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Governança territorial e desenvolvimento-introdução ao tema

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Governança territorial e desenvolvimento · 
GOVERNANÇA TERRITORIAL E 
DESENVOLVIMENTO: INTRODUÇÃO AO TEMA
Valdir Roque Dallabrida – UnC-
Governança é um termo utilizado por diferentes áreas do conhecimento, 
principalmente, a sociologia, a política, a administração, a economia e a 
geografia, nem sempre com o mesmo sentido¹. A literatura reconhece que 
o conceito se origina em análises sobre o mundo das empresas, introduzido 
por Ronald Coase em , quando publicou um artigo intitulado !e nature 
of the firm. O uso do conceito na referida obra não desencadeou grandes 
debates, mas foi retomado nos anos , a partir do que se passou a utilizar o 
termo governança para designar os dispositivos operacionalizados pela firma 
para conduzir coordenações eficazes (referindo-se aos protocolos internos, 
quando a firma desenvolve suas redes e questiona as hierarquias internas), aos 
contratos e à aplicação de normas (quando ela se abre à terceirização). Mais 
tarde o termo foi importado do campo empresarial para as discussões sobre 
poder e organizações (Milani e Solinís, ).
Em , o tema da governabilidade das democracias foi objeto de uma 
análise cuja hipótese central era de que os problemas de governabilidade na 
Europa ocidental, no Japão e nos Estados Unidos se fundavam na fratura 
entre o aumento das demandas sociais e a falta de recursos (financeiros e 
humanos) e de capacidade de gestão. Segundo Milani e Solinís (), tais 
concepções exigiriam mudanças no campo das instituições e organizações e 
no comportamento dos cidadãos.
A partir de então, o debate em ciências políticas em torno do Estado centrou-se 
em suas falhas diante das funções regalianas associadas à regulação, ao bem-estar 
e ao desenvolvimento social. A partir da constatação das deficiências do Estado, as 
teorias políticas passaram a reconhecer que os atores não-estatais se forjam cada 
vez mais uma legitimidade para defender e promover o bem público. O Estado 
não mais deteria, de maneira exclusiva, o monopólio da promoção desse bem 
público, nem sua definição. Tratar-se-ia também de definir o espaço público no 
qual se produz a democracia atualmente, um espaço público constituído de uma 
rede complexa de interesses, de interações entre atores e escalões de intervenção 
política. (Milani e Solinís, , p. -)
Tem-se a pretensão, aqui, de ressignificar o conceito governança, preterindo 
. O termo governança é uma tradução para a língua portuguesa do termo em inglês governance 
e, em francês, gouvernance. Na língua espanhola, utiliza-se o termo governança ou gobernanza.
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
a concepção atribuída ao termo por organismos internacionais, que relativizam 
o papel do Estado. Dar-se-á um sentido mais próximo às ciências Geografia 
e Política, ou seja, ressaltando o conceito governança territorial.
O tema governança territorial tem sido abordado por mim em diferen-
tes oportunidades. Em Dallabrida (), tangenciava-se o tema, fazendo 
referência à gestão societária do processo de desenvolvimento local/regional. A 
referência direta ao termo governança territorial foi feita, de forma introdu-
tória, em Dallabrida e Becker ()².
Em outro artigo (Dallabrida, ), o tema foi relacionado com a prática 
do planejamento do desenvolvimento na perspectiva da institucionalização 
de um processo de concertação público-privada. Já em Dallabrida (), o 
tema foi inserido no debate sobre a dinâmica territorial do desenvolvimento. 
Afirmava-se naquelas obras que a governança poderia ser entendida como 
o exercício do poder e autoridade para gerenciar um país, território ou região, 
compreendendo os mecanismos, processos e instituições através das quais os 
cidadãos e grupos articulam seus interesses, incluindo como atores as represen-
tações dos agentes estatais. O exercício da governança territorial aconteceria 
através da atuação dos diferentes atores, nas instituições e organizações da 
sociedade civil, em redes de poder socioterritorial³. Defendia-se, também, que 
a definição dos novos rumos para o desenvolvimento do território ou região 
dependeria da constituição e emergência de um novo bloco socioterritorial⁴, 
. Esta referência merece um comentário. Em , junto com o economista Dr. Dinizar 
Fermiano Becker, iniciei o debate sobre o tema governança territorial. Este debate foi feito 
numa das linhas de pesquisa do primeiro curso brasileiro de doutorado em Desenvolvimento 
Regional – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Doutorado, 
da Universidade de Santa Cruz do Sul-Unisc –, no qual tive a honra de fazer a primeira defesa 
de tese. Nos primeiros dois anos, Dinizar foi meu orientador de tese. Infelizmente, não foi 
possível continuar contando com a colaboração do professor Dinizar no debate do tema, pois 
nos deixou naquele mesmo ano. Assim, a partir de então, individualmente, assumi a tarefa 
de aprofundar o tema, procurando avançar. É fundamental lembrar aos pesquisadores que 
Dinizar Becker deixou uma contribuição com enfoque próprio sobre o tema desenvolvimento 
(local/regional/territorial), que ele mesmo preferia chamar de economia política neogramsciana 
do desenvolvimento contemporâneo. Ver duas obras que sintetizam sua contribuição ao tema: 
Agostini, Bandeira e Dallabrida () e Agostini e Dallabrida ().
. Redes de poder socioterritorial é um termo que se propõe utilizar para se referir a cada um 
dos segmentos da sociedade organizada territorialmente, representados pelas suas lideranças, 
constituindo-se na principal estrutura de poder que, em cada momento da história, assume 
posição hegemônica, tornando-se capaz de dar a direção político-ideológica ao processo de 
desenvolvimento (Dallabrida, ).
. Bloco socioterritorial é um termo que se propõe utilizar para se eferir ao conjunto de 
atores localizados histórica e territorialmente que, pela liderança que exercem localmente, 
Governança territorial e desenvolvimento · 
que, por meio de processos de concertação público-privada⁵ que contemplem 
o caráter democrático-participativo, busquem construir consensos mínimos, 
pela articulação dos diferentes atores e de suas diferentes propostas e visões 
de mundo, resultando no pacto socioterritorial⁶, ou seja, o projeto político de 
desenvolvimento da região.
Prefere-se utilizar aqui o termo governança territorial para se referir às 
iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada 
territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento 
conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. Entre 
os atores institucionais, incluiu-se, naturalmente, o Estado, com seus diferen-
tes agentes, que, no caso do Brasil, estão presentes nas instâncias municipal, 
estadual e federal⁷.
A análise dos diferentes processos de governança territorial e desenvol-
vimento contribuem para firmar a convicção de que governa e decide quem 
tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere-se ao ato de atribuir 
poder à sociedade para governar, ou de conquista de poder pela sociedade 
para governar. Portanto, o exercício da governança é realizado através de 
relações de poder⁸.
Segundo Milani e Solinís (), a literatura acadêmica sobre governança 
define o termo, grosso modo, como “um processo complexo de tomada de de-
cisão que antecipa e ultrapassa o governo” (p. ). Constatam os autores que 
os aspectos frequentemente evidenciados nessa literatura sobre governança 
assumem a tarefa de promover a definição dos novos rumos do desenvolvimento do território 
(Dallabrida, ).
. Concertação público-privada ou, simplesmente, concertação social, é entendida como o 
processo em que representantes das diferentes redes de poder socioterritorial,através de pro-
cedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de 
forma democrática e descentralizada (Dallabrida, ).
. A expressão pacto socioterritorial é aqui proposta para se referir aos acordos ou ajustes 
decorrentes de processos de concertação social que ocorrem entre os diferentes represen-
tantes de uma sociedade organizada territorialmente, relacionados à definição de seu projeto 
de desenvolvimento futuro. A construção de pactos, considerando a concepção teórica aqui 
defendida, é indispensável que seja protagonizada pelos representantes das chamadas redes 
de poder socioterritorial de um determinado território ou região (Dallabrida, ). Pactos 
são, necessariamente, propostas repensáveis temporariamente e sempre que novas articulações 
de poder ocorram.
. Reafirma-se a abordagem feita em Dallabrida (; ). A referência à necessidade de 
inclusão no processo de governança territorial dos agentes estatais é importante, considerando 
que algumas abordagens regionalistas sobre o tema relativizam o papel do Estado, quase ad-
mitindo a existência de uma certa autodeterminação da sociedade. Críticas sobre este enfoque 
são feitas em Fernández e Dallabrida (), ressaltando o papel do Estado.
. Retoma-se a abordagem já feita inicialmente em Dallabrida (; ).
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
estão relacionados: à legitimidade do espaço público em constituição; à re-
partição do poder entre aqueles que governam e aqueles que são governados; 
aos processos de negociação entre os atores sociais (os procedimentos e as 
práticas, a gestão das interações e das interdependências que desembocam 
ou não em sistemas alternativos de regulação, o estabelecimento de redes e 
mecanismos de coordenação); e à descentralização da autoridade e das funções 
ligadas ao ato de governar⁹.
Boisier (), ao defender a construção do poder político local-regional 
como condição necessária para uma maior participação democrática dos 
cidadãos no destino de seu entorno espacial, seja o bairro, a cidade, a região 
ou o território, faz uma afirmação interessante: “não se mudam as coisas por 
voluntarismo, senão mediante o uso do poder” (p. ). O poder político que 
toda a região deve acumular reconhece ser de duas fontes: () a descentraliza-
ção, enquanto esta supõe a transferência de poder, e () a concertação social, 
enquanto esta supõe uma verdadeira criação de poder (a união faz a força). 
No entanto, sem grandes ilusões, afirma o autor: “o poder que se acumula na 
comunidade regional não é um poder para fazer uma revolução” (p. ). Só é 
suficiente para “modificações nos parâmetros do estilo de desenvolvimento, 
não nos parâmetros do sistema” (p. ).
Mesmo que se concorde com os limites do poder da sociedade organi-
zada territorialmente, este não é desprezível, o que vislumbra a possibilidade 
de uma gestão territorial societária (Dallabrida, ). Esta concepção não 
é resultante apenas da reflexão teórica: a observação e o acompanhamento 
de experiências empíricas a reforçam. As limitações do poder da sociedade 
organizada territorialmente originam-se também de outros dois fatos: () da 
impraticável autodeterminação da sociedade civil e, () do papel do Estado-
Nação, pois o Estado não morreu¹⁰.
Em síntese, a governança territorial pode ser percebida como uma instân-
cia institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível territorial. 
A sua prática pode incidir sobre três tipos de processos: () a definição de uma 
estratégia de desenvolvimento territorial e a implementação das condições 
necessárias para sua gestão, () a construção de consensos mínimos, através 
da instauração de diferentes formas de concertação social como exercício da 
ação coletiva e, por fim, () a construção de uma visão prospectiva de futuro. 
. Para uma síntese das diferentes concepções sobre governança, ver quadro em Milani e 
Solinís (, p. ).
. É uma alusão, provocativa, aos defensores do fim do Estado-Nação, como Ohmae (). 
No entanto, alerta-se: o Estado aqui defendido, certamente, não é o Estado que conhecemos 
usualmente.
Governança territorial e desenvolvimento · 
A necessidade de uma prática qualificada é um requisito indispensável no 
processo de governança territorial com vista ao desenvolvimento. A gestão 
do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público-privada, 
implica uma revalorização da sociedade, assumindo o papel de protagonista, 
com postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas 
estatais nas suas diferentes instâncias (Dallabrida, ; ).
O termo governança territorial passa a ter sentido assemelhado a outros 
termos, tais como gestão social e gestão territorial. A governança territorial 
articula-se com a gestão social na medida em que ambas compartilham a 
ideia da inserção da ação coletiva organizada na participação e decisão do 
destino dos rumos da sociedade.
Sob o ponto de vista, principalmente, da geografia, o termo gestão terri-
torial pode ser utilizado para se referir aos processos de tomada de decisão 
dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito 
espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios tendo em vista a definição 
de estratégias de desenvolvimento.
Outro termo, gestão do desenvolvimento, utilizado em alguns textos 
desta obra, também acaba tendo um significado próximo ao de governança 
territorial. Fica uma tarefa para o futuro: revisar a literatura, avaliando o uso 
de conceitos como governança territorial, gestão social, gestão territorial ou 
gestão do desenvolvimento, identificando a adequação do seu uso e/ou suas 
bases teóricas.
Concorda-se com Boisier (), quando ele defende a construção do 
poder político local-regional como condição necessária para uma maior 
participação democrática dos cidadãos no destino de seu entorno espacial, 
considera o processo de concertação social enquanto criação de poder e a 
descentralização como processo de transferência de poder. Entende-se que 
tudo isso está abarcado no sentido que aqui se atribui ao termo governança ter-
ritorial. Também se concorda com Milani e Solinís (), quando sintetizam 
as diversas acepções atribuídas ao termo governança: legitimidade do espaço 
público em constituição; repartição do poder entre aqueles que governam e 
aqueles que são governados; processos de negociação entre os atores sociais; 
descentralização da autoridade e das funções ligadas ao ato de governar.
O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido 
como um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade 
organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e 
ativos (genéricos e específicos, materiais e imateriais) existentes no local, com 
vistas à dinamização socioeconômica e a melhoria da qualidade de vida de 
sua população.
Assim, considerando as observações feitas acima, nada mais oportuno 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
que intitular esta obra, que trata de descentralização político-administrativa, 
estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais, 
com dois conceitos-chave: governança territorial e desenvolvimento.
Inicialmente, é fundamental que se ressalte que a reunião de um grupo 
tão seleto de especialistas do Brasil, Chile e Argentina para escrever um livro 
sobre governança territorial e desenvolvimento, tendo como foco central a 
temática da “descentralização político-administrativa” é um feito que precisa 
ser destacado, principalmente, por dois motivos: primeiro, pela importância 
acadêmica, social e política do tema; segundo, pela oportunidade de eviden-
ciar e socializar reflexões teóricas, caracterização e análises de experiências,na sua maioria resultante de investigações coordenadas por seus atores. No 
seu conjunto, as contribuições dos autores, conseguem evidenciar, além das 
fortalezas das experiências de descentralização político-administrativa rela-
tadas, seus principais desafios.
Assim, a primeira parte do livro assume um caráter, prioritariamente, de 
reflexão teórica sobre o tema em referência. No Capítulo , em Concepções 
teóricas que sustentam o debate sobre descentralização político-administrativa 
(Valdir Roque Dallabrida), é feita uma síntese das diferentes concepções teó-
ricas que originaram o debate sobre descentralização. Se analisada a essência 
e os propósitos originais de tais abordagens teóricas seria possível referir-se 
a certa “promessa não cumprida”, pois as expectativas indicadas contrastam 
com uma prática pífia e cheia de desafios. Ou seja, por conhecer algumas 
experiências brasileiras de descentralização, é possível afirmar que ainda há 
uma longa distância entre a teoria e a prática. O capítulo finaliza, alertando: 
analisando experiências de descentralização político-administrativa brasileiras, 
em especial as dos estados do Rio Grande do Sul () e Santa Catarina (), 
percebe-se que estão diante de um dilema, ou avançam rumo a um processo 
qualificado de democracia deliberativa e/ou participativa, ou entrarão rapi-
damente no descrédito social.
No Capítulo , intitulado Sociedade civil, participación, conocimiento y 
gestión territorial. Mirando por el retrovisor: la década de los años noventa y 
el proceso de redemocratización en América Latina, Sergio Boisier propõe-se 
a fazer uma retrospectiva sobre o processo de redemocratização na América 
Latina a partir dos anos . Refere-se a esta década como um marco histórico 
que aponta para um novo estilo de governar, onde se retomam os valores da 
democracia. Um dos propósitos do referido texto é aprofundar o entendi-
mento sobre a sociedade civil, ressaltando a importância da sua participação 
no processo de construção e gestão do desenvolvimento territorial na sua 
relação com o Estado. Ele finaliza o capítulo reafirmando os elementos de um 
paradigma cognitivo útil para a gestão e o desenvolvimento territorial. Ou 
Governança territorial e desenvolvimento · 
seja, a necessidade da acumulação de conhecimento que permita à sociedade 
elaborar sua estratégia de desenvolvimento, que Boisier prefere chamar de 
“projeto político regional” ou “projeto coletivo ou societal de futuro”.
No Capítulo , Descentralização político-administrativa, gestão social 
e participação cidadã, Fernando Guilherme Tenório afirma que, apesar de 
evidências pontuais, como são os casos dos conselhos municipais, dos orça-
mentos participativos e de outras inovações no compartilhamento de decisões, 
o estado da arte decisória no Brasil ainda carece de hábitos que estimulem 
o agir democratizante de uma sociedade deliberativa. No texto, ele procura 
demonstrar que descentralização e gestão social seriam conceitos convergentes 
na medida em que ambos propõem a democratização, por meio de processos 
decisórios, das relações político-administrativas. Assim, tangenciando o tema 
da descentralização, o foco de sua descrição é ressaltar a relação que este 
conceito tem com o de gestão social e o de participação cidadã. Para o autor, 
a gestão social espera que não só a transferência de recursos, mas também a 
decisão sobre sua aplicação, efetive a participação cidadã. A concessão por si 
só não basta. “Poder estar presente em todos os momentos de implementação 
de uma política pública é o mote central de processos decisórios participativos, 
de arranjos institucionais que consolidem a democracia deliberativa”, afirma 
o autor nas suas conclusões.
Divido com Viro José Zimmermann a escrita do Capítulo , Estruturas 
subnacionais de gestão do desenvolvimento: a possibilidade dos consórcios 
intermunicipais de desenvolvimento no Brasil. Retoma-se a abordagem dos 
consórcios intermunicipais de desenvolvimento, concebendo-os como insti-
tucionalidades de planejamento tático e operacional das ações de desenvolvi-
mento local e regional, articuladas em estruturas de governança territorial com 
o caráter de espaços de concertação público-privada. Situando-os no contexto 
do federalismo brasileiro e considerando se tratarem de experiências recentes, 
os consórcios são apresentados como um paradigma a ser construído. Sua 
relação com o tema descentralização está no fato de poderem vir a se instituir 
em estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento qualificadas, em que 
o Estado assume sua função no processo, permitindo à sociedade definir, em 
seus fóruns de concertação, as ações a serem operacionalizados.
Finaliza-se a primeira parte do livro com a contribuição de Carlos Antônio 
Brandão. Trata-se do Capítulo , Descentralização enquanto modo de ordena-
mento espacial do poder e de reescalonamento territorial do Estado: trajetória 
e desafios para o Brasil. Inicia registrando os diferentes significados atribuídos 
à expressão descentralização. Vejamos alguns deles: instrumento democrático 
de distribuição de autonomia; meio viabilizador de maior participação cidadã; 
mecanismo de transferência de atribuições e de delegação de tarefas capaz 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
de multiplicar as estruturas de poder, realizando a transferência espacial de 
decisões; redistribuição territorial de poder. Como considera a descentralização 
uma temática complexa, propõe-se, com suas reflexões, a contribuir para o que 
ele sugere ser entendido como “reescalonamento territorial do Estado”, tarefa 
difícil mas necessária no Brasil, admitindo, no entanto, exigir uma agenda 
coletiva e de longo prazo para sua implementação e evolução. Isso, pois, para 
o autor, “discutir tal reescalonamento estatal e da estatalidade pode contribuir 
para a formulação de estratégias territorializadas de desenvolvimento mais 
consistentes e efetivas”. E acrescenta: “Essas estratégias, para sua adequada 
consecução, exigem uma abordagem das diversas escalas espaciais que se 
articulam no território em que se quer promover determinado processo de 
desenvolvimento”. Nesse sentido, afirma Brandão: “é imprescindível buscar 
construir estratégias multiescalares, governança multinível e pactos territoriais 
de desenvolvimento”. O autor faz algumas considerações sobre o processo 
de descentralização e o pacto federativo brasileiro, para, no final, debater a 
questão do “reescalonamento do Estado” e a necessidade de instituição de 
“novos arranjos institucionais e pactos”.
A segunda parte do livro dedica-se à caracterização, análise e avaliação 
da experiência de descentralização político-administrativa de dois estados 
brasileiros: Santa Catarina () e Rio Grande do Sul (). Inicia com o Capítulo 
, A reinvenção da relação Estado-sociedade através da gestão pública descen-
tralizada: uma análise da descentralização política em Santa Catarina, Brasil, 
escrito pelos professores Oscar José Rover e Eros Marion Mussoi. Lembram 
os autores inicialmente que os primeiros passos da descentralização brasileira 
recente ocorreram através de processos de municipalização. Apesar disso, os 
processos de descentralização, a partir da Constituição de , passaram a 
se focar em escalas microrregionais, afirmando que as iniciativas municipa-
lizadas, mesmo que bem-intencionadas, se mostraram restritas em produzir 
resultados desejados pela população. Apresentam os autores a experiência 
catarinense como um caso de descentralização da estrutura administrativa na 
busca da ampliação da participação social na gestão pública, referindo-se em 
especial ao caso das Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs) e dos 
Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado (). Os autores focam a 
descentralização como processo de potencialização do ativo socialna gestão 
pública, com uma dimensão pedagógica, fazendo várias considerações ava-
liativas sobre o caso das SDRs. Concluem com uma afirmação fundamental 
a ser considerada no caso das SDRs e nos demais processos de descentrali-
zação: a cultura política nacional ainda existente, com vícios históricos como 
o patrimonialismo e os procedimentos clientelistas no trato da coisa pública, 
Governança territorial e desenvolvimento · 
potencializa as forças tradicionais dominantes dos territórios, em detrimentos 
de processos qualificados de descentralização.
O Capítulo , Participação cívica no processo de descentralização do de-
senvolvimento regional: a atuação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional 
no Estado de Santa Catarina, é uma colaboração das professoras Eliane Salete 
Filippim e Adriana Marques Rossetto, além da bolsista Késya Margarida Hack. 
As autoras iniciam afirmando que apesar dos avanços alcançados no Estado 
de Santa Catarina em termos de articulação para o desenvolvimento, ainda 
predomina, neste território, uma cultura centralista na formulação e gestão 
de políticas públicas para o desenvolvimento regional. No entanto, uma das 
possibilidades de superação do centralismo governamental é a efetiva par-
ticipação da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento Regional 
(CDRs). O texto resulta de pesquisa realizada entre  e . Observou-se, 
para a pesquisa, o ambiente dos CDRs distribuídos pelo estado, com desta-
que para a ª Secretaria, da região de Joaçaba. Os resultados apontam para a 
necessidade de investimentos constantes e sistemáticos na capacitação tanto 
dos conselheiros quanto do próprio processo de descentralização em Santa 
Catarina, com vistas a fomentar e efetivar um projeto de desenvolvimento 
regional que de fato seja intensivo na participação e responsabilização da 
sociedade civil. Concluem defendendo o pressuposto de que a participação é a 
principal maneira de expandir os ideais de descentralização, no entanto, falta, 
ainda, à sociedade civil, tanto da região analisada como das demais regiões de 
Santa Catarina, ascender aos meios efetivos de uma participação qualificada.
O Capítulo , Promessas não cumpridas, mas propósitos logrados: a lógica 
concentradora da política de descentralização em Santa Catarina, de Ivo Marcos 
|eis, dá continuidade à abordagem da experiência de descentralização no 
Estado de Santa Catarina, de  a . Refere-se à experiência das SDRs 
em Santa Catarina como “estruturas governamentais geograficamente des-
centralizadas”. O objetivo do texto é examinar essa política da perspectiva 
de seus resultados. A partir de evidências, como estudos realizados sobre as 
SDRs de São Joaquim e Rio do Sul, afirma que a política de descentralização 
no Estado de Santa Catarina, não produziu os efeitos anunciados, a descen-
tralização. Mas, as SDRs contribuíram para o fortalecimento do bloco de 
poder político constituído no governo de Luiz Henrique da Silveira, que lhe 
conferiria condições invejáveis para o exercício de seus dois mandatos, sua 
eleição como Senador, além de fazer seu sucessor, o governador Colombo 
(-). A esses resultados propõe chamar de “lógica concentradora da 
política de descentralização” que teve lugar em Santa Catarina no período.
Com o Capítulo , A trajetória do planejamento governamental no Rio 
Grande do Sul: dos primórdios aos Coredes, escrito pelos professores Dieter 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
Rugard Siedenberg, Pedro Luís Büttenbender e Sérgio Luís Allebrandt, da 
Unijuí (), começa a se fazer referência à experiência de descentralização 
político-administrativa do Rio Grande do Sul, que terá continuidade em outros 
capítulos. Como o próprio título sugere, o texto está focado nos processos 
de planejamento governamental para o desenvolvimento, no caso, do Estado 
do Rio Grande do Sul. Fazendo um retrospecto histórico das experiências de 
planejamento do desenvolvimento no Brasil, mas de modo especial no Rio 
Grande do Sul, os autores chegam ao início da década de , registrando a 
criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Mencionam 
a experiência da implantação dos Conselhos Populares na administração de 
Alceu Collares na Prefeitura de Porto Alegre, no período de  a , como 
fato que foi dando corpo à ideia da criação de conselhos regionais de desen-
volvimento do Rio Grande do Sul. É no contexto destes fatos e mudanças que 
a Assembleia Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul aponta que se cria 
as condições para a regionalização e descentralização da ação governamental, 
prevendo que a definição das diretrizes globais, regionais e setoriais da política 
de desenvolvimento caberia a órgão específico, com representação paritária 
do governo do estado e da sociedade civil. Os Coredes passam a se constituir 
na institucionalidade que assume esta função, prevista na Constituinte do 
Rio Grande do Sul.
A caracterização da experiência gaúcha de descentralização continua 
no Capítulo , Uma experiência de institucionalização de regiões no Brasil: 
os Coredes do Rio Grande do Sul, escrito por Pedro Silveira Bandeira. O texto 
apresenta os Coredes como uma experiência brasileira contemporânea de 
institucionalização de nova escala territorial para a gestão pública, interme-
diária entre o estado e o município, que tem como objetivo articular atores 
políticos, econômicos e sociais para promover a sua participação em atividades 
relacionadas com a promoção do desenvolvimento regional. Com vinte anos 
de existência (, se considerado o ano em que foram criados os primeiros 
conselhos regionais, a ), reitera o autor que, embora sua atuação ainda 
enfrente vários tipos de dificuldades, os Coredes conseguiram ocupar uma 
posição relevante no quadro institucional do Estado, podendo ser considerados 
uma das mais bem-sucedidas experiências desse gênero no país.
Com o título A experiência dos Coredes no Rio Grande do Sul: uma análise 
à luz da gestão social e da cidadania deliberativa, de Sérgio Luís Allebrandt 
e Dieter Rugard Siedenberg, compõem o Capítulo . Retomam a temática 
da democracia deliberativa, já referida no Capítulo , no entanto, com o foco 
na análise da experiência dos Coredes. Propõem-se no texto a fazer uma 
análise de aspectos da organização e do funcionamento dos Coredes, à luz 
de uma matriz de categorias e subcategorias, construídas a partir de diversos 
Governança territorial e desenvolvimento · 
modelos. Iniciam os autores lembrando que a participação da sociedade civil 
na gestão pública ainda é recente no Brasil. O processo de redemocratização 
a partir da década de  caracterizou-se, no plano político, não apenas 
pela consolidação do sistema democrático-representativo, mas também pela 
institucionalização de um conjunto de instrumentos legais incorporados na 
Constituição Federal de , nas constituições estaduais e nas leis orgânicas 
municipais, possibilitando a instituição de dinâmicas, arranjos e mecanismos 
participativos na gestão das políticas públicas, citando como exemplos os 
Coredes, os Fóruns de Desenvolvimento de Santa Catarina da década de  
a . Os autores registram que raras são as experiências que procuraram 
transferir para o âmbito supramunicipal e estadual dinâmicas de inserção 
direta e participação da sociedade no processo de discussão e promoção do 
desenvolvimento e das decisões sobre as políticas públicas. São mais raras 
ainda, experiências de âmbito regional/estadual que sobreviveu a diferentes 
governos estaduais. Nesse sentido, os Coredes, apesar das dificuldades de 
toda ordem, sobreviveram a seis administrações estaduais coordenadas por 
diferentes partidos e coligações partidárias, mantendo sua independência e 
autonomia em relação a partidos políticos e ideologias programáticas dos 
governos. Finalizamdizendo: “A democracia é uma construção. Coredes 
e Comudes constituem-se numa nova forma de praticar a democracia. Os 
Coredes e Comudes constituem-se em processos de cidadania deliberativa 
que vêm produzindo mudanças, ainda que lentamente, na perspectiva pública 
dos indivíduos, na cultura da sociedade civil, na postura e modo de agir da 
sociedade política e no modus operandi da máquina burocrática e dos governos. 
Mas esse é um processo de mudança em longo prazo, para o qual é necessária 
uma prática contínua e não episódica e pontual”.
O Capítulo , O contexto dos planos de desenvolvimento para o Rio Grande 
do Sul e do planejamento estratégico para os Coredes, dos professores Dieter 
Rugard Siedenberg, Sérgio Luís Allebrandt e Pedro Luís Büttenbender, aborda 
aspectos da trajetória do processo de planejamento do desenvolvimento, em 
suas relações com a alocação de recursos públicos por meio dos orçamentos 
estaduais para o atendimento das demandas prioritárias das diversas regiões. 
Destacam os autores a caminhada dos Coredes e suas inter-relações com as 
diferentes dinâmicas dos diversos governos estaduais, dando destaque ao pe-
ríodo recente – - –, com a concretização de uma meta histórica dos 
Coredes, qual seja a elaboração dos planos estratégicos de desenvolvimento 
das diferentes regiões gaúchas, apresentando a metodologia adotada para o 
processo de planejamento. Finalizam, apontando os aspectos positivos desse 
processo e os desafios e limites para avançar na sua qualificação, reafirmando 
que a persistência do movimento dos Coredes na perseguição do processo de 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
promoção do desenvolvimento das regiões e do estado deve ser reconhecida 
como um dos principais indutores de novas visões por parte dos políticos e 
de inovações na máquina pública estatal do Rio Grande do Sul.
O Capítulo , Coredes: estruturação, articulações intra e inter-regionais, 
referenciais estratégicos e considerações críticas, é mais uma colaboração dos 
professores Pedro, Dieter e Sérgio, da Unijuí. Iniciam os autores afirmando 
que a definição das políticas públicas de desenvolvimento, das estruturas 
de governança regional [ou estruturas subnacionais de gestão do desenvol-
vimento] e dos processos de planejamento e gestão requer o envolvimento 
do governo e da sociedade civil, atuando em diferentes espaços de organi-
zação social através de diversos instrumentos e mecanismos de participação. 
Centram o foco na experiência e trajetória dos Coredes, reafirmando que ela 
se configura como uma estratégia pioneira de organização regional no Brasil, 
instituída no início da década de  e tendo continuidade até hoje, onde a 
estrutura institucional, os mecanismos de participação social, as formas de 
encaminhamento das demandas regionais, o amadurecimento dos processos 
e relações entre governo e sociedade foram sendo aperfeiçoados ao longo do 
tempo. O objetivo dos autores com o capítulo é o de sintetizar os principais 
aspectos relacionados à gênese, estrutura, trajetória, forma de funcionamento 
e articulação dos Coredes, visando subsidiar uma análise crítica da sua atu-
ação, bem como, apontar melhorias e potencialidades capazes de qualificar 
e consolidar a experiência gaúcha. Na avaliação crítica, apontam a prática 
de alguns desvios em suas atribuições legais e históricas, exigindo avanços, 
principalmente em algumas regiões onde o respaldo de instituições de ensino 
superior, com o aporte do seu respectivo quadro técnico, não se faz muito 
presente. Isso também pode ser decorrente, segundo a análise dos autores, 
do jogo das forças e corporações que atuam regionalmente nos processos 
de participação popular. Além disso, estão presentes alguns desafios a serem 
superados: necessidade de compatibilização de questões de regionalidade; 
necessidade das lideranças melhorarem sua capacidade de gerenciar con-
flitos e interesses políticos, institucionais, sociais e corporativos emergentes, 
articulando-os com as potencialidades e oportunidades que se oferecem em 
seu território; não uniformidade de concepções de desenvolvimento o que 
implica em diferenciação de posicionamento das lideranças ao pautarem suas 
ações; desigual força de pressão das representações corporativas e populares, 
refletindo no momento de definir projetos que venham receber recursos do 
orçamento estadual, com o consequente prejuízo de interesses coletivos ou 
projetos estruturantes; a prática do achismo das lideranças na definição de 
projetos estruturantes, muitas vezes se contrapondo aos estudos técnicos; 
necessidade de avanços no aprendizado que a sociedade gaúcha ainda precisa 
Governança territorial e desenvolvimento · 
fazer em relação à participação popular e ao exercício da cidadania; presença, 
ainda, de elevada dose de empirismo e amadorismo nos processos de plane-
jamento, ou seja, suas atividades são muito mais fruto de um constante ajuste 
aos interesses políticos emergentes ou dominantes; necessidade das estratégias 
propostas estarem mais focadas em ações e/ou projetos estruturantes, supe-
rando a prática de demandas setoriais e de forte caráter corporativo. Apesar 
dos desafios apontados pelos autores, os quais têm uma inserção histórica 
no processo, partilham posicionamento referido aqui por outros autores, a 
respeito do reconhecimento dos Coredes como uma experiência pioneira e 
emergente, em permanente processo de aprimoramento e de transformação.
O Capítulo , Gestão territorial e desenvolvimento: descentralização, estru-
turas subnacionais de gestão do desenvolvimento, capacidades estatais e escalas 
espaciais da ação pública, mais uma contribuição minha, apresenta o resultado 
de um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade do Contestado 
(UnC) entre  e , que se propôs a investigar a inter-relação entre a 
descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, 
as capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua 
interferência no processo de desenvolvimento regional do Estado de Santa 
Catarina. Compreendeu entrevistas com questões abertas atingindo infor-
mantes qualificados envolvidos nos processos de descentralização, além de 
seções de grupo focal e análise documental. Na discussão conceitual, utiliza-se 
o termo gestão territorial para referir-se aos processos de tomada de decisão 
dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito 
espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios, com vistas à definição de 
estratégias de desenvolvimento. Já o termo estruturas subnacionais de gestão 
do desenvolvimento é introduzido para referir-se às diferentes estruturas ins-
titucionais envolvidas no processo de gestão do desenvolvimento, tais como 
fóruns, conselhos, secretarias, agências e consórcios de desenvolvimento. A 
partir de vários autores, o Estado é concebido como ator principal na regulação 
e controle dos processos econômicos e sociais que ocorrem territorialmente, 
destacando também o desafio de que o mesmo assuma o papel de estabelecer 
uma comunicação estratégica com os atores territoriais, com o fim de definir 
a inserção dos territórios no processo de globalização. Como resultado da 
pesquisa, o texto traz interessantes considerações sobre a experiência de 
Santa Catarina, centrando-as em três aspectos: os vínculos entre o Estado e 
os diversos atores com recursos de poder nas diferentes fases do processo de 
descentralização; as principais modificações do Estado e suas capacidades 
no período analisado; a questão da escala espacial nos diferentes processos 
de planejamento e gestão do desenvolvimento. Pela análise das entrevistas, é 
possível concluir que ao prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
do desenvolvimento, o problemanão se resolve com a montagem de estru-
turas físicas de governo, como no caso das Secretarias de Desenvolvimento 
catarinenses. Com processos deste tipo, os setores dos governos criam suas 
regionalizações, não coincidindo com recortes territoriais históricos, ou se 
sobrepondo, reproduzindo práticas políticas clientelistas ou fisiologistas, com 
medo de dividir poder. Paralelamente, de parte da sociedade regional, existe 
o corporativismo setorial, os bairrismos regionais, seus interesses individu-
alizados localmente, sem uma visão integrada de região, macrorregião, país. 
É o desafio percebido na realidade catarinense, presente também em outras 
experiências de descentralização. Finaliza, assumindo o desafio de apontar 
possíveis parâmetros organizacionais de estruturas subnacionais de gestão 
do desenvolvimento que poderiam ser contempladas nos processos de des-
centralização político-administrativa.
A segunda parte deste livro é finalizada com o Capítulo , A experiência 
de descentralização político-administrativa dos estados de Santa Catarina e Rio 
Grande do Sul: concepções, percepções e síntese avaliativa, texto que elaboro em 
parceria com dois colegas, Pedro Luís Büttenbender e Walter Marcos Knaesel 
Birkner. Como epígrafe do capítulo, um texto de Sergio Boisier, que entende-
mos define o grande desafio das experiências analisadas. “A descentralização 
pode ser criada por decreto ou pela lei, em seus aspectos formais, no entanto, 
não é possível tirar da cabeça das pessoas o centralismo mediante idêntico 
mecanismo. Existe, pois, uma grande assimetria entre ambos (descentraliza-
ção e centralismo) desde o ponto de vista de sua construção/desconstrução”. 
No seu conjunto, o texto propõe-se sintetizar de uma forma esquemática as 
principais análises feitas sobre as experiências de descentralização político-
-administrativa dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tomando 
por base obras publicadas nos últimos oito anos. Tais obras resultam de inves-
tigações realizadas por pesquisadores de diversas universidades brasileiras. O 
objetivo é destacar as diferentes percepções sobre o tema, seja das lideranças 
entrevistadas, ou dos autores de estudos realizados. Tem-se como propósito 
que estas análises possam servir de referenciais para uma avaliação das expe-
riências de descentralização político-administrativa, do Brasil e mesmo dos 
demais países da América Latina. Conclui-se afirmando que as experiências de 
descentralização só tenderão a avançar na medida em que no interior de cada 
processo de desenvolvimento a qualidade for revelada e conquistada através 
da crescente organização e participação da população, além da qualificação 
de suas instâncias de representação, nos processos decisórios relacionados à 
dinâmica do planejamento e gestão do desenvolvimento. Permanecem muitas 
interrogações, dentre as quais: como conciliar a democracia representativa 
com a democracia participativa, como arranjo institucional que amplia a 
Governança territorial e desenvolvimento · 
democracia política? Como conciliar interesses e particularidades micror-
regionais, de ordem política, econômica e cultural, conflitos particulares das 
microrregiões, aos objetivos maiores da descentralização e à potencialização 
do desenvolvimento regional? As experiências de descentralização referidas, 
quais aspectos poderiam servir de referência para outras experiências, quais 
as perspectivas futuras, quais avanços, para quais expectativas? São questões 
que instigam a continuidade da investigação e debate sobre o tema.
O Capítulo , um texto do professor paraense Eduardo José Monteiro da 
Costa, Planejamento territorial, gestão de políticas públicas e descentralização 
regional: a experiência do Estado do Pará, inicia a terceira e última parte do livro, 
que se refere a outras experiências brasileiras, além do Chile e da Argentina. O 
texto inicia com algumas reflexões conceituais, dentre as quais, a de território, 
concebido pelo autor como um “espaço construído social e historicamente por 
meio da cultura, das instituições micro e meso-regionais e da política”, como 
“um espaço de disputa de poder”. Por isso, segundo o autor, “Cada território 
dá origem a formas específicas de organizações e instituições que lhe são 
peculiares e que hão de incentivar ou coibir o seu desenvolvimento”. Ainda: 
“o desenvolvimento… é sempre promovido por agentes de uma sociedade 
que tem uma cultura, formas e mecanismos próprios de organização”. Logo, 
“o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo em grande medida 
expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social, no qual 
os interesses individuais ou externos acabam prevalecendo”. Para arrematar, 
afirma: “sua superação somente pode ser concebida no quadro de um projeto 
político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado como centro de 
decisão válido, capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses 
regionais e nacionais coletivos”. Desculpas ao autor e aos leitores, por estar 
citando partes do texto. Tem um propósito especial: primeiro, comungo em 
boa parte com o que está escrito; segundo, serve de indicativo para reflexão, 
quando nos deparamos com os desafios de outras experiências. No mais, o 
texto faz uma caracterização do espaço de intervenção territorial do Estado do 
Pará, no período de -, como propósito de se constituir num processo 
de planejamento territorial participativo. Contempla um conjunto de instru-
mentos de Política de integração regional do Estado do Pará, com propósitos 
bem definidos e inovadores. Infelizmente, como reconhece o autor, o que se 
observou na experiência paraense, é que “os quadros do governo estadual e 
das prefeituras municipais ainda não estavam preparados e qualificados para 
a implementação de um processo de planejamento com participação popular”. 
Afirma ainda que “o planejamento territorial necessita de uma sociedade es-
clarecida, amadurecida e possuidora de uma institucionalidade adequada. A 
cultura, o capital social e a capacidade de governança são elementos decisivos”. 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
Concordemos totalmente, em parte, ou não, com isso, é importante reafirmar 
que tais questões não explicam apenas certo insucesso da proposta de plane-
jamento territorial participativo do Pará. É um desafio universal para todas 
as experiências, diferindo apenas na sua intensidade.
No Capítulo , Escalas urbana e regional: discursos e práticas de descen-
tralização no Paraná (-), |aís Kornin e Rosa Moura apresentam uma 
reflexão acerca do processo de planejamento e formulação de políticas nas 
escalas urbana e regional no Paraná, enfocando o período dos dois últimos 
governos estaduais – /. Corresponde às administrações estaduais de 
Lerner e Requião, que, por se fundamentarem em visões ideológicas antagô-
nicas, apresentam discursos e práticas diferenciados no âmbito da governança 
e na definição de estratégias de desenvolvimento. No entanto, enquanto 
Lerner, por vias da adoção do receituário neoliberal, cristaliza o quadro de 
extrema concentração dos aportes financeiros e técnicos nos espaços mais 
dinâmicos do estado, Requião, apesar da intenção descentralizadora, não 
reverte o quadro, historicamente construído, de uma configuração territorial 
que contrapõe espacialidades concentradoras e desiguais. As autoras fazem 
um resgate histórico do processo de organização do território paranaense, 
considerando as diferentes formas de intervenção do Governo do Estado no 
território. Afirmam que historicamente não houve um planejamento urbano 
e regional em seu sentido abrangente, pois mesmo que em alguns momen-
tos a ação do Estado estivesse voltada à elaboração de planos regionais de 
desenvolvimento, este exerceu mais o papel de dar suporte às exigências do 
capital. No governode Lerner, destacam o papel exercido pelas Associações 
de Municípios (AMs). Mesmo assim questionam se estas estariam habilitadas 
a instituírem como os arranjos institucionais recomendados para assumir o 
papel de gestoras de projetos governamentais. Já no governo de Requião foi 
instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Urbano e Regional, como 
um sistema de planejamento urbano e regional permanente. Para a finali-
dade específica do desenvolvimento regional foi criada a Coordenadoria 
das Regiões Metropolitanas, Microrregiões e Conselhos das Cidades. Ao 
mesmo tempo, a Secretaria de Estado do Planejamento divulgou a Política de 
Desenvolvimento do Estado, em , priorizando as regiões com menores 
índices de desenvolvimento humano, respeitando os limites fiscais das contas 
públicas. A avaliação das autoras é que esta política se resumiu a um plano de 
definição orçamentária e distribuição regional dos investimentos estaduais, 
nesse sentido não podendo ser considerada uma política de desenvolvimento. 
Em geral, apesar do importante papel assumido historicamente pelas AMs, 
as autoras consideram que estas não se configuram ainda em instâncias com 
capacidade jurídico-institucional, nem condições técnicas de assumir o papel 
Governança territorial e desenvolvimento · 
de gestoras do desenvolvimento. Somadas às AMs, no âmbito das iniciativas 
da sociedade civil organizada, destacam-se as Agências de Desenvolvimento 
Regional, que se constituem em um arranjo institucional de caráter territorial e 
operacional, com a proposta precípua de atuar no sentido de realizar a gestão do 
desenvolvimento. No entanto, essa concepção se contrapõe à visão tradicional 
de planejamento, na qual o protagonismo do Estado é determinante. Assim, 
concluem, no Paraná, a ausência de uma ação planejada e implementada por 
um Estado forte, de forma participativa, dá margem a que os interesses do 
capital privilegiem segmentos e municípios mais capacitados. A descentrali-
zação político-administrativa ainda é um grande desafio, também no Paraná, 
pois nem associações de municípios, nem agências de desenvolvimento, se 
mostram como as instâncias mais adequadas para assumir o papel de gestoras 
do desenvolvimento.
O Capítulo , Federalismo e associativismo territorial em regiões pobres 
do país: o caso do Codessul, é uma contribuição de Catarina Ianni Segatto e 
Fernando Luiz Abrucio. Iniciam afirmando que o associativismo territorial, 
como o caso dos consórcios, é um fenômeno cada vez mais importante na 
federação brasileira. Ele tem sido disseminado em razão, principalmente, dos 
limites da descentralização e da reduzida capacidade financeira e institucional 
de grande parte dos municípios. Para discutir este problema, o capítulo trata 
do caso do Consórcio de Desenvolvimento da Região do Sertão Central Sul 
(Codessul). Esta experiência foi escolhida em razão de abarcar governos locais 
marcados pela fragilidade econômica e institucional. A análise feita pelo texto 
ressalta, ao mesmo tempo, os limites e as possibilidades do municipalismo 
e do intermunicipalismo em regiões mais carentes do país, o que permitiu 
uma maior compreensão do papel dos atores e das instituições na constru-
ção e durabilidade dos consórcios em regiões marcadas pela desigualdade e 
fragilidade institucional.
Com o texto Política y Territorio en Argentina, Oscar Madoery dá sua co-
laboração a esta obra, com o Capítulo . Registra inicialmente que a Argentina, 
recuperou desde  um padrão institucional democrático e desde  está 
aprofundando um modelo de crescimento econômico com inclusão social, 
propondo-se a um processo de configuração de uma nova matriz de políticas 
territoriais, baseada num novo equilíbrio entre as esferas nacional, provincial e 
municipal de governo. No entanto, segundo o autor, para superar os postulados 
neoliberais predominantes nas últimas décadas do século , se requer que 
as políticas territoriais interfiram no fortalecimento institucional e na gestão 
da esfera central do Estado, além do aumento real das capacidades das esferas 
subnacionais. Para o autor, a Argentina necessita uma reconstrução territorial 
e uma institucionalização do equilíbrio de poder, enquanto atribuições entre 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
as esferas de governo. No texto faz um retrospecto procurando caracterizar 
um histórico processo de desenvolvimento territorialmente fragmentado, a 
problemática relação Nação-províncias-municípios com o desvirtuamento de 
seus papéis, especialmente no período neoliberal, com suas consequências, no 
entanto, apresentando novas perspectivas, a partir de , com o que chama 
de um novo projeto de desenvolvimento nacional. Dentre os propósitos destas 
novas políticas de desenvolvimento, destaca-se a recuperação econômica, com 
forte impacto social e no emprego, resultando num novo regime de acumula-
ção produtiva com inclusão social. O autor dá destaque especial à experiência 
dos Acordos Territoriais de Emprego, da província de Rosário, ressaltando 
o enfoque territorial das políticas de desenvolvimento. O exemplo, segundo 
Madoery, demonstra que quando se ampliam as responsabilidades de decisão 
e gestão por parte dos atores territoriais, se induz a uma maior participação e 
se produz a “ativação de energias sociais” que fortalece as políticas e amplia o 
campo de possibilidades. Em que resultam estas práticas? Madoery responde: 
“A articulação e coordenação de políticas socioeconômicas é um processo 
político complexo, atravessado por tensões sociais, protagonizado por pessoas 
com interesses próprios, por sujeitos situados, por instituições com missões e 
valores pré-definidos. É uma prática que aspira a provocar sinergia de ações 
em temas estratégicos”. Sinergia, entendida como “cooperação, concurso 
ativo e concertado de vários órgãos para realizar uma função”. Eis o desafio 
da prática da descentralização! Finaliza, reafirmando, como o fazem outros 
autores nesta obra, que está claro que não há desenvolvimento sem um Estado 
qualificado e forte em todos seus níveis (nacional, estadual e municipal). No 
caso da Argentina, considera isso o grande desafio futuro, o que parece não 
seria equivocado universalizar a afirmação para toda a América Latina.
O Capítulo , Descentralización desde la región: experiencias y necesida-
des cognitivas estratégicas en Chile, de Patricio Vergara Rojas e Myrtis Arrais 
de Souza, Tarapacá-Chile. O texto se concentra no relato e caracterização de 
uma experiência inédita no Chile, a proposta de um pacto territorial para a 
descentralização de e para Tarapacá, uma região do norte chileno. Resulta do 
Programa Tarapacá: Región piloto de descentralización en Chile, desenvolvido 
com o envolvimento dos autores, com apoio do Gobierno Regional de Tarapacá 
e da Red Dete-/Cordunap. Tal programa foi pensado há mais tempo e 
desenvolvido nos últimos anos, com a aprovação do seu conselho gestor em 
meados de . Trata-se de um processo direcionado ao desenvolvimento 
duradouro da região e o aprofundamento da democracia, tendo como foco 
o fomento produtivo e a atração e retenção de capital humano qualificado, 
entendendo tais formas de descentralização como condição para oportuni-
zar o desenvolvimento regional. A região em referência apresenta intenso 
Governança territorial e desenvolvimento · 
crescimento demográfico e imigração estrangeira, que enfrenta o desafio de 
aproveitar o ciclo de crescimento da exploração de recursos minerais, para 
construir uma plataforma de sustentabilidade econômica para a região. Para 
tal há a compreensão da urgência e relevância da necessidade de melhorar 
a sinergia cognitiva regional, pois sem uma massa crítica de inteligência 
estratégica regional, a descentralização se fragiliza e seus benefícios econô-
micos e políticos se diluem. Já sepercebe no cenário atual, em função do 
forte crescimento econômico, alterações socioterritoriais, com a evidência 
de conflitos e redução da coesão social. A proposta para o enfrentamento de 
tais condições, relatada no texto dos autores, é a estruturação de um Centro 
de Pensamento Estratégico Territorial (Cepet), o que se trata de instituição 
geradora, processadora e difusora de conhecimento estratégico territorial que 
tem como principal característica sua orientação de apoio à política pública 
territorial e à formação de agentes de desenvolvimento regional, sustentado 
no paradigma político de governança e com enfoque no desenvolvimento 
endógeno. A expectativa é que este centro possa contribuir na articulação de 
agentes e na construção de um projeto político regional capaz de conciliar os 
interesses regionais em jogo. O texto centra-se ainda na análise da descentra-
lização chilena, fazendo um retrospecto histórico e apontando seus desafios, 
convergindo com outros autores na ideia de que tais processos ocorrem numa 
“sociedade de elites”, entendendo a descentralização como instrumento da 
democracia e do desenvolvimento, que não pode ser uma política nacional de 
cunho centralista. Estou me convencendo de que institucionalidades como os 
Cepet, semelhantes ao que é proposto no texto, representam algo que precisa 
ser considerado nas experiências de descentralização brasileiras.
Considerando sua consistência e amplitude no debate do tema em questão, 
nada melhor do que finalizar esta obra com mais uma contribuição de Sergio 
Boisier. Trata-se do Capítulo , Descentralización en un Estado unitário: la 
doctrina (oculta) de la descentralización chilena, que retoma a experiência 
histórica de descentralização no Chile. Nele, Boisier dá uma atenção espe-
cial à análise da Lei Orgânica Constitucional de Governo e Administração 
Regional (Locgar), de , do governo nacional chileno, considerada por 
muitos como a mais profunda reforma de Estado efetuada no século , já que 
não se trata somente de uma reforma procedimental, mas também estrutural. 
Quase  anos depois, faz uma avaliação de suas potencialidades e limitações, 
referindo-se à mesma como “doutrina oculta”, utilizando a famosa frase de 
Gregory Bateson – El nombre no es la cosa nombrada ni el mapa el territorio 
–, para referir-se aos seus resultados. Afirma o autor que, mesmo que fossem 
resolvidas as questões de caráter técnico, que tem a ver com a epistemologia 
e a metodologia do desenvolvimento, ficariam perguntas sem resposta: de 
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
que servirá ter nas regiões um aparato institucional bem desenhado para 
“fazer governo subnacional” efetivamente, se não se sabe claramente em que 
consiste isso, numa “sociedade do conhecimento”? De que servirá a estrutu-
ra organizacional governamental nas regiões, se ocupa-se apenas em “fazer 
mais do mesmo”? “Fazer mais do mesmo, pode resultar na marginalização 
de uma proporção exponencialmente crescente da população dos beneficios 
do desenvolvimento”. Estas são questões que Boisier, com sua experiência 
de mestre, propõe-se discutir no texto. Inicia por uma rápida retrospectiva 
sobre a aplicação da Locgar, referindo-se a ela como uma versão refinada da 
ambivalente cultura nacional chilena, profundamente centralista. Reafirma: 
“a cultura não se muda mediante uma lei e o que se faz no Chile, para deixar 
a todos satisfeitos, é dar um nome, a algo, a processos, a decisões, nome que 
sugere um ideal totalmente distinto da realidade”. Avaliemos: o que dizer do 
que se faz nos demais países da América Latina? Certamente, a leitura deste 
e dos demais capítulos deste livro mostrará que esta questão está presente, e 
apresenta-se como grande desafio a ser superado, nas experiências analisadas 
de descentralização. Para Boisier, é preciso reconhecer que os textos legais 
“não permitem fazer governo nas regiões”, se por governo se entende a função 
executiva e política. Em boa parte, finaliza Boisier, o processo descentralizador 
chileno, tem um fundo doutrinário oculto, que não tem interesse em que seja 
explícito: “la administración se descentraliza, el poder jamás” ! “A questão está 
em que esta doutrina é muito pouco democrática” ! Ou seja, descentraliza-se 
estruturas, não o poder de decisão. Só no Chile acontece isso?
Finalmente cabe aqui o reconhecimento da consistência teórica dos 
textos apresentados no presente livro. Coube a mim, além de minha singela 
contribuição, fazer a provocação inicial e criar as condições operacionais e 
financeiras para a construção da obra, além de articular o grupo, estimulá-lo 
no cumprimento dos prazos e fazer a formatação e a organização dos capítulos. 
Muito obrigado a todos, e meus parabéns pela contribuição individual para 
a qualidade geral da presente obra.
Além do que já foi dito nesta introdução, parece-me de fundamental 
importância que se registre, ainda, alguns aspectos que marcaram o processo 
de construção desta obra. Refiro-me à proposta de que, ao longo do período 
de elaboração dos textos que compuseram os artigos, o grupo dos autores 
pudesse se encontrar e fazer uma discussão, perguntando-se, mutuamente: 
e daí, considerando as fortalezas e deficiências, os principais desafios, as expe-
riências de descentralização do Brasil e da América Latina, quais as perspecti-
vas destas e que avanços são necessários? Considero que esta expectativa foi 
atendida apenas em parte. O motivo principal foi a dificuldade de acertar 
uma agenda comum para um grupo significativo de autores. Por outro lado, 
Governança territorial e desenvolvimento · 
tem-se o reconhecimento de que o tema, pela sua complexidade, ainda exige 
mais investigação e reflexão, tanto na academia quanto nas instâncias estatais 
e no meio social.
Mesmo assim, conseguimos nos encontrar em duas oportunidades e com 
parte do grupo. A primeira oportunidade foi no dia  de abril de , em 
Itapema (), quando, aproveitando uma viagem à UnC do professor Sergio 
Boisier, se reuniram Pedro Büttenbender, Walter Birkner e Eliane Filippim. 
Na segunda oportunidade, foi por ocasião do Encontro da Anpur, no Rio de 
Janeiro, no dia  de maio, onde estiveram presentes Eduardo Costa, Walter 
Birkner, Carlos Antônio Brandão e Ivo |eis. Dos dois encontros, o mais 
profícuo foi o primeiro, até por se dispor de mais tempo.
Não se propõe registrar aqui todo o debate. Apenas, contemplam-se 
alguns dos questionamentos ou conclusões resultantes dos dois encontros, 
principalmente o de Itapema, centrando-se nas que tragam contribuições 
novas ao debate.
Uma questão evidenciada nos debates, lembrada na fala de Boisier em 
Itapema, foi a questão da cultura centralista. Fez ele referência a um livro 
publicado em , chamado A tradição centralista da América Latina¹¹, que 
em sua opinião traz contribuições significativas para compreender os atuais 
desafios dos processos de descentralização. Se há uma concordância de todos 
sobre a necessidade da descentralização, por que a mesma não avança? Segundo 
Boisier, isso se explica, principalmente, por condicionantes de caráter cultural.
Segundo a obra por ele referida, existiriam quatro aspectos que conspiram 
contra a descentralização. O primeiro é o fato de que na América Latina não 
houve uma revolução industrial como a que se produziu na Europa no século 
. Com isso não se criou uma nova classe social que viesse contestar a 
distribuição do poder. Segundo, não houve uma revolução política, como a 
impulsionada pela Revolução Francesa e seus desdobramentos em outros 
países, o que modificou radicalmente a relação entre o Estado e a Sociedade 
Civil, representando uma redistribuição do poder político. Terceiro, que na 
América Latina prevaleceu uma religião, latitudinária, a religião católica, não 
ocorrendo como na Europa, o mesmo nívelde influência do protestantismo. 
A relação entre religião e Estado, contribuiu para a manutenção do conserva-
dorismo, com seus reflexos na cultura e na política. Quarto, na América Latina 
não tivemos o fenômeno do feudalismo, pois, este nos países onde ocorreu, 
significou um novo padrão de distribuição territorial do poder político, pois, 
na relação entre o rei e os ducados, muitas vezes estes últimos tinham mais 
poder que o próprio rei, ou seja, o poder se descentralizava.
. Referência: Véliz ().
 · Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema
Outro aspecto ressaltado por Boisier, é o fato de que, na colonização 
ibérica, seus conquistadores trouxeram na sua bagagem os valores da religião 
católica, brutalmente machista e mariana e uma forma muito centralista de 
criar o Estado. Tais elementos traiam um dos princípios da descentralização: 
que a soberania se radica no povo. Mais, não foi a sociedade que criou o Estado, 
mas o Estado criou a sociedade, e, infelizmente, à sua imagem e semelhança, 
portanto, centralista. Além disso, o Estado impõe à sociedade estruturas ab-
solutamente homogêneas, como um vício oriundo da modernidade. Assim, 
a sociedade herdou dos colonizadores um padrão de Estado e sociedade de 
cunho conservador e centralista.
Segundo Boisier, no Chile, esse centralismo se constituiu não apenas po-
liticamente, mas também territorialmente, tudo se centralizando em Santiago 
do Chile. Por fim, salientou Boisier que na descentralização há um paradoxo. 
Em geral, sua proposição foi resultante de concepções políticas mais avançadas. 
No entanto, na América Latina, um exemplo é o Chile, acabou sendo bandeira 
política também de governos pouco democráticos. Isso pode ser explicado 
pelo fato de que se reproduz o padrão do setor tecnológico produtivo da 
modernidade: se descentraliza plantas industriais, mas não a autonomia, o 
poder de decidir. Não é por acaso que um dos problemas atribuídos a todas as 
experiências atuais de descentralização é a falta de autonomia, principalmente, 
política e financeira. Segundo Boisier, centralização e descentralização não 
são necessariamente antinômicas. São processos que caminham lado a lado, 
pois não haverá certamente padrões perfeitos de descentralização.
No encontro, Eliane Filippim chamava também a atenção de que em algum 
momento a descentralização passou a ser vista como uma panacéia, capaz 
de resolver problemas de desigualdades, iniquidades, além do fato de que a 
participação social ainda tem um caráter meramente cartorial e formalista. 
Ainda, salientou o fato de que a maioria dos estudos apontam com clareza 
seus problemas, no entanto, precisamos avançar, principalmente, no sentido 
de apontar alternativas de preparar a sociedade civil para ter uma participação 
mais substantiva. Ou seja, efetivar uma participação mais protagonista. Cabe 
avaliar quais arranjos institucionais são mais efetivos.
Já o professor Walter Birkner lembrou que na sua maioria os processos de 
descentralização são recentes, têm poucos anos, o que em parte ainda justifica 
seus problemas. No entanto, no mínimo, estes conseguiram criar espaço de 
emergência para novos atores, que não teriam oportunidade de expressar-se 
se tais arranjos institucionais não existissem. Além disso, a qualidade da parti-
cipação não é homogênea nas diferentes regiões. Percebe-se uma tendência a 
que em algumas regiões esses atores consigam se expressar, participando, com 
mais qualificação. É provável que tenha a ver com a presença maior do que os 
Governança territorial e desenvolvimento · 
autores contemporâneos chamam de capital social. Além disso, não se pode 
esquecer que na experiência das SDRs está em jogo a disputa de poder entre 
atores políticos com interesses não convergentes, sejam eles, os secretários 
regionais, os secretários setoriais e os deputados de cada uma das regiões. Essa 
situação não está ausente nas demais experiências. Veja-se, por exemplo, as 
observações de Eduardo Costa sobre a experiência do Pará.
Por fim, o professor Pedro Büttenbender, além de tecer algumas consi-
derações sobre a experiência histórica dos Coredes, fez uma provocação no 
sentido de que este grupo tem uma tarefa a mais a partir da escrita do presente 
livro: constituir-se num grupo qualificado de discussão sobre os avanços ne-
cessários para a superação dos desafios das experiências de descentralização. 
Uma possibilidade seria a constituição de uma rede de pesquisadores sobre o 
tema. Mais: como a sociedade está encarando a questão da descentralização? 
Não seria necessário que a sociedade assuma-a como uma nova bandeira, 
assim como foi no Brasil, por exemplo, as eleições diretas no período pós 
ditadura militar? E a academia, está se sentindo desafiada a fazer os aportes 
para os avanços necessários?
Sobre a questão da necessidade de mais estudos, parece-me, pessoal-
mente, que todos os capítulos apontam alguns indicativos de investigação, 
que possam, talvez, se resumir à necessidade de se centrarem no sentido de 
ver a descentralização enquanto modo de ordenamento espacial do poder e de 
reescalonamento territorial do Estado, parafraseando uma contribuição de 
Brandão nesta obra.
Para finalizar estas palavras introdutórias ao presente livro, resta desejar 
uma boa leitura a todos os leitores. De nossa parte, como autores, expressamos 
nossas concepções ou percepções sobre o tema, certamente, representando 
uma contribuição significativa. Colocamos-nos à disposição para participar 
no debate do tema, seja em fóruns governamentais, no meio acadêmico ou 
nas organizações da sociedade civil, contribuindo e interagindo, quando 
convidados, para a qualificação dos processos de descentralização.
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