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Ebook 3 Decisoes do STF analisadas filosoficamente

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3 DECISÕES DO 
STF ANALISADAS 
 FILOSOFICAMENTE
TH I AGO RODR IGUES PERE I RA
COMO A F I LO SOF I A PODE AUX I L I AR NA 
TOMADA DE DEC I SÃO J UR ÍD I CA     
THIAGO RODRIGUES PEREIRA
3 DECISÕES DO 
STF ANALISADAS 
FILOSOFICAMENTE
COMO A FILOSOFIA PODE AUXILIAR NA 
TOMADA DE DECISÃO JURÍDICA  
Edição do Autor 
Niterói 
2018
1ª Edição
3 Apresentação
5 A Importância de Tomás de Aquino naFundamentação Filosófica do Princípio da
Insignificância 
18 A ADPF 54 e a anencefalia – brevesconsiderações filosóficas 
32
As conduções Coercitivas e o Medo
do Poder Judiciário no Brasil – como
a filosofia pode contribuir para
proteção do cidadão
www.novoliceu.com 
Conteúdo
Bibliografia49
51 Informações
Quando um dos maiores jus filósofos do Direito, Hans Kelsen, escreveu sua mais 
importante obra, Teoria Pura do Direito, em 1934, o Direito alcançou a tão esperada 
autonomia científica, passando a possuir um objeto científico plenamente 
identificável (1) . 
Com isso, parecia que todos os problemas teóricos do Direito seriam finalmente 
resolvidos. 
Assim, Kelsen, pensando a partir de uma lógica kantiana da Crítica da Razão Pura, 
pretende criar uma metodologia que pudesse “blindar” a ciência do Direito das 
influências da moralidade, da sociologia, da psicologia, da antropologia, dentre 
outras, e principalmente da filosofia.  
Cumpre alertar sempre que Kelsen escreveu sobre uma “teoria”, e o problema da 
sua teoria, como de todas as faces do positivismo jurídico, é que na prática, se 
mostrou nociva e extremamente perigosa. 
A p r e s e n t a ç ã o
(1) O Direito era acusado de ser mera técnica e não ciência por não possuir um objeto científico até Hans Kelsen afirmar que seria
a lei (em sentido formal), ou seja, as normas postas pelas autoridades competentes, ficando de fora fatores meta jurídicos como
os fatores sociais, econômicos, morais, políticos, etc., o objeto científico do Direito
Contudo, após a II Guerra Mundial, verificou-se a impossibilidade prática da 
teoria do positivismo jurídico, pois se mostrou equivocado excluir os demais 
ramos científicos do Direito, pois, diferente do que pensou Kelsen, o Direito não 
é puro, pelo contrário, ele é mestiço. Essa relação intrínseca com os demais 
ramos científicos é uma marca indelével de sua característica. 
Partindo da premissa do erro teórico kelseniano, que acabou se mostrando mais 
grave ainda na prática, a presente obra visa analisar decisões do Supremo 
Tribunal Federal – STF apresentando a influencia e necessidade da filosofia para 
compreensão de como a corte máxima brasileira decidiu o caso concreto, nem 
sempre acertadamente, data máxima vênia, procurando encontras as bases 
filosóficas as quais as decisões ora analisadas estão assentadas. 
Assim, serão abordadas algumas teorias filosóficas utilizadas nas decisões 
analisadas ou que deveriam ter sido utilizadas para que a questão submetida ao 
excelso pretório fosse analisada e decidida da forma constitucionalmente correta. 
A IMPORTÂNCIA 
DE TOMÁS DE
AQUINO NA
FUNDAMENTAÇÃO
FILOSÓFICA DO 
PRINCÍP IO DA
INSIGNIF ICÂNCIA   
CAPÍTULO 1
O Direito, diferente do pensado por Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, 
não é uma ciência que consiga se fechar em si mesma, pelo contrário, por ser uma 
ciência social aplicada, talvez seja das mais “mestiças” ciências existentes. 
O texto constitucional deve refletir os valores consagrados naquela sociedade, 
tanto internamente quanto em sua relação com outros Estados e organismos 
internacionais, sendo principalmente um catálogo de direitos básicos e princípios a 
nortear não apenas a relação entre indivíduos e Estado, como também entre os 
próprios indivíduos e em todas as ações estatais, seja de qual ordem for. 
Uma constituição é tão importante que deve não apenas refletir o pensamento 
momentâneo de uma sociedade, mas inclusive defender minorias contra maiorias 
passageiras, no chamado poder contra-majoritário. 
Para fazer valer o sentido correto do texto constitucional, deve o Tribunal 
Constitucional, que aqui no Brasil fica a cargo do Supremo Tribunal Federal – STF,  
CAPÍTULO I
06 
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A I m p o r t â n c i a d e T o m á s d e A q u i n o 
n a F u n d a m e n t a ç ã o F i l o s ó f i c a d o 
P r i n c í p i o d a I n s i g n i f i c â n c i a  
Introdução
velar para que seja respeitada à constituição e principalmente os valores contidos 
naquele texto. 
Entretanto, tanto o texto constitucional quanto os infraconstitucionais, não 
derivam simplesmente do intelecto do legislador, mas são frutos de lutas e 
conquistas sociais. 
A filosofia muito contribuiu e contribui para a evolução do pensamento humano 
como um todo, inclusive do pensamento jurídico. No presente estudo, irei 
brevemente demonstrar que apenas o Direito possuiu o princípio da insignificância 
(ou da bagatela) em razão da influência do pensamento de Tomás de Aquino. 
07 
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Tomás de Aquino é considerado um dos maiores filósofos do medievo, tendo 
escrito sua principal obra, a Suma Teológica, uma obra sofisticada, que dependendo 
da edição chega a mais de 8 volumes, com mais de 500 laudas cada. Além do 
próprio conteúdo de sua obra, ela terá grande importância, pois foi escrita em uma 
época em que o pensamento dominante da Igreja tinha como base o entendimento 
de Platão por Agostinho (2) .  
Na alta  e em boa parte da baixa idade média, a leitura dos clássicos gregos e 
romanos se tornou heresia, podendo ser severamente punido quem desobedecesse 
tal ordem. Os clássicos são banidos da Europa, mas encontraram refúgio no mundo 
árabe, que traduziram para o árabe e guardaram com o desvelo merecido. 
No meio da alta idade média, iniciava-se a invasão moura (árabes oriundos do norte 
da África) na península ibérica, e com essa invasão, além dos costumes, cultura e 
afins, as obras clássicas, até então proibidas, regressaram à Europa. 
Após a tradução especialmente do grego para o árabe, filósofos árabes como 
Avicena, Al Farabi, dentre outros, traduziram a obra quase completa de Aristóteles 
do árabe para o latim, e será essa versão em latim que Tomás de Aquino terá 
contato. Esse contato com a obra aristotélica marcará profundamente Aquino, que 
o adotará como marco teórico da sua obra Suma Teológica. 
08 
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I – Tomas de Aquino é a oculta compensatio
 (2) Tanto Agostinho como Tomás de Aquino foram de grande importância para o pensamento medieval, especialmente para a
Igreja Católica, vindo a serem canonizados após suas mortes.
Entretanto, o que poderia ser apenas uma opção metodológica, se transformou em 
uma grande heresia, fruto de muita coragem por parte de Aquino, pois como 
mencionado, a única visão permitia na época em termos filosóficos seria a visão 
agostiniana de Platão. E nada mais! 
Então, o ato de ler Aristóteles e utilizá-lo como seu marco teórico, mostrou, além 
da profunda erudição, a enorme coragem de Aquino. Se no início sua obra foi 
recebida com enorme desconfiança por parte de uns, com desprezo por outros 
(principalmente os agostinianos), foi recebida com entusiasmo e encanto por 
outros, marcando de forma indelével a própria história da humanidade, pois 
provocou talvez o primeiro grande conflito ideológico dentro da  Igreja, após a 
visão platônico-agostiniana se tornar hegemônica. 
A importância de Aquino se demonstra na celeridade de sua canonização, onde em 
menos de 100 anos se tornaria um dos santos da Igreja Católica. 
Na Suma Teológica, Aquino não apenas se detém em elucubrações teóricas ou 
teológicas, mas também com uma vida mais prática, incluindo o Direito e suarelação com os homens e com as sagradas escrituras. 
Na presente pesquisa, o que mais interessa será demonstrar a influência de Aquino 
no surgimento do princípio da insignificância ou bagatela. 
09 
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No artigo 7 do livro VI da sua Suma Teológica, Aquino irá desenvolver seu 
pensamento sobre licitude ou ilicitude de roubar por necessidade. Aquino (2013, v. 
VI, p165) começa sua escrita afirmando, sobre as penitências, que estaria escrito em 
um cânon : "Se alguém, impelido pela fome e pela nudez, furtar comida, roupa ou 
gado, fará penitência por três semanas". A conclusão seria, portanto, óbvia a 
princípio, pois apenas há penitência em relação a um ato errado. Se há penitência 
pelo ato de roubar, é porque tal ato é errado, tenha sido praticado em qualquer 
circunstância. 
Portanto, Aquino vai mencionar que, a princípio, uma coisa má em si não poderia 
vir a se tornar boa apenas por ter um fim bom. Portanto, o furto chamado famélico 
seria de qualquer forma um ato errado. Entretanto, Aquino irá demonstrar que tal 
ideia inicial estaria equivocada. 
Para isso irá recorrer a sua divisão das leis. Entende Aquino que existem 4 leis. A lei 
eterna, que seria a razão ou plano da sabedoria de Deus, enquanto Ele dirige todos 
os atos e movimentos de todas as criaturas. A lei divina é causa de todas as demais 
leis, e todos os seres, racionais ou irracionais, a ela estarão submetidos. Entretanto, 
apenas Deus tem acesso a essa lei.  
Existe também as leis naturais. A lei natural será a participação da lei divina no ser 
racional, o ser humano. Apesar de serem em raiz oriunda da mesma força criadora, 
Deus, se diferenciam, pois a natural diz respeito apenas aos aspectos morais dos 
seres humanos. 
  
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Aquino também apresenta uma outra espécie de lei, a lei humana, que é a lei feita 
pelo homem para os casos mais particulares da vida do ser humano na Terra, mas 
sempre devendo estar de acordo com as leis naturais (já que o ser humano não tem 
acesso a lei eterna, por ser exclusiva do intelecto de Deus. Apesar do homem 
possuir uma centelha desse intelecto, não possuiu a sua plenitude). 
Por fim, existem as leis reveladas ou divino-positiva, que seriam as leis divinas que, 
por Deus entender ser necessário dirimir qualquer dúvida possível, revelou algumas 
leis naturais para serem escritas por homens escolhidos por Deus. Tanto o Antigo 
como o Novo Testamento são exemplos das leis reveladas, sendo o Decálogo de 
Moisés o melhor exemplo. 
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Se encontra em Aquino portanto a primeira defesa real do princípio da 
insignificância ou da bagatela, hoje consagrado em alguns ordenamentos mas 
basicamente em toda a jurisprudência ocidental. 
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Assim, Aquino vai afirmar que a subsistência é um direito natural do ser humano, e 
quando tal direito é negado a um indivíduo e em razão disso ele pratica um roubo, 
tal roubo não configuraria um crime ou ato errado, pois ele o está fazendo para dar 
concretude a uma lei natural que está sendo vilipendiada por uma lei humana. 
Portanto, Aquino (2013, v. VI, p166) irá falar que   
“se a necessidade é de tal modo evidente e urgente, que 
seja manifesto que se deva obviar à instante necessidade 
com os bens ao nosso alcance, quando por exemplo é 
iminente o perigo para a pessoa e não se pode salvá-la de 
outro modo, então alguém pode licitamente satisfazer à 
própria necessidade utilizando o bem de outrem, dele se 
apoderando manifesta ou ocultamente. E esse ato, em sua 
própria natureza, não é furto ou rapina”. 
II – A Aplicação da oculta compensatio no STF
O STF vem aplicando o princípio da insignificância ou da bagatela, de forte 
influência de Aquino, conforme já mencionado, em várias decisões. 
  
O Excelso Pretório aplica o referido princípio normalmente com o objetivo de 
salvaguardar o direito de locomoção do indivíduo que acaba prezo por furtos ou 
roubos que se enquadrem na ideia defendida por Aquino.  
13 
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Para realizar isso, até pelo princípio da inércia que norteia o Poder Judiciário como 
regra geral, o STF acaba por apenas julgar tais casos, via de regra, em forma de 
recurso em sede de habeas corpus. 
O habeas corpus é previsto no artigo 5º, inciso LXVIII da CRFB/88, e serve para 
devolver a liberdade de locomoção a um indivíduo que a perdeu por ato ilegal do 
Poder Público, assim disposto: “conceder ‑se ‑á habeas corpus sempre que alguém 
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de 
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. 
  
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. 
TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 
APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO. 1. A 
aplicação do princípio da insignificância há de ser 
criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a 
beneficiar as classes subalternas, conduzindo à 
atipicidade da conduta de quem comete delito movido 
por razões análogas às que toma São Tomás de 
Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta 
compensatio. A conduta do paciente não excede esse 
modelo. 3. O paciente tentou subtrair de um 
estabelecimento comercial mercadorias de valores 
inexpressivos. O direito penal não deve se ocupar de 
condutas que não causem lesão significativa a bens 
jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao  
14 
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titular do bem tutelado, bem assim à integridade da 
ordem social. Ordem deferida.(HC97189, Rel. Min. 
Ellen Gracie, julgamento em 09.06.2009, Segunda 
Turma, DJE de 12.08.2009) 
A aplicação pela Min. Ellen Gracie da teoria oculta compensatio 
de Aquino obedeceu 
exatamente a ideia original contida na Suma Teológica e supramencionada, ou seja, 
para os casos de pessoas com condições sócio-econômicas de miséria. Entretanto, 
essa ideia foi ampliada, amparando também furtos que, não teriam relação com a 
subsistência do ser humano, mas que, pelo seu valor ínfimo, aplicou-se o mesmo 
princípio. 
  “FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA 
INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA 
COMPENSATIO 
. 
A aplicação do princípio da insignificância há de ser 
criteriosa e casuística. Princípio que se presta a 
beneficiar as classes subalternas, conduzindo à 
atipicidade da conduta de quem comete delito 
movido por razões análogas às que adota São Tomás 
de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta 
compensatio 
. A conduta do paciente não excede esse 
modelo. O paciente se apropriou de um violão cujo 
valor restou estimado em R$ 90,00.  
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Assim, muitos aplicam e defendem o princípio da insignificância ou da bagatela sem 
se darem conta que tal princípio tem seu fundamento na filosofia, no pensamento 
de Tomas de Aquino. 
Além disso, a ideia defendida por Aquino da oculta compensatio se mostra em total 
consonância com os ditames constitucionais atuais pois a atual carta constitucional 
brasileira tem como um dos seus fundamentos, contido no inciso III do artigo 1º 
justamente a dignidade da pessoa humana. Indo mais além, o texto constitucional é 
explícito quando afirma que são objetivos fundamentais da República Federativa do 
Brasil, contidos no artigo 3º e seus incisos: construir uma sociedade livre, justa e 
solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a 
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, promover o bem 
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras 
formas de discriminação 
Portanto, aplicar tal preceito defendido por Tomás de Aquino é tanto moral como 
absolutamente constitucional, sendo um corolário dos direitos humanos e uma das 
faces da dignidade dapessoa humana.  
O direito penal não deve se ocupar de condutas que 
não causem lesão significativa a bens jurídicos 
relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem 
tutelado, bem assim à integridade da ordem social.” 
(HC 94.770, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento 
em 23-9-2008, Segunda Turma, DJE de 12-12-2008.) 
16 
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Conforme já mencionado, o Direito não é uma ilha isolada dos demais ramos do 
saber humano e muito menos da sociedade. 
O Direito influencia, mas sem dúvida é muito mais influenciado. No presente 
estudo, apresentou-se brevemente que o princípio da insignificância, muito 
utilizado no direito penal, encontra suas raízes na filosofia, mais precisamente 
dentro do pensamento de Tomás de Aquino. 
Pretendeu-se demonstrar como a filosofia pode, e ajuda, o jurista não apenas a 
entender uma lei ou um princípio, mas a encontrar as bases filosóficas as quais, tal 
preceitos legal está assentado. Sem buscar tal origem, fica o jurista dentro de uma 
redoma de mediocridade, acreditando que a fundamentação de um instituto seria 
apenas legal, quando na verdade é muito mais sofisticada. 
Não se propõe a substituição da ciência do Direito pela filosofia, pelo contrário. A 
filosofia deve servir como auxílio do jurista, abrindo sua mente para buscar sempre 
as bases, a fundamentação daquele instituto, que muitas vezes é encontrado em 
uma obra do baixo medievo, como a Suma Teológica de Tomás de Aquino, ou as 
vezes nos clássicos gregos. 
Com a leitura da Suma Teológica, se encontra a fundamentação do princípio da 
bagatela, e com isso se compreende com exatidão o preceito moral e religioso que 
influenciou Aquino ao defender a oculta compensatio.  
III – Considerações Finais
17 
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Tais preceitos, de coadunar uma lei humana com uma lei natural, defendida por 
Aquino, parece ainda ser atual com a obrigatoriedade de coadunar uma lei positiva 
com os direitos humanos. Assim, a filosofia tem e muito a contribuir com o 
desenvolvimento do Direito e principalmente do cientista do Direito. 
Em pleno início do século XXI, o cientista do Direito deve cada vez mais possuir um 
conhecimento aprofundado da ciência do Direito, sem olvidar a importância de um 
conhecimento holístico. Deve unir outros ramos do saber, em especial a filosofia, 
na busca do que há de mais importante na vida, que são os momentos felizes, que é 
levar uma vida minimamente digna à todas as pessoas, conforme determina o texto 
constitucional de 1988. 
A ADPF 54 E A
ANENCEFAL IA 
  – BREVES
CONSIDERAÇÕES
F ILOSÓFICAS 
CAPÍTULO I I
O Supremo Tribunal Federal – STF, em 12 de abril de 2012, decidiu pela 
possibilidade da interrupção da gestação do feto anencéfalo, através da ADPF (1)  
nº54, por ampla maioria, ficando vencidos os ministros Ricardo Lewandowsky e 
Cesar Peluso que conheciam da ação, mas julgavam-na improcedente. 
Nessa decisão histórica, com base no voto do ministro relator Marco Aurélio de 
Mello, o STF passou a entender ser vedado a interpretação segundo a qual a 
gestante de feto anencéfalo incorreria no crime de aborto, previsto no artigo 128 do 
Código Penal – CP, ou seja, interromper a gestação nessa hipótese deixou de ser 
considerado crime de aborto. 
Mais do que analisar se a decisão está ou não correta juridicamente, o objetivo do 
presente ensaio é analisar alguns argumentos do ministro relator à luz da filosofia, 
para entender como o Excelso Pretório chegou a referida decisão. 
Com isso, procurar-se-á demonstrar que a decisão, apesar de jurídica, encontra  
CAPÍTULO I I
19 
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A A D P F 5 4 e a a n e n c e f a l i a – b r e v e s 
c o n s i d e r a ç õ e s f i l o s ó f i c a s  
Introdução
 (1) A ADPF é a sigla para uma ação prevista na CRFB/88 em seu artigo 102, §1º denominada Arguição por Descumprimento de
Preceito Fundamental. 
seu fundamento longe da ciência do Direito, mas sim em outras áreas do 
conhecimento humano, no presente caso na filosofia, mostrando assim, que o 
Direito está muito mais próximo da teoria dos sistemas luhmiana (2)  do que da 
teoria pura kelseniana (3) . 
Assim, serão abordados fundamentos do STF com a natureza de um não ser 
atribuída ao anencéfalo, o argumento do Estado laico e do afastamento dos 
ministros de valores religiosos e, por fim, sobre a incongruência da vedação 
a doação de órgãos do anencéfalo em razão da opção pela liberação da interrupção 
(ou será aborto) da gestação.  
20 
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(2) Para Nicklas Luhmann, o Direito seria um sistema operativamente fechado, pois possui um regramento próprio, mas seria
cognitivamente aberto, ou seja, o Direito muitas das vezes necessita buscar em outras áreas do conhecimento humano elementos
essenciais para dirimir uma questão. 
(3) Hans Kelsen acreditava na ideia de uma pureza do Direito, onde o grande objetivo seria encontrar o objeto de investigação da
ciência do Direito. Para isso criou uma metodologia que objetivava “blindar” o Direito dos outros ramos do saber humano, como a
filosofia, moralidade, religião, psicologia, etc, ficando conhecida essa corrente jus filosófica de positivismo jurídico legalista (ou
normativista). Com o advento dos acontecimentos do holocausto da 2ª Guerra Mundial, boa parte da comunidade científica
entendeu que não se poderia pensar o Direito dessa forma pura, pois o Direito é na verdade uma ciência social aplicada, e,
portanto, elementos exteriores a ele, acabariam por também fazer parte do Direito. 
Assista à aula sobre os
pensamentos de Luhman e
Kelsen, disponível no canal do
YouTube e no site do Novo
Liceu: www.novoliceu.com
21 
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 (4) Aborto é um vocábulo que deriva da palavra orior, que em latim quer dizer nascer, e seu contrário, não nascer, seria aborior,
derivando até a língua portuguesa como aborto.
I – Opção pelo termo interrupção e não aborto – o anencéfalo, 
segundo o STF seria um não ser.
Desde a proposta da referida ADPF, pelo advogado da ação e hoje ministro do STF, 
Luiz Roberto Barroso, optou-se por utilizar a nomenclatura interrupção ao invés do 
vocábulo clássico usado para tais casos, que sempre foi aborto (4) . E qual o motivo 
para essa escolha e seus fundamentos filosóficos? 
A palavra aborto soa muito forte em uma sociedade com ampla maioria cristã como 
a brasileira, logo, para que a teoria a ser defendida não ganhasse nos primeiros 
momentos inúmeros opositores, optou-se a época pela substituição de aborto por 
interrupção da gestação. Essa troca pareceu muito mais uma opção com o intuito de 
vencer a querela do que em se buscar um debate amplo, honesto e sincero. 
Somente se fala em aborto, ou seja, não nascimento, de um alguém que esteja vivo, 
mesmo que intrauterino. Já na interrupção da gestação, a ideia é que não existe 
vida dentro do útero materno, logo, não há aborto, mas a interrupção de uma 
gestação que irá gerar um natimorto.  
Portanto, o anencéfalo não seria um ser, filosoficamente falando, mas um não ser! 
Sobre a distinção do ser e do não ser, Parmênides (sem data, p.1) afirma, em seus 
fragmentos que chegaram até nós que: 
Pois bem, agora vou eu falar, e tu, prestes atenção 
ouvindo a palavra  acerca das únicas vias de 
questionamento que são a pensar: uma, para o que é 
e, como tal, não é para não ser, é o caminho de 
persuasão — pois segue pela Verdade —, outra, para o 
que não é e, como tal, é preciso não ser, esta via 
afirmo-te que é uma trilha inteiramente insondável; 
pois nem ao menos se conheceria o não ente, pois não 
é realizável, nem tampouco se diria: (...) pois o mesmo 
é a pensar e a ser. 
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Conforme Parmênides afirma, só podemos falar do ser, mas nuncado não ser, pois 
o não ser não sendo, nada se tem como falar. Foi exatamente essa regra de lógica 
que foi aplicada na decisão do STF. Qual a fundamentação utilizada para usar o 
termo aborto? A fundamentação seria que o anencéfalo seria um não ser, e como do 
não ser nada se pode ao menos falar, não se poderia atribuir a ele sofrer um aborto, 
pois nada dele se pode falar, principalmente que possui vida. Assim, estaríamos 
diante de um não ser, pois o anencéfalo não possui uma condição básica para ser 
um ser, que é possuir vida, pensar minimamente. 
Em relação a brevidade do presente ensaio, não será objeto de análise os 
argumentos contrários a essa teoria de que o anencéfalo seria um não ser, teoria 
aliás a qual me filio, pois, o intuito no momento é de apresentar alguns argumentos 
filosóficos contidos na decisão da ADPF nº 54. 
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II – O Brasil é um Estado Laico, mas não ateu.
Praticamente todos os Estados ocidentais são laicos, mas entender o que isso 
significa é de suma importância. 
Laicidade de um Estado não pode ser confundida com a ideia de um Estado ateu. 
Naquele, simplesmente o Estado não professa nenhuma crença específica, ou seja, 
não existem normas religiosas que pairam acima de um texto constitucional, sendo 
permitido que os cidadãos, dentro de uma razoabilidade, professem qualquer credo 
sem distinção. No segundo, não só o Estado não possuiu uma religião que norteia 
sua atuação como proíbe seus cidadãos que professem qualquer credo. 
O Brasil, por força do artigo 5º VI da CRFB/88, é um país laico, onde “é inviolável a 
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos 
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas 
liturgias”. Sendo assim, a religiosidade é um elemento cultural respeitado e 
defendido dentro do texto constitucional. Logo, argumentos religiosos podem 
perfeitamente estar dentro da discussão sobre anencefalia, qualquer que seja a 
religião, pois faz parte do sentimento de pertencimento do cidadão. 
Não se está defendendo que apenas argumentos religiosos sejam utilizados, mas a 
forma pela qual o STF defendeu a ideia de Estado laico, ideia essa que em momento 
algum nem mesmo as entidades que atuaram como amicus curea nesse julgamento 
defenderam. 
24 
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Se não existe ou ao menos não temos como afirmar ser verdadeiro ou falso uma 
existência metafísica, o que temos então seria o dasein, expressão criada por 
Heidegger para dizer que o que existe é um ser aí, o ser inserido no mundo, e não 
um ser metafísico, ou mesmo virtudes metafísicas perfeitas existentes em um 
mundo perfeito, como idealizava Platão em seu mundo das ideias. 
Percebe-se facilmente a tentativa de escamotear o que é realmente nessa 
discussão, talvez pela culpa religiosa (que a influência tanto quer esconder), que 
seria uma discussão sobre o aborto efetivamente. 
O medo de desagradar parentes, sociedade, religião e afins parece soar mais alto, e 
assim, cria-se subterfúgios para não se admitir uma opção justificável pró aborto. 
Mas dizer-se-pró-aborto leva contra si toda uma moralidade dominante. Não se 
está aqui defendendo o aborto em si, mas simplesmente tentando mostrar que a 
opção em si, não parece ter sido imbuída de sinceridade, mas de uma saída jurídica 
para um problema moral dos ministros, e de muitos outros. 
Assista à aula disponível no
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a alegoria da caverna de
Platão que explica essa visão
dual platônica sobre a
existência de mundos
distintos.
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Do outro lado temos a gestante, sofrida, carregando um ser (ou será um não ser) 
que, na melhor das hipóteses, ficará menor tempo encarnado do que se poderia 
esperar. Não se pode esquecer essa gestante, pois é ela quem passará por todos os 
estágios da gestação. Muitas delas também carregarão esse sentimento de culpa, 
antes, durante e depois do cometimento da interrupção da gestação (ou será 
aborto?). 
Portanto, essa criação da figura da interrupção da gestação foi uma criação 
inteligente, pois conseguiu satisfazer a culpa daqueles que gostariam de defender o 
aborto, mas não possuem a coragem para dize-lo. 
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Essa culpa, que nos é colocada desde a mais tenra idade, denunciada por Nietzsche 
em praticamente todas as suas obras, encontrou na decisão da ADPF nº54 o seu 
melhor exemplo. Daí o risco sempre recorrente de julgarmos de acordo com nossas 
idiossincrasias, com nossos valores, com nossos medos e temores. Como Nietzsche 
(2010, aforismo 133) afirma  
provavelmente restará ainda aquele pesar que é 
aparentado e se acha misturado ao medo das punições da 
justiça profana ou do desprezo dos homens; ao menos o 
pesar dos remorsos, o aguilhão mais agudo do sentimento 
de culpa, é atenuado, quando percebemos que com nossos 
atos violamos a tradição humana, as leis e ordenações 
humanas, mas ainda não colocamos em perigo "a eterna 
salvação da alma" e sua relação com a divindade.  
Merece ser mencionado que, um tema complexo como esse, sem qualquer previsão 
expressa na constituição, é no mínimo de grande risco ser julgado por julgadores 
alçados ao posto máximo por um processo de escolha indireta, ou seja, com um 
déficit democrático. 
Além disso, é recorrente o equívoco hermenêutico, que será brevemente 
mencionado em ensaio a seguir, sobre como os julgadores cometem o erro de 
decidir com suas pré-compreensões, ao invés de passar por todo o círculo (ou 
espiral) hermenêutico. 
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III – Sobre a doação de órgãos do anencéfalo  
Durante o voto do Min. Relator Marco Aurélio, o mesmo mencionou por diversas 
vezes que não se poderia obrigar uma gestante a doar os órgãos do anencéfalo, e 
para isso citou o pensamento de Kant, afirmando que, sendo a gestante obrigada a 
tal gesto, estaria se “coisificando” a mesma, ou seja, estar-se-ia tratando-a como 
meio para uma outra finalidade, sendo que ela deveria ser tratada sempre como um 
fim e si mesma. 
Em relação a tal afirmativa, não há que discordar, inclusive em relação aos 
argumentos aduzidos pelo relator. Entretanto, a discussão não deveria ser essa! 
Não se deveria discutir tal obrigatoriedade da gestante, pois seria absurda tal 
obrigatoriedade, mas sim se a mesma poderia doar. 
O caso hipotético a ser analisado seria se uma gestante, utilizando sua autonomia 
da vontade, optasse em levar sua gestação até o final e então decidisse por doar 
seus órgãos. 
O laudo médico contrário à doação afirma que a maioria dos órgãos dos 
anencéfalos não serviria por problemas congênitos, entretanto tal posição não é só 
pacífica como mesmo essa posição afirma que a maioria e não a totalidade. Em 
posição contrária, o próprio Conselho Federal de Medicina – CFM que emitiu a 
Resolução 1.752 de 8 de setembro de 2004 que autorizaria os médicos a realizarem 
a retirada e consequente transplante dos órgãos do anencéfalo. 
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Portanto, o próprio CFM reconhece a possibilidade fática de doação de órgãos de 
anencéfalos. 
O que torna essa questão ainda mais complexa é justamente o parecer nº 24 de 
2003 do CFM que dá as diretrizes para a doação, e que acaba por afirmar a 
dificuldade em se precisar o momento da morte do anencéfalo. 
É aí que se percebe o problema lógico da decisão do STF. No primeiro item do 
presente ensaio demonstrou-se que o STF entendeu o anencéfalo como sendo um 
não ser, justamente por nunca ter tido efetivamente vida, até por isso denominou 
de interrupção e não de aborto. Contudo, o parecer nº24/2003 do CFM discorre 
sobre a dificuldade em se precisar o momento da morte do anencéfalo. 
Ora, se oparecer do CFM afirma não conseguir definir o momento de morte do 
anencéfalo, é porque antes existia vida no mesmo, e existindo vida, estar-se-ia 
falando de aborto e não de interrupção. 
Percebe-se, portanto, claramente que mesmo diante dos argumentos do CFM, que 
por óbvio serão muito mais robustos do que um parecer de outro médico, o 
ministro relator e a maioria dos ministros do STF preferiu escolher os fundamentos 
que melhor se coadunavam com sua opção moral, querendo, entretanto, dar uma 
roupagem científica, que na verdade, como toda ciência, nem absoluta é. Foi 
simplesmente uma opção tomada, não uma verdade universal nos moldes 
platônicos ou kantianos. 
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Não haveria nenhuma afronta a dignidade do anencéfalo doar seus órgãos, já que 
ele não seria um ser, mas um não ser. Entretanto, como não existe um mínimo de 
certeza no que diz respeito ao final da vida do anencéfalo, melhor seria aplicar a 
teoria ética do cuidado, de preservar o anencéfalo, impedindo a doação de seus 
órgãos justamente por não se precisar o momento de sua morte. 
Contudo, defender que ele é um não ser, por isso não ensejaria a proteção contra o 
aborto contida no artigo 128 do Código Penal e também vedar a doação de órgãos, é 
uma total afronta a lógica. Uma escolha anula a outra! Ele não pode ser um não ser 
em relação ao aborto, mas um ser para a doação de órgãos. 
Em razão disso que se espera que um julgado sempre aplica o círculo (ou espiral) 
hermenêutico na hora de decidir, pois decidir apenas com base em uma pré- 
compreensão e ainda procurando uma fundamentação para livrar a mente da culpa 
por um suposto pecado, não tem como dar certo. 
Quando o juiz pretende decidir de forma pessoal, solipsista, ignorando a 
constituição e os demais textos legais, a decisão será nos moldes do entendimento 
do próprio julgador, com base em seus valores pessoais, a decisão será eivada de 
erro, de vício, pois sempre deverá ser a constituição o norte hermenêutico seguro a 
ser perquirido, conforme ensina Lenio Streck (2013). 
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Esses foram apenas alguns argumentos defendidos pelo Min. Relator Marco Aurélio 
para embasar seu voto, acompanhado pela maioria do STF autorizando a chamada 
interrupção da gestação do feto anencéfalo. Existiriam vários outros argumentos 
que poderiam ser analisados à luz da filosofia, mas que pela brevidade do presente 
ensaio não comportaria. 
Contudo, alguns elementos interessantes podem ser extraídos do presente escrito. 
Primeiro, o STF optou pelo perigoso caminho trilhado pelo advogado, hoje Ministro 
do próprio STF Luiz Roberto Barroso, de considerar o anencéfalo um não ser, e por 
isso não merecedor da proteção legal e constitucional legada aos demais fetos que 
não sofrem dessa má formação. 
Conforme mencionado, Parmênides já ensinava que do não ser, nada se pode dizer, 
muito menos legislar ou proteger. Sendo assim, o anencéfalo não faria juiz a 
referida guarida constitucional e legal, nos termos do voto do ministro relator. 
Interessante também a fúria pela qual os ministros corriam em afirmar a laicidade 
do Estado, como que mostrando que eles não iriam utilizar de seus próprios valores 
religiosos naquele julgamento. Parecia que os valores religiosos, qualquer que 
fossem, seriam menos importantes do que qualquer outros dado, principalmente 
científico, que seria trazido. Essa visão demonstra de forma indelével a correção 
das críticas nietzschianas ao apego pela ciência, como se ela pudesse nos dar o 
único caminho seguro a seguir, esquecendo que a ciência se faz com acerto e erro, 
e que uma teoria científica sempre possuirá alguma, mesmo que mínima, chance de 
Considerações Finais
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estar errada. 
Portanto, os valores e argumentos religiosos devem receber tratamento digno no 
momento das discussões justamente por fazerem parte da sociedade. Além disso, 
Nietzsche denunciava que a ciência não seria neutra e pura nos moldes idealizados 
pelos modernos, justamente por ser feita por homens, assim como o Direito 
também nunca foi nem será neutro. Sempre haverão valores por trás das pesquisas 
científicas, e essa não é uma crítica, mas simplesmente uma constatação, e em 
razão disso, dever-se-á lidar com isso. 
Não existe a possibilidade de uma “blindagem” do cientista, e muito menos do 
jurista e ministro, justamente porque todos estamos inseridos no mundo, como já 
denunciava Heidegger. Tentar esconder esse fato não parece o mais correto. Por 
isso Lenio Streck propõe a hermenêutica filosófica aplicada ao Direito, onde o 
hermeneuta sempre deverá procurar atribuir o sentido ao texto legal aquele 
sentido que melhor se coadune com os princípios constitucionais. Quando saímos 
desse paradigma constitucional, corremos sério risco de cair em um paradigma 
pior do que o positivista jurídico (qualquer um), pois cairemos em um paradigma 
eminentemente decisionista, onde o julgador decide com base no que ele entende 
por correto, com base em seus próprios valores morais, suas idiossincrasias, seus 
traumas, medos e afins. 
AS CONDUÇÕES
COERCIT IVAS E O
MEDO DO PODER
JUDIC IÁRIO NO
BRASIL 
– COMO A F ILOSOFIA
PODE CONTRIBUIR
PARA PROTEÇÃO DO
CIDADÃO   
CAPÍTULO I I I
A presente pesquisa nasceu após uma inquietação com tantas conduções 
coercitivas nos últimos 2 anos em solo brasileiro. Com a decisão do Ministro Gilmar 
Mendes em relação a pedidos de liminar em sede de ADPFs limitando tais 
conduções, o momento para tecer algumas linhas gerais sobre o assunto se fazia 
presente. 
A defesa do Estado de Direito é missão de todo estudioso do Direito, juramento 
feito sempre no ato de colação de grau em um bacharelado em ciências jurídicas. 
Sendo assim, não poderia me furtar ao tema. 
E esse tema parece bastante espinhoso, pois uma parte significativa da população 
acaba por concordar com tais práticas, cansados da corrupção galopante que, se 
sempre existiu no Brasil, parece que tomou uma proporção nunca antes vista , ou 
descoberta, nos últimos 5 anos. 
CAPÍTULO I I I
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A s c o n d u ç õ e s C o e r c i t i v a s e o M e d o d o 
P o d e r J u d i c i á r i o n o B r a s i l 
– c o m o a f i l o s o f i a p o d e c o n t r i b u i r p a r a 
p r o t e ç ã o d o c i d a d ã o  
Introdução
Após procurar compreender bem o tema, procurou-se interpretar o artigo 260 do 
CPP, que trata das conduções coercitivas, à luz da CRFB/88. Assim, além da 
constitucionalidade como um todo do dispositivo ser bem questionável, o 
descumprimento do rito previsto parece fulminar de morte as decisões admitindo 
das conduções. 
Com isso, investigados, que nem réus são ainda, muito menos culpados, são 
tratados como criminosos, sendo humilhados em rede nacional, com seus nomes e 
rostos mostrados nos principais jornais televisivos, nos jornais e agora, nas redes 
sociais. Isso quer dizer que um investigado conduzido coercitivamente acabará por 
ter seu nome tão fortemente ligado ao delito imputado que, mesmo se provar sua 
inocência, sua vida poderá já estar em ruinas. 
O princípio ad razoabilidade e proporcionalidade devem sempre andar juntos com o 
juiz(a), para que sempre tenham em mente a gravidade do ato que vão praticar. 
Assim, se a recpção do artigo 260 do CPP já possui inúmeras dúvidas, o respeito ao 
tramite previsto na legislação é o mínimo  a ser exigido às partes e ao Estado como 
um tudo. 
Com isso, em um primeiro momento será analisado o próprio instituto da condução 
coercitiva. Em um segundo momento , o pensamento de Foucault será preciso para 
demonstrar que a sociedade e o Estado ainda buscam a humilhação públicado 
investigado. Por fim, serão utilizados Kant e depois Streck para fundamentar a 
resposta correta sobre as conduções coercitivas, especialmente as que não 
obedecem o tramite previsto no artigo 260 do CPP. 
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O instituto da condução coercitiva nasce efetivamente no ordenamento jurídico 
brasileiro a partir do artigo 260 do Código de Processo Penal – CPP de 1941, ao 
afirmar que “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, 
reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a 
autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença 
”. 
A condução coercitiva era um instituto não muito aplicado, especialmente para 
realização de interrogatório de investigado, até o início das grandes operações 
contra crimes ligados a corrupção, principalmente na chamada “operação lava à 
jato”, e a partir dela, muitas outras. 
A primeira questão que não se pode olvidar é que o instituto da condução 
coercitiva data de 1941, portanto, deverá obrigatoriamente passar por um filtro 
hermenêutico constitucional, ou seja, analisa-lo à luz das atuais normas 
constitucionais brasileiras. 
De acordo com uma interpretação meramente gramatical do instituto em comento, 
percebe-se que a condução coercitiva apenas poderá ocorrer após a devida 
intimação do acusado, e por óbvio, desde que ele não compareça. Essa é a ideia 
básica e que uma simples leitura é capaz de demonstrar as regras idealizadas pelo 
legislador infraconstitucional da época.  
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I – A Condução Coercitiva
Atualmente, é discutível a possibilidade de conduções coercitivas de investigados 
mesmo que devidamente intimados, sem falar quando há ausência de intimação. 
A questão da condução coercitiva para interrogatório ganhou ainda mais destaque 
em razão de recente decisão do Ministro Gilmar Mendes que, analisando liminar ad 
referendum 
em sede das ADPF nºs 444 e 395, de propositura do Conselho Federal 
da OAB e do Partido dos Trabalhadores respectivamente, proibiu tal prática até 
decisão final do Pleno do STF. 
Assim, a condução coercitiva pode ser conceituada como sendo um instituto que, 
autorizado por um juiz, faz com que um investigado seja levado de forma coercitiva 
para prestar esclarecimentos sobre fatos que estão sendo investigados. Cumpre 
mencionar que, apesar de existir expressa previsão legal, os magistrados têm 
autorizado a condução coercitiva mesmo inexistindo recusa do investigado em 
comparecer ao interrogatório. 
Será em item subsequente que as críticas de Foucault continuam bem atuais, onde 
o Estado e o grosso da população ainda se regozijam pelas humilhações impingidas 
ao condenado. Além disso, os pensamentos de Kant e Streck serão  utiliziados para, 
primeiramente denunciar  demonstrar os equívocos das teorias exigência e qual o 
caminho seguro a ser seguido. 
A condução coercitiva por si só já poderia ser objeto de profunda análise, mas será 
aqui, nestas breves linhas, melhor discutida, quando inexiste recusa ao 
comparecimento do investigado. 
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Em item subsequente será analisado qual o intuito do Estado-juiz em determinar 
tal condução, principalmente com informações “vasadas” à imprensa, provocando 
não apenas desconforto, mas verdadeira humilhação pública para cidadãos que, por 
hora, nem acusados são, mas apenas investigados.  
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II – A quem interessa uma condução coercitiva sem prévia intimação?
Os contratualistas como Hobbes, Rousseau, Locke, e outros, apesar de divergirem 
em relação a aspectos da própria teoria em si, concordam sobre a importância do 
Estado e principalmente, que o Estado, em alguma medida, será necessário para a 
evolução do ser humano (1). 
Portanto, a visão contratualista, principalmente com o fim o ancient régime, passa 
a ver um novo Estado, livre das amarrar do absolutismo monárquico, e pronto para 
uma nova realidade, onde após os primeiros momentos de extrema violência 
revolucionária, permitiu o desenvolvimento dos direitos fundamentais de 1ª 
dimensão. Tais direitos também chamados de direitos negativos, por proteger o 
cidadão contra ações do Estado. Com isso, o Estado apenas podia prender, tomar 
bens, tomar terras, tributar, etc., se existisse lei autorizando aquela ação, caso  
(1) Interessante observar a visão diametralmente oposta de Nietzsche em relação ao Estado. Para ele, todo e qualquer Estado nasceu com
“sangue nas mãos”, ou seja, fruto da opressão de um grupo pelo outro. Nietzsche vai descortinar a visão romântica que os contratualistas
tinham em relação ao Estado, pois acredita que ele sempre foi uma forma de dominação do homem pelo homem, e nunca teve tem terá
qualquer ideia de uma igualdade ou ao menos de levar o bem estar para todos. A visão de Nietzsche é centrada na ideia de vontade de poder.
Essa vontade é que nos move, é que nos faz sair da cama todos os dias. Aqueles que realmente tem maior tal vontade e buscam elevar-se
enquanto homens, superando ressentimentos e sentimentos considerados por Nietzsche como inferiores e encontrando seus valores éticos
em detrimento dos valores morais (da sociedade, do Estado, da família, da religião, etc.), esse conseguirá dominar outros seres humanos que
não possuem tal vontade, pois nasceram para serem rebanho, para seguir e não para comandar. Isso nãos seria errado ou ruim em si, para
Nietzsche, mas sim essa hipocrisia do Estado objetivar o bem para todos, pois quem está no poder quer realmente é se perpetuar no poder, e
fará de tudo para isso. Essa ideia não é realmente original em Nietzsche, pois séculos antes Maquiavel, em sua obra O Príncipe, já trazia
alguns conceitos muito próximos.
contrário, se inexistisse e mesmo assim praticasse tais atos, existiriam remédios 
legais como Habeas Corpus (que é inclusive muito mais antigo e remonta ao direito 
inglês do alto medievo), Mandado de Segurança, dentre outros, para salvaguardar 
os direitos do cidadão contra tais violações. 
A partir então da modernidade, por volta do final do século XVIII, o Estado 
encontrou sérios limites para sua atuação, e os cidadãos ganharam o princípio da 
legalidade para uma maior proteção. 
Se desde o século XVIII já existia tal proteção contra abusos do Estado, como em 
pleno século XXI discutimos sobre a possibilidade de uma medida como a condução 
coercitiva fora dos limites e do rito previsto? Tempos sombrios! 
Contudo, é missão dos estudiosos do Direito procurarem entender o fenômeno, de 
forma crítica, e buscarem soluções para dirimir tal controvérsia hermenêutica. 
Conforme mencionado, apesar de existirem sérias dúvidas sobre a recepção do 
instituto em si da condução coercitiva de um investigado para depor, será 
analisando apenas a questão da desobediência ao rito previsto no CPP, de primeiro 
intimar o investigado a comparecer antes da condução coercitiva e si. 
O CPP em seu artigo 260 traz previsão expressa da intimação prévia e a 
consecutiva ausência do investigado antes da condução coercitiva. Quando 
magistrados optam por, deliberadamente ignorarem a disposição legal por 
entenderem possuir poderes para tal, o risco de abusos é muito grave. 
No caso em tela, qual seria o intuito de tal desrespeito?  
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A questão se agrava em razão de vivermos em uma sociedade de informação, onde 
os acontecimentos são transmitidos quase que em tempo real. Assim, uma 
condução coercitiva acaba sendo transmitida pelas principais redes televisivas 
(abertas e por assinaturas), redes de rádio, internet e redes sociais. 
Parece que Foucault estava certo quando em sua obra Vigiar e Punir 
(1987), já 
denunciava, através do seu método arqueológico, que o Estado usou (e continua 
usando) sua força de persecução penalcomo forma de intimidação e 
principalmente de humilhação pública. Parece que o pensamento de Foucault ainda 
(infelizmente) se mostra adequado à analise das conduções coercitivas 
(especialmente às se intimação prévia).  
  
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Quando o magistrado opta por tal caminho, não há outra coisa a se pensar a não ser 
o intuito de expor o investigado a uma humilhação pública. Vai colocar o 
investigado em posição de dominado, cabeça baixa, diante muitas vezes de uma 
população com desejo de vingança por vários motivos sociais, e que vê naquele 
momento, naquele indivíduo, a oportunidade de colocar suas angústias, decepções 
e recalques para fora. Sobre isso Foucault (1987, p. 73) afirmará que  
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“na medida em que a punição põe em cena, aos olhos de 
todos, o crime em toda a sua severidade, deve assumir 
essa atrocidade: deve trazê-la à luz por meio de 
confissões, discursos, inscrições que a tornem pública; 
deve reproduzi-la em cerimônias que a apliquem ao corpo 
do culpado sob forma de humilhação e de sofrimento. A 
atrocidade é essa parte do crime que o castigo torna em 
suplício para fazer brilhar em plena luz: figura inerente 
ao mecanismo que produz, no próprio coração da punição, 
a verdade visível do crime. O suplício faz parte do 
procedimento que estabelece a realidade do que é punido”.  
O juiz, vendo pelas redes televisivas o suplício do acusado, lendo pelas redes sociais 
o apoio do senso comum, se regozija, pois sente como o bastião da moralidade, 
como um enviado de Deus para fazer valer uma justiça divina (não lembra a Santa 
Inquisição?). O soberano, o Estado, através da figura do juiz, mostra a mesma 
violência contra o acusado. Ele vence e humilha o acusado. 
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Mas não é só: a atrocidade de um crime é também a 
violência do desafio 
lançado ao soberano: é o que vai provocar da parte 
dele uma réplica que tem por função ir mais longe que 
essa atrocidade, dominá-la, vencê-la por um excesso 
que a anula. A atrocidade que paira sobre o suplício 
desempenha portanto um duplo papel: sendo princípio 
da comunicação do crime com a pena, ela é por outro 
lado a exasperação do castigo em relação ao crime. 
Realiza ao mesmo tempo a ostentação da verdade e do 
poder; é o ritual do inquérito que termina e da 
cerimônia onde (FOUCAULT, 1987, p.73) 
Quando a força policial, a mando de um juiz, chega na residência de um 
investigado (atualmente o caso parece ser ainda mais grave, pois era muito 
comum suplícios contra o condenado ou acusado, e o infeliz ainda é apenas 
investigado) para realizar a condução coercitiva, chega com todo o seu aparato. 
Inúmeros carros, armas de grosso calibre, tocas ninjas, coletes à prova de bala, 
ostentando sua força diante de um acusado que normalmente ainda está usando 
pijamas, ao ser acordado em sua residência para a referida condução coercitiva. O 
investigado é forçado a pegar qualquer roupa, entrar em um veículo policial e 
fazer todo o percurso até uma delegacia com todo o aparato policial mencionado. 
Chegando, na maioria das vezes, já se encontram inúmeros repórteres, 
cinegrafistas, fotógrafos e cidadãos, estes últimos apenas para acompanhar a 
humilhação e o suplício do acusado, pois, como afirma Foucault (1987, p. 76) 
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o povo reivindica seu direito de constatar o suplício e 
quem é supliciado. Tem direito também de tomar parte. 
O condenado, depois de ter andado muito tempo, 
exposto, humilhado, várias vezes lembrado do horror de 
seu crime, é oferecido aos insultos, às vezes aos ataques 
dos espectadores. 
O tempo passa, mas a sociedade e o Estado continuam empregando o que há de 
mais humilhante em seu tempo. Se antes era passar com o condenado pelo público 
para que fosse xingado e humilhado para começar sua expiação da pena, hoje a 
humilhação é ainda maior, pois uma simples foto pode chegar a todos os cantos do 
globo em questão de segundos. Portanto, mesmo sendo apenas investigado, esse 
cidadão já foi condenado pela sociedade, e dificilmente conseguirá se reerguer.  
III – A virada kantiana ainda não chegou ao Brasil
Com o final da 2ª Guerra Mundial, vários jus 
filósofos do Direito começaram a 
criticar a ideia do modelo positivista jurídico (2)  de excluir o que era meta jurídico 
de dentro do objeto de investigação do Direito, especialmente a moralidade. 
Assim, Kant (3) voltava ao centro das discussões sobre teoria do Direito, 
especialmente seus estudos sobre a relação entre racionalidade e moralidade, que  
(2) Existem vários modelos positivistas jurídicos, e o modelo mais criticado, por ser o de maior importância para o século XX,
especialmente no Brasil, é o modelo positivista jurídico legalista ou normativista de Hans Kelsen. 
(3)Pode parecer estranha a opção de usar o pensamento de Immanuel Kant após usar o pensamento de Michel Foucault, tendo
em vista o abismo existente entre esses dois filósofos. Contudo, o presente estudo busca analisar o momento atual, não com um
dever ser extremamente hipotético e idealizado, mas com construções que já existem e que, mesmo estando longe do que poderia
ser o ideal para Foucault e Nietzsche, já seriam muito melhores para o Brasil. 
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culminou com toda uma construção teórica dos Direitos Humanos, servindo de 
base para própria criação das Nações Unidas.  
Quando Kelsen escreveu sua Teoria Pura do Direito (1999), ele está objetivando, 
mesmo que teoricamente, um Estado onde as leis, desde que de acordo com o texto 
constitucional, deveriam ser de respeito obrigatório por todos, especialmente pelos 
chamados por ele de intérpretes autênticos, que seriam os magistrados. Quando 
um magistrado ignora o rito previsto em uma lei ao seu prazer, mostra que ainda 
estamos em uma fase pré-positivista. 
Quando vemos tal prática, somos forçados a concordar com um magistrado federal 
fluminense que afirmou em uma entrevista a um jornal de grande circulação que o 
cidadão deve temer a justiça. Voltamos a Maquiavel! 
Entre ser amado ou temido pelos seus súditos, o soberano deve sempre optar por 
ser temido, pois o amor é volúvel, mas o medo permanece! Essas são ensinamentos 
que parecem perdurar até os dias de Hoje. Quando Maquiavel (2006) escreve O 
Príncipe, talvez não pudesse imaginar que em pelo século XXI, seus ensinamentos 
continuariam sendo aplicados. 
Por óbvio que tais ensinamentos não se coadunam com o pensamento kantiano, e 
por conseguinte com os da virada kantiana. A aposta de Kant (e dos adeptos da 
virada kantiana) é na racionalidade, ou seja, que a razão é a única capaz de nos 
levar a uma existência pacífica e feliz, tanto em termos pessoais quanto coletivo.  
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E claro, a racionalidade não é um ato isolado de um indivíduo, a racionalidade é 
universal. Logo, quando um juiz se arvora em decidir conforme sua consciência, de 
forma absurdamente solipsista, está na verdade agindo como se um tirano fosse. 
Por óbvio que tais ensinamentos não se coadunam com o pensamento kantiano, e 
por conseguinte com os da virada kantiana. A aposta de Kant (e dos adeptos da 
virada kantiana) é na racionalidade, ou seja, que a razão é a única capaz de nos 
levar a uma existência pacífica e feliz, tanto em termos pessoais quanto coletivo. E 
claro, a racionalidade não é um ato isolado de um indivíduo, a racionalidade é 
universal. Logo, quando um juiz se arvora em decidir conforme sua consciência, de 
forma absurdamente solipsista, está na verdade agindo como se um tirano fosse. 
Mesmo partindo do pressuposto que esse juiz esteja agindo de boa fé, está 
praticando um ato seríssimo contra o Estado de Direito. Montesquieu (1996, p.199) 
já afirmavaque seria melhor ser julgado e condenado em um dia dentro de um 
Estado com as melhores leis do que viver como um Paxá na Turquia, pois esse 
condenado seria mais livre. E claro que Montesquieu está pensando que tais leis 
serão cumpridas e não descumpridas por qualquer magistrado. 
Quando os membros da virada kantiana reintroduziram a moralidade no Direito, e 
procuraram, dentro de uma razoabilidade, aplicar Kant, o Direito avançou, 
principalmente na Europa e Estados Unidos. Apesar da teoria kantiana não resolver 
todos os problemas como ele supunha, aplicando sua teoria dos imperativos 
hipotético e categórico nas questões das conduções coercitivas, mostrariam que 
universalizar tal prática nunca nos levaria à resposta correta. 
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Nesse ponto, Lenio Streck demonstra que a resposta correta está dentro do texto 
da constituição. 
Logo, é um direito fundamental do cidadão ter os seus direitos constitucionais de 
presunção da inocência, da não incriminação, dentre outros, violados pela 
condução coercitiva. Defender o respeito ao Direito Positivo não pode nunca ser 
confundido como defesa do positivismo jurídico, seja qual vertente for. 
Portanto, com facilidade verifica-se que o Ministro Gilmar Mendes acertou ao 
conceder a liminar em sede da ADPF pois tais conduções coercitivas para 
interrogatórios de investigados estavam violando não apenas o CPP mas 
principalmente a CRFB/88. 
Por isso Kant (2003, p. 160) asseverava que 
A felicidade de um Estado consiste na sua união. Pela 
felicidade do Estado não se deve entender o bem estar de 
seus cidadãos e a felicidade destes, pois a felicidade 
talvez os atinja mais facilmente e, como o apreciariam, 
num estado de natureza (como assevera Rousseau) ou 
mesmo num governo despótico. Por felicidade do Estado 
entende-se, em lugar disso, a condição na qual sua 
constituição se conforma o mais plenamente aos 
princípios do direito; é por esta condição que a razão, 
mediante um imperativo categórico, nos obriga a lutar.
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Com isso, as críticas de Streck (2017) são corretas ao afirmar que, quando o Poder 
Judiciário não respeita a Constituição nem a legislação vigente, decidindo de forma 
solipsista, devemos temer a “Justiça”, pois o grau de imprevisibilidade das decisões 
judiciais será altíssimo. E o cidadão, acaba por ficar refém desse novo Leviatã, que 
se um dia foi o Executivo por força do ancient régime, hoje se mostra através do 
pseudo ativismo judicial, que nada mais é do que a usurpação das funções dos 
outros Poder estatais. O Poder Judiciário está se tornando um novo Poder 
Moderador. 
Considerações finais
O presente estudo teve início a partir de algumas inquietações relacionadas ao 
momento atual, onde o ativismo judicial vem ultrapassando quaisquer limites 
dentro do razoável, onde juízes optam deliberadamente em ignorar o texto 
constitucional e legal, fazendo um direito próprio. Como se isso já não bastasse, 
vemos magistrados concedendo entrevistas (o que não é proibido, mas estranho 
pois normalmente um juiz não deve ter assuntos tão interessantes para jornalistas) 
e nestas, afirmando, sem o menos constrangimento, que o Poder Judiciário deve ser 
temido. 
Muito provavelmente o que quis dizer o magistrado em comento é que os supostos 
criminosos devem temer o Poder Judiciário, querendo passar uma ideia de que não 
há mais espaço para impunidade. 
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Entretanto, tal afirmação foi ruim, muito ruim, pois mesmo para supostos 
criminosos, o Judiciário não pode ser algo para ser temido, no máximo respeitado. 
Mas esse respeito deriva da sua correção em observar os preceitos constitucionais 
e legais, aplicando de forma correta a lei, punindo quem deve ser punido, mas 
sempre dentro dos estreitos limites de atuação do Estado delimitados pelo 
princípio da legalidade. 
Para deixar o momento atual ainda mais conturbado, alguns juízes passaram a ter 
uma interpretação muito própria do artigo 260 do CPP, determinando conduções 
coercitivas (de recepção pela CRFB/88 duvidosa), e ainda por cima, desrespeitando 
o tramite previsto, ou seja, o respeito à intimação prévia do investigado. 
Em razão disso, foram propostas as ADPF nºs 444 e 395, de relatoria do Ministro do 
STF Gilmar Mendes, objetivando a decisão pelo tribunal da não recepção do artigo 
260 do CPP, e consequentemente o fim das conduções coercitivas, principalmente 
de investigados, no mérito. Além disso, foi requerido a concessão de liminar, que foi 
concedida ad referendum, para que todos os juízes brasileiros se abstenham de 
determinar as conduções coercitivas inobservando o trâmite previsto no artigo 260 
do CPP, até que o pleno do tribunal analise a liminar, podendo referenda-la ou 
cassa-la, até o julgamento do mérito das ADPFs. 
Procurou-se demonstrar que, ao que parece, o único objetivo de tais conduções 
seria o de humilhar os investigados, nos moldes já denunciados por Michel Foucault 
em seu Vigiar e Punir.  
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Tal atitude por óbvio não se coaduna com princípios basilares da CRFB/88, como o 
que veda a autoincriminação, da ampla defesa, e até da dignidade da pessoa 
humana. 
O pensamento de Immanuel Kant foi utilizado para demonstrar que desde o final da 
2ª Guerra Mundial a moralidade começou a voltar a fazer parte do objeto de 
investigação da ciência do Direito, e portanto, a prática da condução coercitiva 
deixa de tratar o ser humano com a dignidade que ele merece, violando os 
imperativos kantianos, pois alguns juízes vem demonstrando um tratamento 
diferenciado de acordo com o réu, o que violaria os preceitos de universalização de 
Kant, e até os do positivismo jurídico legalista de Kelsen. 
Por fim, foi utilizado o pensamento de Lenio Streck para demonstrar que a resposta 
ao presente caso é simplesmente o respeito ao texto constitucional e ao texto legal. 
Não há espaço hermenêutico de criação para o juiz, e mesmo que existisse, tal 
espaço não pode ser entendido para que o juiz diga qualquer coisa sobre qualquer 
coisa. Há um compromisso com os princípios constitucionais, pois estes deverão 
sempre nortear toda e qualquer hermenêutica constitucional. 
Por fim, foi afirmado a correção na decisão do ministro relator das ADPFs ao 
conceder as liminares, restringindo o uso até então indiscriminado de conduções 
coercitivas, obedecendo os ditames constitucionais que tem, no ser humano e na 
sua dignidade, o único caminho possível a ser trilhado dentro de uma Estado 
Democrático de Direito, onde a separação dos Poder (ou das atribuições) é 
respeitada. Não há mais espaço para um novo Leviatã, agora chamado de Poder 
Judiciário. 
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tomada de decisão jurídica” foi elaborado por Thiago Rodrigues Pereira, é 
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