Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O behaviorismo Uma ciência do comportamento1 Perto da segunda década do século XX, menos de quarenta anos depois do lançamento formal da psicologia por Wilhelm Wundt, essa ciência já havia passado por drásticas revisões. Os psicólo- gos não concordavam mais sobre o valor da in- trospecção, sobre a existência dos elementos da mente, ou sobre a necessidade de a psicologia permanecer uma ciência pura. Os funcionalistas estavam reescrevendo as regras da psicologia, fazendo com ela experiências e aplicações que não poderiam ser admitidas em Leipzig ou Cor- nell. O movimento na direção do funcionalismo era menos revolucionário que evolutivo. Os fun- cionalistas não procuravam deliberadamente destruir as posições de Wundt e Titchener. Em vez disso, eles as modificaram, acrescentando um pouco aqui, mudando alguma coisa ali, de modo que, gradativamente, ao longo dos anos, surgiu uma nova forma de psicologia. Tratava-se mais de um lento processo de desgaste interno do que de um ataque deliberado de fora. Os lí- deres do movimento funcionalista não sentiam uma grande necessidade de solidificar ou for- malizar seu pensamento. A seu ver, não se trata- va tanto de romper com o passado, como de construir a partir dele. Em consequência, a pas- sagem do estruturalismo ao funcionalismo não foi tão perceptível na época em que ocorreu. Não há dia ou ano certos que possamos apontar como o começo do funcionalismo, nem um momento em que a psicologia tenha muda- do da noite para o dia. Na verdade, é difícil, como observamos, apontar um indivíduo parti- cular como o fundador do funcionalismo. Quem o fundou foi a situação da segunda 1 Extraído de Duane P. Schultz & Sidney E. Schultz, His- tória da psicologia moderna, capítulos 10 e 11. 5ª edi- ção (revisada e ampliada). Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Marta Stela Gonçalves. São Paulo: Pensa- mento-Cultrix, 1992. década do século XX nos Estados Unidos. O fun- cionalismo estava amadurecendo, e o estrutura- lismo ainda ocupava uma posição forte, se bem que não mais exclusiva. Em 1913, irrompeu um protesto contra as duas posições. Seu autor pretendia que fosse um rompimento abrupto e aberto, uma guerra total voltada para abalar os dois pontos de vista. Não haveria modificação do passado, nem compro- misso com ele. Esse novo movimento recebeu o nome de «behaviorismo» e teve como líder um psicólogo de 35 anos, John B. Watson. Apenas dez anos antes, Watson recebera seu Ph.D. de Angell, na Universidade de Chicago. Na época – 1903 –, Chicago era o centro da psicologia funcional, um dos dois movimentos que Watson se dispunha a esmagar. Os pilares básicos do behaviorismo de Wat- son eram simples, diretos e ousados. Ele deseja- va uma psicologia objetiva, uma ciência do com- portamento que só lidasse com atos comporta- mentais observáveis, passíveis de descrição ob- jetiva em termos de estímulo e resposta. Ele queria aplicar aos seres humanos os procedi- mentos e princípios experimentais da psicologia animal, um campo em que trabalhara. Os interesses de Watson lançaram luz sobre aquilo que ele queria descartar. Para ser uma ciência objetiva, a psicologia do comportamento tinha de rejeitar todos os conceitos e termos mentalistas. Palavras como imagem, mente e consciência — herança dos dias da filosofia men- tal — não tinham sentido para uma ciência como essa. Watson era de particular veemência na sua rejeição do conceito de consciência. Para ele, a consciência “nunca foi sentida, tocada, cheirada, provada ou movida. É uma simples suposição tão improvável quanto o velho conceito de men- te” (Watson & McDougall, 1929, p. 14). Por con- seguinte, a técnica da introspecção, que supu- 2 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA nha a existência de processos conscientes, era ir- relevante. Como fundador do behaviorismo, Watson promoveu essas opiniões de modo vigoroso. Contudo, como vimos, fundar não é o mesmo que originar. As ideias do movimento behavioris- ta que estava prestes a tomar de assalto a psico- logia não surgiram com Watson; vinham sendo desenvolvidas na psicologia e na biologia há vá- rios anos. Não é uma crítica a Watson observar que ele, tal como todos os fundadores, organizou, inte- grou e propõe ideias e questões já existentes. A partir desse amálgama, ele construiu seu novo sistema de psicologia. Este capítulo examina as influências anterio- res do behaviorismo, os velhos elementos que Watson combinou com tanta eficácia para for- mar sua nova psicologia. Ao menos três grandes tendências afetaram a sua obra: (1) a tradição fi- losófica do objetivismo e do mecanicismo; (2) a psicologia animal; e (3) a psicologia funcional. Estas duas últimas exerceram o impacto mais di- reto e evidente. As tradições filosóficas aludidas estavam em desenvolvimento há algum tempo, tendo favorecido e reforçado o crescimento da psicologia animal e do funcionalismo. Não era incomum, por volta de 1913, a insis- tência de Watson na necessidade de uma maior objetividade na psicologia. Essa noção tem uma longa história, que talvez tenha começado com Descartes, cujas tentativas de explicações meca- nicistas do corpo figuram entre os primeiros pas- sos na direção dessa maior objetividade. Tem maior importância na história do objeti- vismo o filósofo francês Auguste Comte (1798- 1857), fundador do positivismo, movimento que enfatizava o conhecimento positivo (fatos), cuja verdade não é discutível (ver o Capítulo 2). Se- gundo Comte, o único conhecimento válido é o que tem natureza social e é objetivamente ob- servável. Esses critérios levaram ao abandono da introspecção, que depende da consciência indi- vidual privada e não pode ser objetivamente ob- servada. Comte fez um vigoroso protesto contra o mentalismo e a metodologia subjetiva. Nos primeiros anos do século XX, o positivis- mo era parte do Zeitgeist científico. Watson ra- ramente discutia o positivismo, o mesmo ocor- rendo com a maioria dos psicólogos americanos da época; contudo, eles “agiam como positivist- as, mesmo que não assumissem o rótulo” (Lo- gue, 1985, p. 149). Assim, quando Watson se pôs a trabalhar no behaviorismo, o objetivismo, o mecanicismo e o materialismo eram fortes. Exer- ciam uma influência tão penetrante que levaram inexoravelmente a um novo tipo de psicologia, sem consciência, sem mente, sem alma, um tipo de psicologia que só se interessava pelo que pu- desse ser visto, ouvido e tocado. O resultado inescapável disso foi a ciência do comportamen- to, que concebia o ser humano como uma máquina. John B. Watson (1878-1958) Admitindo que fundar não é o mesmo que dar origem, John B. Watson descreveu seus esforços como uma cristalização de tendências correntes na psicologia. Tal como Wilhelm Wundt, o pri- meiro promotor-fundador da psicologia, Watson se dedicou deliberadamente a fundar uma nova escola. Essa intenção o distingue de outros a quem a história hoje considera precursores do behaviorismo. O vigoroso ataque de Watson à velha psico- logia e sua defesa de uma nova abordagem tive- ram um forte efeito. Consideremos seus pontos principais. A psicologia deveria ser a ciência do comportamento — e não o estudo introspectivo da consciência — e um ramo experimental pura- mente objetivo das ciências naturais. Dever-se- iam pesquisar tanto o comportamento animal como o humano. A nova psicologia descartaria todos os conceitos mentalistas e só usaria con- ceitos comportamentais como estímulo e res- O BEHAVIORISMO 3 posta. A finalidade da psicologia seria prever e controlar o comportamento. Como discutimos, esses pontos não se origi- naram em Watson. Métodos experimentais ob- jetivos vinham sendo usados há algum tempo, e os conceitosfuncionais por certo vinham sendo influentes, até dominantes, nos Estados Unidos. Pesquisas sobre aprendizagem animal tinham começado a gerar dados aplicáveis à aprendiza- gem humana, e testes objetivos tinham sido de- senvolvidos e usados com algum sucesso na pre- visão e controle do comportamento. A própria definição de Watson da psicologia como a ciên- cia do comportamento fora antecipada. Logo, os pontos básicos de Watson não eram novos. O que havia de novo e provocador em seu progra- ma era a sua proposta de eliminar da psicologia a mente e a consciência, os conceitos mentalis- tas, a especulação sobre o que poderia estar ocorrendo no cérebro e o uso da introspecção. O programa de Watson não foi aceito imediata nem universalmente. A primeira res- posta publicada ao seu artigo de 1913 foi dada por Mary Whiton Calkins, que discordava da re- jeição da introspecção; ela refletia a opinião de muitos psicólogos, que acreditavam que certos tipos de processos psicológicos só podiam ser estudados pela introspecção. A discussão durou alguns anos, entrando pela década de 20, e o de- bate muitas vezes foi acirrado. Margaret Floy Washburn chegou a ponto de considerar Watson inimigo da psicologia (Samelson, 1981). Não se pretende sugerir que tenha havido uma súbita chuva de ataques às concepções de Watson. No início, o behaviorismo recebeu rela- tivamente pouca atenção nas publicações profis- sionais. Mas o apoio crescia na surdina, vindo em especial de psicólogos mais jovens, e, na dé- cada de 20, algumas universidades ofereciam cursos sobre o behaviorismo e a palavra “com- portamental” estava aparecendo nas revistas. William McDougall, um oponente do behavioris- mo, preocupou-se com isso o bastante para dar um alerta sobre o florescimento dessa aborda- gem. Em 1924, E. B. Titchener queixou-se de que o behaviorismo tinha varrido o país como uma grande onda. E, perto de 1930, Watson proclam- ou com orgulho que seu trabalho se tomara tão popular que nenhuma universidade podia deixar de ensiná-lo. O behaviorismo de fato alcançou sucesso, mas o fez muito lentamente. As mudanças que Watson pedia demoraram bastante para surgir. Quando finalmente chegaram, a sua não era a única forma de psicologia do comportamento promovida. Os Métodos do behaviorismo Como vimos, quando a psicologia científica começou, havia nela a disposição para aliar-se à velha e consagrada ciência natural da física. A nova psicologia tentou consistentemente adap- tar os métodos das ciências naturais às suas ne- cessidades. Mas em nenhuma forma precedente de psicologia essa tendência foi tão forte quanto no behaviorismo watsoniano. Watson afirmou que a psicologia devia res- tringir-se aos dados das ciências naturais, ao que podia ser observado — em outras palavras, ao comportamento. Por conseguinte, só os méto- dos de investigação mais verdadeiramente obje- tivos eram admitidos no laboratório behavioris- ta. Watson declarara explicitamente que os mé- todos a serem usados seriam: (1) a observação, com e sem o uso de instrumentos; (2) os méto- dos de teste; (3) o método do relato verbal; e (4) o método do reflexo condicionado. O método da observação, auto-explicativo e fundamental, é a base necessária dos outros mé- todos. Os métodos de teste objetivo já eram usados, mas Watson propôs que os resultados ti- vessem o tratamento de amostras de comporta- mento, e não medidas de qualidades mentais. Para ele, os testes não mediam a inteligência nem a personalidade, mas sim as respostas da- 4 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA das pelo sujeito à situação de estímulo, e nada mais. O método do relato verbal é peculiar ao siste- ma de Watson e merece comentário, e talvez justificação. Como Watson se opunha fortemen- te à introspecção, seu uso deste método no la- boratório tem sido questionado. Alguns psicólo- gos o consideravam uma transigência que podia permitir a entrada da introspecção pela porta dos fundos, depois de ela ter sido atirada longe pela porta da frente. Consideremos, em primeiro lugar, por que Watson se opunha à introspecção. Há o fato de a introspecção não poder ser usada na pesquisa com animais se não se aceitasse a técnica da in- trospecção por analogia de Romanes. É claro que um behaviorista não podia admitir esse mé- todo. Por outro lado, Watson não confiava na precisão da introspecção. Se introspectores alta- mente treinados não chegavam a um consenso sobre o que observavam, como poderia a psico- logia progredir? Era mais fundamental o argu- mento de que um behaviorista não podia tolerar no laboratório qualquer coisa que não pudesse ser objetivamente observada. Watson só iria tra- tar de coisas tangíveis e discordava das preten- sões de relatos introspectivos sobre ocorrências no interior de um organismo que não podiam ser verificadas por uma observação independen- te. Apesar dessas razões para se opor à intros- pecção, Watson não podia ignorar o trabalho na psicofísica, que usara a introspecção. Ele suge- riu, portanto, que as reações verbais, por serem objetivamente observáveis, são tão significativas para o behaviorismo quanto qualquer outro tipo de reação motora. Watson escreveu: Dizer é fazer — isto é, comportar-se. Falar abertamente ou para si mesmo (pensar) é um tipo de comportamento tão objetivo quanto o beisebol (Watson, 1930, p. 6). O uso desse método no behaviorismo foi uma concessão muito debatida pelos críticos de Wat- son, que alegavam que ele propunha uma mera mudança semântica, e não uma alteração genuí- na de procedimentos de pesquisa. Admitindo que o relato verbal era um método inexato e não substituía satisfatoriamente métodos mais objetivos de observação, Watson limitou seu uso a situações passíveis de verificação, por exem- plo, a observação de diferenças de tons (Wat- son, 1914). Relatos verbais não verificáveis, como pensamentos sem imagens ou comentá- rios sobre estados de ânimo, foram banidos. O mais importante método de pesquisa dos behavioristas, o método do reflexo condiciona- do, só foi adotado em 1915, dois anos depois do início formal do behaviorismo. Métodos de con- dicionamento já eram usados antes do advento dessa abordagem, mas a sua adoção por psicólo- gos americanos fora limitada. Deve-se a Watson, em larga medida, sua disseminada adoção pela pesquisa psicológica americana. E, em seus escri- tos ulteriores, Watson reconheceu seu débito para com Pavlov e Bekhterev por esse método. Watson escreveu sobre o condicionamento em termos de substituição do estímulo. Uma resposta, disse ele, é condicionada quando se liga ou se conecta a um estímulo distinto do que a despertou originalmente. (A salivação dos cães de Pavlov diante do som de uma sineta, e não di- ante da visão da comida, é uma resposta condi- cionada.) Watson lançou mão dessa abordagem porque ela lhe propiciava um método objetivo de análise do comportamento, isto é, de redu- ção do comportamento às suas unidades ele- mentares, os vínculos estímulo-resposta (E-R). Todo comportamento, afirmava ele, podia ser reduzido a esses elementos, o que fornecia um método para a investigação em laboratório do comportamento humano complexo. Percebe-se que Watson dava continuidade à tradição atomista e mecanicista estabelecida pe- los empiristas britânicos e usada pelos estrutura- listas. Os psicólogos estudariam o comporta- mento humano, tal como os físicos estudam o O BEHAVIORISMO 5 universo: decompondo-o em suas partes consti- tuintes, os átomos ou elementos. O foco exclusivo no uso de métodos objetivos e a eliminação da introspecção representaram uma mudança da natureza e do papel do sujeito humano no laboratóriopsicológico. Nas aborda- gens de Wundt e Titchener, os sujeitos eram ob- servadores e observados; eles observavam sua própria experiência consciente. Assim, seu papel era muito mais importante do que o do experi- mentador. No behaviorismo, os sujeitos tinham um pa- pel menos importante: tinham deixado de ob- servar, passando a ser observados pelo experi- mentador. Foi com essa mudança que os sujei- tos passaram a ser chamados de sujeitos, e não de observadores (ver Danziger, 1988; Scheibe, 1988). Os verdadeiros observadores eram os ex- perimentadores, que estabeleciam as condições experimentais e observavam como os sujeitos respondiam a elas. Logo, os seres humanos so- freram uma perda de status; já não observavam, eles simplesmente se comportavam. E quase to- dos podem se comportar — crianças, doentes mentais, animais. Essa perspectiva reforçou a imagem psicológica do homem como máquina: “você põe um estímulo numa das ranhuras e sai um pacote de reações” (Burt, 1962, p. 232). No início, os argumentos de Watson em favor do uso exclusivo de métodos objetivos parece- ram um grande avanço para a psicologia. Mas a análise retrospectiva nos recorda de que os mé- todos objetivos vinham caracterizando o campo desde os seus primórdios como ciência. Os estu- dos de psicofísica, da memória e do condiciona- mento aplicavam métodos objetivos. Portanto, as contribuições dos behavioristas consistiram mais em ampliar e aperfeiçoar os métodos esta- belecidos do que em desenvolver novos. O Objeto de Estudo do Behaviorismo O objeto de estudo, ou dados primários, da psicologia têm de ser itens do comportamento: movimentos musculares ou secreções glandula- res. A psicologia como ciência do comportamen- to só deve tratar de atos passíveis de descrição objetiva em termos de estímulo e resposta, for- mação de hábito ou integração de hábito. Todo comportamento humano e animal pode ser des- crito dessa maneira sem o recurso a conceitos e à terminologia mentalistas. Mediante o estudo objetivo do comportamento, a psicologia com- portamental pode alcançar seu objetivo de pre- ver a resposta dado o estímulo, bem como de prever o estímulo antecedente, dada a resposta. O comportamento humano e animal pode ser eficazmente previsto, e controlado, pela sua re- dução ao nível de estímulo e resposta. Apesar do alvo de reduzir o comportamento a unidades de E-R, Watson afirmava que o behaviorismo, em última análise, se ocupa do comportamento geral do organismo total. Em- bora uma resposta possa ter a simplicidade de um reflexo patelar ou outro reflexo, ela também pode ser mais complexa; nesse caso, aplica-se o termo «ato». Watson considerava que os atos de resposta incluem coisas como ingerir alimen- tos, escrever um livro, jogar beisebol ou cons- truir uma casa. Portanto, um ato envolve a res- posta do organismo em termos de movimento no espaço, como falar, alcançar ou caminhar. Watson parece ter concebido a resposta em ter- mos da obtenção de algum resultado no ambi- ente, e não como uma agregação de elementos musculares. Em outras palavras, ele a considera- va mais em termos molares do que moleculares. Mesmo assim, os atos de comportamento, por mais complexos que sejam, são passíveis de re- dução a respostas glandulares ou motoras de ní- vel inferior. As respostas são classificadas de duas manei- ras: (1) aprendidas ou não-aprendidas, e (2) ex- plícitas ou implícitas. Para Watson, era impor- tante que o behaviorismo distinguisse entre as respostas inatas ou não-aprendidas e as aprendi- das, e descobrisse para estas últimas as leis da aprendizagem. Respostas explícitas são manifes- tas e, portanto, diretamente observáveis; res- 6 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA postas implícitas, como movimentos viscerais, secreções glandulares e impulsos nervosos, ocorrem no interior do organismo. Esses movim- entos interiores, embora não manifestos, consti- tuem itens de comportamento. Ao introduzir a noção de respostas implícitas, Watson modificou seu requisito inicial de que o objeto de estudo da psicologia fosse concretamente observável, aceitando também que ele fosse potencialmente observável. Os movimentos ou respostas que acontecem no interior do organismo são obser- váveis por meio de instrumentos. Os estímulos, assim como as respostas de que o behaviorista se ocupa, podem ser simples ou complexos. Ondas luminosas que atingem a reti- na podem ser consideradas estímulos relativam- ente simples; mas os estímulos podem ser objet- os físicos do meio ambiente ou uma situação mais ampla (uma constelação de estímulos espe- cíficos). Assim como a constelação de repostas envolvidas num ato pode ser reduzida a resposta particulares, assim também a situação de estí- mulo pode ser decomposta em seus estímulos componentes específicos. Logo, o behaviorismo se ocupa do comporta- mento do organismo inteiro com relação ao seu ambiente. Podem-se elaborar leis específicas do comportamento, por meio de análise dos com- plexos estímulo-resposta totais, em seus seg- mentos mais elementares de estímulo e respos- ta. Não se pretendia que essa análise fosse tão detalhada quanto a do fisiologista ao determinar a estrutura e a organização do sistema nervoso central. Devido à inacessibilidade do cérebro, que Watson denominava “caixa misteriosa”, ele tinha pouco interesse pelo funcionamento corti- cal. Watson acreditava que o comportamento envolvia o organismo total, não podendo restrin- gir-se apenas ao sistema nervoso. O seu foco eram unidades mais amplas de comportamento, a resposta total do organismo a uma situação dada. Contribuições do Behaviorismo A carreira produtiva de Watson na psicologia durou menos de vinte anos, mas afetou profun- damente o curso do desenvolvimento da ciência. A cruzada behaviorista de Watson ajudou a psi- cologia americana em sua transição da concen- tração na consciência e no subjetivismo para o materialismo e o objetivismo no estudo do com- portamento. A contribuição primordial de Watson foi a de- fesa de uma ciência do comportamento total- mente objetiva. Ele teve uma enorme influência no movimento que tornou a psicologia mais ob- jetiva em termos de métodos e terminologia. Embora suas posições sobre tópicos específicos tenham estimulado muitas pesquisas, suas for- mulações originais já não têm utilidade. O beha- viorismo watsoniano, como escola distinta de pensamento, foi substituído por formas mais re- centes de objetivismo psicológico que nele se alicerçaram. Embora o seu programa não tenha realizado suas ambiciosas metas, Watson tem amplamen- te reconhecido seu papel de fundador. De certo modo, a aceitação do behaviorismo watsoniano decorreu das capacidades e forças do próprio Watson. Essas qualidades pessoais, em sua interação com o espírito da época, que ele refle- tiu tão perfeitamente, definem John B. Watson como um dos pioneiros da psicologia. O Neo-behaviorismo A revolução que Watson pretendia não transfor- mou a psicologia de uma hora para a outra, como ele esperava. Levou tempo. Contudo, per- to de 1924, pouco mais de uma década depois de ele ter lançado o behaviorismo, mesmo seu maior oponente, E. B. Titchener, reconheceu que o movimento engolfara todo o país. Em 1930, Watson pôde proclamar, com considerá- veis razões, que sua vitória fora completa. Em- bora outras variedades de behaviorismo tenham O BEHAVIORISMO 7 sido propostas — como as de Holt, Weiss e Lash- ley —, elas serviram para reforçar o movimento de Watson na direção da definição da psicologia como ciência natural totalmente objetiva. Assim, em 1930, o behaviorismo, em suas várias for- mas, vencera todas as abordagens anteriores do campo. O primeiro estágioda evolução do behavioris- mo, o watsoniano, durou de 1913 a mais ou me- nos 1930. O segundo, o «neo-behaviorismo», pode ser datado de 1930 a 1960; ele incluiu o trabalho de Edward Tolman, Edwin Guthrie, Clark Hull e B. F. Skinner. Nesse período de trinta anos, eles e muitos outros psicólogos experim- entais americanos trabalharam para promover o progresso e a consolidação da abordagem com- portamental na psicologia. Um ponto de consenso foi o uso de uma base de dados comum, derivada exclusivamente de estudos sobre a aprendizagem animal. Por meio de um grande número de experimentos de aprendizagem por condicionamento e discrimi- nação, os behavioristas reuniram enormes quan- tidades de dados e, de modo geral, concordaram sobre quais eram os dados ou fatos importantes para a psicologia. Os neo-behavioristas também concordavam acerca de várias questões relativas aos sistemas que haviam elaborado para explicar os seus da- dos. O behaviorismo watsoniano abrangia mui- tos fatos e descobertas, mas pouca coisa que permitisse a existência de princípios explicativos e preditivos úteis, nem teorias comparáveis às das ciências físicas. Embora tenham formulado sistemas explicativos que diferiam em seus as- pectos específicos, como veremos, os neo-beha- vioristas concordavam com o seguinte: (1) o núc- leo da psicologia é o estudo da aprendizagem; (2) a associação é o conceito-chave da aprendizagem; (3) por mais complexo, todo comportamento pode ser explicado pelas leis do condicionamento; e (4) a psicologia deve adotar o princípio do operacionismo. O «operacionismo» é uma atitude ou princí- pio geral que tem como propósito tornar a lin- guagem e a terminologia da ciência mais objeti- vas e precisas, e libertar a ciência de problemas que não sejam concretamente observáveis nem fisicamente demonstráveis (os chamados pseudo-problemas). Resumidamente, o operacionismo sustenta que a validade de uma dada descoberta científica ou construção teórica depende da validade das operações empregadas na realização dessa descoberta. O ponto de vista operacionista foi defendido pelo físico de Harvard Percy W. Bridgman em seu livro «The Logic of Modern Physics» (A Lógi- ca da Física Moderna), de 1927, que atraiu a atenção de muitos psicólogos. Bridgman propôs que os conceitos físicos fossem definidos em ter- mos precisos e rígidos e que todos os conceitos desprovidos de referentes físicos fossem despre- zados. Logo, um conceito físico é idêntico ao conjun- to de operações ou procedimentos pelos quais é determinado. Muitos psicólogos consideraram esse princípio útil na ciência da psicologia e to- maram-se ávidos por aplicá-lo. A preocupação de Bridgman com o abandono dos pseudo-problemas, questões que desafiam respostas obtidas por qualquer teste objetivo conhecido, tem particular importância. Noções ou proposições que não podem ser submetidas a testes experimentais — tal como a questão da existência e da natureza da alma — são sem sen- tido para a ciência. O que é essa coisa chamada “alma”? Pode ela ser observada no laboratório? Medida e manipulada em condições controladas para se determinar seus efeitos sobre o compor- tamento? Se não, ela não tem utilidade, sentido ou relevância para a ciência. Segue-se que o con- ceito de experiência consciente individual ou pri- vada é um pseudoproblema para a psicologia. Não é possível determinar ou mesmo investigar através de métodos objetivos a existência nem as características da consciência. Portanto, se- 8 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA gundo o ponto de vista operacionista, a cons- ciência não tem lugar numa psicologia científica. Pode-se alegar que o operacionismo pouco mais é do que um enunciado formal de princí- pios já usados pelos psicólogos ao definirem pa- lavras e conceitos em termos dos seus referen- tes físicos. Pouca coisa há no operacionismo cuja origem não esteja nas obras dos empiristas bri- tânicos. Referimo-nos à tendência de longo pra- zo da psicologia americana na direção de uma crescente objetividade em termos de métodos e de objeto de estudo, razão por que é possível di- zer que o operacionismo, como atitude e refe- rencial no qual fazer pesquisas e formular teori- as, já fora aceito por muitos psicólogos america- nos antes da publicação do livro de Bridgman em 1927. Desde a época de Wundt, contudo, a física vinha sendo o modelo da respeitabilidade científica para a psicologia mais recente; e, quando os físicos proclamaram sua aceitação do operacionismo como doutrina formal, os psicó- logos rapidamente a seguiram. Com efeito, a psi- cologia favoreceu e usou o operacionismo num grau muito maior do que a física. Mas o operacionismo não alcançou aceitação universal na psicologia. Surgiu uma controvérsia acerca da utilidade ou futilidade relativas de li- mitar o objeto de estudo da psicologia apenas ao que tem referência empírica. Do mesmo modo, como acentuou o historiador E. G. Boring, “a redução de conceitos às suas operações reve- lou-se uma tarefa enfadonha. Ninguém quer se incomodar com isso na ausência de uma necessi- dade especial” (Boring, 1950, p. 658). O próprio Bridgman tinha dúvidas acerca do uso dado pe- los psicólogos ao conceito. Isso parece mais um caso de súditos que são mais monarquistas do que o rei. De todo modo, o ponto importante sobre o operacionismo, para os nossos propósitos, é que a geração de neo- behavioristas que chegou à maioridade no final dos anos 20 e início dos 30 incluiu o operacionis- mo em sua abordagem da psicologia. B. F. Skinner (1904-1990) e a AEC B. F. Skinner foi, por décadas, a partir dos anos 50, o mais influente individuo no campo da psi- cologia. São muito amplas suas áreas de interes- se em sua longa carreira, bem como suas impli- cações para a sociedade moderna. Em 1982, um historiador da psicologia disse ser ele “inquestio- navelmente, o mais famoso psicólogo americano do mundo” (Gilgen, 1982, p. 97). Quando ele morreu, em 1990, o editor da American Psycho- logist o saudou como o “mais importante psicó- logo contemporâneo... um dos gigantes da nossa disciplina”, alguém que “deixou uma marca per- manente na psicologia” (Fowler, 1990, p. 1203). Por muitos anos, Skinner foi o mais destaca- do behaviorista da América, tendo atraído um amplo, leal e entusiasmado grupo de seguidores. Ele desenvolveu um programa para o controle comportamental da sociedade, inventou um berço automático para cuidar de bebês e foi o principal responsável pela introdução das técni- cas de modificação do comportamento e das máquinas de ensinar. Escreveu um romance («Walden Two») que continua a ser popular, mais de quarenta anos depois da sua primeira publicação. Em 1971, seu livro «Beyond Free- dom and Dignity» (Além da Liberdade e da Digni- dade) tornou-se um best-seller nacional. Ele pu- blicou muitos artigos e livros profissionais, tendo sido comparado com Francis Galton na diversi- dade e na amplitude de seus interesses. Em vários aspectos importantes, a posição de Skinner representa uma renovação do behavio- rismo watsoniano. Com efeito, um psicólogo es- creveu que “o espírito de Watson é indestrutí- vel. Expurgado e purificado, respira por meio dos escritos de B. F. Skinner” (MacLeod, 1959, p. 34). Embora Clark Hull também seja considerado um behaviorista rigoroso, há nítidas diferenças entre a sua abordagem e a de Skinner. Enquanto Hull acentuava a importância da teoria, Skinner defendia um sistema estritamente empírico, sem referencial teórico no âmbito do qual reali- O BEHAVIORISMO 9 zar pesquisas. O trabalho de Hull consistia em propor uma teoria e fazer a verificação das con- clusões deduzidas, a partir de provas experimen- tais. Skinner evitava a teoria e preferiapraticar um positivismo estrito: começava com dados empíricos e trabalhava, cuidadosa e lentamente, na elaboração de generalizações conjeturais. HulI representa o método dedutivo; Skinner, o indutivo. Skinner resumiu sua perspectiva da seguinte maneira: Nunca tratei de um problema, construindo uma hipótese. Nunca deduzi teoremas, nem os submeti à prova experimental. Pelo que sei, eu não tinha um modelo preconcebido de comportamento — certamente não um modelo fisiológico e mentalista, e, creio eu, tampouco um conceitual. (Skinner, 1956, p. 227). Seu tipo exclusivamente descritivo de behaviorismo radical se dedica ao estudo das respostas; volta-se para descrever, e não para explicar, o comportamento. Ele só se ocupava do comportamento observável e acreditava que a tarefa da investigação científica se traduz em es- tabelecer relacionamentos funcionais entre as condições de estímulo controladas pelo experi- mentador e a resposta subsequente do organismo. Em «Science and Human Behavior» (Ciência e Comportamento Humano, 1953), Skinner escre- veu sobre as figuras mecânicas dos jardins reais da Europa do século XVII e sobre a imagem me- cânica dos seres humanos por elas retratada. Sob o titulo “O Homem, Uma Máquina”, ele des- crevia como suas idéias são compatíveis com essa imagem mecânica precedente. O organismo humano, dizia Skinner, é uma máquina, e o ser humano, como qualquer outra máquina, se com- porta de maneiras previsíveis e regulares em resposta às forças externas, os estímulos, que o afetam. Skinner não se interessava nem um pouco por teorizar ou especular sobre o que pode estar ocorrendo no interior do organismo. Seu progra- ma não inclui pressupostos sobre entidades in- ternas, descritas quer como variáveis interveni- entes ou como processos fisiológicos. O que quer que aconteça entre o estímulo e a resposta não representa, para um behaviorista skinneria- no, dados objetivos. Esse behaviorismo descriti- vo estrito tem sido chamado, e com boas razões, de abordagem do organismo vazio. Atuamos a partir de forças do ambiente, do mundo exteri- or, e não de forças interiores. É importante notar que, embora o seu siste- ma seja a-teórico, Skinner não se opunha por in- teiro à teorização. Na verdade, ele era adversá- rio da teorização prematura, feita na ausência de dados comprobatórios adequados. Numa en- trevista de 1968, Skinner disse que ansiava por “uma teoria geral do comportamento humano que retina uma batelada de fatos e os exprima de uma forma geral. Eu estaria muito interessa- do em estimular esse tipo de teoria” (Evans, 1968, p. 88). Ao contrário de muitos psicólogos contempo- râneos, Skinner não era favorável ao uso de grande número de sujeitos ou de comparações estatísticas entre a mediana e a média das res- postas de grupos. Ele se concentrava, em vez disso, na intensa e exaustiva investigação de um único sujeito: A previsão do que o indivíduo médio faz com freqüência tem pouco ou nenhum valor quando temos diante de nós um indivíduo particular... Uma ciência é útil para tratar com o individuo apenas na medida em que as suas leis se refiram a indivíduos. Uma ciência do comportamento que só se ocupe do comportamento de grupos provavelmente não serve de ajuda para a com- preensão do caso particular (Skinner, 1953, p. 19). Skinner acreditava que resultados reproduzí- veis e válidos poderiam ser obtidos de um único sujeito sem o recurso à análise estatística, desde que dados suficientes fossem coletados em con- 10 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA dições experimentais bem controladas. Ele afir- mava que o uso de um grande grupo de sujeitos obrigava o pesquisador a dar atenção ao com- portamento médio e, como resultado, o com- portamento de resposta individual e as diferen- ças individuais de comportamento se perdiam. Em 1958, os skinnerianos fundaram sua própria publicação, «Journal for the Experimental Analy- sis of Behavior», principalmente em função dos requisitos tradicionais das revistas de psicologia com relação ao uso da análise estatística e do ta- manho da amostra. Dez anos mais tarde, a «Journal of Applied Behavior Analysis» foi funda- da, para servir de saída ao crescente corpo de pesquisas sobre a modificação do comporta- mento, um desdobramento aplicado do sistema de Skinner. Referências • Bridgman, P. W. (1927). The logic of modern physics. Nova York: Macmillan. • Burt, C. (1962). The concept of consciousness. British Journal of Psychology, 53, 229-242. • Danziger, K. (1988). «A question of identity: Who participated in psychological experi- ment?» In J. O. Morawski (org.), The risk of experimentation in American psychology (pp. 35-52). New Haven, CT: Yale University Press. • Evans, R. L. (1968). B. F. Skinner: The man and his ideas. Nova York: Dutton. • Fowler, R. D. (1990). In memorium: Burrhus Frederick Skinner, 1904-1990. American Psy- chologist, 45, 1203-1204. • Gilgen, A. R. (1982). American psychology sin- ce World War II: A profile of the discipline. Westport, CT: Greenwood Press. • Logue, A. W. (1985). «The origins of behavio- rism: Antecedents and proclamation.» In C. E. Buxton (org.), Points of view in the modern history of psychology (pp. 141-167). Orlando, FL: Academic Press. • MacLeod, R. B. (1959). Resenha do livro «Cu- mulative Record» de B. F. Skmner. Science, 130, 34-35. • Samelson, F. (1981). Struggle for scientific au- thority: The reception of Watson’s behavio- rism, 1913-1920. • Scheibe, K. E. (1988). Metamorphoses in the psychologist’s advantage. In J. O. Morawski (org.), The rise of experimentation in Ameri- can Psychology (pp. 53-7 1). New Haven, CT: Yale University Press. • Skinner, B. F. (1953). Science and hunan be- havior. Nova York: Macmillan. • Skinner, B. F. (1956). A case history of scienti- fic method. American Psychologist, 11, 221- 233. • Watson, J. B. (1914). Behavior: An introductio- n to comparative psychology. Nova York: Holt. • Watson, J. B. (1930). Behaviorism (ed. revis.). Nova York: Norton. • Watson, J. B., & McDougall, W. (1929). The battle of behaviorism. Nova York: Norton.
Compartilhar