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HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MÓDULO 1: A CIÊNCIA PSICOLÓGICA Historicamente, a Psicologia se estabeleceu como ciência independente muito tempo depois que outras áreas de conhecimento já haviam alcançado pleno reconhecimento social. Foi somente no final do século XIX que surgiram as primeiras tentativas de constituição de uma ciência para tratar dos problemas humanos que hoje reconhecemos como fazendo parte do escopo da Psicologia, independentemente dos estudos desenvolvidos em áreas afins, como a biologia e a filosofia. O surgimento de um campo de conhecimento só se justifica a partir da definição de um objeto próprio, não estudado pelas ciências pré-existentes. Outra condição é o desenvolvimento de formas apropriadas para se conhecer este objeto, o que se faz pela definição de uma certa metodologia. Mas, principalmente, uma ciência só tem razão para existir quando esta área de estudos por ela abrangida passa a ser problematizada, gerando a demanda por conhecimento. Em outras palavras, só há necessidade de se estudar um determinado assunto quando fazemos questões sobre ele. Considerando estes requisitos, podemos começar a pensar sobre os motivos que fizeram com que fosse tão tardio o surgimento da Psicologia. Figueiredo (1991) propõe uma tese: para que a Psicologia surgisse foi necessário, primeiro, que se estabelecesse a idéia de que as pessoas são indivíduos independentes e donos de uma experiência de si que as diferencia dos demais. Esta primeira condição diz, portanto, respeito ao surgimento de um objeto de estudo – o terreno de experiências que hoje reconhecemos como sendo nossa subjetividade: nossos questionamentos sobre a vida, nossa forma de entrar em contato com o mundo e com as outras pessoas etc.. Mas, para haver demanda por conhecimento, é preciso que esta experiência de si seja objeto de dúvidas e cogitações: quem sou eu? Por que sou assim? Esta é, pois, de acordo com Figueiredo, a segunda pré-condição necessária para o surgimento da Psicologia. Ora, o surgimento da experiência de si e o questionamento desta experiência têm uma história. Não existiu desde sempre. Atente para este fato importantíssimo para a compreensão de tudo que segue, na disciplina: estamos afirmando que o psicológico não é um aspecto natural do ser humano, como poderíamos dizer, por exemplo, de uma célula ou de um órgão. Se quisermos compreender por que a Psicologia tem uma história “oficial” tão curta, teremos que retomar a história de seu objeto: a história da constituição daquilo que hoje chamamos de subjetividade – o surgimento gradual desta noção, na cultura ocidental; e a história de sua problematização – a crise da subjetividade privatizada. MÓDULO 2 - HUMANISMO MODERNO: RENASCIMENTO. PARTE 1: O APROFUNDAMENTO DA EXPERIÊNCIA DE SI NO RENASCIMENTO Chamamos Renascimento ao período da história do Ocidente que se estende aproximadamente do fim do século XIII à metade do século XVII e que marca o início da Idade Moderna. O período caracteriza-se por muitas transformações políticas, econômicas e culturais decorrentes da expansão do comércio tornada possível pelas Grandes Navegações. Diferentemente do período histórico que o precedeu, o Renascimento favoreceu o surgimento de novas idéias, descobrimentos, invenções. Em conseqüência, começaram a ser questionados os preceitos e costumes ditados pela Igreja. Com a perda gradual da vigência dos valores medievais, o homem ocidental teve que se confrontar com um mundo novo, para o qual não havia mais referências inquestionáveis. Era necessário criar normas para reger a vida em comum, as relações sociais, de comércio etc. Não havia mais uma única ‘verdade’, baseada na palavra de Deus, transmitida por seus legítimos representantes, o clero. Desconsiderando os ditames divinos, colocado diante de um mundo desencantado, o homem devia criar para si, por meio de normas auto-impostas, um modo de ser e um destino. Contando apenas consigo próprio neste empreendimento, teria que encontrar um fundamento, a partir do qual erigir um conhecimento seguro, que lhe permitisse relacionar-se com as coisas e com os outros homens. Como resultado, assistimos a um adensamento da experiência de si, condição necessária ao surgimento gradual do que hoje chamamos subjetividade. PARTE 2: O ENFRENTAMENTO DA DIVERSIDADE CULTURAL E DA FRAGMENTAÇÃO DO MUNDO: PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO DE SI Assiste-se, no Renascimento, a um gradual processo de valorização do Homem. Considerado o ponto máximo da criação divina, o Homem passa a ser compreendido como um ser livre para constituir normas e valores a partir dos quais deverá pautar sua conduta. Mas esta tarefa demandará o desenvolvimento de procedimentos e mecanismos formativos – ser livre e poder escolher implica ser responsável pelos resultados das próprias opções. O período será marcado, ao mesmo tempo, por espaços de expansão e contenção da liberdade; na mesma medida em que será feita a apologia à grandeza do homem, ser-lhe-á creditado o peso de todos os males. Os textos indicados para leitura apresentam alguns desses mecanismos de produção das subjetividades que surgiram no Renascimento e cuja herança perdura até nossos dias. Os veículos para apresentação dessas idéias serão fundamentalmente textos literários. Em Santi (1998), você encontrará também a discussão sobre a pintura e a música dessa época. Atente particularmente para as práticas religiosas de contenção do eu propostos nos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, os procedimentos de formação dos soberanos discutidos em O Príncipe, de Maquiavel, e as críticas ao papel central creditado ao eu feitas por Montaigne e Erasmo de Rotterdam. A obra de Shakespeare também mostra o crescente adensamento da experiência de si. MÓDULO 3 A SUBJETIVIDADE MODERNA APRESENTAÇÃO DO TEMA: Entre as práticas de construção de si, destaca-se, a partir do século XVII, uma forma especial, que não se vincula à busca do Bem ou do Mal na interioridade dos seres humanos. Esta nova forma de exame ocupa-se em estabelecer as fronteiras entre o conhecimento válido e as ilusões, procura distingüir a verdade e o erro. Como figura-chave desse momento histórico, destaca-se o filósofo René Descartes (1596 – 1650), considerado uma figura central da Modernidade, sendo seu pensamento associado ao Iluminismo e ao surgimento da ciência. Se o Renascimento colocara o homem como centro do mundo, fonte e fundamento de todas as certezas, a obra de Descartes O Discurso do Método localiza este centro em uma das capacidades humanas - a razão, a autoconsciência. A partir de então, para saber-se a verdade das coisas, seria necessário saber, antes, a verdade sobre o ser pensante. Em busca de um fundamento que pusesse fim ao crescente ceticismo presente nas idéias do século XVI, Descartes postula a razão como base segura para o conhecimento. A partir dela, seria possível, pelo rigor do método, estabelecer o mundo confiável das coisas que realmente são. A esta solução racionalista para a questão da busca do conhecimento verdadeiro é, ao longo dos séculos XVII e XVIII, contraposta à concepção empirista de John Locke (1624-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711 – 1776). Na visão dos empiristas, seriam justamente as experiências sensoriais, tão vilipendiadas na proposta cartesiana, as fontes do único conhecimento possível. Para os empiristas, nada haveria nos homens além do que provém das sensações. É possível perceber, compreendendo estas diferentes formas de busca da verdade, como a subjetividade vai se tornando mais e mais complexa. O homem, que é corpo, que é espírito, que é racional, que é sensível, vai sendo posto a nu. Estão se desenhando os elementos do que reconhecemos hoje como mundo psicológico.PARTE 2 A DES-RAZÃO E O SURGIMENTO DA LOUCURA APRESENTAÇÃO DO TEMA: A apologia da razão tem sua contrapartida: o reconhecimento de um território de não razão, de não-eu – a loucura. Se o aspecto mais louvável do homem é a sua racionalidade, o delírio, as ilusões, o desvario marcam o não humano. A obra marcante nesta conceituação de loucura é Michel Foucault (obra indicada como Leitura de Aprofundamento, que foi publicada inicialmente em 1961), que construiu um brilhante exame de como esta noção vai ao longo dos séculos, se estabelecendo como contraponto da racionalidade. Foucault, em História da Loucura, mostra-nos como é somente a partir do século XVII que a constatação de que uma pessoa havia perdido a razão passa a se constituir como fonte de ansiedade e medo aos circunstantes. O louco, apresentando o conjunto de sintomas que costumamos hoje reconhecer como doença, até então, era considerado em algumas culturas como possesso (ou seja, tomado por entidades benignas ou malignas), como visionário ou simplesmente como uma pessoa que é objeto de chacota e riso. Não havia o costume da segregação destas pessoas, afastando-as, pela internação, do convívio social. Num mundo cartesiano (em outras palavras, posterior à proclamação da razão, por Descartes, como o centro do homem), a loucura não pode mais ser considerada desta forma ‘leviana’, na medida em que sua existência e possibilidade ameaça a integridade do eu, sua lucidez e estabilidade. Desta forma, a representação moderna da loucura é a outra face da afirmação do eu como consciência e capacidade de conhecer a verdade. PARTE 3: PROCEDIMENTOS DE CONSTITUIÇÃO DO EU DO SÉCULO XVII – LA FONTAINE E LA ROCHEFOUCAULD Prosseguindo a apresentação de obras significativas dos diferentes períodos históricos, destacamos, no século XVII, a tarefa desempenhada pelos moralistas do século XVII, engajados na formação deste eu livre e indeterminado proposto pelo Renascimento. Usando diferentes recursos – La Fontaine através de fábulas[1] e La Rochefoucauld através de máximas[2] -, estes autores incumbiram-se da observação criteriosa do comportamento humano e da elaboração de estratégias educativas. Em suas obras, estão codificadas normas de conduta, dentro de um certo padrão de certo e errado, que serviam para coibir a livre ação dos indivíduos, ‘civilizando-os’. MÓDULO 4: A SUBJETIVIDADE MODERNA - MÓDULO 3 A SUBJETIVIDADE MODERNA APRESENTAÇÃO DO TEMA: Já, desde o século XVII, vinha sendo problematizada a possibilidade de constituição de uma convivência harmônica entre homens livres, aptos a exercer esta liberdade em todos os âmbitos de sua vida. Como vimos, em oposição ao ideal do bem comum, insurge-se a ‘natureza’ humana, egoísta, vaidosa e auto- referente. Para superar o impasse, Thomas Hobbes (1588 – 1679) propõe, em suas obras, o completo domínio desta natureza do homem e a constituição de um pacto social, em que cada uma cederia parte de sua liberdade em prol da construção de um Estado civil. Neste contrato, os direitos naturais do homem seriam em parte transferidos a um soberano ou a uma assembléia que se responsabilizaria por legislar e julgar os cidadãos. Na organização da vida social, o homem moderno, como indivíduo, deve apropriar-se dos meios de produção e assegurar as bases econômicas de sua existência; deve encontrar meios viáveis de convivência com iguais; deve cuidar da defesa de seus interesses, em um mundo de interesses particulares, muitas vezes em oposição. Tanto quanto da produção do conhecimento, aqui também está presente a exigência à disciplina e à legislação das condutas. Aqui também se operará uma cisão, já agora entre os espaços reservados à vida em sociedade – submetida a regras de convivência – e os espaços destinados à privacidade, nos quais o homem pode exercer a liberdade que lhe cabe “por natureza”. Estabelece-se assim um território de representação, de cultivo de regras estritas da etiqueta, cuja observância supostamente garantiria a contenção das paixões nos espaços privados. PARTE 2: OS MOVIMENTOS ROMÂNTICOS Como vimos, dos ideais iluministas surge a necessidade de separação de espaços publico e privado e institui-se o estrito cultivo da etiqueta – um mundo de representação. É contra isto que se insurge o Romantismo. Para os movimentos românticos, a essência do homem, seus aspectos mais verdadeiramente humanos não estariam na sua capacidade racional, mas, pelo contrário na riqueza e no ímpeto de suas paixões. O movimento romântico desdobra-se em duas faces: a primeira, idílica, mostra o homem em contato estreito e harmônico com a natureza, numa vida de deleite e felicidade; o segundo – tempestade e ímpeto – ressalta a natureza passional que, sua complexidade e contradição, leva muitas vezes à dissolução do eu e à loucura. Em qualquer de suas vertentes, no entanto, o homem romântico julga-se dono de uma vida interior rica, singular e incomunicável, caracterizando, no plano das idéias, uma inversão de valores: o que o Iluminismo racionalista expunha como aspectos pouco confiáveis do homem, o romantismo apregoa como o seu verdadeiro eu, sua essência mais própria e preciosa. A auto-crítica da razão de Kant Além dos ataques externos, a partir do século XVIII, a razão, dentro do âmbito do projeto iluminista, começa a sofrer um processo de auto-crítica, no qual se procura investigar suas possibilidades e os limites. Kant é o grande nome neste movimento, postulando a impossibilidade humana de atingir o conhecimento das coisas em si. Para ele, nosso conhecimento sobre o mundo seria sempre mediado por nossas estruturas cognitivas. PARTE 3: A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO MODERNO E O AVANÇO DO REGIME DISCIPLINAR. APRESENTAÇÃO DO TEMA: Ainda que rechaçados e submetidos a uma estrita auto-vigilância, os aspectos excluídos do eu retornam sempre, extravasam do terreno íntimo e ameaçam as estratégias desenvolvidas para a manutenção de relações sociais estáveis e igualitárias. Diante da falência dos dispositivos criados para garantir a separação entre as esferas públicas e privadas, assistimos a um progressivo fortalecimento do Estado, incumbido de inserir alguma ordem na vida social. A sociedade deve, a partir de então, ser administrada, com a imposição de leis heterônomas, que se imiscuem na livre decisão dos indivíduos e determinam o que o homem pode e deve ser. Através de mecanismos como a vigilância e controle sobre as condutas, da sanção, do estabelecimento da norma, os indivíduos são adestrados. Produtos de uma cultura disciplinar, tornam-nos sujeitos presos a identidades que reconhecemos como nossas, mas que nos foram impostas pelas redes de poder que passaram, a partir do século XIX, a permear todas as relações. O tema é complexo e a leitura indicada é extensa. Ainda assim, recomendamo- la fortemente.
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