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TERCEIRIZAÇÃO Vólia Bomfim Cassar1 1. CONCEITO Terceirização é a relação trilateral formada entre trabalhador, intermediador de mão de obra (empregador aparente, formal ou dissimulado)2 e o tomador de serviços (empregador real ou natural), caracterizada pela não coincidência do empregador real com o formal. Segundo Mauricio Godinho,3 terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. É o mecanismo jurídico que permite a um sujeito de direito tomar serviços no mercado de trabalho sem responder, diretamente, pela relação empregatícia estabelecida com o respectivo trabalhador. A empresa prestadora de mão de obra coloca seus trabalhadores nas empresas tomadoras ou clientes. Ou seja, a tomadora contrata mão de obra através de outra pessoa, que serve de intermediadora entre o tomador e os trabalhadores, sendo que o liame empregatício se estabelece com a colocadora de mão de obra. A subcontratação de empregados contraria a finalidade do direito, seus princípios e sua função social e, por isso, constitui-se em exceção ao princípio da ajenidad, onde a relação de emprego se forma diretamente com o tomador dos serviços, isto é, com o empregador natural (relação bilateral). Ademais, a relação bilateral é regra de todos os contratos e a terceirização, exceção e, como tal, deve ser interpretada de forma restritiva. 2. FUNDAMENTOS A globalização e a crise econômica mundial tornaram o mercado interno mais frágil, 1 Vólia Bomfim Cassar é doutora em direito pela UGF, mestre em direito pela UNESA, pós-graduada em processo civil e processo do trabalho pela UGF, pós-graduada em direito do trabalho pela UGF, professora e coordenadora da pós graduação trabalhista da rede LFG, professora e coordenadora geral do curso de Direito da Unigranrio e autora de diversos livros da área trabalhista. 2Expressão utilizada por DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 428. 3DELGADO, Mauricio Godinho, idem. exigindo maior produtividade por menores custos para melhor competir com o mercado externo. O primeiro atingido com essa urgente necessidade de redução de custos foi o trabalhador, que teve vários direitos flexibilizados e outros revogados. A terceirização é apenas uma das formas que os empresários têm buscado para amenizar seus gastos, reinvestindo no negócio ou aumentando seus lucros. Daí por que dos anos 90 para cá a locação de serviços ou terceirização tem sido moda. Como a legislação brasileira não proíbe nem regula, ainda, as formas de exteriorização de mão de obra, as práticas foram as mais diversas possíveis, demonstrando gritante abuso do direito (modalidade de ato ilícito – art. 187 do CC). Melhor teria sido a redução de impostos e da tributação sobre os salários (Sesc, Senai, Sesi, Cofins, PIS etc.), para beneficiar o empregador e pequenos empresários, aliviando o peso econômico do trabalhador sobre a empresa. Num país onde o desemprego é alarmante e as condições de subemprego crescem a cada trimestre, reduzir os poucos direitos trabalhistas ou sonegar do trabalhador o vínculo com quem é seu real empregador é negar-lhe um mínimo existencial, uma vida digna. Com a retração do mercado, o Judiciário não encontrou outra saída a não ser a de corroborar com a nova tendência, ampliando as hipóteses de terceirização, o que pôde ser observado pelo cancelamento da Súmula nº 256 do TST e consequente edição da Súmula nº 331 do TST. Todavia, a maioria dos trabalhadores terceirizados ou subcontratados são verdadeiros empregados das empresas tomadoras, disfarçados por contratos simulados com cooperativas, associações ou empresas oportunistas. Daí por que Süssekind4 assevera que: Ainda que os contratos previstos no Código Civil hajam sido celebrados para tarefas estranhas às atividades normais da empresa contratante, caberá verificar-se, em cada caso, se os empregados da firma contratada trabalham, de fato, subordinados ao poder de comando da referida empresa. Em caso afirmativo, haverá nítida simulação em fraude à lei trabalhista (art. 9º da CLT), configurando-se o contrato realidade de trabalho entre a empresa contratante e os trabalhadores formalmente vinculados à firma contratada (art. 442, combinado com os arts. 2º e 3º da CLT). Isto se explica porque a intermediação de mão de obra fere de morte os princípios: da proteção ao empregado; da norma mais favorável; da condição mais benéfica; do tratamento isonômico entre os trabalhadores que prestam serviço a uma mesma empresa; do único enquadramento sindical; do único empregador; do mesmo enquadramento legal etc. Isso porque os empregados terceirizados possuem direitos inferiores e diversos dos empregados do tomador de serviços. Ademais, o princípio da proteção ao trabalhador hoje tem status constitucional espelhado no art. 7º, caput, da CRFB. Consequentemente, a ausência, por exemplo, de um dos requisitos contidos na Lei nº 6.019/74 ou na Lei nº 7.102/83 etc., acarreta nulidade da 4SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 2003, v. 1, p. 275. cláusula de intermediação e o vínculo se forma diretamente com o tomador dos serviços, passando o empregado a ser protegido pelos direitos contidos na CLT (salvo quando o tomador pertencer à Administração Pública – art. 37, II da CRFB). 3. DIVISÃO A terceirização pode ser dividida em: a) Terceirização permanente ou temporária Temporária é aquela adotada por curto período, para atender demanda eventual (transitória), como, por exemplo, a autorizada pela Lei nº 6.019/74. Permanente, a terceirização que pode ser contratada de forma contínua, para necessidade permanente da empresa, como é o caso dos vigilantes (Lei nº 7.102/83), por exemplo. b) Terceirização de atividade-fim ou de atividade-meio É possível terceirizar serviços ligados à atividade-fim do tomador, como, por exemplo, para substituição de pessoal regular e permanente ou para acréscimo extraordinário de serviço, na forma prevista na Lei nº 6.019/74. Desta forma, se o engenheiro chefe da empresa de engenharia saiu de férias, outro engenheiro poderá ser terceirizado, através de uma empresa que forneça mão de obra temporária, para substituir o titular durante suas férias, por exemplo. Também é possível terceirizar atividades inerentes, como nos casos do art. 455 da CLT, e nas hipóteses previstas na Lei nº 8.987/95 e na Lei nº 9.472/97, com as restrições comentadas abaixo e nos itens pertinentes. Entende-se por atividade inerente aquela que está inseparavelmente ligada ou vinculada à atividade principal. Isso significa dizer que é conexa e vinculada à atividade-fim e com ela pode ser confundida. A terceirização de serviços vinculados à atividade-meio é a regra; e a relacionada às atividades-fins a exceção. Sergio Pinto Martins5 defende a possibilidade de terceirização em atividade-fim nas hipóteses de: construção civil (art. 455 da CLT), indústria automobilística, serviços contratados pelas concessionárias de serviço público e serviços de telefonia6 (art. 25 da Lei nº 8.987/95 e art. 94, II, da Lei nº 9.472/97). Ao mencionar as hipóteses, o autor acrescenta que, em qualquer caso, a pessoalidade e a subordinação direta não poderão estar presentes. Concordamos com a tese. Todavia, a terceirização de serviços 5 MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2003, p. 134. 6Conforme as notícias divulgadas no site do STF “O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal,acolheu pedido formulado pela Contax S/A, pela Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) e pela Federação Brasileira de Telecomunicações e determinou o sobrestamento de todas as causas que discutam a validade de terceirização da atividade de call center pelas concessionárias de telecomunicações. O pedido se deu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 791932, com repercussão geral reconhecida...” http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276490, acessado em 11/03/15. relacionados à atividade-fim do empregador só pode ocorrer quando houver rotatividade de trabalhadores, de forma que não haja a pessoalidade entre o trabalhador e o tomador dos serviços, na forma do inciso III da Súmula 331 do TST. De forma diversa o entendimento do TST, que autoriza a terceirização das atividades inerentes (fim) dos serviços de telefonia, mas isto não exclui a responsabilidade subsidiária do tomador7. De fato, o empreiteiro principal pode subcontratar trabalhadores através do subempreiteiro para execução de serviços relacionados à obra ou fase desta. Todavia, trabalho executado pelos empregados do subempreiteiro, apesar de similar, não se insere na necessidade permanente do tomador (empreiteiro principal), tendo em vista que são especializados, transitórios ou intermitentes em relação à obra, como, por exemplo, colocação de esquadrias de alumínio, de carpete, de azulejos. Alguns podem até ser caracterizados como serviços inerentes, mas são tomados de forma transitória e prestados para diversos tomadores. Na indústria automobilística é comum a necessidade de contratação de empresas especializadas para a colocação, durante a produção e montagem dos veículos, de rádio, ar-condicionado, blindagem e demais acessórios. Estes são instalados e ajustados junto do processo de montagem dos veículos. Daí por que os trabalhadores terceirizados executam seus serviços juntos com os empregados da indústria automobilística, dentro do mesmo pátio industrial, respeitando a mesma estrutura dinâmica de produção. Esta terceirização só pode ocorrer se não houver pessoalidade e subordinação entre o trabalhador e o tomador (indústria automobilística). Também pode ocorrer, como medida de exceção, de a administração pública terceirizar serviços relacionados à sua atividade-fim, quando, por exemplo, houver urgência na concessão dos serviços e não houver tempo hábil para aguardar a criação, por lei, de novas vagas para tais cargos públicos. O Projeto de Lei 4.330/04 pretende expandir os casos de terceirização para as atividades principais (atividade fim) ao argumento de que tal medida cria mais empregos e reduz a informalidade. Se não incluir, entre os seus artigos, a necessária igualdade de todos 7 RECURSO DE REVISTA DA TELEMAR NORTE LESTE S.A. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÕES. LICITUDE. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT; Lei nº 9.472/97) ampliou as hipóteses de terceirização de serviços. Assim, a previsão contida no artigo 94, inciso II, no sentido de que é possível a contratação de empresa interposta para a prestação de atividades inerentes ao serviço de telecomunicações, autoriza a terceirização das atividades preceituadas no § 1º do artigo 60 da LGT. Por conseguinte, torna-se irrelevante discutir se a função desempenhada pela reclamante enquadra-se como atividade-fim ou meio, ante a licitude da terceirização, uma vez respaldada em expressa previsão legal. Tal licitude, porém, não afasta a responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços, nos termos da Súmula 331, IV, desta Corte Superior. Precedentes do TST. Processo: RR - 124500-63.2004.5.03.0108 Data de Julgamento: 28/04/2010, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/05/2010. os direitos entre os terceirizados e os empregados do tomador, o projeto apenas reduzirá o custo da mão de obra com a redução do valor do salário e a supressão de antigas conquistas da categoria como os benefícios previstos nas convenções e acordos coletivos. c) Terceirização voluntária ou obrigatória Obrigatória é a terceirização em que a lei impõe a contratação do trabalhador por interposta pessoa. Isso ocorrerá toda vez que o tomador não puder, por imposição legal, contratar diretamente o trabalhador. Há duas hipóteses de terceirização obrigatória: a) administração pública: quanto às atividades-meio e especializadas ou, excepcionalmente, as urgentes; b) serviço de vigilância armada (Lei nº 7.102/83). O Decreto-lei nº 200/67 estabeleceu a estruturação e o funcionamento dos órgãos da administração pública e, entre os princípios da administração pública, tratou da descentralização (art. 6º, III, do Dec.-Lei nº 200/67). Por outro lado, a Constituição determinou que todos os cargos e empregos públicos sejam criados por lei (art. 61) e os empregados admitidos mediante concurso público para provimento de cargo efetivo (art. 37, § 2º, da CRFB). Ora, se os cargos destinados às funções relacionadas com a atividade-meio, tais como conservação, limpeza, preparo da alimentação etc., não podem ser criadas por lei, e, se são essenciais para o funcionamento da administração pública, outra alternativa não resta que a de cumprir o disposto no § 7º do art. 10 do Dec.-Lei nº 200/67, isto é, de terceirizar esses trabalhadores. Portanto, se a administração pública necessitar de ascensoristas, garçons, copeiras, faxineiros etc., deverá terceirizar. Voluntárias são aquelas em que o empresário escolhe se quer ou não terceirizar os serviços. d) Terceirização regular ou irregular – abaixo explicada 3.1. Terceirização Regular e Irregular Mauricio Godinho8 e Alice Monteiro9 classificam as terceirizações como lícitas e ilícitas. Lícitas são as previstas na Súmula nº 331 do TST (ressaltando que as terceirizações das Leis nos 6.019/74 e 7.102/83 já constam no entendimento jurisprudencial). Godinho esclarece, ainda, que no caso do inciso III da citada Súmula, a terceirização somente será lícita se houver ausência de pessoalidade e subordinação. 8 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 438-442. 9 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2005, p. 423-429. Ilícitas são todas as terceirizações sem o amparo da Súmula nº 331 do TST. Entendemos de forma diversa. Na verdade, as terceirizações devem ser classificadas como regulares e irregulares, porque não há lei que as proíba e nem todas se enquadram nos contornos apontados pelos autores acima, bastando analisar o caso das subcontratações de atividade-fim que não geram o vínculo com o tomador por ausentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. Neste caso, a terceirização não infringiu nenhuma lei nem fraudou nenhum direito, mas é irregular e contraria princípios de direito do trabalho, por ser de atividade-fim. A terceirização regular é gênero, da qual a legal é mera espécie, enquanto a terceirização irregular é gênero, da qual a ilegal é espécie. Veja o quadro acima. A terceirização legal é a autorizada por lei. Ex.: Lei nº 7.102/83, Lei nº 6.019/74, art. 455 da CLT. Ressalte-se que se não forem atendidos os requisitos impostos por essas leis, a terceirização será ilegal, ou quando, fora desses casos, for praticada em fraude à CLT (art. 9º c/c arts. 2º e 3º da CLT), ensejando o vínculo com o tomador. A regular é a terceirização de mão de obra ligada à atividade-meio, quando ausentes os requisitos do vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador, ou quando a Administração Pública contratar por licitação em caso de necessidade, desde que não seja em fraude ao concurso público. Explica-se: O correto seria a realizaçãode concurso público para o preenchimento das vagas existentes, mas se comprovada a real impossibilidade de realização do certame, é melhor aceitar a subcontratação que impedir a contratação para determinadas áreas que atendam o interesse público. O próprio Ministério Público do Trabalho tolera esse tipo de contratação. Mas tal procedimento deve ser analisado com bastante cautela para impedir que a Administração Pública sempre utilize o argumento de impossibilidade de realizar concurso público para se beneficiar com esse tipo de contratação. TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE-MEIO DA EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. LICITUDE. A terceirização regular, voltada a suprir carência de pessoal na atividade-meio da empresa tomadora de serviços, desde que efetivada dentro dos ditames legais e contratuais, não justifica sanção judicial. TRT/SC-RO-01366.2001.007.12.00.4 – Rel. Designado: Juiz Garibaldi T, p. Ferreira. DJ/SC 28/08/2002. Irregular é a terceirização que, embora a lei não a proíba (por isso não é ilícita), viola princípios básicos de Direito do Trabalho ou regras administrativas. Citamos como exemplo a terceirização de atividade-fim nos casos em que o vínculo não se forme com o tomador dos serviços, em virtude do rodízio de trabalhadores (falta de pessoalidade); ou quando, apesar da pessoalidade (trabalhadores fixos) a lei impede a formação do vínculo com o tomador – Administração Pública – art. 37, II da CRFB. VÍNCULO DIRETO. Tem o empregado direito ao vínculo com seu empregador real, pois é quem toma os serviços originariamente, máxime quando a terceirização é irregular. TRT, 1ª Reg. 8ª T, RO 00176.2003.054.01.00.9, Rel. Vólia Bomfim Cassar, Julgado em 27/07/2005. Há quem10 distinga a “terceirização” da “intermediação de mão de obra” ao argumento que a terceirização é lícita, normalmente utilizada para colocação de trabalhadores em atividades-meio, enquanto a intermediação estaria relacionada à fraude, isto é, utilizada com o objetivo de impedir a formação do vínculo de emprego com o tomador de serviços e a sonegação de direitos trabalhistas, normalmente relacionada à colocação de trabalhadores na atividade-fim do tomador. Discordamos do posicionamento. Defendemos que as palavras são sinônimas e possuem o mesmo conceito. 4. DA RESPONSABILIDADE 4.1. Responsabilidade do Intermediador de Mão de Obra Há responsabilidade solidária entre o tomador e o intermediador de mão de obra quando a subcontratação for irregular, hipótese em que o vínculo se forma com o tomador – aplicação dos arts. 186 c/c 927 c/c 942 do Código Civil (culpa in contrahendo, in eligendo e in vigilando). Explica-se: O intermediador responde porque contratou o trabalhador, atraindo para si a responsabilidade trabalhista, por isso é chamado de empregador formal ou aparente. Quando é desfeita esta farsa e repassado judicialmente o vínculo empregatício ao tomador, real empregador, não poderá ser desprezada a responsabilidade, mesmo porque não se pode premiar o infrator da norma em seu próprio proveito, o que é repudiado pelo direito. Logo, o tomador responde porque é o real empregador e o intermediador porque é o empregador aparente e também porque praticaram, em conjunto, atos ilegais com o objetivo de fraudar e prejudicar os direitos trabalhistas do trabalhador (art. 9º da CLT). Portanto, a responsabilidade decorre tanto da lei civil (arts. 186 c/c 927 c/c 942 do Código Civil) como da trabalhista (arts. 9º, 2º e 3º da CLT). O inciso IV da Súmula nº 331do TST esqueceu de abordar esta hipótese, mas isto não elide nossa tese, porque decorre de lei. Apesar das mudanças na jurisprudência, da moderna tendência flexibilizadora da rigidez das normas trabalhistas, da globalização da economia, da competitividade do mercado, dos grandes níveis de desemprego que atravessamos, não mudamos de opinião. Ainda entendemos que a intermediação de mão de obra é nefasta ao trabalhador, apesar de 10CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão de obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 30. conjunturalmente ser um paliativo para os desempregados e para a crise do país. 4.2. Responsabilidade do Tomador de Mão de Obra 4.2.1. Terceirizações Regulares e Irregulares A segunda novidade trazida pela Súmula nº 331 do TST refere-se à responsabilidade subsidiária do tomador, quando a terceirização for regular ou legal, pois aparentemente foge aos casos de responsabilidade civil (art. 186 do CC). Isto porque as Leis nos 7.102/83 e 6.019/74 autorizam a subcontratação de trabalhadores e não determinam a responsabilidade subsidiária ou solidária entre a empresa contratante e a contratada (salvo no caso de falência). Como, então, responsabilizar alguém que aparentemente respeitou a lei, já que a solidariedade não se presume, decorre de lei ou da vontade das partes. A pedra de toque para responsabilizar os contratantes é o art. 9º da CLT, que considera praticado em fraude à lei todo ato que vise impedir ou desvirtuar a aplicação dos direitos previstos na CLT. Desta forma, empregador que sonega direitos trabalhistas de seu empregado comete ato ilícito, e o tomador dos serviços abusa do direito de terceirizar, pois deveria fiscalizar o cumprimento do contrato e escolher melhor as empresas intermediadoras de mão de obra. De acordo com o art. 187 do CC, o abuso do direito equipara-se ao ato ilícito que é o fato gerador da responsabilidade civil (arts. 186 c/c 927 c/c 942 do Código Civil). Por este motivo, mesmo nos casos de terceirização regular o tomador responde subsidiariamente. Da mesma forma entende a jurisprudência majoritária. A terceirização irregular viola lei ou princípios gerais, caracterizando-se em ato ilícito ou abusivo. Portanto, o fato gerador da responsabilidade, nesses casos, terá também esse fundamento – arts. 186 e 187 do CC. Outra justificativa para a condenação subsidiária do tomador baseia-se na doutrina trabalhista. Explica-se: Na verdade, o tomador dos serviços é o empregador natural ou real, pois é quem enriquece originariamente com o trabalho do empregado, enquanto o intermediador de mão de obra é identificado como o empregador aparente ou dissimulado, ganhando de forma derivada, já que não recebe originariamente a energia de trabalho. Esta ficção ocorre para proteção do trabalhador que, diante da concentração econômica e da necessidade de redução de custos, fica à mercê dos empregadores. Neste caso o empregador aparente é a pessoa jurídica que assina a CTPS e o real empregador o tomador dos serviços. Como os dois são empregadores, devem, por força do art. 2º da CLT, responder pelos créditos trabalhistas do empregado. Nos casos de mais de um tomador de serviços, deverá haver limitação de responsabilidade pelo período e tempo que cada um tomou os serviços, não havendo responsabilidade solidária entre eles. 4.2.2. Tomador Público Muito se discutiu acerca da responsabilidade do tomador público, ante o disposto na Lei nº 8.666/93, art. 71, § 1º, que expressamente exclui a responsabilidade trabalhista (além de outras) da administração pública nos casos de inadimplemento da empresa prestadora de serviços contratada por licitação pública. Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. Parte da doutrinanega a aplicação do comando legal acima, sob o argumento de que a norma é inconstitucional, com base no art. 37, § 6º, da CRFB. Outros11 adotam a tese de que a Administração Pública, quando subcontrata mão de obra, cujo empregador (empresa intermediadora de mão de obra) não cumpre suas obrigações trabalhistas, incorre em culpa in eligendo e in contrahendo. Aplicam os arts. 186, 927, 932, III e 942 do Código Civil, para concluir pela responsabilidade subsidiária do ente público. Por último, há aqueles12 que, como nós, entendem que o art. 37, § 6º, da CRFB não colide com o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 e, por isso, a Administração Pública não deverá ser responsabilizada pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, já que a regra especial revoga a geral. Na verdade, aquela norma constitucional foi dirigida para os casos de danos causados a terceiros por pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado que prestam serviço público. Por conseguinte, a administração pública só responde com responsabilidade objetiva quando, utilizando de seu ius imperii causar danos a terceiros. Contratar empresa prestadora de serviço não se caracteriza como serviço público e nem se enquadra no poder de império da Administração Pública. É mero ato de gestão. Nem se diga que a Administração Pública responde subsidiariamente por culpa in eligendo e in contrahendo, como pretendem alguns, uma vez que as exigências legais para a concorrência em licitações públicas são rígidas, excluindo, por exemplo, as empresas com débitos fiscais ou trabalhistas. Logo, quando uma empresa vence a licitação e, por fim, é contratada pela 11 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2005, p. 427-428. 12 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, p. 424-425. Administração Pública, significa que preencheu todos os requisitos, condições e ultrapassou os obstáculos legais contidos nos editais. Constitucional é, pois, o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. De qualquer sorte, a matéria foi superada pela decisão do STF (24/11/2010), prolatada nos autos da ADC nº 16, que entendeu ser constitucional o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, segundo o qual a inadimplência de contratado pelo Poder Público em relação a encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere a responsabilidade por seu pagamento à Administração Pública. Logo, inaplicável a responsabilidade subsidiária ou solidária pelo simples inadimplemento do empregador com base apenas nos arts. 186, 927 e 942 do Código Civil. A responsabilidade do tomador público é possível quando comprovada a culpa in vigilando da administração pública, que não pode ser presumida, ante o princípio da legalidade e o da impessoalidade que norteiam a administração pública. Explico: De acordo com os arts. 29, IV, 55, XIII, e 67, caput, § 1º, da Lei nº 8.666/93, o contratado (intermediador de mão de obra) tem a obrigação de manter, durante a execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, e a administração pública (contratante e tomadora dos serviços) tem o dever de fiscalização quanto ao fiel cumprimento dessa exigência legal. Assim, o tomador público, quando contrata pessoa jurídica a consecução de suas necessidades, isto é, para intermediar mão de obra necessária às suas atividades (fim ou meio), deve atentar para a idoneidade do contratado e fiscalizá--lo, sob pena de ser responsabilizado pelas dívidas trabalhistas inadimplidas do empregador. Por esse motivo, foi alterada a parte final da Súmula nº 331 do TST, para acrescer: V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. Ex. 1: Vamos imaginar que o empregador (empresa intermediadora de mão de obra contratada pelo tomador público por licitação) vinha pagando os salários de seus empregados regularmente. Entretanto, a partir de determinado momento para de pagar os salários e demais encargos trabalhistas, ao argumento de graves dificuldades financeiras. Como o administrador público contratante deve exigir mensalmente os comprovantes de pagamento de salários, FGTS, INSS e demais encargos sociais, perceberá no próprio mês o inadimplemento destas obrigações trabalhistas. Nessa esteira de raciocínio, o administrador público deve alertar a contratada (empregador formal) de um possível rompimento, caso a infração e o inadimplemento persistam. Continuando no mês subsequente, o administrador deve, o mais rápido possível, romper o contrato por descumprimento grosseiro do ajuste e da lei, afastando todos os trabalhadores imediatamente. Nesse exemplo, o administrador público não poderá ser condenado subsidiariamente, pois reagiu e rompeu o contrato. Apesar do afirmado acima, sabemos que, em muitos casos, a administração pública necessita do serviço subcontratado e não pode interromper o serviço público essencial à população e, com isso, está impossibilitado de afastar os trabalhadores e, consequentemente, de romper imediatamente o contrato. Necessitará de mais tempo para nova licitação e contratação. Quanto maior a demora no procedimento de troca de intermediador, maior a probabilidade de o Judiciário entender pela culpa in vigilando. Ex. 2: Empregador nunca recolheu FGTS, INSS e nunca pagou as horas extras noticiadas nos controles de ponto. A responsabilidade do tomador público é presumida, pois era sua obrigação exigir mensalmente, sob pena de retenção do pagamento, a quitação desses direitos trabalhistas dos empregados da pessoa jurídica contratada. A OJ nº 383 da SDI-I do TST espelha o entendimento do direito à isonomia dos empregados terceirizados às mesmas verbas legais e normativas asseguradas aos empregados do tomador. BIBLIOGRAFIA BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2005, p. 427- 428. CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão de obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 30. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2014, ps. 480-515. DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, p. 424-425. MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2003, p. 134. SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 2003, v. 1, p. 275.
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