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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ECONOMIA CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS VICTOR AMADEU OLIVEIRA PIRES DOS SANTOS ECONOMIA DO CRIME Teorias sobre as causas da criminalidade com destaque na literatura nacional sobre a teoria econômica do crime Niterói - RJ 2013 VICTOR AMADEU OLIVEIRA PIRES DOS SANTOS ECONOMIA DO CRIME Teorias sobre as causas da criminalidade com destaque na literatura nacional sobre a teoria econômica do crime Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Prof.PhD Cláudio Consídera Niterói - RJ 2013 Setembro/2013 VICTOR AMADEU OLIVEIRA PIRES DOS SANTOS ECONOMIA DO CRIME Teorias sobre as causas da criminalidade com destaque na literatura nacional sobre a teoria econômica do crime Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Econômicas. Banca examinadora _____________________________________________________ Prof. PhD.Cláudio Consídera (Orientador) Faculdade de Economia – Universidade Federal Fluminense _____________________________________________________ Prof. PhD. Renaut Michel (Examinador I) Faculdade de Economia – Universidade Federal Fluminense ____________________________________________________ Prof. Diogo Braga (Examinador II) Faculdade de Economia – Universidade Federal Fluminense Niterói - RJ 2013 “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas...” Sun Tzu RESUMO Diante dos danos causados pela violência à sociedade, esse trabalho busca entender e identificar os determinantes socioeconômicos que influenciam a criminalidade brasileira, a partir da teoria econômica do crime de Becker (1968), dos estudos teóricos e empíricos sobre a criminalidade no Brasil e da revisão bibliográfica de autores nacionais e internacionais. O enfoque econômico do crime aborda as escolhas realizadas pelos indivíduos e explica o comportamento criminoso como um processo de decisão racional, no qual o indivíduo age como um agente econômico que avalia custos, benefícios e riscos antes de praticar um ato ilícito. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão bibliográfica sobre a teoria econômica do crime e os trabalhos empíricos sobre a criminalidade brasileira, visando identificar as possíveis variáveis e fatores socioeconômicos que motivam esse comportamento desviante, e traçar um perfil que possa servir de subsídio para a elaboração e implementação de políticas eficientes para o controle e redução da criminalidade. Palavras-chave: teoria econômica do crime – escolha racional – comportamento criminoso – atividade ilegal SUMÁRIO CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO 2 – TEORIAS SOBRE A CRIMINALIDADE 4 2.1 Teorias das patologias individuais 5 2.2 Teoria da desorganização social 7 2.3 Teoria do estilo de vida 8 2.4 Teoria do aprendizado social 9 2.5 Teoria do controle social 10 2.6 Teoria do autocontrole 11 2.7 Teoria da anomia 12 2.8 Teoria interacional 14 CAPÍTULO 3 – TEORIA ECONÔMICA DO CRIME 15 3.1 Modelo de Gary Becker 15 3.1.1 Danos 19 3.1.2 Custos de apreensão e condenação 20 3.1.3 Oferta de ocorrências criminais 21 3.1.4 Punição 25 3.1.5 Gastos privados 31 3.1.6 Conclusões de Gary Becker 33 3.2 Estudos posteriores à teoria de Gary Becker 34 CAPÍTULO 4 – LITERATURA NACIONAL SOBRE A CRIMINALIDADE 41 CAPÍTULO 5 – CONCLUSÃO 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 54 1 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO De acordo com a pesquisa, realizada em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Opiniões Públicas e Estatísticas (IBOPE), a segurança pública é a terceira maior preocupação dos brasileiros, segundo 13,0% dos entrevistados, ficando atrás somente da educação, com 16,0% e saúde, com 41,0%. Temas como: o desemprego, a inflação, os juros altos e impostos elevados não são mais as principais preocupações da opinião pública e, por outro lado, a criminalidade vem ganhando importância e atenção especial da sociedade, pois os elevados custos associados a esse fenômeno impõem restrições sociais, econômicas e afetam grande parcela da população. Nos últimos dez anos, houve um aumento do número de estudos sobre a criminalidade no Brasil, inclusive entre os economistas, refletindo a preocupação com as perdas e danos que o crime provoca à sociedade e os elevados custos socioeconômicos envolvidos. Estimativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) demonstram que a violência e o enorme contingente da população carcerária brasileira geram custos à sociedade em torno de 10,5% do PIB em razão das despesas com serviços como: atendimento hospitalares, efetivo policial, aparatos de segurança pública, sistema judicial, e das perdas no setor de turismo, atividades econômicas, investimentos externos, entre outras receitas indiretas. Além disso, os custos em segurança privada aumentaram 25,0% em dez anos, alcançando o faturamento recorde de R$32 bilhões em 2012, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Vigilância (ABREVIS), impactando nos custos de serviços e preço final de artigos comercializados, pressionando a inflação. O fenômeno da criminalidade é um problema social, econômico e político de importância inquestionável. É um problema social, pois afeta a qualidade e expectativa de vida da população, é um problema econômico, pois limita o potencial de desenvolvimento das economias, e é um problema político, pois as ações necessárias para combater o crime envolvem a participação ativa dos governos e a alocação de recursos públicos escassos em detrimento de outros objetivos de políticas públicas. (ARAÚJO JR. e FAJNZYLBER, 2001) Apesar dos estudos teóricos e da série de trabalhos empíricos, não se chegou a uma conclusão a respeito da melhor proposta de política pública de redução da criminalidade. Alguns pensadores políticos e autoridades competentes sugerem que o crime deve ser combatido com ênfase na repressão policial, o que não se mostra eficiente a partir de dados estatísticos e teste de significância, e outros argumentam que o comportamento criminoso é 2 um fenômeno oriundo das condições econômicas e sociais e que políticas devem ser desenvolvidas visando os seus determinantes. Desta forma, entender as causas da criminalidade seria fundamental para a correta formulação e implementação de políticas que permitiriam a prevenção e redução do crime e da violência. O objetivo deste trabalho é, justamente, contribuir para o entendimento do fenômeno da criminalidade no Brasil, realizando uma extensa revisão bibliográfica e analisando,segundo o conceito econômico, o processo decisório individual que motiva um agente a ingressar na criminalidade. Para isso, além deste primeiro capítulo introdutório, este trabalho é composto por outros quatro. O segundo capítulo discorre sobre as teorias não econômicas sobre a criminalidade e analisa o que motiva um indivíduo a transgredir a ordem social e cometer um ato ilícito para satisfazer os seus desejos pessoais, a partir de estudos oriundos de diversas disciplinas como: biologia, psicologia, psiquiatria, criminologia, geografia, política, sociologia e direito. No terceiro capítulo, é apresentado o referencial teórico sobre a teoria da escolha racional, a qual suporta as pesquisas empíricas e estudos econômicos sobre a criminalidade. É explicada e analisada a teoria econômica do crime, desenvolvida por Becker (1968) e as contribuições de Ehrlich (1973), Block e Heineke1 (1975 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004), Eide2 (1994 apud BRENNER, 2001), Levitt (1996), entre outros, que interpretam a atividade criminosa como uma atividade econômica ilegal, e não, como uma atividade oriunda de patologias e/ou desvios sociais. Estes autores analisam o crime segundo a teoria racional da escolha individual, em que o indivíduo, compara as expectativas de lucro e de risco no mercado de trabalho legal e na atividade ilegal, crime. No quarto capítulo, são apresentadas as contribuições, de cunho econômico, sobre as causas da criminalidade no Brasil a partir da revisão bibliográfica da literatura nacional. São destacados os estudos de autores como: Pezzin3 (1986 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004), Andrade e Lisboa (2000), Pereira e Fernandez (2000), Araújo Jr. e Fajnzylber (2001), Shikida (2002), Cerqueira e Lobão (2003a), Lobo e Fernandez (2003), Almeida (2007), entre outros; assim como a metodologia e as variáveis utilizadas pelos mesmos. Por fim, no quinto capítulo, são resumidos os principais resultados encontrados nos estudos brasileiros sobre a criminalidade, é feito uma breve análise sobre a segurança pública no Brasil e são 1 BLOCK, M. K. e HEINECKE, J. M. A labor theoretic analysis of the criminal choice. American Economic Review, v.65, p.314-325, 1975. 2 EIDE, E. Models of crime. University of Oslo. n.C1, Noruega, 1994. 3 PEZZIN, L. Criminalidade urbana e crise econômica. São Paulo: IPE/USP, 1986. 3 determinadas as possíveis causas da criminalidade brasileira; imprescindível para formulação de políticas de contenção criminal, conforme Cerqueira e Lobão (2004): Do ponto de vista da intervenção pública para a manutenção da paz social, não importa conhecer a verdade. Importa, antes de mais nada, reconhecer se em uma determinada região há alguma regularidade estatística entre aqueles fatores criminogênicos [sic], concretos (presença de armas, drogas etc.), ou imaginários (supervisão familiar, reconhecimento etc.), e, além disso, saber se o Estado possui instrumentos para intervir nessa regularidade, direta ou indiretamente, com a participação da própria sociedade. As teorias de causação [sic] do crime, ao lançarem luz sobre determinadas variáveis e sua epidemiologia, permitem que o planejador do Estado escolha dentre inúmeras variáveis aquelas que supostamente devem ser as mais importantes. Os modelos empíricos, ao detalharem a metodologia de aferição, possibilitam a centralização das atenções e dos escassos recursos públicos em algumas poucas variáveis, que podem não explicar uma verdade universal, mas interferem decisivamente (com maior probabilidade) na dinâmica criminal daquela região onde se quer intervir. (2004, p.234) Sendo assim, ao explorar e identificar quais variáveis são mais significantes ao processo decisório de ingresso na criminalidade, é possível traçar o perfil criminológico brasileiro e determinar as características socioeconômicas que motivam à ilegalidade, permitindo a elaboração de política mais eficiente para redução dos crimes motivados por fatores econômicos como: tráfico de drogas, furto e roubo, crimes estes responsáveis por 71,2% dos aprisionamentos no Brasil, segundo dados de 2012 do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). 4 CAPÍTULO 2 – TEORIAS SOBRE A CRIMINALIDADE Este capítulo discorre sobre as teorias não econômicas sobre a criminalidade e analisa o que motiva um indivíduo a transgredir a ordem social, cometendo um ato ilícito para satisfazer os seus desejos pessoais. Diversos autores, de diversas épocas diferentes, elaboraram estudos para entender o comportamento criminoso, o qual pode ser explicado por diversas disciplinas como: biologia, psicologia, psiquiatria, criminologia, geografia, política, sociologia, direito e economia. Segundo Cano e Soares4 (2002 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004) é possível separar as disciplinas sobre as causas do crime em cindo grupos distintos: a) teorias que tentam explicar o crime em termos de patologia individual; b) teorias centradas no homo economicus [sic], isto é, no crime como uma atividade racional de maximização do lucro; c) teorias que consideram o crime como subproduto de um sistema social perverso ou deficiente; d) teorias que entendem o crime como uma conseqüência [sic] da perda de controle e da desorganização social na sociedade moderna; e) correntes que defendem explicações do crime em função de fatores situacionais ou de oportunidades. (2004, p.236) Lombroso5 (1968 apud BRENNER, 2001), buscou, nas disciplinas biológicas, psicológicas e psiquiátricas, determinar a causa geral que explica o comportamento criminoso e as formas de erradicação da criminalidade, como uma doença. Outros autores se basearam nas disciplinas políticas e sociológicas, relacionando o crime com o aprendizado, controle e desorganização social, teorias com grande robustez empíricas e contributivas ao tema. No que tange o ramo do direito, Smith (1988), em sua obra magna A riqueza das nações, foi um dos primeiros autores a desenvolver uma análise sobre o crime segundo os direitos de propriedade individual. Ele afirmou que o principal propósito do governo é a manutenção da justiça, como forma de evitar que os membros da sociedade roubem a propriedade alheia e tomem para si o que não lhes pertence, dando a cada indivíduo a posse assegurada de sua propriedade. Essa definição legal sobre o crime é aceita até hoje, pois, segundo Brenner (2001), crime por definição é [...] “um ato de transgressão de uma lei vigente na sociedade. A sociedade define, através de seus representantes, o que é um ato ilegal via legislação e pela prática do Sistema de Justiça Criminal.” (2001, p.32) 4 CANO, I. e SOARES, G. D. As Teorias sobre as Causas da Criminalidade. Rio de Janeiro, IPEA. Manuscrito, 2002. 5 LOMBROSO, C. Crime, its Causes and Remedies (Traduzido para o inglês por H. P. Horton, N. J. Montclair e S. Patterson), 1968. 5 Analisando o crime pela disciplina econômica, Becker (1968) se destaca como o principal e precursor dessa linha de análise sobre a criminalidade. Ele elaborou um modelo microeconômico onde os indivíduos decidem se irão cometer um ato criminoso, ou não, segundo escolhas racionais oriundas de cálculos entre seus custos e benefícios. Gary Becker (1968), com o artigo seminal Crime and Punishment: An Economic Approach, impôs [sic] um marco à abordagem sobre os determinantes da criminalidade ao desenvolver um modelo formal em que o ato criminoso decorreria de uma avaliação racional em torno dos benefícios e custos esperados aí envolvidos, comparados aos resultados da alocação do seu tempo no mercado de trabalho legal. Basicamente, a decisão de cometer ou não o crime resultaria de um processo de maximizaçãode utilidade esperada, em que o indivíduo confrontaria, de um lado, os potenciais ganhos resultantes [sic] da ação criminosa, o valor da punição e as probabilidades de detenção e aprisionamento associadas e, de outro, o custo de oportunidade de cometer crime, traduzido pelo salário alternativo no mercado de trabalho. (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p.247) Entretanto, mesmo a teoria econômica da escolha racional, oriunda dos estudos de Becker (1968), a qual será devidamente detalhada no terceiro capítulo desta monografia, não é autossuficiente e apresenta lacunas que devem ser preenchidas com análises sobre o comportamento humano. Por mais que a ciência econômica já tenha avançado nos estudos sobre a criminalidade, ainda são necessárias observações de outras disciplinas, supracitadas, para se entender as motivações e as causas do ato criminoso. Becker (1968) destaca que outras variáveis devem ser consideradas na escolha do indivíduo entre o mundo do crime e mercado legal de trabalho como: idade, nível de educação, riqueza, antecedentes criminais, nível de inteligência e criação recebida pela família. Desta forma, serão apresentadas, a seguir, as teorias que contribuem para o esclarecimento do comportamento humano e identificar, a partir de uma breve revisão bibliográfica sobre o tema, quais são as variáveis que devem ser levadas em consideração na escolha do indivíduo entre o crime, a ilegalidade, e o mercado de trabalho, a legalidade. 2.1 Teorias das patologias individuais Uma das primeiras teorias desenvolvidas para se explicar a criminalidade, foi a teoria das patologias individuais. Segundo esta teoria, o indivíduo com características genéticas específicas são mais propensos a cometer um crime, partindo do princípio que alguns indivíduos já nascem sendo criminosos em potenciais. 6 Esta teoria foi formulada a partir dos estudos de Lombroso6 (1968 apud BRENNER, 2001), médico-cirurgião e cientista que adicionou às pesquisas legais sobre a criminalidade, estudos científicos psicológicos e psiquiátricos, onde [...] “criminosos seriam um tipo de indivíduo inferior, que se caracterizaria por desordens mentais, alcoolismo, neuroses, entre outras particularidades” (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p.237) e biológica, [...] “na qual a formação óssea do crânio e o formato as orelhas, entre outras características, constituíram indicadores da patologia criminosa.” (ibidem, p.237), dando ao indivíduo criminoso uma constituição física e características mentais distintas, como testas e/ou mandíbulas avantajadas e baixa inteligência. Entretanto, estudos sobre a criminalidade, com base em dados estatísticos, demonstraram que doenças e singularidades psicológicas não são representativas como causa de ocorrência criminal, conforme afirmado por Eide7 (1994 apud BRENNER, 2001): Cleptomania pode ser um sintoma de neurose compulsiva, mas seguramente só uma parte muito pequena dos furtos, podem [sic] ser atribuídos a esta doença. A calúnia pode estar relacionada com mania de perseguição, e desvios de conduta sexual, podem levar à realização de agressões nesta área, mas muitos crimes deste tipo são também realizados por pessoas normais. (2001, p.155) Após estudos e pesquisas demonstrarem que não há nenhuma diferença significativa entre indivíduos criminosos e não criminosos, essa teoria perdeu força e abriu espaço para estudos nas áreas da neurobiologia do crime e a biologia social, que relacionam características bio-psicológicas do indivíduo criminoso à sua vida e relações sociais, ou segundo Cano e Soares8 (2002 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004): [...] Por esta visão, o crime, particularmente o homicídio, decorreria da necessidade consciente ou inconsciente do indivíduo de preservar sua linha genética. Essa hipótese explicaria por que haveria maiores taxas de filicídios ou de abusos de crianças por pais que não os biológicos. (2004, p.237) Há um consenso entre os estudiosos da criminologia que, além das disfunções e desvios dos indivíduos criminosos, aspectos sociais e culturais são fundamentais para se determinar o que motiva um indivíduo a cometer um ato criminoso, e é por este caminho que teorias mais atuais vêm sendo desenvolvidas. 6 LOMBROSO, C. Crime, its Causes and Remedies (Traduzido para o inglês por H. P. Horton, N. J. Montclair e S. Patterson), 1968. 7 EIDE, E. Models of crime. University of Oslo. n.C1, Noruega, 1994. 8 CANO, I. e SOARES, G. D. As Teorias sobre as Causas da Criminalidade. Rio de Janeiro, IPEA. Manuscrito, 2002. 7 2.2 Teoria da desorganização social A teoria da desorganização social é uma teoria bem mais complexa do que a teoria das patologias individuais, pois não leva apenas em consideração o indivíduo, mas todo o ambiente social que o cerca. O processo de socialização e formação cultural é o que forma o caráter, virtude, moral e ética do indivíduo, e, segundo esta teoria, a criminalidade seria resultado de falhas ou desarranjos na organização das redes familiares, sócio-educativas e de amizades, que desvirtuariam e impediriam a correta formação social do indivíduo. Uma melhor definição desta teoria seria: Trata-se de uma abordagem sistêmica cujo enfoque gira em torno das comunidades locais, sendo estas entendidas como um complexo sistema de redes de associações formais e informais, de relações de amizade, parentesco e outras que, de alguma forma, contribuam para o processo de socialização e aculturação do indivíduo. Essas relações seriam condicionadas por fatores estruturais, como status econômico, heterogeneidade étnica e mobilidade residencial. Além destes, a teoria tem sido estendida [sic] para comportar outras variáveis, como fatores de desagregação familiar e urbanização. (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p.238) No que tange as redes familiares, os desarranjos e desestruturação dessa rede podem ser causados pela: ausência da mãe e/ou do pai, a falta de supervisão ou orientação dos responsáveis, tratamento violento ou ríspido aos filhos e a falta de imposição de limites; [...] “questões de educação familiar inadequada (famílias grandes demais, existência de parentes criminosos, falta de apego com os pais, má criação educacional, etc.) tem poder de influenciar na conduta futura [...] podendo resultar na formação de um criminoso contumaz.” (BRENNER, 2001, p.235) No que tange a formação educacional, há uma relação evidente entre o abandono escolar e a criminalidade. A falta de educação e de orientação na escola pode causar uma difícil socialização, falta de disciplina, rebeldia e frustrações com os resultados obtidos, baixos salários e estagnação profissional, ocasionados pela baixa escolaridade e pela falta qualidades pessoais necessárias para o mercado de trabalho legal; o que incentiva o indivíduo a buscar fontes ilegais de renda para satisfazer suas aspirações pessoais. Para alguns autores, a adesão escolar deve ser incentivada como forma de diminuir a criminalidade e garantir um futuro melhor ao jovem em formação, como destaca Brenner (2001) em sua obra: Nas escolas, talvez devam ser pensadas soluções alternativas para os que não de adaptam, que deem [sic] menos ênfase ao volume de conteúdo e dediquem mais tempo ao esporte, de uma maneira mais próxima ao nível profissional, para de alguma forma, redundar em uma profissão futura, ou mesmo simplesmente 8 desenvolver mais disciplina e dedicação para alcançar um objetivo nobre a médio prazo. (2001, p.247) Teorias baseadas em interações sociais são amplamente estudadas e têm apresentado resultados favoráveis em análises empíricas sobre taxas de criminalidade, pois os fatores que vêm apresentando estatísticas significativas, emordem de significância, são: a desagregação familiar, taxa de urbanização, idade, desigualdade e baixo nível educacional. 2.3 Teoria do estilo de vida Diferentemente das teorias supracitadas, a teoria do estilo de vida não analisa diretamente as motivações e o comportamento individual, mas sim, o indivíduo em si; melhor dizendo, analisa o estilo de vida do indivíduo, seus hábitos e rotinas, tanto por parte do criminoso quanto da vítima. Pela ótica da vítima, as oportunidades oferecidas que influenciam o criminoso e a própria vitimização do indivíduo, dependem de variáveis como: capacidade de proteção pessoal, natureza do delito, atrativos aparentes das vítimas, nível de exposição à riscos e a proximidade da vítima ao agressor. Dessa forma, quanto maiores as facilidades oferecidas pela vítima em potencial, também serão maiores as chances de um criminoso em potencial cometer um delito. Segundo Cerqueira e Lobão (2004): Essa abordagem assume como hipótese implícita a existência de três elementos: uma vítima em potencial, um agressor em potencial e uma tecnologia de proteção ditada pelo estilo de vida da vítima em potencial. Nesse caso, quanto maior a provisão de recursos por proteção, maiores os custos de se perpetrar o crime e menores as oportunidades para o agressor. (2004, p.240) Pela ótica do criminoso, segundo Gonçalves e Vieira (2005), devem ser analisadas as condições pessoais e sociais que aumentam a predisposição para uma vida criminosa, irresponsável e violadora de regras sociais, como: a necessidade constante de estímulos e sensações, a escolha por um estilo de vida antissocial, a auto-desculpabilização (utilizando justificações irrelevantes para os atos cometidos), o curto-circuito (afastando e eliminando emoções), a permissividade, o controlo do meio, o sentimentalismo (aparentando ser boa pessoa e ter qualidades), o super otimismo (tendo uma visão irreal dos seus atributos e da capacidade de evitar as consequências das suas ações), a indolência cognitiva (procurando comportar-se segundo a lei do mínimo esforço) e a inconsistência (agindo com falta de 9 perseverança para efetuar qualquer tarefa que exija esforço). Alguns exemplos foram destacados pelos autores Gonçalves e Vieira (2005): O estilo de vida de um criminoso caracteriza-se pela irresponsabilidade na escola, no trabalho e em casa, a que se alia uma propensão para o envolvimento em atividades marcadas pela indiferença, a desinibição, a impulsividade e a auto- desresponsabilização [sic], tais como o abuso de álcool e drogas, a promiscuidade sexual, o vício do jogo e a ostentação de tatuagens. Este retrato completa-se com o início precoce na violação de normas, regras e costumes sociais, para além de ofensas persistentes aos direitos e à dignidade das outras pessoas. De acordo com a maior ou menor presença de distorções cognitivas e a forma como estas se “encaixam” irá predominar um estilo de criminal em detrimento de outros ou, nos casos mais problemáticos, podem co-existir [sic] mais do que um senão todos os estilos, (2005 p. 83) A teoria do estilo de vida é utilizada em trabalhos empíricos baseados em pesquisas de vitimização. Entretanto, como esta teoria se baseia apenas no estilo de vida do indivíduo, algo discricionário e sem um padrão definido, não ficam evidentes as causas que levam alguns indivíduos a escolher uma vida criminosa e muito menos como essa atitude ilegal pode se difundir na sociedade. Essa falta de padrão comportamental impede a elaboração de políticas de segurança pública aplicáveis, pois seria uma agressão à constituição e à liberdade individual impor um estilo de vida padrão e socialmente aceito, como forma de controle do crime. 2.4 Teoria do aprendizado social Diferentemente das teorias abordadas anteriormente, segundo Sutherland9 (1973 apud, Cerqueira e Lobão, 2004), a teoria do aprendizado social analisa o processo de determinação do comportamento, favoráveis ou desfavoráveis ao crime, baseado em experiências individuais, a partir de interações entre familiares, amigos e da comunidade que cerca o indivíduo. Os efeitos dessa interação social são indiretos e suas influências são captadas pela variável determinação favorável do crime (DEF) que não pode ser determinada diretamente e, sim, como resultado de uma série de outras variáveis: [...] “grau de supervisão familiar; intensidade de coesão nos grupos de amizade; existência de amigos que foram, em algum momento, pegos pela polícia; percepção dos jovens acerca de outros jovens na vizinhança que 9 SUTHERLAND, E. H. “Development of the Theory”, in K. Schuessler (ed.), Edwin Sutherland on Analyzing Crime. Chicago, IL, Chicago University Press, p. 30-41, 1973 10 se envolvem em problemas; e se o jovem mora com os pais.” (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p.241) De acordo com estudos empíricos recentes relacionados à teoria do aprendizado social os fatores que mais influenciam os indivíduos, principalmente os jovens em formação, a cometer crimes são: estrutura familiar desagregada, baixo nível educacional, falta de oportunidades, problemas na vida profissional, convívio em focos de conflitos, tensão social e a existência de parentes e/ou amigos presos. Essa influência pode ser observada nos estudos de Thornberry10 (1996 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004) que evidencia a forte relação entre o comportamento criminoso do indivíduo e a amizade deste com grupos delinquentes, o que confirma a importância desta teoria para a compreensão do comportamento criminoso. A seguir, de encontro com as teorias expostas até este item, são apresentadas teorias que tentam explicar por que alguns indivíduos se abstêm de cometer delitos, seja por razões individuais ou pelo controle da sociedade. 2.5 Teoria do controle social Ao contrário das teorias anteriores, que tinham como objetivo explicar o que leva os indivíduos a cometerem crimes, atuando de forma ilegal e não acatando as normas estipuladas pela sociedade, através da legislação e da prática do sistema de justiça criminal, a teoria do controle social analisa porque alguns indivíduos se abstêm de cometê-los. Segundo Cerqueira e Lobão (2004) os elementos dissuasivos, ou elementos que incentivam o indivíduo a não cometer um crime e agir conforme os padrões sociais, seria a ligação, o envolvimento, que o indivíduo em questão tem com a própria sociedade ou a crença e concordância desse indivíduo com o trato ou acordo social; [...] “quanto maiores forem os seus elos com a sociedade e maiores os graus de concordância com os valores e normas vigentes, menores seriam as chances de esse ator se tornar um criminoso.” (2004, p.242) Para Viapiana (2006), o comportamento criminoso das pessoas pode ser freado pelas sanções legais ou extralegais. Da mesma forma, Cerqueira e Lobão (2004) afirmam que a formação moral e religiosa dos indivíduos, nível educacional, vínculos familiares e comunitários servem como freios ao cometimento de crimes, segundo a ótica das sanções de 10 THORNBERRY, T. P. “Empirical Support for Interactional Theory: A Review of the Literature”, in J. D. Hawkins (ed.), Some Current Theories of Crime and Deviance. New York, Cambridge University Press, p. 198- 235, 1996. 11 natureza extralegal; e o efeito dissuasão, sob o aspecto legal, depende da eficácia das ações policiais e da justiça na detenção e contenção dos criminosos. 2.6 Teoria do autocontrole A teoria do autocontrole, desenvolvido por Gottfredson e Hirschi11 (1990 apud VIAPIANA, 2006), afirma que o comportamento desviante de um indivíduo criminoso é resultadode falhas que ocorreram no sistema de controle social, teoria elucidada anteriormente. O indivíduo criminoso apresenta um comportamento irregular, pois não desenvolveu mecanismos psicológicos de autocontrole na infância até o início da adolescência, entre dois e treze anos de idade, devido às falhas de imposição e instrução de limites, educação e condutas ético-morais, durante a fase de formação. [...] Tal “anormalidade” decorreria de deformações no processo de socialização da criança, motivadas pela ineficácia na conduta educacional ministrada pelos pais, que falharam em não impor limites e estabelecer limites à criança, seja por conseqüência [sic] da falta de uma supervisão mais próxima, ou seja, por negligenciar eventuais faltas de comportamento da criança, não impondo relativas punições à mesma, endossando assim o seu comportamento egoísta. (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p.243) O indivíduo que não desenvolveu de forma correta os mecanismos psicológicos de autocontrole na infância torna-se um adulto impulsivo, com baixo autocontrole, com tendência a cometer atos ilegais para obtenção de bens e benefícios desejados de longo e/ou curto prazo. A diferença entre o indivíduo com e sem a formação correta do autocontrole é justamente a forma e os atos cometidos para suprir seus desejos. Enquanto os indivíduos, com autocontrole, desenvolvem habilidades através da educação e do esforço próprio, outros indivíduos, sem autocontrole, não conseguem esperar esse tempo de desenvolvimento e preferem obter os benefícios de forma mais rápida e fácil, agindo de forma ilegal e cometendo atos criminosos. Para Viapiana (2006): O ponto central da teoria do autocontrole é que existe um elemento comum em todos os atos desviantes e/ou crimes, sejam eles leves ou graves, que consiste precisamente na existência de um agressor não contido, disposto a correr o risco de arcar com custos de longo prazo em troca de benefícios pessoais imediatos. Não 11 GOTTFREDSON, D. C. e HIRSCHI, T. A General Theory of Crime. Stanford, CA, Stanford University Press, 1990. 12 existe diferença nos benefícios desejados; afinal, todos almejam as mesmas coisas – dinheiro, poder, bens materiais, sexo, enfim. (2006, p.109) Falhas no processo de formação do indivíduo podem resultar na criação de um criminoso em potencial. A teoria do autocontrole analisa o crime como consequência da ausência do controle social na fase da infância e pré-adolescência, sendo assim, programas de apoio à criança, seja na instituição familiar ou escolar, pode ser uma forma eficiente para a diminuição das taxas de criminalidade. 2.7 Teoria da anomia A teoria da anomia, que significa ausência ou inexistência de normas ou leis (do grego anomos + omos) é uma das mais tradicionais e estudadas explicações a respeito do comportamento criminoso. Essa teoria foi elaborada por Durkheim (2002), afirmando que o crime é um fenômeno essencialmente social e não patológico, pensamento comum da época, e ocorre quando há o rompimento da consciência coletiva, normas, costumes e crenças da qual a Lei e o Estado devem ser os guardiões, ocorrendo a perda da regulação social e abrindo espaço para condutas ilegais. Nas palavras do próprio autor: [...] a gênese e o crescimento da anomia é resultante de um processo em movimento e não simplesmente como uma condição que ocasionalmente surge. Devido à sua posição objetivamente desvantajosa no grupo, assim como as diferentes configurações de personalidade, alguns indivíduos são sujeitos, mais do que outros, às tensões que surgem da discrepância entre os objetivos culturais e os meios efetivos para a sua realização. Conseqüentemente [sic], eles são mais vulneráveis ao comportamento desviado. Em alguma proporção de casos, também dependentes da estrutura de controle do grupo, esses afastamentos das normas institucionais são socialmente recompensados pelo bom “êxito” de alcançar as metas. Porém, estes modos desviados de alcançar os objetivos ocorrem dentro de sistemas sociais. Em conseqüência [sic], o comportamento desviado afeta não somente os indivíduos que primeiramente se laçam a ele, mas, de certo modo, afetam também outros indivíduos com quem eles somente se interrelacionam [sic] no sistema. Uma freqüência [sic] crescente de comportamento desviado, mas “bem sucedido”, tende a diminuir e, até mesmo, como possibilidade extrema, a eliminar a legitimidade das normas institucionais para os demais componentes do sistema. O processo aumenta assim a extensão da anomia dentro do sistema, de modo que outros indivíduos sob forma de comportamento desviado à leve anomia, que a princípio prevalecia, chegam assim a proceder, quando a anomia se espalha e é intensificada. Isto, por sua vez, cria uma situação mais agudamente anômica [sic], para outros indivíduos do sistema social, que de inicio seriam menos vulneráveis. Desta forma, a anomia e as proporções crescentes de comportamento desviado podem ser concebidas como interatuantes [sic], num processo de dinâmica social e cultural, com conseqüências [sic] 13 cumulativamente destruidoras da estrutura normativa, a menos que entrem em jogo mecanismos de controle e de retenção. (2002, p. 255) A partir da ideia de Durkheim (2002), Merton12 (1938 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004) desenvolveu uma teoria, adicional à teoria da anomia original, de que o indivíduo é motivado a cometer um ato criminoso, dada a sua própria impossibilidade, real ou fictícia, de conseguir bens e atingir metas desejadas por ele, como, por exemplo, o sucesso econômico e social. Dada a complexidade do tema, Cerqueira e Lobão (2004), dividiram a teoria em três perspectivas diferentes, conforme a citação abaixo: [...] A necessidade de operacionalizar essa teoria, ou de elaborar variáveis ou questões que traduzam o sentido da mesma, fez com que surgissem três perspectivas distintas quanto à sua aferição, que encaram a questão a partir de: a) diferenças das aspirações individuais e os meios econômicos disponíveis, ou expectativa de realização; b) oportunidades bloqueadas; e c) privação relativa. (2004, p.245) Analisando cada uma dessas perspectivas, é entendido que: a primeira (diferenças das aspirações individuais e os meios econômicos disponíveis, ou expectativa de realização) analisa o processo de anomia como resultado da diferença entre as aspirações individuais versus expectativas reais; a segunda (oportunidades bloqueadas) o indivíduo acredita que não consegue alcançar o sucesso social-econômico por razões que não consegue controlar; e a terceira (privação relativa) enfatiza a distância entre o ideal de sucesso da sociedade, onde alguns alcançam, e a realidade vivida pelo indivíduo, que se torna extrema e considerada de muita importância. Essa teoria, mesmo tendo quase cem anos, é bem atual, pois pode ser aplicada sobre a sociedade moderna para explicar porque determinados membros da sociedade como, em geral os que pertencem às classes de menor poder aquisitivo, estão mais propensos a cometer crimes. A sociedade atual supervaloriza a riqueza material e o estilo de vida como símbolos do sucesso, mas por outro lado, há falhas de acesso como: condições desiguais de acessos aos meios legítimos para atingir objetivos pessoais e distribuição de oportunidades extremamente desiguais. São justamente esses diferenciais e frustrações decorrentes da defasagem entre desejos individuais, os meios socialmente existentes para satisfazê-los e as divergências sociais existentes, que instigam alguns membros da sociedade a efetuar atos ilícitos para preencher essas lacunas, promovendo o aumento da criminalidade principalmente em áreas urbanas e com desigualdades de todosos tipos. 12 MERTON, R. K. “Social Structure and Anomie”. American Sociological Review, vol. 3, p. 672-682, 1938. 14 2.8 Teoria interacional Thornberry13 (1996 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004) desenvolveu essa teoria utilizando uma abordagem dinâmica, causas e consequenciais simultâneas e recíprocas que ocorrem ao longo do tempo, para explicar o comportamento criminoso, diferentemente das outras teorias que interpretam esse comportamento como um conjunto de processos sociais unilaterais. Para analisar essa teoria e detalhá-la melhor, Entorf e Spengler14 (2002 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004) [...] “destacam que há dois elementos importantes sustentando essa abordagem: a perspectiva evolucionária e os efeitos recíprocos.” (2004, p.247). Sob a perspectiva evolucionária, o crime não é constante na vida do indivíduo, e sim, irregular, com fases: inícialmente, em torno dos doze ou treze anos de idade, meio, por volta dos dezesseis e dezessete anos e fim, por volta dos 30 anos de idade. O período intermediário, entre os dezesseis ou dezessete anos, é a fase mais importante, pois é quando o indivíduo intensifica o seu envolvimento com as atividades criminosas. Os efeitos recíprocos referem-se à própria dinamicidade da teoria, pois analisa causas e efeitos de forma mútua, ou melhor, [...] “dizem respeito às virtuais endogeneidades das variáveis explicativas entre si e delas com relação ao que se deseja explicar.” (ibidem, p.247) Essa teoria, se baseia nas teorias da associação diferencial e do controle social, pois utilizam as mesmas variáveis para explicar as causas da criminalidade e seus agentes propulsores, como: laços afetivos com os pais, desempenho escolar, envolvimento social, ligação com grupos criminosos, imposição de limites por parte dos pais, entre outros. Assim como as outras teorias revisadas neste capítulo, a teoria interacional analisa o ato criminoso segundo uma ótica social e segundo patologias e desvios comportamentais do indivíduo. No próximo capítulo, será analisada a criminalidade segundo uma ótica econômica, onde o indivíduo, não necessariamente dotado de patologias e de desvios de ordem social, avalia racionalmente os benefícios, custos e riscos esperados da ação criminosa, comparando aos resultados da alocação do seu tempo no mercado de trabalho legal. 13 THORNBERRY, T. P. “Empirical Support for Interactional Theory: A Review of the Literature”, in J. D. Hawkins (ed.), Some Current Theories of Crime and Deviance. New York, Cambridge University Press, p. 198- 235, 1996. 14 ENTORF, H. e SPENGLER, H, “Socioeconomic and Demographic Factors of Crime in Germany: Evidence from Panel Data of the German States”. International Review of Law and Economics, vol. 20, p. 75-106, 2000. 15 CAPÍTULO 3 – TEORIA ECONÔMICA DO CRIME Diferentemente das teorias abordadas no capítulo anterior, a teoria econômica do crime analisa a atividade criminosa como uma atividade econômica ilegal, e não, como uma atividade oriunda de patologias e/ou desvios sociais. Este capítulo discorre sobre as principais teorias elaboradas para determinar a criminalidade a partir de pressupostos econômicos, preconizadas pelo modelo de Becker (1968) e incrementadas pelas contribuições posteriores de Ehrlich (1973), Block e Heineke15 (1975 apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004), Eide16 (1994 apud BRENNER, 2001), Levitt (1996), entre outros. 3.1 Modelo de Gary Becker Becker (1968) foi um dos primeiros estudiosos a estudar o crime como uma atividade puramente econômica. O crime pode ser definido como: Although the word ‘crime’ is used in the title to minimize terminological innovations, the analysis is intended to be sufficiently general to cover all violations, not just felonies – like murder, robbery, and assault, which receive so much newspaper coverage – but also tax evasion, the so-called white-collar crimes, and traffic and other violations. Looked at this broadly, ‘crime’ is an economically important activity or ‘industry’, notwithstanding the almost total neglect by economists. (BECKER, 1968, p.170) Em seu artigo Crime and Punishment: An Economic Approach, Becker (1968) desenvolveu um modelo teórico microeconômico sobre a criminalidade, onde a decisão de cometer ou não um crime era tomada pelo indivíduo a partir dos benefícios e custos esperados do ato criminoso em comparação aos ganhos da alocação de seu tempo no mercado de trabalho legal. Segundo esta teoria, o indivíduo se comporta como um maximizador racional e comete um crime somente se a utilidade esperada de uma atividade ilegal exceder a utilidade que obteria se empregasse seu tempo e seus recursos em uma atividade legal, fazendo a escolha com o maior retorno. O agente econômico é, na verdade, egoísta e racional, e visa à maximização da utilidade, prazer, e a minimização de seus custos, sofrimentos. Os criminosos 15 BLOCK, M. K. e HEINECKE, J. M. A labor theoretic analysis of the criminal choice. American Economic Review, v.65, p.314-325, 1975. 16 EIDE, E. Models of crime. University of Oslo. n.C1, Noruega, 1994. 16 em potencial atribuem um valor monetário ao crime, e comparam este valor ao custo monetário envolvido na realização do mesmo, que inclui os custos de planejamento e execução, o custo esperado de serem detidos e condenados, e o custo de oportunidade, isto é, a renda que não obterão enquanto estiverem fora do mercado de trabalho legal. Para Becker (1993) a racionalidade existente na teoria econômica do crime [...] “implies that some individuals become criminals because of the financial and other rewards from crime compared to legal work, taking account of the likelihood of apprehension and conviction, and the severity of punishment.” (1993, p.390) O comportamento criminoso é, na verdade, um comportamento humano em situação de escassez, onde os indivíduos têm desejos que podem ser satisfeitos cometendo crimes, o que implica em custos como o risco de ser capturado e punido (BALBINOTTO, 2003). Nesse sentido, a teoria econômica utilitarista do crime, substitui a teoria das patologias individuais, dos desvios psicológicos e da anomia por uma teoria puramente econômica, onde o crime é uma atividade como outra qualquer, onde o agente faz uma escolha econômica e busca maximizar os seus ganhos. Para formular a teoria econômica do crime, Becker (1968) une a teoria do bem-estar com a do problema do agente-principal, onde a sociedade é o principal, os criminosos são os agentes, e o problema, previsto na teoria, é que os objetivos do principal e dos agentes são divergentes. Os criminosos possuem desejos ilimitados e a sociedade dispõe de recursos limitados, o que causa o conflito de objetivos entre o principal e o agente, que é intensificado pela impossibilidade do principal saber o comportamento dos agentes, dada as falhas de mercados existentes pela assimetria de informações. O modelo de Becker (1968), conhecido como rational criminal model (RCM), não leva em consideração questões éticas e/ou morais, pressupondo que as pessoas são criminosas em potencial, indivíduos racionais que fazem escolhas e estão sujeitos a comparações entre ganhos e custos esperados, com o resultado incerto de sucesso ou de condenação. Pela teoria econômica racional do crime, algumas pessoas se tornam criminosas por questão de escolhas individuais, pois seus ganhos e custos são diferentes das demais. O autor aborda o crime como uma atividade econômica como qualquer outra, tendo como única diferença a sua ilegalidade e os elevados custossociais, e a decisão de investir ou cometer um crime depende das expectativas de retorno. Para calcular a utilidade esperada e entender melhor quais são os fatores levados em consideração ao se planejar um ato criminoso, é utilizada a equação utilitarista do modelo, desenvolvida por Becker (1968): 17 EUi = pi Ui(Yi - fi) + (1 − pi)·Ui(Yi) Onde EUi é a função utilidade do indivíduo; pi é a probabilidade do indivíduo de ser encontrado e condenado; Yi é o rendimento monetário do crime e fi são as punições no caso do indivíduo ser preso e condenado. Segundo a equação do modelo, se o rendimento monetário do crime Yi for superior que a probabilidade do indivíduo ser descoberto, condenado e punido pelo ato criminoso pi e fi, a utilidade esperada EUi será positiva e o indivíduo, teoricamente, escolheria cometer um crime e atuar na ilegalidade. Nas palavras do próprio autor: [...] Both pj and fj might be considered distributions that depend on the judge, jury, prosecutor, etc., that j happens to receive. Among other things, Uj depends on the p's and f's meted out for other competing offenses. For evidence indicating that offenders do substitute among offenses, see Smigel (1965)The utility expected from committing an offense is defined as EUj = pjU(Yj -fj) + (1 -pj)Uj (Yj), where Yj is his income, monetary plus psychic, from an offense; Uj is his utility function; and fj is to be interpreted as the monetary equivalent of the punishment. Then […] as long as the marginal utility of income is positive. One could expand the analysis by incorporating the costs and probabilities of arrests, detentions, and trials that do not result in conviction. (BECKER, 1968, p.177) O modelo teórico microeconômico contido nesta teoria aborda a escolha do indivíduo maximizador de utilidade esperada frente a duas situações distintas e opostas: de um lado os ganhos potenciais de um ato criminoso e a probabilidade de punição, e de outro, o custo de oportunidade de praticar o ato criminoso, medido pela renda obtida no mercado de trabalho legal. Se a vantagem esperada for maior que o risco, medida pela probabilidade de ser pego e condenado, o agente racional irá cometer o crime, caso contrário, se o valor da punição do ato for elevado e o risco do crime superar os ganhos potenciais, a decisão racional será por não cometer do crime. A análise sobre a decisão de cometer um ato criminoso pode ser comparada à decisão de investimento quanto à análise de riscos, possibilidade de ganhos e posição do indivíduo à exposição ao risco. Segundo esta abordagem, o criminoso em potencial calcula os possíveis ganhos da atividade ilegal e os compara com os ganhos reais no mercado legal e sua disposição para cometer um crime, segundo o seu nível de exposição ao risco. Desta forma, se a renda no mercado de trabalho legal for inferior aos custos-benefícios e a probabilidade de ser pego e condenado for menor que o risco que ele está disposto a correr, o indivíduo irá optar pelo crime como forma de obtenção de renda. Com a finalidade de tornar mais simples e objetiva o entendimento sobre a teoria econômica do crime de Becker (1968), Araújo Jr. e Fajnzylber (2001) elaboraram uma equação que resume e identifica as variáveis mais importante deste modelo: 18 NBi = li − ci − wi − (pr·pu) Onde NBi é o benefício líquido do indivíduo i; li é o valor monetário do ganho do crime, loot; ci é o custo de planejamento e execução do crime; wi é o custo de oportunidade, baseado na renda da atividade legal; pr é a probabilidade de captura e condenação; pu é o valor monetário do castigo. Entre essas variáveis, as que estimulam o indivíduo a não cometer um crime e atuar no mercado de trabalho legal, fatores positivos, são: renda, benefícios, educação, oportunidades de crescimento, entre outros. Os fatores negativos deterrence são as variáveis que desestimulam o indivíduo a cometer um crime, via aumento dos riscos e dos custos como: nível de policiamento, eficiência do aparato da justiça criminal, severidade da lei, punições entre outros. Segundo Becker (1968) o cálculo das punições deve ser calculado via otimização das condições e recursos disponíveis, como forma de minimização dos custos sociais do crime, visando o bem-estar geral da sociedade. Essa equação possibilita a previsão e entendimento da resposta dos criminosos frente às mudanças dos custos e benefícios. O maior rigor das atividades de execução penal, aumenta a probabilidade pr de punir o criminoso, do mesmo modo que a elevação das punições, aumenta a severidade pu do castigo empregado. Desta forma, o risco de se cometer um ato criminoso aumenta e o número de indivíduos racionais disposto a infringir a lei diminui, dado o aumento do risco da atividade ilegal. Becker (1968) demonstrou matematicamente que a relação entre p e f, da equação de utilidade esperada EU original do modelo, é negativa sobre o montante de retorno esperado, pois acréscimos em p e/ou f alteram a utilidade esperada do indivíduo, podendo torná-la negativa e dissuadindo-o a cometer crimes. Segundo Becker (1968) o modelo de combate ao crime e otimização dos recursos deve ser dividido em cinco categorias distintas: o número de crimes e o custo social destes, o número de crimes e a punição imposta, o número de crimes, prisões e condenações e o gasto público com polícia e judiciário, o número de condenações e o custo das penitenciárias e outros tipos de punições, e o número de crimes e o gasto privado com proteção e apreensão. Como analisado, o comportamento criminoso pode ser reprimido e incentivado através de variáveis deterrence e uma melhor distribuição dos recursos da economia. Nos próximos itens, são estudadas detalhadamente cada uma das categorias que explicam, segundo este modelo, os gastos públicos e privados com a criminalidade e, segundo a análise de Becker 19 (1968), qual o critério mais eficiente de políticas de combate ao crime, para obter de forma eficaz os benefícios da justiça com o menor custo à sociedade e maior bem-estar social. 3.1.1 Danos Becker (1968) inicia a análise sobre como combater o crime de forma eficiente por esta categoria, representada pela perda social que tende a aumentar se o nível da atividade causadora de dano, o crime, aumenta como na relação abaixo: H = H(O) H’ = dH / dO > 0 Onde H é o dano geral causado pelas atividades criminosas e O é o nível de atividade criminal. O entendimento sobre os efeitos do dano à sociedade é parecido ao de externalidades em deseconomias. [...] “From this perspective, criminal activities are an important subset of the class of activities that cause diseconomies, with the level of criminal activities measured by the number of offenses.” (BECKER, 1968, p.173). Desta forma, segundo o modelo, quando há um aumento do número de crimes, há uma elevação dos ganhos, G, dos agentes criminosos: G = G(O) G’ = dG / dO > 0 Desta forma, o dano à sociedade pode ser calculado pela diferença entre o dano geral causado pelo crime, H(O) e os ganhos do criminoso, G(O), traduzido como o custo líquido, D(O), da atividade criminosa, descrito como: D(O) = H(O) – G(O) Um ponto importante elucidado por Becker (1968), é que os criminosos recebem ganhos marginais decrescentes G’’<0 e causam danos marginais H’’>0 crescentes à sociedade. Sendo assim, os danos marginais à sociedade D’’ gerados pelas atividades criminosas, será crescente D’’>0. O custo do crime para a sociedade é sempre maior do que aquilo que se espera de retorno da atividade criminosa, causando malefícios e perda de bem- estar para a sociedade: 20 D’’ = H’’ – G’’ > 0 Entretanto, como ambas as variáveis equacionadas,H e G, apresentam derivações positivas, H’>0 e G’ > 0, o sinal de D’ depende de seus valores quantitativos ou de sua magnitude relativa (BECKER, 1968), desta forma: D’(O) > 0 Para O > 0 Becker (1968) conclui esse item alertando o leitor que, para a elaboração do modelo, algumas variáveis subjetivas foram suprimidas da análise e não foram contabilizados dentro dos custos do crime, prejuízos líquidos para a sociedade, dado os seus efeitos indiretos. Um bom exemplo é o custo do assassinato, medido pela perda no lucro das vítimas e que exclui, entre outras coisas, o valor sobre a própria vida. Alguns outros exemplos, citado na obra original, são: [...] the cost of gambling excludes both the utility to those gambling and the "external" disutility to some clergy and others; the cost of "transfers" like burglary and embezzlement excludes social attitudes toward forced wealth redistributions and also the effects on capital accumulation of the possibility of theft. (BECKER, 1968, p.174) 3.1.2 Custos de apreensão e condenação Conforme apresentado anterormente, as atividades criminosas causam danos e prejuízos para toda a sociedade, sendo assim, o Estado incorre em custos para combater o crime e reduzir as mazelas causadas por essa atividade ilegal. Entretanto, a apreensão e a condenação dos agentes criminosos geram custos à sociedade pelo próprio aparato necessário para a efetiva aplicação da lei penal. Becker (1968) afirma que quanto mais policiais, promotoria e equipamento especializado, maior é a facilidade de se descobrir e condenar o agente criminoso. Essa combinação entre mão de obra humana m, realizada pela polícia e funcionários da esfera judiciária, materiais r e capital c, pode ser mensurada pela função de produção do total de variáveis alocadas f(m, r, c) denominada por Becker (1968) como uma variável A. A = f(m, r, c) 21 Uma vez conhecido os custos de cada variável, m, r e c, elevações do aparato necessário para efetiva apreensão e condenação dos agentes criminosos resultariam em elevações dos custos, C, conforme a equação abaixo: C = C(A) C’ = dC / dA > 0 Sendo o custo calculado a partir da função de produção f e dos preços de m, r e c, Becker (1968) afirma que os custos serão menores quanto menores forem os custos de mão de obra e maiores forem os avanços tecnológicos e periciais para as análises criminais. Do original: It would be cheaper to achieve any given level of activity the cheaper were policemen, judges, counsel, and juries and the more highly developed the state of the arts, as determined by technologies like fingerprinting, wiretapping, computer control, and lie-detecting. (1968, p.174) Uma vez que, o número de condenações está relacionado com o montante investido no aparato criminal A e na quantidade de ocorrências criminais O a mensuração empírica proposta no modelo é de que há uma razão entre as ocorrências que se tornam condenações e a totalidade de ocorrências criminais. Essa razão é uma probabilidade p: A ≈ p·O Sendo C = C(A) Logo C = C(p·O) C = C (p, O, a) Onde a variável a representa prisões e outras determinantes da atividade. Desta forma, um aumento da probabilidade de condenação ou do número total de ocorrências, resultaria em aumento do custo total. (BECKER, 1968) 3.1.3 Oferta de ocorrências criminais Becker (1968) inicia a análise sobre a oferta de ocorrências criminais citando as divergências existentes entre as teorias das patologias individuais, de cunho biológico, a teoria 22 da associação diferencial e a do controle social, teorias de cunho sociais. Entretanto, segundo o autor, mesmo essas teorias sendo tão divergentes, elas apresentam um ponto em comum: se as variáveis determinantes do crime, de cada um das teorias, forem mantidas constantes e houver um aumento na probabilidade de condenações e/ou prisões, o número de ocorrências criminais diminuiria, uma vez que o risco seria maior e os benefícios não tão atrativos. (BECKER, 1968) Desta forma, uma mudança na probabilidade de apreensão e prisões tem um efeito maior do que uma mudança na pena, como afirmado por Lord Shawness17 (1965 apud BECKER, 1968, p.176): [...] “Certainty of detection is far more important than severity of punishment”. Essa análise sobre a oferta do crime difere de todas as outras teorias, pois faz uma análise puramente econômica, partindo do pressuposto que um indivíduo cometerá um crime se a utilidade esperada da ilegalidade exceder a utilidade que ele obteria caso tivesse utilizado seu tempo e seus recursos em alguma outra atividade. Sendo assim, a escolha pelo crime se comporta como uma análise de investimento como qualquer outra dentro da economia, como afirmado pelo próprio autor: The approach taken here follows the economists' usual analysis of choice and assumes that a person commits an offense if the expected utility to him exceeds the utility he could get by using his time and other resources at other activities. Some persons become "criminals," therefore, not because their basic motivation differs from that of other persons, but because their benefits and costs differ. I cannot pause to discuss the many general implications of this approach, except to remark that criminal behavior [sic] becomes part of a much more general theory and does not require ad hoc concepts of differential association, anomie, and the like, nor does it assume perfect knowledge, lightening [sic]-fast calculation, or any of the other caricatures of economic theory. (BECKER, 1968, p.176) A partir desta explicação teórica, fica evidente que existe uma relação entre o número de ocorrências criminais Oi e a probabilidade de condenação pi, a punição fi e outras variáveis exógenas ui como: os ganhos da atividade legal ou ilegal, a frequência de prisões e a vontade individual de se cometer um ato ilegal. Dessa forma, a oferta de ocorrências criminais que um indivíduo pode vir a cometer, responde à função abaixo: Oi = Oi(pi, fi, ui) 17 SHAWNESS, L. Crime Does Pay because We Do Not Back Up the Police, "New York Times Magazine, June 13. 1965. 23 A probabilidade de um indivíduo ser apanhado e condenado, a severidade da pena e os custos de oportunidade em atuar nessa atividade ilegal repercutem diretamente na atuação das pessoas na atividade criminal. Entretanto, somente os criminosos presos são condenados, assim como somente os condenados são punidos, desta forma há uma discriminação de preços price discrimination e uma incerteza, de modo que se o ofensor for condenado, ele pagará fi pelo crime e não pagará nada caso não seja. Um aumento da probabilidade de condenação pi e/ou da severidade da punição fi reduziria a utilidade esperada de um crime e, portanto, tenderia a reduzir o número de crimes, quer porque a probabilidade de pagar um maior preço e/ou o preço em si aumentaria. (BECKER, 1968) Conforme elucidado no início deste capítulo, Yi é o rendimento monetário do crime e a utilidade esperada do crime pelo indivíduo EUi é calculado pela equação: EUi = pi·Ui (Yi − fi) + (1 − pi) Ui (Yi) ∂E(Ui) / ∂pi = Ui(Yi − fi) - Ui(Yi) < 0 ∂E(Ui) / ∂fi = -pi·Ui’(Yi − fi) < 0 Desta forma, tanto um aumento da probabilidade de condenação pi e/ou da severidade da punição fi reduziria a utilidade esperada da atividade criminal, o que induziria a queda do número de infrações, conforme observado nas derivações parciais abaixo: Opi = ∂Oi / ∂pi < 0 Ofi = ∂Oi / ∂fi < 0 As variáveis exógenas ui também influenciam o número de ocorrências criminais. Um aumento do ganho esperado em atividades legais aumentaria os custos de oportunidade deatuar na atividade ilegal, aumentaria a obediência às leis via elevação dos níveis educacionais, conforme a teoria do autocontrole e a do controle social, e reduziria os inventivos de se cometer um ato criminoso. Além disso, mudanças na forma das penalidades como a alteração da legislação de pagamento de multas para reclusão/prisão, pode reduzir o número de ocorrências, pelo menos temporariamente já que eles não podem ser cometidos na prisão. Desta forma, o potencial criminoso enfrenta uma escolha entre cometer ou não um crime, optando por praticá-lo se a relação custo benefício for positiva, depende do grau de aversão do indivíduo ao risco, da probabilidade de ser punido, do tipo e duração da pena e dos ganhos auferidos com o ato criminoso. 24 Segundo Becker (1968), há uma importante relação entre as variáveis e os efeitos causados por elas quando alteradas. Caso haja um aumento da probabilidade de condenação pi e esse aumento for compensado por uma redução percentualmente idêntica da severidade da punição fi, de forma a não alterar o ganho esperado do crime, mas que eleve o nível de risco da atividade criminosa, essa alteração de pi mudaria a utilidade esperada, tornando o crime não mais vantajoso ao indivíduo tomador de decisão. This approach also has an interesting interpretation of the presumed greater response to a change in the probability than in the punishment. An increase in p, "compensated" by an equal percentage reduction in f1 would not change the expected income from an offense 17 but could change the expected utility, because the amount of risk would change. It is easily shown that an increase in p1 would reduce the expected utility, and thus the number of offenses, more than an equal percentage increase in fi8 if j has preference for risk; the increase in fj would have the greater effect if he has aversion to risk; and they would have the same effect if he is risk neutral."9 The widespread generalization that offenders are more deterred by the probability of conviction than by the punishment when convicted turns out to imply in the expected-utility approach that offenders are risk preferrers [sic], at least in the relevant region of punishments. (BECKER, 1968, p.178) O total de crimes na sociedade seria a soma de todos os crimes cometidos pelos i indivíduos, apresentando as mesmas relações de dependência do conjunto de pi, fi e ui. Mesmo que essas variáveis sejam diferentes entre as pessoas em decorrência de diferenças na inteligência, idade, educação, histórico penal, riqueza, família, entre outros, Becker (1968) simplifica a equação de número de ocorrências criminais, considerando os valores individuais de pi, fi e ui por seus valores médios, p, f e u: O = O(p, f, u) As propriedades individuais são mantidas e a função tem um caráter negativo ou inverso com p e f, sendo mais sensível à primeira do que à última se, e somente se, os infratores têm preferência ao risco. O [...] “crime pays or crime does not pays” (BECKER, 1968, p.179) dependendo do nível de risco que o criminoso está disposto a correr e à quantidade de ganho que ele deseja auferir do delito. O risco não é diretamente relacionado à eficiência da polícia ou à quantidade de recursos gastos em combate ao crime, mas os valores de p e f podem ser alterados por estes recursos e políticas públicas, alterando o nível de risco e influenciando na escolha individual. (BECKER, 1968) 25 3.1.4 Punição O objetivo de Becker (1968) ao fazer uma análise sobre a punição é identificar quais variáveis são mais significantes ao modelo e propor uma otimização dos recursos para minimizar os custos sociais das atividades criminosas em benefício de um bem-estar maior para toda a sociedade. O custo social total das punições é a soma entre o custo para os criminosos mais os custos, ou menos os ganhos, para os demais membros da sociedade, desta forma, o bem-estar social pode ser comparado ao bem-estar econômico. A sociedade mede as perdas sociais das ofensas e das próprias punições, o que pode ser constatado pelas diversas críticas sobre o alto custo para o Estado da manutenção dos presídios e dos programas de auxílio monetário aos dependentes dos condenados. Para Becker (1968), essas críticas são totalmente coerentes, pois os custos de aprisionamento são altos aos membros da sociedade como os gastos em: aparato policial de guarda e supervisão, manutenção, comida, entre outros. Para o criminoso, o custo de ser encarcerado pode ser calculado pelo somatório de todas as perdas e os ganhos que não podem ser obtidos devidos à restrição em consumo e liberdade, ganhos estes que variam de indivíduo para indivíduo. Sendo assim, o custo de uma punição tende a ser maior para indivíduos que conseguiriam ganhos maiores fora da prisão e quanto maior for o período de reclusão, uma vez que ganhos e consumo são positivamente relacionados ao tamanho da pena. Os custos sociais, escritos em termos dos custos para o criminoso, podem ser verificados na equação abaixo: f ’ ≡ b·f Onde f ’é o custo social e b é a forma da pena, caracterizado pelo coeficiente que transforma a severidade da punição f em f ’. O tamanho de coeficiente b varia de forma relevante entre diferentes tipos de pena, apresentando sinal positivo e maior que um b > 1 para penas de reclusão e de caráter não pecuniário. Além disso, como discutido no parágrafo anterior, o custo de uma pena a ser cumprida tende a ser maior para indivíduos que conseguiriam ganhos maiores fora da prisão, desta forma, o coeficiente b será maior para jovens em centros de detenção e adultos em prisões e perto de um b → 1 para liberdade condicional ou regimes abertos e semiabertos. Por outro lado, os custos de apreensão e condenação de criminosos são afetados por uma variedade de fatores. Investimentos em tecnologia, aumento do efetivo policial e 26 aumento da eficiência judiciária elevaria a probabilidade de condenação p e reduziria o número de ocorrências, permitindo uma mudança na severidade da punição f. The cost of apprehending and convicting offenders is affected by a variety of forces. An increase in the salaries of policemen […], while improved police technology in the form of fingerprinting, ballistic techniques, computer control, and chemical analysis, or police and court "reform" [sic] with an emphasis on professionalism and merit, would tend to reduce both, not necessarily by the same extent. Our analysis implies, therefore, that although an improvement in technology and reform may or may not increase the optimal p and reduce the optimal number of offenses, it does reduce the optimal f and thus the need to rely on severe punishments for those convicted. Possibly this explains why the secular improvement in police technology and reform has gone hand in hand with a secular decline in punishments. (BECKER, 1968, p.188) Becker (1968) elaborou uma equação para calcular as perdas sociais causadas pelos crimes e pelos custos relativos à criminalidade, com o objetivo de estipular quais as variáveis mais importantes para minimizar as perdas: L = L (D, C, b·f, O) ∂L / ∂D > 0 ∂L / ∂C > 0 ∂L / ∂b·f > 0 Onde L são as perdas sociais, D é o somatório dos custos H e ganhos sociais G, conforme item 3.1.1 Danos, C é o custo de se combater o crime, b·f corresponde à f ’ e O o número de ocorrências criminais. Entretanto, é mais convencional e transparente analisar as perdas segundo uma formulação mais genérica, na qual a função de perda é idêntica ao somatório total dos retornos dos crimes, condenações e penas como em: L = D(O) + C(p, O) + b·f·p·O As variáveis b·f·p·O é o total da perda social devido às penas, uma vez que b·f é a perda para cadaocorrência penalizada e pO é o número de ocorrências penalizadas. As variáveis sujeitas ao controle social direto são: a quantidade de recursos alocados em combate ao crime C, a pena por ocorrência se condenado f e a forma da pena b. Uma vez escolhidas essas variáveis através das funções de D, C e O, são indiretamente determinados os valores para p, O, D e a perda de L. (BECKER, 1968) 27 A variável correspondente à probabilidade de condenação p é a variável que mais afeta as perdas sociais L, uma vez que variações de p mudam o número de ocorrências O que por sua vez alteram os danos D, custos C e b·f·p de forma mais significativa que alterações na severidade das punições f. Segundo Becker (1968): If the supply of offenses depended only on pf-offenders were risk neutral-a reduction in p "compensated" by an equal percentage increase in f would leave unchanged pf, 0, D(O), and bpfO but would reduce the loss, because the costs of apprehension and conviction would be lowered by the reduction in p. The loss would be minimized, therefore, by lowering p arbitrarily close to zero and raising f sufficiently high so that the product pf would induce the optimal number of offenses. A fortiori, if offenders were risk avoiders, the loss would be minimized by setting p arbitrarily close to zero, for a " compensated " reduction in p reduces not only C but also 0 and thus D and bpfO. (1968, p.184) Sobre as punições, se os custos de apreender, condenar e punir os infratores forem nulos e se cada ofensa causar mais danos do que os ganhos privados, a perda social de infrações pode ser minimizada se for aplicado penas suficientemente elevadas para os crimes e se o poder de condenação do judiciário for crível aos olhos dos criminosos, assim como descrito por Bentham18 (1931 apud BECKER, 1968, p.191) "The evil of the punishment must be made to exceed the advantage of the offense". A pena pode ser considerada o preço de um crime, portanto a prisão é o preço em unidade de tempo que o criminoso paga pelo delito que cometeu, e as multas, como apresentado a seguir, é o preço em unidade monetária. Multas As multas são um tipo específico de punição, a qual o criminoso, quando apreendido, é condenado a pagar um valor monetário como pena, ou seja, o custo de uma pena tem sua severidade mensurada quantitativamente em moeda. As multas se diferem das punições baseadas em aprisionamento, pois geram um ganho social para a sociedade, equivalente ao ganho privado da atividade ilegal, via transferência monetária entre o infrator e a sociedade. Conforme apresentado, no item 3.1.4 Punição, o objetivo das punições é minimizar a perda social e dependem do dano total causado pelos criminosos, compensando os custos de seu delito como também os prejuízos que causam à sociedade. Becker (1968) identifica nas multas uma forma de otimização das punições, afirmando que são formas eficientes de punição e de alocação ótima de recursos para a sociedade, pois o valor monetário de uma 18 BENTHAM, Jeremy. Theory of Legislation. New York: Harcourt Brace Co. 1931. 28 multa deve ser igual ao prejuízo causado pelo ato criminoso, minimizando as perdas e compensando a sociedade. Além disso, as multas podem ser utilizadas como artifício complementar da pena de aprisionamento e como forma de intimidação dos criminosos em potencial, elevando os riscos da atividade criminosa e a severidade da punição. Além disso, a teoria explica que: f ’ ≡ b·f Onde f ’é o custo social e b é a forma da pena, caracterizado pelo coeficiente que transforma a severidade da punição f em f ’. O tamanho de coeficiente b varia de forma relevante entre diferentes tipos de pena, apresentando sinal positivo e maior que um b > 1 para penas de reclusão e de caráter não pecuniário. Entretanto, as multas não objetivam a prisão do criminoso condenado e o custo de apreensão e condenação do mesmo não geram custo à sociedade f ‘igual à zero, então: f ’ ≡ b·f = 0 Então b ≈ 0 Logo D’(O) = 0 A equação acima determina um nível ótimo de ocorrências criminais O*, onde a multa e a probabilidade de ser preso devem ser mantidas a níveis que induzam o crime somente até o nível O*. O valor monetário das multas V tende a ser igual ao ganho marginal privado G’ e ao dano marginal H’ causado pelo crime no nível ótimo de ocorrências criminais O*, como nas equações abaixo: V = G’(O*) Conforme apresentado em 3.1.1 Danos, o dano à sociedade pode ser calculado pela diferença entre o dano geral causado pelo crime H(O) e os ganhos do criminoso G(O), traduzido como o custo líquido D(O) da atividade criminosa. D(O) = H(O) – G(O) Como D’(O) = 0 Logo D’(O*) = H’(O*) – G’(O*) = 0 Então G’(O*) = H’(O*) 29 V = H’(O*) Nas punições pecuniárias, as multas, os custos de apreensão e condenação são assumidos como zero f ’ ≡ b·f = 0, desta forma, o valor monetário das penas se iguala ao valor das multas impostas: V = f f = H’(O*) Entretanto, se o custo de apreensão e condenação não fosse igual à zero, a condição ótima teria de incorporar os custos marginais juntamente com os danos marginais: L = D(O) + C(p, O) + b·f·p·O D’(O*) + C’(p, O*) = 0 Ainda, se a probabilidade de condenação p fosse unitária: D’(O*) + C’(1, O*) = 0 Como O* > 0 logo C’ > 0 requer que D’ < 0 ou que o ganho marginal exceda a externalidade do dano marginal, que se traduz para um número menor de ocorrências criminosas do que em D’ = 0. Sendo assim, as multas f serão iguais à soma do dano marginal e dos custos marginais: D’(O*) = H’(O*) – G’(O*) = 0 D’(O*) + C’(1, O*) = 0 Logo D’(O*) = – C’(1, O*) Então – C’(1, O*) = H’(O*) – G’(O*) G’(O*) = H’(O*) – C’(1, O*) f = H’(O*) + C’(1, O*) A multa deve contemplar todos os custos sociais. “In other words, offenders have to compensate for the cost of catching them as well as for the harm they directly do, which is a natural generalization of the usual externality analysis.” (BECKER, 1968, p.192) 30 A partir dessa equação e do entendimento geral sobre a aplicação das multas, Becker (1968) apresenta uma equação geral de otimização, na qual a multa é fixa e não a probabilidade de apreensão, como em uma situação real: D’(O*) + C’(p, O*) + Cp(p, O*)·(1/ Op) = 0 Essa mudança de fixação de variáveis implicaria em D’(O*) > 0 e, sendo assim, o número de ocorrências O só poderia exceder o número ótimo O* quando os custos forem iguais à zero. Os custos de apreensão e condenação aumentariam ou diminuiriam o número ótimo de ocorrências criminais dependendo da relação das penas a serem alteradas devido a uma mudança via multas ou via probabilidade de apreensão. Entretanto, se ambas estão sujeitas ao controle público, a probabilidade ótima de condenação seria arbitrariamente perto de zero. (BECKER, 1968) Conclusão sobre as formas de punição As multas têm algumas vantagens sobre a aplicação de outras punições, pois compensam a sociedade pelo custo causado pelo crime, preservam recursos, punem os criminosos de forma justa e simplificam o cálculo de otimização das penas. Para Becker (1968) a multa seria preferível como forma de punição, pois ela pode maximizar a utilidade dos recursos públicos e restabelecer perdas econômicas da sociedade, compensando a sociedade de forma monetária, diferentemente das penas de reclusão que não criam condições de compensação e ainda fazem com que a sociedade gaste recursos adicionais para manter o criminoso aprisionado. Outra vantagem reside no processo de elaboração da pena. A utilização de multas requer, apenas, o conhecimento dos ganhos, danos da atividade criminosa e
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