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a tal analista; — com o discurso da Histérica: esse discurso apareceu recentemente. O discurso do Mestre está no fundamento original de toda sociedade humana; o discurso do Universitário nasceu mais tarde, com o nasci mento da escrita. Por outro lado, o discurso da Histérica é o terceiro, nascido com o sujeito cartesiano e a modernidade. Ora, só os tempos históricos e os lugares geográficos onde o sujeito da ciência nasceu permitem ao discurso do Analista instaurar-se. Só o sujeito dividido do discurso da Histérica é aquele que pode pedir para fazer uma aná lise. Não há analisando a não ser aquele ou aquela que foi histérica no sentido lacaniano e não psiquiátrico da palavra. Ora, o discurso do Analista transforma radicalmente o que o analisando recebeu dos três discursos precedentes: — o agente é um analista de quem esse semblante que é a imagem corporal não se sustenta narcisicamente do Ideal do Eu, mas do objeto a; — o outro é o analisando como sujeito da ciência, já que “o sujeito sobre o qual operamos em psicanálise só pode ser o sujeito da ciên cia”, dizia Lacan4; ■* Ecrits, p. 858. 188 A HISTERIA NÃO É UMA NEUROSE — a produção de uma análise é a dos significantes-mestres que condicionaram tal inconsciente; — a verdade é a conquista desse saber sobre o mais-de-gozar, saber que é inconsciente (S2). Assim, para além do não-analisado de Freud e, portanto, para além do desejo da histérica, esse laço social tem por efeito, em fim de análise, que o sujeito possa identificar-se com o objeto a. Para quem? Isso diz respeito apenas ao sujeito situado para além do discurso do Analista. Mas se ele, por sua vez, ocupa o lugar de agente nesse laço social, nada se pode dizer disso? Certamente não. 189 4 A histeria da psicanálise Pode-se dizer: “Você é um analista”? Pode-se dizer: “Sou um analista”? Lacan pensou isso um certo tempo; durante a década de 50, ele pontuava o enunciado de seu seminário com um “nós outros, analistas!”. Em 1953, no Congresso de Roma, ele qualifica publicamente Serge Leclaire assim: É da resposta que ele merece de mim diante de vocês “tu és um analista” que eu lhe dou o testemunho pelo que ele enfrentou ao colocá-la’ . Este lhe responderá mais tarde, em 15 de março de 1977, por uma carta pública: O ser analista de que você me prestava homenagem (“tu és um analista”), e do qual você hoje só pode mostrar a vaidade, nem por isso deixa de estar preso na aberração de uma fantasia de origem1 2. O próprio Lacan vai se desdizer com o jogo de palavras: T u és... Tuer [Matar]... Com efeito, a psicanálise é a contestação de todo julgamento ontológico que conjugasse essência e existência: existe um que realiza a essência do psicanalista. Pelo julgamento de existência, afirmo que 1 Revista La Psychatialyse, n° 1, Paris, p u f , 1956, p. 253. 2 Na revista Interprétation, n° 21, 1978, Son psychanalyste, p. 56. Psicose, perversão, neurose uma existência cumpre, encarna o “o quê” da definição conceituai de uma essência. E a posição da loucura: “Tomar-se por”. Lacan acabará por contestar o possível de toda ontologia pela afirmação da divisão do sujeito segundo o cogito cartesiano3: ali onde sou, ali onde existo, não há significante para o pensamento, eu não penso. Ali onde penso a essência, há apenas significantes, que representam o sujeito no lugar do significante faltante que diria o ser do sujeito. Vamos parar por aqui? Podemos nos contentar com a pura ne gação: sujeito não identificável? Se não há ser do psicanalista, vai-se por isso fazer silêncio? D a o n t o l o g i a à e s t r u t u r a O drama da psicanálise desde seu nascimento terá sido o do laço social entre aqueles que praticam a psicanálise. Já que ocupam o lugar do analista, eles se situam como agente no laço social com um anali sando. Mas, fora dessa relação com o analisando, o que acontece então entre eles... no público, na dimensão pública da psicanálise? Responder a isso é poder dizer qual é a relação entre esses dois lugares da psicanálise: um, privado, com o discurso do analista, e o outro, público. Lacan os nomeia assim: psicanálise em intensão e psi canálise em extensão4. Se a psicanálise em intensão se situa evidentemente no discurso do analista, o que acontece então com a psicanálise em extensão? Em qual dos três outros discursos pode ela cnar laço social? No discurso do Mestre? E, com efeito, o que se efetua na maioria das instituições psica- nalíticas. Os didatas experimentados dirigem; dão palavras de ordem, 5 Cf! o livro coletivo Le M oment cartésien de la psychanalyse, ed. Arcanes, 1996. 4 Esta distinção retoma o que foi introduzido em 1947 e 1956 por R. Carnap em Signification et necessite, Gallimard. 19c>7. Í 9 2 A HISTERIA DA PSICANÁLISE significantes-mestres para pôr em marcha os antigos analisandos de suas redes. Vale dizer por aí mesmo que nos encontramos no “avesso da psicanálise”: a experiência analítica troca de lado e se inverte. Há, pela instituição, regressão e amnésia. Assim, as duas dimensões da psi canálise, a intensional e a extensional, se justapõem, sem relação entre elas: há uma e outra. No discurso do Universitário? É o saber, isto é, a teoria analítica que cria laço e, portanto, o retomo ao anfiteatro com seminários, congressos, artigos, publicações. O ensino doutrinai funda a prática. Há relação de fundação: a extensão é fonte e princípio da intensão. Conhecemos isso há muito tempo. E a posição da schola. Assim, a prática é teoria a “ser aplicada” a cada caso particular, e a psicanálise torna-se uma nova doutrinação. No discurso da Histérica? Esse laço social não é o da neurose, mas do sujeito em posição de agente: sujeito dividido entre o significante que o representa e o significante que diria seu ser e no lugar do qual ele está representado. E exatamente o sujeito do cogito cartesiano, isto é, o sujeito da ciência. Ora, dizia Lacan, “o sujeito sobre o qual operamos em psicanálise só pode ser o sujeito da ciência5 ”. Em outras palavras, a psicanálise só é possível ali onde cultural mente o sujeito é o sujeito da ciência, isto é, o discurso da Histérica. Assim, Lacan podia dizer: “Por mais paradoxal que seja a asserção, a ciência toma seus impulsos do discurso da histérica6 ” . E vai repeti-lo: “Não falemos do discurso histérico; é o próprio discurso científico7 ”. Assim, é esse sujeito que um dia toma lugar como analisando no dis curso do Analista. 5 Écrits, p. 858. 6 O Seminário, O saber do psicanalisa, 2 de dezembro de 1971. 7 Radiophonie, Srilicet, 2/3, p. 83, em junho de 1970. 193 P sicose, perversão, neurose Ora, o que acontece em fim de análise? Ele volta ao discurso da Histérica em posição de agente, mas desta vez como analisando na psicanálise em extensão. Esta passagem se escreve assim: Da intensão à extensão a $ $ S, Essa diagonal é um passe: uma mudança de lugar da psicanálise: da intensão no discurso do Analista à extensão no discurso da Histéri ca. Por isso é que Lacan, falando de seu seminário, dizia: O que devo acentuar bem é que, ao se oferecer ao ensino, o discurso analítico leva o psicanalista à posição do psicanalisando8. Ele vai repeti-lo em 12 de dezembro de 1971: “Como sou eu quem falo, sou eu quem estou aqui na posição do analisando9 Contanto que acrescente: não com um psicanalista, mas no público, ali onde a psicanálise toma lugar na história humana como ciência nova. Assim, a intensão funda a extensão. Ao contrário do poder do mestre ou do saber do universitário que fundaria a práxis, com a psica nálise só a prática vem fundar instituição psicanalítica e teoria. Só o discurso do Analista é fundador de uma e de outra por intermédio do discurso da Histérica, ali onde tomam lugar os sujeitos já analisados.