo e seu nascimento para ele mesmo. 
Continuamos com Os corvos, a luz e as cores enchem a tela, numa referência nada contida à arte e como esta se relaciona com nossa vida e com a realidade. O sexto retrata outro pesadelo, Monte Fuji em vermelho mostrando o medo do personagem-diretor do que nós, seres humanos, podemos causar à natureza; dialoga prontamente com o próximo episódio, que retrata uma sociedade pós-destruição, O ogro que chora. Chegamos enfim ao último sonho, A vila dos moinhos, a celebração da morte em uma vida bem vivida. 
Elementos narrativos
Cada episódio em Sonhospossui um início, desenvolvimento e fim próprio. Apesar de estes tratarem de um mesmo tema em comum, o sonho, o inconsciente, eles não se ligam de forma convencionalmente natural. 
Fades out encerram cada episódio e cartelas com os dizeres já vistos anteriormente, “vi um sonho assim”, anunciam o início de um novo sonho, em média, cada um de quinze minutos. A linearidade de pensamento que temos na ordem da apresentação dos episódios veio sendo falada durante a apresentação do enredo geral; os dois primeiros sonhos são de quando o nosso personagem-diretor era uma criança, ou sonhou que era uma criança, e seus medos, descobertas e desenvolvimento psicológico consequente são apresentados durante estes episódios. Nos seis seguintes, temos a apresentação do desfecho de quatro pesadelos e apenas dois sonhos. A criança cresceu e agora é um adulto que apresenta aos espectadores seus temores e pensamentos de forma inconsciente e poética. 
Este diretor-personagem, a que o artigo se refere desde o início, é basicamente Kurosawa transformado em oito personagens diferentes, explicando sua participação em seus próprios sonhos. Acompanhamos o personagem específico em cada curta, sabendo que este é a projeção do diretor em tela, é o navegador de cada sonho. Por isso são características destes personagens a confusão aparente de desfechos surpreendentes para a realidade, a emoção a flor da pele, o medo e a angústia altamente expressivos. É um filme sem narrador.
O desenho sonoro do filme dialoga lindamente com os enquadramentos poéticos e fixos. A música orquestrada acompanha o desenrolar das histórias dando picos de emoções em momentos determinados, como Chopin no episódio cinco, Os corvos, e silenciando em momentos determinados de tensão. O som ambiente da natureza, consoante com o cinema japonês, é dividido com as músicas emocionantes, somente instrumentais, com instrumentos musicais tanto da cultura japonesa quanto ocidentais, como o órgão. Em certos momentos as vozes dos personagens secundários quando falam com os protagonistas ficam mais graves, quase roucas, mas poderosas, como nos nossos sonhos.
Conclusão
Akira Kurosawa possui uma sensibilidade única no desenrolar de seus filmes. Sonhos, particularmente é uma obra extremamente intimista e delicada, que disserta sobre o tempo, a morte, a vida. Em uma entrevista para uma revista, sob a seguinte pergunta “o que faria se tivesse o poder de influenciar a sociedade e mudá-la?”, Kurosawa respondeu: Daria o melhor de mim para aproveitar minha habilidade como artista. Eu me sinto responsável, verdadeiro e honesto para com minha profissão e estou consciente disso. Eu estou primeiro lidando com a sociedade japonesa e tentando ser cândido ao lidar com nossos problemas. Eu espero que você entenda isso sobre mim quando vir o filme. Como um contador de histórias não tem segredos.
Com o amor pela estética, o zen-budismo acentuado, preceitos do pensamento confeccionista, Kurosawa criou Sonhos com uma carga emocional carregada, intensa, mas delicada. Como ele próprio é um filme humanista, de estética metodológica poética e grande nos detalhes. Invade nosso inconsciente e nos convida a pensar, a filosofar; é uma história que precisava ser contada.

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