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NYE, Joseph Os conflitos Internacionais

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JOSEPH S. NYÈ, JR.
OS CONFLITOS
Uma Introdução à Teoria e à História
TRADUÇÃO
TIAGO ARAÚJO.
REVISÃO CIENTÍFICA
HENRIQUE LAGES RIBEIRO
gradiva
Alto-relevo em mármore celebrando os atenienses mortos ná Guerra do Peloponeso
Existe uma lógica duradoura de conflito 
na política mundial?
Duas tradições teóricas: realismo e liberalismo
O mundo está a encolher. O Mayflower levou três meses a atravessar o 
Atlântico. Em 1924, o vòo de; Charles Lindbergh levou 24 horas. O Con­
corde de hoje pode fazê-lo em três horas; mísseis balísticos em 30 minutos. 
Nos anos 90, um voo transatlântico custa um terço do que custava em 1950 
e uma chamada telefónica de Nova Iorque para Londres custa apenas 6% 
custava há meio século. As comunicações globais pela Internet são 
instantâneas e os custos de transmissão são ínfimos. Um ambientalista 
um activista dos direitos humanos em África, têm hoje um poder 
de comunicação antes apenàs desfrutado por grandes organizações, como 
governos òu empresas transnacionais. Num registo mais sombrio, as armas
nucleares acrescentaram uma novà dimensão à guerra, a que um autor chama 
■de «morte du'pla», querèndo com isto dizer que não apenas podem morrer 
indivíduos mas, em determinadas circunstâncias, toda a espécie humana pode 
ser ameaçada.
Ainda assim, determinados aspectos em torno da política internacional 
mantivéram-se os mesmos ao longo dos tempos. O relato de Tucídides sobre 
o combate entre Esparta e Atenas na Guerra do Peloponeso, 2500 anos atrás, 
revela semelhanças misteriosas com o conflito israelo-árabe após 1947. 
O mundo no final do século xx é um estranho cocktail de continuidade e 
mudança. Alguns aspectos da política internacional não se alteraram desde 
Tucídides. Existe uma determinada lógica de hostilidade, um dilema de 
segurança'que acompanha a política entre Estados. Alianças, equilíbrios de 
poder e escolhas de políticas: entre a guerra e o compromisso permaneceram 
semelhantes ao longo dos milénios.
Por outro lado, Tucídides não teve de se preocupar com armas nucleares, a 
camada de ozono ou o aquecimento global. A tarefa dos estudantes de política 
inte.macional é a de construir a partir do passado sem serem por ele aprisiona­
dos, de compreender tanto as continuidades como as mudanças. Temos de 
apreender as teorias tradicionais e adaptá-las depois às circunstâncias actuais.
: A política internacional transformar-se-ia se os estados independentes 
fossem abolidos, mas o governo mundial não sé.encontra ao virar da es­
quina: Os povos que vivem em quase 200 estados neste globo desejam a 
independência, culturas separadas e línguas diferentes. Na verdade, o nacio­
nalismo e a exigência de independência dos estados, em vez de se terem 
esvaído, aumentaram. Em vez de menos estados, este novo século irá pro­
vavelmente assistir ao aparecimento de mais. Üm governo mundial não resol­
veria automaticamente o problema da guerra A maioria das guerras actuais 
são guerras civis ou étnicas. De facto, as guerras mais sangrentas do século 
xix não foram travadas pelos desavindos estados da Europa, foram antes a 
rebelião Taiping na China e a Guerra Civil Americana. Iremos continuar a 
viver num mundo de estados independentes ainda por bastante tempo e é 
importante compreender o que isso significa para as nossas investigações.
O que é a política, internacional?
O mundo não esteve sempre dividido num sistema de estados indepen­
dentes. Ao longo dos séculos houve três formas básicas de política mundial. 
Num sistema de iyipério mundial, U m governo é dominante sobre a maior 
parte do,mundo com o quàl tem contacto. O exemplo mais significativo no 
mundo Ocidental foi o Império Romano. A Espanha, no século xvi, e a 
prança, iio final do séculò, x v ii , tentaram atingir supremacia idêntica, mas
fracassaram. No século x d c , o Império Britânico estendeu-se peio g l o b o , mas 
mesmo os Britânicos tiveram de partilhar o mundo com outròs estados 
poderosos. Impérios mundiais da Antiguidade — o Sumério, o Persa, o Chi­
nês — eram na realidade impérios* regionais. Pensavam que governavam o 
mundo, mias estavam protegidos do conflito com outros impérios por falta de 
comunicação. As lutas com bárbaros nas periferias do império eram diferen­
tes de guerras entre estados com poder aproximadamente igual.
Uma segunda forma básica de política internacional e um sistema feudal, 
no qual as léaldades humanas e as obrigações políticas não são fixadas 
fundamentalmente por limites territoriais. O feudalismo tomou-se comum no 
Ocidente após o colapso do Império Romano. Um indivíduo tinha obriga­
ções perante um senhor local, mas podia também dever obediência a algum 
nobre ou bispo distante, assim como ao Papa, em Roma. As obrigações 
políticas eram,.em grande parte, determinadas pelo que acontecia aos hierar­
quicamente superiores. Se um governante casasse, uma determinada área e 
a sua população podiam ver as suas obrigações reajustadas como parte de 
um dotede casamento. Uma população nascida jxancesa podia subitamente 
tomar-se flamenga ou mesmo inglesa. Cidades e ligas de cidades tinham por 
vezes um estatuto especial semi-independènte. A louca manta de retalhos de 
guerras, que acompanhava a situação feudal, não tem nada a ver com o que 
consideramos modernas guerras territoriais. Tanto podiam ocorrer no interior
- còmò atravessando territórios-e estavam relacionadas com esses conflitos e 
lealdades transversais, não-territoriais.
Uma terceira forma de política mundial é um sistema anárquico de es­
tados, composto por estados relativamente coesos mas sem um poder supe­
rior acima deles. Disso constituem exemplo as cidades-estado da.Grécia 
Antiga oü a Itália do século xv de Maquiavel. Outro exemplo de um sistema 
anárquico de estados é o estado territorial dinástico, cuja coesão advém do 
controlo por parte de uma família reinante. Podem ser encontrados exemplos 
ha índia ou na China no século v a. C. Grandes dinastias territoriais 
reemergiram na Europa por volta do anò de 1500 e outras formas de orga­
nização política internacional, como as cidades-estado ou ligas de territórios 
pouco coesas, começaram a desaparecer. Em 1648, a Paz de Vestefália en­
cerrou a Guerra dos Trinta Anos, por vezes considerada a última das grandes 
guerras de religião e a primeira das guerras dos estados modernos. Em 
retrospectiva, esse tratado estabeleceu o estado territorial soberano como a 
forma dominante de organização internacional.
Destá forma, quando hoje falamos de política internacional, referimo-nos 
habitualmente a este sistema de estado territorial e definimos política inter­
nacional como a política na ausência de um soberano comum, a política 
entre entidades sem um poder acima delas. A política internacional é fre­
quentemente classificada de anárquica. Assim como a monarquia significa
um governante, anarquia— «an-arGhy» ;— sigijificâ a ausência de. qualquer 
governante. A política internacional é uni sistemá de autò-ajüda. Thomàs,
' Hobbes, o filósofo inglês do século xvn, designava, por «êstadò de natureza» 
tais sistemas anárquicos. Para alguns, as palavras estado de natureza podem 
evocar imagens de uma manada de vácas pastando pacificamente em Vermont, 
mas não é a isso que Hobbes se referia. Pensemos antes, numa cidade do 
Texas sem xerife na época do Velho Oeste, no Líbano após a .queda do 
, governo na década de 1970 ou na Somália na década de 1990, O estado de 
natureza de Hobbes não 4 benigno; é uma guerra de todos contra todos, 
porque não existe um pbder mais elevado para impor a ordem. Gomo Hobbes' 
celebremente declarou; a vida num mundo assim tende a ser desagradável, 
brutal e curta. r _
A consequência é a existência de diferenças legais, políticas e sociais 
"entre.a política;interna, e a internacional. O.direito nacional é geralmente 
obedecido e, se não o for, a polícia e ostribunais impõem sanções, contra os 
transgressores-. O direito internacional, por outro lado, apoia-se em sistemas 
legais concorrenciais, não existindo imposição comuin. Não existe uma 
polícia internacional para impor a lei. ■
A força desempenha um papel diferente nà política interna e na interna­
cional. Num sistema'político interno bem ordenado, o govemo detém o 
monopólio do uso legítimo da força. Na política internacional, ninguém 
detém Um monopólio sobre o uso da força. Como a política internacional è 
o reino da auto-ajuda e uns estados são mais fortes do que outros, existe 
sempre o perigo de que estes possam recorrer à força: Quando a força não 
pode ser excluída, o resultado é a desconfiança e a suspeita.
A polítjca interna e a internacional diferem também quanto aó subjacente 
sentimento de comunidade. Numa sociedade interna bem ordenada, existe 
um sentimento partilhado de comunidade que gera lealdades, padrões de 
jüstiça e concepções comuns sobre o que é a autoridade legítima. Na política 
internacional,-os povos divididos não partilham as mesmas lealdades. É fraco 
qualquer sentimento de comunidade global/ As pessoas discordam muitas 
vezes sobre o que lhes •, parece justo e legítimo. O resultado é um grande 
fosso entre dois valores políticos básicos: ordem e justiça. Num mundo 
assim, a maioria das pessoas coloca a justiça nacional à frente da internacio­
nal. O Direito é .a Ética desempenham um papel na política internacional 
mas, na ausência de um, sentimento de comunidade, não são tão vinculativos 
como na política interna. •
Dos três sistemas básicos -— dê império mundial, feudal e anárquico —> 
o último é o mais relevante para a política internacional no mundo contem­
porâneo, apesar de, como iremos ver nos últimos capítulos,, algumas pessoas 
especularem que o século xxi poderá presenciar a evolução gradual de um 
novo feudalismo.
DUAS CONCEPÇÕES DE POLÍTICA ANÁRQUICA
,A política internacional é anárquica no sentido em que não existe um 
governo mais elevado, mas mesmo na Filosofia Política existiram duas di­
ferentes visões acerca da severidade de um estado de natureza. Hobbes, que 
escrevia numa Inglaterra do século xVh destroçada pela guerra civil, deu 
ênfase à insegurança,-à força e à sobrevivência. Hobbes resumiu-o como um 
estado de guerra. Meio século mãis tarde, John Locke, escrevendo numa 
Inglaterra mais estável, argumentou que, apesar de no estado de natureza não 
existir um soberano comum, as pessoas podiam desenvolver laços e estabe­
lecer contratos e, por èssa razão, a anarquia era menos ameaçadora. Essas 
duas visões de um estado de natureza são os precursores filosóficos de duas 
concepções actuais de política internacional, uma mais pessimista e outra 
mais optimista: a abordagem realista e a liberal à política internacional.
O realismo tem sido a tradição dominante no pensamento sobre a política 
internacional. Para o realista, o problema central da política internacional é 
a guerra e o uso da força e os actores principais sãó os estados. Entre ame­
ricanos contemporâneos, 0 realismo é exemplificado pélos escritos e pelas 
políticas do Presidente Richard Nixon e do seu secretário de estado, Henry 
Kissinger. O realista parte da assunção do sistema anárquico de estados. 
Kissinger e Nixon, por exemplo, procuraram maximizar o poder dos Estados 
Unidos e minimizar a capacidade de outros Estados de pôr em perigo a 
segurança dos EUA. Segundo o realista, o princípio e o fim da política 
internacional é o estado individual em interacção com outros estados.
A outra tradição é designada por liberalismo, não por causa da política 
interna americana, mas porque pode Ser encontrada, na filosofia política 
ocidental, até ao Barão de Montesquieu e Immanuel Kant, na França e na 
Alemanha do sécuío xvm, respectivamente, e filósofos ingleses dò século 
xix, tais como Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Um exemplo contempo­
râneo americano pode ser encontrado nos escritos e nas políticas do presi­
dente e cientista político Woodrow Wilson.
Os liberais vêem umà sociedade global que funciona lado a lado com os 
Estados e que estabelece parte do contexto para os estados. O comércio 
atravessa fronteiras, as pessoas têm contacto umas com as outras (como os 
estudantes a estudarem em países estrangeiros) e instituições internacionais, 
como as Nações Unidas, criam um contexto dentro do qual a visão realista 
de pura anarquia é insuficiente. Os liberais queixam-se de que os realistas 
retratam os estados como duras bolas de bilhar chocando umas contra as 
outras na tentativa de equilibrar o poder, mas isso não é suficiente porque os 
povos estabelecem verdadeiramente contacto através das fronteiras e porque 
existe uma sociedade internacional. Alegam os liberais que os realistas exa­
geram a diferença entre a política interna e a internacional. Dado que a
iíS í nãcf iióüvesse oütrá
f l t -■.» V ./• f&^VvL?I ■■'
é-Ldarid
endrtáíií
invisível
#aífis;;
6 , " r \ CQMPREÉNDER o s c o n f l i t o s i o t e r n a ç í o n á i s ;
■ -^ ' , •'.: J ;• , ‘ •- . , ’ . , - ' ( N' ' ' " J ' ' ; . ‘ . . *■•
imagem de anarquia realista de um «estado dé guerra», hobbesiano se centra 
apenas em situações extremas, ela não toma em consideração, segundo os 
liberais, o crescimento da interdependência económica e a evolução de uma 
sociedade transnacional global.
Os realistas respondem citando Hobbes: «Assim como um tempo tempes­
tuoso não significa chuva perpétua, um estado de guerra não significa guerra 
permanente1.» Assim como os londrinos carregam guarda-chuvas em sola­
rengos dias dè Abriga perspectiva de guerra num sistema anárquico faz com 
que os estados mantenham exércitos mesmo em tempos de paz. Os realistas 
chamam a atenção para previsões liberais anteriores que se revelaram erra­
das. Em 1910, por exemplo, o presidente da. Universidade de Stanford afir­
mou que no futuro a guerra seria impossível porque âS nações não a pode­
riam suportar. Livros proclamaram que a guerra se tornara obsoleta; a 
civilização tinha conseguido ultrapassar a guerra. A interdependência econó­
mica, os laços entre os sindicatos e ós intelectuais e o fluxo de capital 
tornavam aguerra impossível. Naturalmente, estas previsões falharam catas­
troficamente em 1914 e os realistas foram vingados.
Nem, a história nem o debate pararam em 1914. A década de 1970 assistiu 
ao ressurgimento de alegações liberais acerca de como a crescente 
interdependência' económica e social estava a transformar a. natureza da 
política internacional. Na década de 1980, Richard RoseCrartce, um profes­
sor da Califórnia, escreveu que os estados podem aumentar o seu poder de 
duas maneiras, de forma agressiva, através da conquista territorial, -ou paci­
ficamente, através, do comércio. Rosecrance utilizou a experiência do Japão 
como exemplo: Na década de 1930, o Japão tentou á conquista territorial e 
sofreu o desastre da Segunda Guerra Mundial. Mas desde então, o Japão tem
sido um estado mercantil, tomando-se na s e g u n d a m a i o r e c o n o m i a m u n d ia l 
e uma potência importante na Ásia Oriental. O Japão prosperou sem -uma 
grande força militar. Desta forma, Rosecrance e os liberais modernos afir­
mam que está a ocorrer uma mudança na natureza da política internacional.
Alguns dos novos liberais olham ainda mais longe para o futuro e acre­
ditam que o crescimento dramático na interdependência ecológica irá obscu­
recer tanto as diferenças entre a política interna e internacional que a huma­
nidade evoluirá rumo a um mundo sem fronteiras. Por exemplo, todos, sem 
consideração de fronteiras, serão afectados se a diminuição do ozono na 
camada superior dà atmosfera causar cancro da pele. Se a acumulação de 
Ç02 aquecer o clima e levar à fundição das calotâs polares, a subida dos 
oceanos irá afectar todos os estados costeiros. Alguns problemas como a 
SIDÀe os estupefacientes atraVessam fronteiras com tal facilidade que po­
demos, estar a caminho de um mundo diferente. O professor Richard Falk de 
Princeton afirma que estes problemas e valores transnacionais irão gerar 
novas lealdades não-territoriais que irão alterar o sistema de estados que tem 
sido dominante ao longo dos últimos 400 anos. Forças transnacionais estão 
a desmantelar a Paz de Vestefália e a humanidade está a evoluir rumo a uma 
nova forma de polítjca internacional.
Em, 1990, os realistas replicaram: «Digam isso a Saddam Hussein!» 
O Iraque mostrou que a força e a guerra são perigos sempre presentes. 
A "resposta liberal foi a de que a política no Médio Oriente constituía uma 
excepção. Com o .tempo, dizem, o mundo está a ultrapassar a anarquia do 
sistema de estados soberanos. Estas perspectivas divergentes acerca da natu­
reza da política internacional e a fòrma como está a evoluir não serão recon­
ciliadas nos próximos tempos. Os realistas enfatizam a continuidade; os 
liberais enfatizam a mudança. Ambos reclamam a superioridade de um rea­
lismo com um r minúsculo. Os liberais tendem a yer os realistas como 
"cínicos, cujo fascínio pelo passado os cega para a mudança. Os realistas, por 
seu lado, apelidam os liberais de sonhadores utópicos e rotulam o seu pen­
samento de «globalouco»*.
Quem está certo? Ambos estão; e ambos estão errados. Uma resposta 
clara poderia ser agradável, mas seria também menos precisa e menos inte­
ressante. A mistura de continuidade e mudança que caracteriza o mundo no 
dealbar no século xxi, toma impossível chegar a uma explicação única, fácil 
e sintética.
Porque envolve comportamentos humanos inconstantes, a política inter­
nacional nunca será çomo a Física: não possui uma teoria determinista forte. 
Além do mais, realismo e liberalismo não são as únicas abordagens. Durante 
grande parte do século passado o Marxismo, com as suas previsões de con-
* «Globaloney», no original. (N. do T.)
* COMPREENDER OS CONFLITOS INTERNACIONAIS
1 ' I
flitos de classe e hostilidade originada por problemas entre estados capita­
listas, foi uma alternativa eredívèl para muitas pessoas. Contudo, mesmo 
antes do còlápso da União Soviética em. 1991, a incapacidade dá teoria
■ marxista em explicar a paz entre os estados capitalistas mais importantes e 
a hostilidade entre, alguns estados comunistas, deixou-a para trás ná compe­
tição argumentativa. Nas décadas de 1960 e Í97G, efa popular a teoria da 
dependência. Ela previa que os países ricos no «centro» do mercado global 
viriàm a controlar e a reter os países mais pobres da «periferia». Mas a teoria 
da dependência perdeu credibilidade quando não conseguiu explicar por que 
motivo, nas décadas de 1980 e 1990, países periféricos da Asia Oriental, 
como a Coreia do Sul, Singapura e a Malásia, cresceram mais rapidamente 
do que países «centrais» como osEstados Unidós e a Europa. Esta perda de 
credibilidade foi realçada quando Fernando Henrique Cardoso, um académico 
de topo entre os teóricos da dependência nos anos de 1970, se voltou para 
políticas lilperais de crescente dependência nos mercados globais, após ter 
sido eleito presidente do Brasil na década de 1990.
Na década de 1980, analistas de ambos os lados da divisão realista-liberal 
terítaram delinear teorias mais dedutivas, semelhantes às da microeconomia. 
«Neo-realistas», tais como Kenneth Waltz, e «neòliberais», como Robert 
Keohane, desenvolveram modelos de estados como actores racionais cons­
trangidos pelo sistema internacional. Neo-realistas è neòliberais desenvolve­
ram a simplicidade e a elegância da teoria, mas fizeram-no à custa da supres­
são de muita da rica complexidade das teorias realista e liberal clássicas. 
«No final da década de 1980, a contenda teórica que> poderia existir foi 
reduzida a discordâncias relativamente diminutas dentro de ■ um modelo 
racionalista de relações internacionais centrado no estado3.»
Mais recentemente, um grupo distinto de teóricos, classificados de 
construtivistas, criticaram o realismo, e o liberalismo pelo que acreditam ser 
a súa incapacidade de explicar de forma adequada a mudança de longo prazo 
na política mundial. Neo-realistas e neòliberais tomaram, por certo que os 
fins. que os estados prosseguiram sofreram alterações ao longò do tempo. Os 
construtivistas valeram-se de diferentes campos é disciplinas para examinar 
os processos pelos quais líderes, povos e culturas alteram as suas preferên­
cias, moldam as suas identidades e adoptam um comportamento diferente. 
Por exemplo, a escravatura no século xix e o apartheíd na África do Sul 
foram ambos outrora aceites por muitos estados, mas foram .depois ampla­
mente rejeitados. Os construtivistas interrogam-se: porquê .esta mudança? 
Que papel desempenharam as ideias? Acontecerá algum dia o mesmo à 
prática da guerra? E ao conceito de estado-nação soberano? O mundo está 
repleto de entidades políticas, tais como as tribos, nações e organizações 
nãò-govemamentais. Apenas nos sécúlos mais recentes o estado soberano 
tem sido um conceito dominante-. Os construtivistas salientam qiie conceitos,
tais como nação e soberania, que conferem sentido tanto às nossas vidas 
como às nóssâs teorias, são construídos socialmente, não andam «no mundo» 
como uma realidade permanente. Construtivistas feministas acrescentam que
- a linguagem e as representaçofes da guerra, como instrumento central da 
política mundial, têm sido largamente influenciadas pelo género.
O construtivismo é uma abordagem e não uma teoria, mas fornece ao 
mesmo tempo uma crítica útil e um suplemento importante às teorias prin­
cipais do realismo e do liberalismo. As abordagens construtivistas, apesar de, 
por vezès, formuladas de forma vaga e carecidas de poder de previsão, 
recordam-nos o que as duas teorias principais geralmente não alcançam. 
Como iremos ver no capítulo seguinte, é importante olhar para lá da 
racionalidade instrumental da prossecução de fins actuais e perguntar como 
as identidades é interesses inconstantes podem pôr vezes conduzir a müdan- 
ças subtis nas políticas dos estados e, por vezes, a mudanças profundas nos 
assuntos internacionais. Os construtivistas ajudam-nos a compreender como 
as preferências sáo formadas e o conhecimento é gerado, antes do exercício 
da racionalidade instrumental. Nesse sentido, eles complementam as duas 
teorias principais em vez de se lhes oporem. Iremos ilustrar as questões 
acerca da compreensão da mudança a longo pràzo no próximo capítulo e 
voltar a elas no capítulo final. É suficiente por agora dizer que enquanto 
tentava compreender a política internacional e ajudar a formular as políticas 
externas americanas, como secretário-adjunto em Washington, dei por mim 
a pedir emprestados elementos dos três tipos de pensamento: realismo, libe­
ralismo e construtivismo.
OS ELEMENTOS DA POLÍTICA INTERNACIONAL
Actores, fins e instrumentos são três conceitos básicos para a teorização 
sobre a política internacional, mas cada nm deles está. a transformar-se. Na 
tradicional visão realista da política internacional, os únicos «actores» im­
portantes são os estados, e apenas os grandes estados realmente interessam. 
Mas isso está a mudar. O número de estados cresceu enormemente no pe­
ríodo do pós-guerra: em 1945, existiam cerca de 50 estados no mundo; em 
1998, existiam 185 membros das Nações Unidas, com perspectivas de virem 
a aumentar. Mais importante do que o número de estados é o aumento de 
actores, não-estaduais. Grandes empresas multinacionais, por exemplo, atra­
vessam fronteiras internacionais e põr vezes controlam mais recursos 
económicos do que muitos estados-nação. Pelo menos 12 empresas trans- 
nacionais apresentam vendas anuais mais elevadas do que o produto nacional 
bruto (PNB) de mais de metade dos estados do mundo. As vendas de uma 
empresa como a Shell, IBM ou General Motors são mais elevadasdo que o 
produto interno bruto (PIB) de países como a Hungria, o Equador ou a
República Democrática do Congo. Apesar de estas empresas multinacionais 
carecerem de alguns tipos de poder, tais como a força militar, elas assumem 
uma enorme relevância para os fins económicos de um país. Em termos 
económicos, a IBM é mais importante para a Bélgica do que o Burundi, uma 
antiga colónia belga.
Uma descrição do Médio'Oriente sem os estados em guerra e a influência 
das potências estrangeiras seria manifestamente tosca, mas seria também 
tristemente inadequada -caso não ‘incluísse uma variedade de actores não- 
-estaduais. Companhias petrolíferas multinacionais como a Shell, a British- 
Petroleum e a Mobil são um tipo de actores não-estaduais, mas existem 
outros. Existem grandes instituições intergovemamentais como as Nações 
Unidas e outras mais pequenas como a Liga Árabe e a Organização dos 
Países Exportadores de Petróleo (OPÊP). Existem organizações não-gover- 
namentais (ONGs).-nas quais se incluem a Cruz Vermelha e a Amnistia 
Internacional. Existem ainda uma variedade de grupos étnicos transnacionais, 
tais como os curdos que vivem na Turquia, Síria, Irão e Iraque, ou os 
Arménios dispersos pelo Médio Oriente e pelo Cáucaso. Movimentos de 
guerrilha, cartéis de droga e organizações mafiosas transcendem as fronteiras 
nacionais e frequentemente dividem os seus recursos entre vários estados. 
Movimentos religiosos internacionais, em particular o islamismo político no 
Médio Oriente e no Norte de África, acrescentam uma dimensão adicional. 
ao círculo de possíveis actores não-estaduais. "
A questão não é saber qual é a classe mais importante, a dos estados ou 
a dos actores não-estaduais — geralmente é a dos estados —, mas saber 
como novas coligações complexas influenciam a política de uma regiãó, de 
uma forma íque a tradicional visão realista é incapaz de revelar. Os estados 
são os actores mais importantes na actual política internacional, mas não têm 
o palco apenas para si próprios.
Em segundo lugar, e relativaménte aos fins? Tradicionalmente, o fim 
dominante dos estados num sistema anárqúico é a -segurança militar. 
Actualmente, os países preocupam-se obviamente com a sua segurança mi­
litar, mas muitas vezes preocupam-se tanto oú mais com a sua prosperidade 
económica, com questões sociais, tais como o tráfico de estupefacientes e a 
propagação da SIDA, ou com alterações ecológicas. Além disso, à medida 
que as ameaças-mudam, à definição de segurança altera-se; a segurança 
militar não é o único fim que os estados prosseguem. Olhando para a relação 
entre os Estados Unidos e o Canadá, onde as perspectivas dé guerra são 
extraordinariamente pequenas, um diplomata canadiano afirmou um dia 
que o seu medo não era o de que os Estados Unidos marchassem pelo 
Canadá dentro é capturassem novamente Toronto, tal como fizeram em 1813, 
mas qUe Toronto fosse classificado de pouca relevância por um computador 
no Texas — um dilema bastante diferente do dilema tradicional dé estados
num sistema anárquico. O poder económico não substituiu a segurança militar 
(como o Koweit descobriu quando o; Iraque o invadiu em Agosto de 1990), 
mas a agenda da política internacional tem-se tomado mais cómplexa à 
medida que os estados prossegúem um conjunto de fins mais alargado.
Ém térceiro lugar, os instrumentos da política internacional estão a mu­
dar. A visão tradicional é a de que a força militar é o instrumento que 
realmente interessa. Descrevendo o mundo antes de 1914, o historiador bri­
tânico A. J. P. Taylor definiu uma grande potência como aquela que é capaz 
de prevalecer na guerra. Obviamente que hoje em dia os estados utilizam a 
força militar, ma$ ao longo do último meio século o seu papel tem sofrido 
alterações. Muitos estados, grandes estados em particular, constatam ser agora
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tía.<3or«;sabtím..quc a 'ascensão. Bè uriu 
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crèya
a China
mais dispendioso utilizar a força militar para atingir os seus fins do que 
acontecia noutros tempos. Como afirmou o Professor Stanley Hoflfmann da 
Universidade de Harvard, a relação èntre o poder militar e realização efectiva 
tem vindo a atenuar-se.
Quais são os motivos? Um prende-se com o facto dos meios extremos de 
força militar, as armas nucleares, serem irremediavelmente músculos manie­
tados. Apesar de terem atingido um total superior a 50 000, as armas nuc­
leares não foram usadas em guerra desde 1945. A desproporção entre a 
enorme devastação que as armâs nucleares podem inflingir e quaisquer 
razoáveis fins políticos, tornou os líderes compreensivelmente relutantes em 
utilizá-las. Desta forma, a forma extrema de força militar é, para fins prá­
ticos, demasiado gravosa para os líderes nacionais a utilizarem em tempo de 
guerra.
Mesmo a força convencional se tomou mais gravosa quando utilizada 
para dominar populações nacionalisticamente despertas. No século xix, paí­
ses europeus conquistaram outras partes do globo, enviando um punhado de 
soldados equipados com armamento moderno, e depois administraram as 
suas possessões coloniais com guarnições relativamente modestas. Mas, numa 
era de populações socialmente mobilizadas, é difícil dominar um país ocu­
pado cujo povo se tomou nacionalisticamente autoconsciente. Os America­
nos descobriram isto no Vietname nas décadas de 1960 e 1970; os Soviéticos 
descobriram-no no Afeganistão na década de 1980. O Vietname e o 
Afeganistão não se tinham tomado mais poderosos do que as superpotências 
nucleares, mas tentar dominar aquelas populações nacionalisticamente des­
pertas. foi demasiado dispendioso tanto pára os Estados Unidos como para a 
União Soviética.
í ■
Uma terceira alteração no papel da força está relacionado com constran­
gimentos internos. Tem-se assistido, ao longo do tempo, a uma crescente 
ética de antimilitarismo, particularmente nas democracias. Tais concepções 
não impedem a utilização da fòrça, nias fazem dela uma escolha política'-1 
mente arriscada para os líderes, particularmente quando o seu uso é extenso 
( e prolongado. A força não está obsoleta, mas é mais dispendiosa e mais 
difícil dè usar do que no passado.
Por último, uma série de problemas muito simplesmente não se presta a 
soluções violentas. Consideremos, por exemplo, as relações económicas entre 
os Estados Unidos e o Japão. Em 1853, o Almirante Perry navegou até ao 
interior de um porto japonês e ameaçou bombardeá-lo caso o Japão não 
abrisse os seus portos ao comércio. Esta não seria uma forma muito útil ou 
politicamente aceitável de resolver as actuais disputas comerciais Estados 
Unidos-Japão. Desta forma, embora a força continue a ser um instrumento 
crucial da política internacional, não é o único instrumento. O emprego da 
interdependência económica, das comunicações, de instituições internacio­
nais e de actores transnacionais desempenha por vezes um papel mais im­
portante do que a força. A força militar não está obsoleta enquanto instru­
mento, mas alterações no seu custo e eficácia tomam a política internacional 
de hoje mais complexa. .
Não obstante,’ o jogo básico da segurança continua. Cinco anos antes da 
Guerra do Golfo, um estudo do Instituto de Investigação da Paz Interna­
cional de Estocolmo revelava que decorriam 36 guerras, que provocaram a 
morte de 3 a 5 milhões de pessoas. Alguns cientistas políticos defendem que 
o equilíbrio de. poder é geralmente determinado por um estado director, ou 
hegemónico — como a Espanha no século xvi, a França sob o reinado de 
Luís xiv, a Grã-Bretanha na maior parte do século xix e os Estados Unidos 
na maior parte do século xx. O país mais importante irá eventualmente ser 
contestado e essa contestação irá levar ao tipo de vastas conflagrações que 
classificamos de hegemónicas ou guerras mundiais. Após as guerras mun­
diais, um novo tratado estabelecea nova estrutura da ordem: o Tratado de 
Utreque em 1713, o Congresso de Viena em 1815, o sistema das Nações 
Unidas após 1945. Se nada de fundamental se alterou na política interna­
cional desde a luta pela supremacia entre Atenas e Esparta, irá surgir uma 
nova contestação conduzindo a outra guerra mundial ou terá chegado ao fim 
o ciclo da guerra pela hegemonia? Terá a tecnologia nuclear tomado a guerra 
mundial demasiado devastadora? Terá a interdependência económica toma­
do-a demasiado dispendiosa? Terá a sociedade global tomado-a social e 
moralmente inconcebível? Temos de acreditar que sim, porque a próxima 
guerra -pela hegemonia seria provavelmente a última.. Mas, primeiro, é im­
portante compreender a hipótese da continuidade.
À guerra do peloponeso
Tucídides é o pai do realismo, a teoria que a maioria das pessoas usa 
quando’pensa sobre a política internacional, mesmo quando não sabem que 
estão a usar uma teoria. As teorias são ferramentas indispensáveis que uti­
lizamos para organizar factos. O economista John Maynard Keynes comen­
tou outrora que homens de negócios práticos, que pensam não ter qualquer 
necessidade de teoria, são provavelmente prisioneiros de algum escrevinhador 
desconhecido, cujó nome há muito esqueceram. Muitos dos actuais homens
Busto de Tucídides
. |
de Estado e editoriàlistas usam teorias realistas, mesmo que nunca tenham 
ouvido falar de Tucídides. Robert Gilpin, um realista, afirmou: «Para sermos 
honestos, devemo-nos inquirir se os estudantes de relações internacionais do 
século xx sabem ou não alguma coisa que Tucídides e os seus compatriotas 
do século v a. C. não soubessem sobre o comportamento dos estados.» Res­
pondeu depois à sua própria interrogação: «No üm de contas, a política 
internacional pode ainda ser caracterizada da forma como Tucídides o fez5.» 
A proposição de Gilpin é discutível, mas para debatê-la temòs de conhecer 
o argumento de Tucídides. E que melhor introdução à teoria realista do que 
uma das grandes histórias da História? No entanto, como muitas grandes 
histórias, tem as suas limitações. Uma das coisas que aprendemos com a 
Guerra do Peloponeso é como evitar uma leitura da História demasiado 
simplista. i
UMA VERSÃO CURTA DE UM A LONGA HISTÓRIA
No início do século v, Atenas e Esparta eram aliados que haviam coope­
rado para derrotar o Império Persa (480 a. C.). Esparta era um estado con­
servador, orientado para a terra, que se voltou para dentro após a vitória 
sobre a Pérsia; Atenas era" um Estado comercial e orientado para o mar, que 
se voltou para o exterior. A meio do século, Atenas tinha 50 anos de cres­
cimento que conduziram ao desenvolvimento de um império Ateniense. 
Atenas formou a Liga de Delos, uma aliançá de estados em tomo do Mar 
Egeu, parà protecção mútua contra os Persas. Esparta, por seu lado, organi­
zou os seus vizinhos na península do Peloponeso numa aliança defensiva. 
Estados que se tinham juntado a Atenas livremente para se protegerem con­
tra os Persas em breve tiveram de pagar impostos aos Atenienses. Devido à 
força crescente de Atenas e à resistência de alguns ao seu império crescente, 
uma guerra irrompeu em 461 a. C., cerca de 20 anos após os Gregos terem 
derrotado os Persas. Em 445 a. C., a primeira Guerra do Peloponeso termi­
nou, seguindo-se um tratado que prometia paz por 30 anos. A Grécia des­
frutou assim de um período de paz estável antes da segunda, ou maior, 
Guerra do Peloponeso.
Em 434 a. C., uma guerra civil irrompeu na pequena e periférica cidade- 
-estado de Epidamno. Como um seixo que começa uma avalanche, este 
acontecimento provocou uma série de reacções que levaram por fim à Guerra 
do Peloponeso. Grandes conflitos são frequentemente precipitados por crises 
relativamente insignificantes, em lugares periféricos, como iremos ver quando 
discutirmos a Primeira Ouefra Mundial.
Em Epidamno, os democratas disputavam com os oligarcas a forma como 
o país devia ser governado. Os democratas apelaram para a cidade-estado de 
Çórcira, que tinha ajudado a estabelecer Epidamno, mas o seu pedido foi
KpWamno
TESSÁLIAOSrcita
. Mar ' 
Jónico
Grécia Clássica
rejeitado. Voltaram-se então para outra cidade-estado. Corinto, e os Coríntios 
decidiram ajudá-los. Isto enfureceu os Corcirenses, que enviaram uma es­
quadra para recapturar Epidamno, sua antiga colónia. No decurso dos acon­
tecimentos, os Corcirenses derrotaram a esquadra coríntia. Corinto sentiu-se 
ultrajada e declarou guerra a Córcira. Esta, temendo um ataque de Corinto, 
solicitou ajuda a Atenas. Córcira e Corinto enviaram os representantes a 
Atenas,
Os Atenienses,, após ouvirem ambos os lados, encontraram-se perante um 
dilema. Não queriam quebrar a trégua que tinha durado uma década, mas se 
os Coríntios {que eram próximos dos Peloponésios) conquistassem Córcira 
e assumissem o controlo da sua grande armada, a balança de poder entre os 
estados gregos inclinar-se-ia em desfavor de Atenas. Os Atenienses sentiram
Figura 1.1
que não podiam arriscar deixar cair a armada corcirense nas mãos dos 
Coríntios, pelo que decidiram «envolver-se um pouco». Lançaram uma pe­
quena expedição, para assustar os Coríntios, enviando 10 navios com instru­
ções para não atacarem a não Ser que fossem atacados. Mas a dissüação 
falhou; Corinto atacou e quando os Corcirenses começaram a perder a ba­
talha, os navios atenienses foram arrastados para o combate .mais do que o 
previsto. O envolvimento ateniense enfureceu Corinto, o que preocupou, por 
seu lado, os Atenienses. Èm particular, Atenas temia que Corinto estimulasse 
problemas em Potideia que, apesar de aliada de Atenas, possuía laços his­
tóricos com Corinto. Esparta prometeu auxiliar Corinto caso Atenas atacasse 
Potideia. Quando, de facto, uma revolta ocorreu em Potideia, Atenas enviou 
tropas para a suprimir. .
Teve lugar, éntãõ, um grande debate em Esparta. Os Atenienses apelaram 
aos Espartanos para permanecerem, neutrais. Os Coríntios incitaram os 
Espartanos a entrar em guerra e chamaram a atenção para o perigo de não 
cbntrabalançarém o crescente poder de Atenas. Mégara, outra importante 
cidade, concordou com Corinto porque, contrariamente ao previsto no tra­
tado, os Atenienses tinham banido o comércio de Mégara. Esparta encon­
trava-se dividida, mas os Espartanos acabaram por votar a favor da guerra 
porque temiam que, caso o poder ateniense não fosse controlado, Atenas 
pudesse vir a dominar toda a Grécia. Esparta entrou em guerra para manter
o.equilíbrio de poder entre as cidades-estado gregas.
Atenas rejeitou o ultimato de Esparta e a guerra começou em 431 a. C. 
A postura ateniense era de grandeza imperial, de orgulho e patriotismo pela 
sua cidade e o seu sistema social e optimismo sobre a maneira tomo aca­
bariam por vencer ã guerra A fase inicial da guerra saldou-se por um em­
pate. Tréguas foram declaradas após 10 anos (421 a. C.), mas eram umas 
tréguas-frágeis e a guerra irrompeu novamente. Em 413, Aténas empreendeu 
uma aventura bastante arriscada. Enviou duas esquadras e infantaria para 
conquistar a Sicília, a grande ilha ao largo do sul de Itália,"que tinha algumas 
colónias gregas aliadas a Esparta. O resultado foi uma terrível derrota para 
os Atenienses. Ao mesmo tempo, Esparta recebeu dinheiro adicional dos 
Persas, qüe não poderiam ficar mais satisfeitos do que a ver Atenas vencida. 
Ápós a derrota na Sicília, Atenas encontrava-se dividida internamente. Em 
411, os òligarcas derrubaram os democratas e 400 dentre eles procuraram 
governar Atenas. Estes acontecimentos não representaram o final, mas Ate­
nas nunca mais recuperou. Uma vitória naval ateniense em 410 foi seguida, 
cinco anos mais tarde, por uma vitória naval espartana e em 404 Atenas 
foi forçada a implorar a paz. Esparta exigiu que Atenas arrasasse as lon­
gas muralhas que a protegiam de ataque por parte de potêncjas terrestres.
O poderde Atenas fora destruído.
CAUSAS E. TEORIAS
Está é urna história dramática e convincente. O que originou a guerra? 
Tucídides é bastante cláro. Após narrar os vários acontecimentos em Epi- 
damno, Córcira e assim pof diante, elè afirma que essas não foram as causas 
reais. O que tomou a guerra inevitável foi ©'crescimento do poder de Atenas 
e a apreensão que isso causou em Esparta.
Teve.Atenas alguriia escolha? Poderia Atenas ter evitado este desastre 
com uma melhor capacidade de previsão? Péricles, o líder ateniense teve, 
nos primeiros dias da guerra, uma resposta curiosa para os seus concidadãos. 
<<E legítimo e respeitável que defendam a dignidade imperial de Aténas. 
O vosso império é agòra como Uma tirania:,pode ter sidp errado cbnquistá- 
-lo, mas é certamente perigoso abandõná-lo6.» Por outras palavras, Péricles 
disse aos Atenienses que não tinham escolha. Talvez não devessem estar 
onde estavam, mas uma vez que detinham um império, pouco podiam fazer 
sem correr riscos áinda maiores. Péricles era portanto favorável à guerra. 
Mas havia outras vozes em Aténas, tais como as dos delegados atenienses ao 
debate em Esparta em 432,' que disseram aos Espartanos: «Pensem, também, 
na parte importante que é desempenhada pelo imprevisível na guerra: pen­
sem nisso agora antes que estejam verdadeiramente empenhados na guerra. 
Quanto mais uma guerra se prolonga, mais as coisas tetídem a depender de 
acidentes7.» Isto acabou por revelar-se um bom aviso; por que não seguiram 
õs Atenienses o seu próprio conselho? Talvez tenham sido' arrebatados por 
patriotismo emocional, ou ódio, que toldaram o seu raciocínio. Mas existe 
uma possibilidade máis interessante: talvez os Atenienses tenham agido 
racionalmente, mas tenham sido enredados num 'dilema de segurança.
Dilemas de segurança estão relacionados com a característica essencial, 
da política internacional: organização anárquicp, a ausência de um poder 
mais elevado. Sob a anarquia, a actuaçãò independente por parte de um 
estado para aumentar a sua segurança pode tomar todos os estados mais 
inseguros. Se um estado constrói o seu poder de forma a garantir que outro 
seja incapaz de o molestar, o outro, vendo o primeiro a fortalecer-se, pode 
desenvolver o seu poder para se proteger dele. O resultado é ó de que os 
esforços independentes de cada üm para desenvolver o seu poder e segurança 
tomam ambos mais inseguros. É um resultado irónico, já que nenhum deles 
agiu irracionalmente. Nenhum deles agiu por ódio ou orgulho, mas por 
receio provocado pela ameaça observada no fortalecimento do outro. Afinal, 
erigir defes'as,.é uma resposta racional a uma ameaça perceptível.
Os estados poderiam cooperar para evitar este dilema de segurança; isto ■ 
é, poderiam combinar que nenhum desenvolveria as suas defesas e todos 
ficariam melhor. Se parece óbvio que os estados deveriam cooperar, por que 
não o fazerp? Uma resposta pode ser encontrada num jogo denominado por
«Dilema do Prisioneiro». (Os dilemas de segurança são um tipo específico 
do Dilema do Prisioneiro.) O enredo do Dilema do Prisioneiro é o seguinte: 
imaginem que em qualquer lado a polícia prende dois homens que têm 
pequenas, quantidades de droga na sua posse, o que resultaria provavelmente 
em sentenças de um ano de prisão. A polícia tem boas razões para acreditar 
que esses dois são na verdade traficantes de droga, mas não têm provas 
suficientes para uma condenação. Comô traficantes, os dois poderiam facil­
mente apanhár sentenças de 25 anos de prisão. A polícia sabe que o teste­
munho de um contra o outro seria suficiente para condenar o outro a uma 
sentença máxima. A polícia propõe libertá-los se cada um deles testemunhar 
que o outro é um traficante de droga. Ela diz-lhes que se ambos testemunha­
rem, ambos receberão sentenças de 10 anos de prisão. A polícia julga que 
desta forma estes traficantes de droga ficarão fora do activo por 10 anos; 
caso contrário, ambos estarão na prisão por apenas um ano e rapidamente 
estarão a vender droga outra vez. '
Os suspeitos são colocados em celas separadas e não lhes é permitido 
comunicarem um com o outro. Cada prisioneiro depara-se com o mesmo 
dilema: pode denunciar o outro, énviando-o para a prisão por 25 anos e 
saindo ele próprio em liberdade, ou pode manter-se calado e passar um ano 
na prisão. Mais se ambos falarem, passam ambos 10 anos na prisão. Cada um 
deles pensa: «Será melhor falar. Se ele se mantiver calado e se eu não falar, 
passarei um ano na prisão. E se o outro tipo falar? Se eu o denunciar 
também, apanho 10 anos, mas se eu ficar palado, passarei 25 anos na prisão 
e ele irá em Uberdade; serei parvo. Se eu o ajudar, 'permanecendo calado, 
como posso ter a certeza de que ele não me denunciará?»
É esse o. dilema estrutural básico da acção racional independente. 
O melhor resultado para um indivíduo é enganar o outro e conseguir sair em 
liberdade. O segundo melhor resultado é o de ambos ficarem calados e 
passarem um ano na prisão. Um resultado pior é ambos denunciarem-se e 
passarem 10 anos atrás das grades. O pior de tudo é ser tomado por parvo, 
permanecendo calado enquanto o outro fala, e passar 25 anos na prisão. Se 
cada um deles fizer o que é melhor para si próprio, acabam ambos com um 
mau resultado. Escolher o melhor resultado, a liberdade, é a expressão de 
uma preferência racional, mas se ambos tentarem obter de forma inde­
pendente o seu próprio melhor resultado, ambos obtêm um mau resultado. 
A cooperação é difícil na ausência de comunicação. Se os dois pudessem 
falar um com o outro, poderiam anuir em fazer um acordo para permanece­
rem calados e passarem ambos um ano na prisão.
Mas mesmo que a comunicação fosse possível, existe um outro problema: 
confiança e credibilidade. Continuando com a metáfora do Dilema do Pri­
sioneiro, cada suspeito poderia dizer para si próprio: «Somos ambos trafi­
cantes de droga. Já conheço a forma de actuação dele. Como posso saber se
após termos,feito este acordo, ele não dirá, ‘Fantástico! Convenci-o a ficar 
calado. Agora posso atingir o meu melhor resultado, sem risco dé ser enga- 
‘nado’.».De forma semelhante, a ausência de comunicação.e confiança na 
política internacional encoraja os estados a garantirem a sua própria segu­
rança, mesmo que isso possa conduzir todos os estados à insegurança mútua. 
Por outras palavras, um estado pode dizer a outro: «Não desenvolvam os 
vossos armamentos, que nós não desenvolveremos os nossos, e viveremos 
ambos felizes para sempre», mas o segundo estado poderá"questionar-se se 
se pode permitir confiar no primeiro estado.
A posição dos Atenienses em 432 a. Ç. assemelha-se muitó ao Dilema do 
Prisioneiro. A meió do século, os Ateniensès e os Espartanos acordaram que 
era melhor se ambos estabelecessem umas tréguas. Mesmo após os aconte­
cimentos em Epidamno e a disputa entre Córcira e Corinto, os Atenienses 
estavam relutantes em quebrar a trégua. Os Corcirenses convenceram final­
mente os Atenienses com o seguinte argumento: «Existem três potências 
navais consideráveis èm Hellas: Atenas, Córcira e Corinto. Se Corinto se 
apossar de nós primeiro, e vocês permitirem que a nossa armada seja unida 
à deles, terão de combater contra as esquadras combinadas de Córcira e do 
Peloponeso. Mas se nos receberem na vosSa aliança, entrarão na guerra com 
os nossos navios juntamente com os vossos8.»
Atenas deveria ter cooperado com os Peloponésios, cumprindo o tratado, 
rejeitando o apelo de Córcira? Se o tivessem feito, o que teria acontecido 
caso os Peloponésios tivéssem feito batota e capturado a esquadra corcirense? 
O equilíbrio naval seria então de dois para um contra Atenas. Atenas deveria 
ter confiado em que os Peloponésios mantivessem as suas promessas? Os 
Atenienses decidiram quebrar o tratado, o equivalente a denunciarem o outro 
prisioneiro. Tucídides explica a razão: «O sentimento geral era ode que, 0 
que quer que acontecesse, á guerra com o Peloponeso era inevitável9.» Se 
fosse esse o caso, Atenas não podia arriscar que a poderosa armada de 
Córcira passasse para as mãos de Corinto.
INEVITABILIDADE E A SOMBRA DO FUTURO ’
.. Ironicamente, a convicção, de qué a guerra era inevitável desempenhou 
üm papel importante em provocá-la, Atenas percebeu que se a guerra iria 
acontecer, seria melhor ter uma s.uperioridade naval de dois-para-um do que 
uma inferioridade naval de um-para-dois. A convicção de que a guerra era 
eminente e inevitável foi crucial para a decisão. Por que razão tinha de ser 
assim? Olhemos novamente para o Dilema do Prisioneiro. À primeira vista, 
o melhor para cada prisioneiro é enganar o outro sujeito e deixá-lo fazer 
figura de parvo, mas como cada um conhece a situação, sabem igualmente 
que se puderem confiar um no outro, devem ambos tentar atingir ó segundo
melhor resultado e cooperar, permanecendo calados. A cooperação é difícil 
de desenVolver jogando o jogo apenas uma vez. Se jogarem o jogo repeti­
damente, as" pessoas podem aprender a cooperar, mas se é um jogo único, 
quem quer que engane o outro podê ganharia recompensa e quem quer que 
confie rio outro é parvo. O cientista político Robert Axelrod jogou o Dilema 
do Prisioneiro num computador com estratégias diferentes. Descobriu que 
após muitos jogos, em média os melhores resultados eram obtidos com a 
estratégia que ele chama de olho por olho: «Far-te-ei a ti o que me fizeres 
a mim.» Se na primeira jogada me enganarem, eu devo fazer o mesmo. Se 
me enganarem novamente, eu devo enganá-los novamente. Se cooperarem, 
devo cooperar. Se cooperarem novamente, coopero novamente. Eventual­
mente, os jogadores percebem que o benefício global com o jogo é maior 
aprendendo a cooperar. Mas Axelrod advèrte que o olho por olho é uma boa 
estratégia apenas quando se tem a oportunidade de continuar o jogo durante 
um período longo, quando existe uma «sombra longa do futuro». Quando 
sabemos que vamos jogar com as mesmas pessoas durante muito tempo, 
podemos aprender a cooperar.
E por isso que a convicção de que a guerra é inevitável é tão corrosiva 
na política internacional. Quando acreditamos que a guerra é inevitável, 
estamos muito perto da última jogada. Quando chegamos à última jogada (a 
qual pode envolver a nossa sobrevivência — por outras palavras, se iremos 
alguma vez ter a oportunidade de voltar a jogar este jogo), podemos então 
preocupar-nos com ò facto de podermos ou não confiar ainda no nosso 
oponente. Se suspeitarmos que o nosso oponente nos irá enganar, o melhor 
é confiarmos em nós próprios e corrermos o risco de nos afastarmos em vez 
de cooperar. Foi isto que os Atenienses fizeram. Confrontados com a con­
vicção dé que a guerra iria ocorrer, decidiram que não poderiam permitir-se 
confiar nos Coríntios ou nos Espartanos. Era melhor ter a armada corcirense 
do seu lado do que contra si quando parecia ter chegado o último lance do 
jogo e ser a guerra inevitável.
A Guerra do Peloponeso era realmente inevitável? Tucídides tinha uma 
visão pessimista da natureza humana; declarou ele: «A minha obra não é um 
escrito destinado a satisfazer o gosto de um público imediato, mas foi rea­
lizada para durar para sempre10.» A^sua história apresenta a natureza humana 
enredada na situação do Dilema do Prisioneiro, então e para todo o sempre. 
Tucídides não nos pretendeu induzir em erro deliberadamente mas, como 
todos os historiadores, foi obrigado a salientar determinados factos e não 
outros. Tucídides concluiu que a causa da guerra foi o aumento do poder de 
Atenas e o receio que isso causava em Esparta. Mas o classicista Donald 
Kagan sustenta que o poder ateniense não estava a aumentar no período 
imediatamente anterior ao eclodir da guerra em 431 — as coisas tinham 
começado a estabilizar um pouco. Além disso, afirma Kagan, Esparta não
tinha tanto medo de Atenas, como tinha da guería. Atenas e Esparta eram 
ambas estados esclavagistas e ambas temiam que a ida para a guerra pudesse 
proporcionar uma oportunidade para os escravos se revoltarem. A diferença 
era a de que os escravos, ou Hilotas, em Esparta constituíam 90% da popu­
lação, uma percentagem de escravos muito mais elevada do que a de Atenas, 
e' os Espartanos tinham sofrido havia pouco tempo, em 464, uma revolta 
hilotá. Segundo Kagan, os Espartanos preocupavam-se com o crescimento 
do põder ateniense, e isso provocava receios, mas Esparta tinha um receio 
< ainda maior de uma revolta dos escravos.
Desta forma, as causás imediatas e precipitantes da guerra foram, se­
gundo Kagan, mais importantes do que o que a teoria da inevitabilidade de 
Tucídides reconhece. Corinto, por exemplo, julgava que Atenas não iria 
combater; avaliou-incorrectamente a resposta ateniense, em parte por estar 
tão inflamada contra Córcira. Péricles reagiu mal-; pometeu erros ao lançar 
um ultimato a Pptideia e ao punir Mégara com a interrupção do seu comér­
cio. Esses erros diplomáticos levaram os Espartanos a considerar que afinal 
a guerra poderia valer o risco. Kagan afirma que o crescimento de Atenas 
originou a primeira Guerra do Peloponeso mas que a Trégua de Trinta Anos 
extinguiu esse fogo. Assim, para despoletar a segunda Guerra do Peloponeso,
- «a centelha do problema de Epidamno precisava de pousar num dos raros 
pedaços de matéria inflamável que não tinham sido inteiramente encharcados. 
Depois disso precisava de ser contínua e 'vigorosamente atiçada pelos 
Coríntios, logo assistidos por Mégara, Potídeia, Egina e pelo Partido da 
Guerra espartano. Mesmo então, a centelha poderia ter sido extinta caso os 
Atenienses não tivessem fornecido algum combustível adicional no momento 
crucial»11. Por outras palavras, a guerra não foi causada por forças impes­
soais mas por más decisões, em circunstâncias difíceis.
’ Será porventura insolente pôr em causa Tucídides, a figura patriarcal dos 
historiadores, mas raramente existe algo verdadeiramente inevitável na his­
tória. O comportamento humano é voluntário,' apesar de existirem sempre 
constrangimentos externos. Karl Marx afirmou que os homens fazem a his­
tória, mas não em condições por eles escolhidas. Os Antigos Gregos fizeram 
escolhas erradas porque foram enredados na situação adequadamente des­
crita por Tucídides e no Dilema do Prisioneiro. O dilema de segurança 
tomou a guerra altamente provável, mas «altamente provável» não é o mesmo 
que «inevitável». A guerra sem limites de 30 anos que devastou Atenas não 
era inevitável. As decisões humanas tiveram a sua importância. O acaso e as 
personalidades têm importância,' mesmo que operem dentro dos limites 
impostos por uma estrutura mais vasta; a situação de insegurança que se 
assemelha ao Dilema do Prisióneiro.
Que lições actuais podemos aprender pom esta antiga história? Temos 
de. estar conscierités tanto das regularidades como das mudanças. Algumas
características estruturais da política internacional predispõem os aconte­
cimentos numa direcção em vez de noutra. É por isso que é necessário 
compreender os dilemas de segurança e o Dilema do Prisioneiro. Por outro 
lado, tais situações não provam que a guerra é inevitável. Existem mar­
gens de liberdade e as decisões humanas podem, por vezes, evitar os piores 
acontecimentos. A cooperação em assuntos internacionais verifica-se na 
realidade, mesmo apesar da estrutura geral de anarquia tender a desenco­
rajá-la.
E necessário igualmente ter cuidado com analogias históricas manifesta­
mente superficiais. Durante a Guerra Fria, era frequentemente popular afir­
mar que, porque os Estados Unidos eram uma democracia e uma potência 
baseada no mar enquanto que a União Soviética era uma potência baseada 
na. terra e um estado de escravos, a América era Atenas e a União Soviética 
era Esparta, forçados a reinterpretarem um grande conflito histórico. Mas 
tais analogiassuperficiais não tinham em consideração o facto de a antiga 
Atenas ser um estado esclavagista, destroçado pela desordem interna e de os 
democratas não terem estado sempre no poder. Além do mais, ao contrário 
do que aconteceu na Guerra Fria, Esparta ganhou.
Outra lição é a de estarmos atentos à selectividade dos historiadores. 
Ninguém pode contar a história completa de um qualquer acontecimento. 
Imaginemos o que seria tentarmos narrar tudo o que aconteceu na última 
hora, quanto mais a história completa da nossa vida ou de uma guerra 
inteira. Demasiadas coisas aconteceram. Para começar, um relato segundo a 
segundo, no qual tudo é reproduzido, demoraria tanto a ser narrado quanto 
os acontecimentos a' desenrolarem-se. Assim sendo, os historiadores resu­
mem sempre. Para escrever história, mesmo a história da última hora do 
último dia, temos de simplificar. Temos de seleccionar. O que seleccionamos 
é obviamente afectado pelos valores, inclinações e teorias nas nossas mentes, 
quer estès sejam claros ou incipientes.
Os historiadores são influenciados pelas suas preocupações contemporâ­
neas. Tucídides estava interessado na forma como os Atenienses estavam a 
aprender as lições da guerra, culpando Péricles e os democratas pelo erro de 
cálculo. Enfatizou, portanto, aqueles aspectos da situação que descrevemos 
como o Dilema do Prisioneiro. Todavia, apesar de estes aspectos da guerra 
serem importantes, não formam a história completa. Tucídides escreveu pouco 
acerca das relações atenienses com a Pérsia, ou acerca do decreto que inter­
rompeu o comércio com Mégara ou sobre o facto de Atenas ter aumentado 
o montante do tributo que os outros membros da Liga .de Delos lhe tinham 
de pagar.. A história de Tucídides não fòi deliberadamente enganadora ou 
tendenciosa, mas um exemplo de como cada era tende a reescrever a história, 
porque as questões geradas pela vasta panóplia de acontecimentos tendem a 
müdar ao longo dó tempo.
A necessidade de seleccionar não significa que tudo é relativo ou que a 
história é um disparate. Uma tal conclusão é injustificada. Os bons histo­
riadores e cientistas sociais fazem o seu melhor para responder às questões 
honestamente, levando objectivamente os factos a ajustarem-se ào seu objecto. 
Mas tanto eles como os seus alunos devem estar conscientes de que o que, 
é seleccionado é necessariamente apenas parte da história. Temos sempre de 
perceber quais as perguntas a que o autor estava a dar resposta, assim como 
se ele apurou os factos cuidadosa e objectivamente. A escolha é uma parte 
muito importante da história e da escrita da história. A cura para a com­
preensão errada da história é ler mais, não menos. y
Questões éticas e política internacional
Dada a natureza do dilema de segurança, alguns realistas acreditam que 
as preocupações morais não desempenham papel algum nos conflitos inter­
nacionais. Contudo, a ética desempenha na realidade um papel nas relações 
internacionais, embora não o mesmo que na política interna.'Argumentos 
.morais têm sido usados desde os dias de Tucídides. Quando Córcira se 
dirigiu a Atenas para solicitar ajuda contra Corinto, utilizou a linguagem da 
ética: «Em primeiro lugar, não estarão a ajudar agressores, mas pessoas que 
são vítimas de agressão. Em segundo lugar, conquistarão a nossa etema 
gratidão12.» Substituam «Bósnía» por «Córcira» e «Sérvia» por «Corinto» e 
essas palavras poderiam ser proferidas nos tempos actuais.
Os argumentos morais persuadem e constrangem as pessoas. A moralidade 
é, nesse sentido, uma realidade poderosa. No entanto, os argumentos morais 
podem ser igualmente utilizados retoricamente como propaganda para mas­
carar motivos menos nobres, e os que detêm mais poder são frequentemente 
capazes de ignorar considerações de ordem moral. Durante a Guerra do 
Peloponeso, os Atenienses navegàram até à ilha de Meios para suprimirem 
uma revolta. Em 416 a. C., o porta-voz ateniense disse aos Mélios que estes 
podiam combater e morrer ou render-se. Quando os Mélios declararam que 
estavam a lutar pela sua liberdade, os Atenienses responderam que «os fortes 
fazem o que têm poder para fazer e os fracos aceitam o que têm de acei­
tar»13. Os Atenienses afirmaram essencialmente que num mundo realista há 
pouco lugar para a moralidade. Quando o Iraque invade o Koweit, os Estados 
Unidos invadem Granada ou os Indonésios suprimem uma revolta em Timor 
Leste, todos empregam, até' certo ponto, uma lógica similar. Mas, no mundo 
modemo, é cada vez menos aceitável expressar os motivos tão abertamente 
como Tucídides sugere que os Atenienses fizeram em Meios. Isto significa 
que a moralidade tem vindo a ocupar um lugar mais proeminente nas rela­
ções internacionais? Ou simplesmente que os estados se tomaram mais há­
beis na propaganda? A política internacional alterou-se radicalmente, com os 
estados mais preocupados com questões éticas, ou existe uma manifesta 
continuidade entre as acções dos Atenienses há 2500 anos e as acções do 
Iraque ou da Sérvia no final do século xx?
Os argumentos morais nãb são todos iguais. Alguns são mais constran­
gedores do que outros. Perguntamo-nos se eles serão lógicos e consistentes. 
Por exemplo, quando Phyllis Schlafly afirmou que as armas nucleares eram 
uma coisa boa porque Deus as tinha dado aò mundo livre, deveremos inter­
rogar-nos por que motivo Deus as deu igualmente à União Soviética de 
Estaline e à China de Mao. Os argumentos morais não são todos iguais.
A pedra dê toque básica dos argumentos morais é a imparcialidade — a 
ideia de que todos os interesses são julgados pelo mesmo critério. Os vossos 
interesses merecem a mesma atenção que os meus. Dentro deste quadro 
/de imparcialidade, todavia, existem duas diferentes tradições na, cultura 
política ocidental acerca da maneira como julgar argumentos morais. Uma 
descende de Immanuel Kant, o filósofo alemão do século xvm, a outra dos 
utilitaristas britânicos do início do século xix, tais como Jeremy Bentham. 
Como exemplo das duas abordagens, imagine-se a entrar numa aldeia da 
América Central e descobrir que um militar está prestes a fuzilar três pessoas 
alinhadas contra a parede. Pergunta: «Por que está a fuzilar estes campone­
ses? Eles parecem bastante inofensivos?» O militar responde: «Ontem à 
noite alguém nesta aldeia disparou sobre um dos meus homens. Eu sei que 
alguém nesta aldeia é culpado,' por isso vou matar estes três para servirem 
de exemplo.» Você diz: «Não pode fazer isso! Vai matar uma pessoa ino­
cente. Se apenas um tiro foi disparado, então pelo menos duas destas pes­
soas estão inocentes, talvez as três. Não pode, de forma alguma, fazer isso.» 
O militar agarra numa espingarda de um dos seus homens e entrega-a a si, 
dizendo: «Dispare sobre um deles por-mim e deixarei os outros dois irem 
embora. Pode salvar duas vidas se matar um deles. Vou ensinar-lhe que 
na guerra civil temos de tomar decisões difíceis.» O que é que você fará?
Poderia tentar ceifar todos os soldados num movimento tipo Rambo, mas 
o oficial' tem um soldado com uma arma apontada para si. A sua opção é 
então entre matar uma pessoa inocente de modo a salvar duas e largar a arma 
e manter as mãos limpas. A tradição kantiana, de que apenas devemos fazer 
as coisas que estão certas, exigiria que se recusasse a perpetrar a má acção. 
A tradição utilitarista sugeriria talvez que, se pode salvar duas vidas, deve 
fazê-lo. Se optar pela solução kantiana, imagine que os números são aumen­
tados. Süponha que estavam 100 pessoas contra a parede ou que pode salvar 
uma cidade cheia de pessoas. Deverá recusar-se a salvar um milhão de 
pessoas de forma a manter limpas as mãos e a consciência? A algum mo­
mento, as consequências têm importância. Os argumentos morais podem ser 
julgados de três formas: pelos motivos ou intenções envolvidos, pelos meios
usados e pelas suas consequências ou efeitos práticos.Apesar de estas di­
mensões não serem sempre facilmente reconciliáveis, um bom argumento 
moral tenta realmente ter em conta as três. -
LIMITES À ÉTICA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A Ética desempenha um papel menor na política internacional do que na 
política interna por quatro razões. Uma é o débil consenso internacional 
sobre valores. Existem diferenças culturais e religiosas acerca da avaliação 
de determinados actos. Em segundo lugar, os estados não são como os in­
divíduos. Os estados são abstrações e, apesar dos seus governantes serem 
indivíduos, os homens de estado são julgados de forma diferente de quando 
agem enquanto indivíduos. Por exemplo, aquando da escolha de um compa­
nheiro de quarto, a maioria das pessoas pretende alguém que acredite em 
«não matarás». Mas as mesmas pessoas poderiam votar contra um candidato 
presidencial -que dissesse: «Nunca, sem qualquer circunstância, tomarei ne­
nhuma acção que conduza a uma morte.» Um presidente é incumbido pelos 
cidadãos de proteger os seus interesses e, em determinadas circunstâncias, 
tal pode implicar o uso da força. Presidentes que salvassem as suas próprias' 
almas mas fossem incapazes de proteger o seu povo, não seriam bòns admi­
nistradores.
Na moralidade privada, o sacrifício poderá ser a maior prova de uma 
acção moral, mas os governantes devem sacrificar todo o seu povo? Durante 
a Guerra do Peloponeso, os Atenienses disseram aos governantes da ilha de 
Meios que, sé resistissem, Atenas mataria toda a gente. Os líderes mélios 
resistiram e o seu povo foi massacrado. Deveriam ter chegado a acordo? Em 
1962, o Presidente Kennedy deveria ter corrido o risco da guerra nuclear 
para forçar os Soviéticos a removerem mísseis* de Cuba, quando os Estados 
Unidos possuíam 'mísseis semelhantes na Turquia? Diferentes pessoas po­
dem responder a estas perguntas de forma diferente. A questão é que, quando 
os indivíduos actuam enquanto governantes de estados, as suas acções são 
julgadas de forma algo diferente. v _
Uma terceira razão para a ética desempenhar um papel menor na política 
internácional é a complexidade da causalidade. E suficientemente difícil 
conhecer as consequências das acções .em assuntos intemos, mas nas rela­
ções internacionais existe um estrato adicional de complexidade: a interacção 
de estados. Essa dimensão extra toma mais difícil fazer previsões exactas 
acerca das consequências. Um exemplo famoso é o do debate entre estudan­
tes na Oxford Union, o clube de debate da Universidadède Oxford, em 1933. 
Cortscientes dòs 20 milhões de pessoas mortas na Primeira Guerra Mundial, 
a maioria dos estudantes 'votaram a favor de uma’resolução que declarava 
que nunca mais iriam-combater pelo rei e pelo país. Mas outra pessoa estáva
a escutar: Adolf Hitler. Concluiu que as democracias eram brandas e que as 
poderia pressionar à vontade, que elas não ripostariam.-No-final, pressionou 
demasiado e o resultado foi a Segunda Guerra Mundial, uma consequência 
nãò desejada ou prevista por aqueles estudantes que; votaram nunca combater 
pèlo rei e pelo país. Muitos fizeram-no mais tarde e muitos morreram.
Um exemplo mais trivial é o do «argumento do hambúrguer», do início 
da década de 1^ 970, quando as pessoas estavam preocupadas com a falta de 
comida no mundo. Um conjunto de estudantes de colégios americanos disse: 
«Quando formos para o refeitório, recusemo-nos a comer carne, porque um 
quilo de carne equivale a quatro quilos de cereal, que poderia ser usado para 
alimentar pessoas póbres à volta-do mundo.» Muitos estudantes deixaram de 
comer hambúrgueres e sentiram-se bem consigo próprios, mas não ajudaram 
nem um pouco as pessoas com fome na índia ou no Bangladesh. Por que 
não? O cereal libertado por não se comerem hambúrgueres na América não 
chegou às pessoas com fome no Bangladesh porque essas pessoas com fome 
não tinham dinheiro para comprar o cereal. O cereal libertado era simples­
mente um excedente no mercado americano, o que quer dizer que os preços 
americanos desceram e os agricultores produziram menos. Ajudar os campo­
neses no Bangladesh requeria conseguir-lhes dinheiro para que pudessem 
comprar algum do cereal libertado por não se comerem hambúrgueres. Os 
estudantes falharam, lançando uma campanha contra a ingestão de hambúr­
gueres, mas sendo incapazes de compreender a complexidade da cadeia 
causal que ligaria o seu acto bem-inteneionado às suas consequências.
Finalmente, há o argumento de que as instituições da sociedade internacio­
nal são particularmente fracas e de que a separação entre ordem e justiça é 
maior na política internacional do que na interna. Ordem e justiça são ambas 
importantes. Numa comunidade política interna, temos tendência a tomar a 
ordem por certa. De facto, por vezes manifestantes rompem a ordem propo­
sitadamente de forma a promoverem a sua concepção de justiça. Mas se 
houver desordem total, é muito difícil haver qualquer justiça; lembremo-nos 
dos bombardeamentos, raptos e assassínios em todo o lado, no Líbano na 
década de 1980 e na Somália na década de 1990. Uma certa quantidade de 
ordem é uma condição prévia à justiça. Na política internacional, a ausência 
de uma legislatura comum, de um executivo central ou de um sistema judi­
cial forte, toma muito mais difícil preservar a ordem que precede a justiça.
TRÊS CONCEPÇÕES SOBRE O PAPEL DA MORALIDADE
Existem pelo menos três diferentes concepções sobre a ética nas relações 
internacionais: os cépticos, os moralistas do estado e os cosmopolitas. Ape­
sar de não existir nenhuma conexão lógica, aqueles que são realistas nas suas 
análises descritivas da política mundial tendem frequentemente a ser cépticos
ou' moralistas do estado na sua abordagem avaliatiVa, enquanto que aqueles - 
que enfatizam a análise liberal tendem para os pontos de vista mprais dos 
moralistas do estado ou dos cosmopolitas.
Cépticos. O céptido afirma que as categorias morais não'têm sentido nas 
relações internacionais porque não existem instituições para estabelecer a 
ordem. Além do mais, não há um sentimento de comunidade e portanto não 
podem existir direitos e deveres morais. Para os cépticos, a proposição clás­
sica sobre ética na política internacional foi a da resposta ateniense ao pedido 
de clemência meliano: «Os fortes fazem o que têm poder para fazer e òs ‘ 
fracos aceitam o que têm de aceitar.» A razão está do lado dã força E isso, 
para os cépticos, é tudo o‘ que há para dizer. >
Os filósofos afirmam frequentemente que «dever» (obrigação moral) 
implica «poder» (a capacidade de fazer algo). A moralidade requer capaci­
dade de escolha. Se algo é impossível, não podemos ter uma obrigação de . 
o fazer. Se as relações internacionais são simplesmente o domínio do matar 
òu ser morto,' então nãò existe escolha e' isso justificaria ã posição dos 
cépticos; Más a. política internacional é mais do que apenas mera sobrevivên- 
> cia. Sé existem escolhas nas relações internacionais, alegar que não existe 
éscolha é meramente uma forma de escolha disfarçada. Pensar apenas em 
termos de interesses nacionais egoístas é simplesmente introduzir sub- 
repticiamente valores sem o admitir. O diplomata francês que me disse um 
dia «o que é moralmente correcto é tudo o que for bom para a França»,. 
estava a evitar escolhas difíceis acerca da razão por que apenas os interesses . 
franceses deviam ser considerados. O estadista que afirma: «Não tive esco- • 
lha», teve muitas vezes escolha, ainda que uma nãó muito agradável. Se há 
um certo grau de ordem e de comunidade nas'relações internacionais, se 
não é permanentemente «matar ou morrer», então há espaço para escolhas. 
«An-archy» significa sem governo, mas não significa necessariamente caos' 
e desordem total. Existem práticas e instituições rudimentares que propor­
cionam, ordem suficiente para permitir algumas, escolhas importantes: equi- , 
líbrio de poder, direitõinternacional e organizações internacionais. Cada 
Uma delas e crucial para compreender por que razão á' argumentação céptica 
não é suficiente. . . .
Thomas Hobbes defendeu que para. escapar do «estado de natureza», 
onde qualquer pessoa poderia matar outra, os indivíduós entregam a sua 
liberdade a um lêviatã, ou governo, para protecção, porque a vida no estado 
dè natureza é desagradável, brutal e curta. Por que não formam os governos 
então um superleviatã? Por que razão não existe um governo mundial?
A razão, afirmou Hobbes, é a de que a insegurança não é tão grande a nível 
internacional como a nível do indivíduo. Os governos proporcionam um 
certo grau de protecção contra à,brutalidade dos indivíduos mais fortes de 
fazerem tudo o que desejarem e o equilíbrio de poder entre os estados 
' ■ . \ ■
proporciona um certo grau de ordem. Mesmo apesar de os estados se encon­
trarem numa postura hostil de guerra potencial, «continuam mesmo assim a 
assegurar a actividade diária dos seus súbditos». O estado de natureza inter­
nacional não cria a miséria diária que acompanharia o estado de natureza 
entre indivíduos. Por outras palavras, Hobbes acreditava que a existência de 
estados num equilíbrio de poder alivia suficientemente a condição de anar­
quia internacional para permitir um certo grau de ordem.
Os liberais apontam ainda para a existência do direito e de costumes 
internacionais. Mesmo que rudimentares, tais regras colocam o ónus da prova 
sobre os que as quebram. Tomemos em consideração a crise do Golfo Pérsico 
em 1990. Saddam Hussein alegou ter anexado o Koweit para recuperar uma 
província roubada ao Iraque nos tempos coloniais. Mas porque o direito 
internacional proíbe que se atrávessem fronteiras por tais razões, uma maio­
ria esmagadora de estados viu a sua acção como uma violação da Carta das 
Nações Unidas. As 12 resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança da 
ONU demonstraram claramente que a visão da situação de Saddam .ia contra 
normas internacionais. O direito e as normas não impediram Saddam de 
invadir o Koweit mas tornaram-lhe mais difícil recrutar apoio e contribuíram 
para a criação de uma coligação que o expulsou do Koweit.
As instituições internacionais, mesmo qué rudimentares, proporcionam 
um grau de ordem, facilitando e encorajando a comunicação, e algum grau 
de reciprocidade na negociação. Dada esta situação de comunicação pratica­
mente constante, a política internacional não é sempre, como os cépticos 
alegam, matar ou morrer. As energias e atenções dos governantes não estão 
sempre centradas na segurança e na sobrevivência. Existem vastas áreas de 
interacção económica, social e militar onde a cooperação (assim como o 
conflito) ocorre. E mesmo apesar de existirem diferenças culturais acerca da 
noção de justiça, ocorrem juízos morais na política internacional e são intro­
duzidos princípios no direito internacional.
Mesmo nas circunstâncias extremas da guerra, a lei e a moralidade po­
dem por vezes ter um papel a desempenhar.. A doutrina da guerra justa, com 
origem na primitiva igreja cristã e secularizada após o século xvu, proíbe a 
morte de civis inocentes. A proibição de matar inocentes tem origem na 
premissa «não matarás». Mas se essa é uma premissa moral básica, como é 
que qualquer morte pode alguma vez ser justificada? Os pacifistas absolutos 
afirmam que ninguém deveria matar outrem, qualquer que seja a razão. 
Porém, a tradição da guerra justa tem argumentado que se alguém está 
prestes a matar-nos e nós nos recusarmos a actuar em autodefesa, o resultado 
será o de que o mal levará a melhor. Os bons, ao recusarem defender-se, 
morrem. Se alguém está em perigo eminente de ser morto, pode ser etica­
mente correcto matar em autodefesa. Mas temos de fazer a distinção entre 
os’ que podem e os que nao podem ser mortos. Por exemplo, se um soldado
avança para mim com uma espingarda, posso matá-ló em autodefesa, màs 
assim que o. soldado pousa a espingarda, levanta os braços e diz «rendo-me», 
não tenhó o direito de lhe tirar a vida. Dè facto, tal está estabelecido no 
direito.internacional, assim como no código militar dos EUA. Um soldado 
americano que mate um soldado inimigo após esté se ter rendido pode ser 
julgado por assassínio num tribunal americano. Na Guerra do Vietname, 
alguns oficiais americanos foram enviados para a prisão por terem violado 
essas leis. Mesmo apesar de muitas vezes serem violadas, há determinadas 
normas que subsistem mesmo sob as circunstâncias internacionais mais se­
veras, O facto de existir um sentimento de justiça rudimentar contido num 
direito internacional imperfeitamehte cumprido, desmente o argumento dos 
cépticos de que não existem escolhas numa situação de guerra.
Podemos rejeitar a cepticismo absoluto, já que existe .espaço para a 
moralidade na política internacional. A moralidade está relacionada com a es­
colha e as escolhas expressivas variam com as condições de sobrevivência. 
Quanto maiores- forem as ameaças à sobrevivência, menor é o espaço para a 
escolha moral. No início da Guerra do Peloponeso, os Atenienses afirmaram:' 
«Aqueles que verdadeiramente são dignos de louvor são aqueles que, embora 
suficientemente humanos para apreciarem o poder, todavia prestam mais aten­
ção à jüstiça do que, pela sua situação, estão obrigados a fazê-lo14.» Infeliz­
mente, os Atenienses esqueceram-se dessa sabedoria mais tarde durante a sua 
guerra, mas isso recorda-nos que situações sem qualquer tipo de escolha são 
raras ê què a segurança nacional e.'os níveis de ameaça são muitas vezes, 
ambíguos. Os cépticos evitam escolhas morais difíceis, reivindicando o contrá­
rio. Resumindo num aforismo: os séres humanos podem„não viver completa­
mente pela palavra, mas tampouco vivem unicamente pela espada. «
Muitos, autores e líderes, que são realistas nas suas análises descritivas, são 
. ao mesmo tempo cépticos nas suas concepções acerca dos valores na política 
mundial. Mas nem todos os realistas são completamente cépticos. Alguns reco­
nhecem que existem obrigações morais, mas defendem que a ordém deve vir 
em primeiro lugar. A paz é.uma prioridade moral, mesmo se for uma paz 
injusta. A desordem da guerra dificulta a justiça, especialmente numa era nu- _ 
clear. A melhor forma de preservar a ordem é preservar o equilíbrio de poder 
entre õs estados. As cruzadas morais rompem os equilíbrios de poder. Por 
exemplo, se os Estados Unidos se começarem a empenhar demasiado ha dis­
seminação da democracia ou dos direitos humanos pelo mundo, tal pode gerar 
desordem que, na verdade, irá a longo prazo fazer mais mal do que bem.
Até certo ponto, bs realistas detêm um argumento válido. A ordem inter­
nacional é importante, mas é uma questão de grau e existem concessões a 
fazer entre a justiça e a ordem. Que quantidade de ordem ,é necessária antes 
de nos começarmos a preocupar com a justiça? Por exemplo, após o ^ desmo­
ronamento soviético nas Repúblicas Bálticas em 1990, durante o qual foram
mortas uma série de pessoas, alguns americanos exortaram a uma quebra nas 
relações com a União Soviética. Na sua opinião, os Americanos deveriam 
expressar os seus valores de democracia e de direitos humanos na política 
externa, mesmo que isso implicasse instabilidade e o fim de conversações de 
controlo de armamentos. Outros defenderam que, apesar das preocupações 
com a paz e os direitos humanos serem importantes, era mais importante 
controlar as armas nucleares e negociar um tratado de redução de armamen­
tos. No final, o governo americano prosseguiu com as negociações sobre 
armamentos, mas vinculou o fornecimento de auxílio económico ao respeito 
pelos direitos humanos. Na política internacional, repetidamente, a questão 
não é a de ordem absoluta versus justiça, mas de que forma avaliar a troca 
de concessões a fazèr em situações particuláres. Os realistas possuem um 
ponto de vista válido,

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