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NOVAS FORMAS DE PRODUZIR O ESPAÇO URBANO

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NOVAS FORMAS DE PRODUZIR O ESPAÇO URBANO: 
ALGUNS ELEMENTOS DE ANÁLISE SOBRE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE CIDADES�.
Jodival Mauricio da Costa, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, jodi_ufrgs@yahoo.com.br�
Vanda Ueda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Vandaueda@uol.com.br�
Introdução
A discussão que segue oferece alguns pontos de análise sobre o atual processo de produção do espaço urbano. É um trabalho reflexivo, fruto da leitura dos autores sobre o tema, que não está direcionado a nenhum estudo de caso, mas que pela discussão proposta, traz alguns elementos que pode nos ajudar a pensar o espaço urbano atual. Nesse sentido, nosso objetivo é contribuir com o debate acerca dessa temática, procurando analisar como o planejamento estratégico influencia na organização espacial da cidade. 
O trabalho está organizado em duas partes. A primeira discute uma questão que vem ganhando espaço ultimamente: a incorporação de um tipo padrão de modelo de cidade no planejamento urbano. Discutimos a crença nesses modelos de cidades como uma produção mitológica. Na segunda e ultima parte, trazemos uma reflexão sobre o planejamento estratégico adotado pelas grandes cidades nas últimas décadas, que se caracteriza por uma certa padronização na forma de produção do espaço urbano.
Algumas considerações sobre importação de modelos de cidades.
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto, chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto, é que Narciso acha feio o que não é espelho, é que a mente apavora o que ainda não é mesmo velho, nada do que não era antes, quando não somos mutantes.
 Caetano Veloso, Sampa.
	Tem se tornado comum para os administradores de diversas cidades brasileiras, em especial das metrópoles, a prática de adotar modelos importados das mais diversas cidades européias e dos Estados Unidos. E não são apenas os modelos que são importados, mas também o trabalho daqueles que os projeta�. De forma que uma pergunta tem ganho cada vez mais importância entre os estudiosos das cidades: Quanto vale a marca de um arquiteto? (Arantes, 2002).
	Esse modelo, que como veremos adiante, se caracteriza pela marca da estratégia, tem se tornado padrão em escala global. Nesse sentido, é cada vez mais freqüente a imitação de modelos de cidades, revelando uma estratégia de marketing urbano (Sánchez, 1994). O marketing urbano se expressa, inclusive, na presença cada vez mais acentuada de profissionais dessa área de atuação em planejamento urbano. Para Arantes (2002), esses modelos estão inseridos numa lógica que tem permeado o universo dos administradores das grandes cidades nos últimos anos - aquela que diz respeito à capacidade de serem extremamente competitivas. Mas antes de discutirmos a questão da competitividade, o que será feito na parte final desse trabalho, faremos uma breve reflexão sobre a questão de adotar planejamento urbano como modelo. 
No intuito de chamarmos atenção para a questão de importação de modelos, acreditamos ser uma proposta bastante viável, fundamentarmos nossa reflexão no tipo ideal de Max Weber, uma vez que nosso interesse se constitui na finalidade mesmo de questionar a transferência desses modelos padronizados para realidades diversas, o que alguns consideram ser uma estratégia fatal (Arantes, op. cit).
	Iniciamos essa discussão do modelo nos reportando à idéia de tipo ideal tão presente nas obras de Max Weber.� O pensador alemão, refletindo a questão da organização social, política e econômica no capitalismo desenvolveu um modelo de administração da máquina estatal – o que podemos entender como a própria criação mesmo da burocracia. Esse modelo, então passou a ser conhecido como “tipo ideal”. Porém, o tipo ideal weberiano, como o próprio autor faz questão de assinalar, não se trata de um modelo a ser seguido, mas abstraído. Um modelo que ao ser analisado podesse contribuir para compreender e agir sobre diferentes realidades.
	Dessa forma, não é a finalidade de aplicar o modelo como fórmula infalível para resolver o problema em questão que constitui o cerne do tipo ideal de Weber, mas utilizar o mesmo como ponto de reflexão, até mesmo como uma partida para pensar a realidade questionada. Em outras palavras, queremos dizer que não se trata de implantá-lo como uma fórmula para resolver os problemas, mas antes, ele deve servir para analisar as diferenças. Mônica de Carvalho, ao analisar o conceito de cidade global, também faz referência ao tipo ideal de Weber:
Uma vez construído, o tipo ideal pode servir de meio em relação ao qual outras realidades, em que não se originaram, podem ser comparadas, não com o objetivo de adequação mas, exatamente ao contrário, para apontar as suas especificidades...Não se confunde, portanto, nem com um modelo da e nem para a cidade.�
(Carvalho, 2000, p. 72).
	Mas, em que nos interessa o tipo ideal weberiano nessa nossa reflexão sobre modelo estratégico de cidade? Refletir sobre esses modelos é adentrar em um universo de idéias que tem se tornado senso comum entre admistradores de cidades e urbanistas das mais diferentes cidades do mundo (dizemos que é senso comum pela forma com que esses modelos vêm seguindo sem encontrar resistência entre admistradores), pois há um padrão global que tem se acentuado como marca de um novo urbanismo�. E é justamente a incorporação desses modelos às diferentes realidades que constitui uma preocupação por parte de muitos estudiosos da questão urbana, e que nos cabe refletir, denunciar e propor alternativas.
	Há, nesse sentido, um questionamento em relação a que tipo de cidade está sendo produzida. Interessa-nos compreender como essas formas são importadas e incorporadas à realidades totalmente distintas de onde foram criadas; numa lógica onde a forma não constitui sinergia com o conteúdo. Acreditamos ser esse um ponto central na discussão sobre modelos estratégicos de cidades.
	Ao importar modelos, pode-se incorrer numa lógica de formas descontextualizadas de sua realidade local. Ocorre ai um agir no local com um pensar global (Arantes, 2002, p. 61). Nessa linha, tem se buscado implantar em cidades do terceiro mundo, incluindo no Brasil, modelos de cidades como Nápole, Lyon, Barcelona, Nova York, dentre outras, (Bidou-Zachariasen, 2006)�. Desses, o modelo Barcelona� é um dos preferidos pelos governantes das cidades. Essa prática não deixa de ser uma aplicação do modelo tipo ideal de Weber, uma vez que esses modelos são abstraídos para uma realidade de globalização desse tipo de urbanismo (Carvalho, 2000, p 72), mas justamente no sentido contrário do que deveria ser o tipo ideal weberiano. Dizemos ser o contrário porque esses modelos, incorporados como ideal de produção e gestão do espaço urbano têm a intenção de inserir a homogeneização na heterogeneidade. 
	Dessa forma, a importação de formas espaciais, principalmente levando em consideração o fato de que esses modelos são pensados segundo a realidade de países com formação sócio-espacial diferente, tem acentuado o processo de fragmentação dos espaços onde se implantam (Vainer, Maricato, Arantes, 2002). Outra característica presente nesses modelos tem sido a capacidade de produzir a homogeneização ocultando a fragmentação. Oculta porque ao apresentar a cidade para o mundo, ela aparece representada por fragmentos do espaço que são atrativos. E essa fragmentação não pode ser visível na propagação porque ela denunciaria uma ineficácia do modelo. Assim, a cidade não pode ser visível pela diferença nem pela indiferença, mas pela padronização.
	Assim sendo, importa que os locais que recebem a marca da padronização (gentrificações, modernização de centros urbanos, investimentos em transportes e serviços de comunicação, dentre outras características) passem a representar a cidade como um todo. São apenas algumas partes da cidade que recebem grandes investimentos, mas é a cidade que se difunde enquanto modelo, que aparece na mídia como o tipo ideal, o modeloa ser seguido. Anuncia-se e vende-se a parte pelo todo (Maricato, 2002).
	Sánchez e Ribeiro (1996), ao analisarem a cidade de Curitiba, PR (que nos últimos anos vem se destacando como uma cidade modelo no Brasil) questionam o modelo estratégico de cidades que tanto se tem difundido ultimamente. As autoras trabalham com a idéia de que o que vem acontecendo é o surgimento de mitos do modelo urbano. 
	Pensar esses modelos de cidades como mito não constitui absurdo, pelo contrário, acreditamos que é uma forma interessante para compreendermos o porquê de uma aceitação dessa prática pelos habitantes. Pelo que mostramos até aqui, acreditamos termos alguns elementos que nos possibilite enxergar essa produção mitológica. Alguns desses pontos a serem destacados estão presentes na obra de Sanchez e Ribeiro e vamos analisar, de forma sucinta, três que julgamos essenciais.
	Primeiro, interessa entender que esses modelos procuram passar para a população a idéia de alcance de melhor qualidade de vida. Age-se sobre o presente vendendo o futuro. Grandes obras de logística para otimizar os meios de transportes e comunicação, são exemplos do que estamos chamando de vender o futuro agindo no presente. Essas grandes obras visam principalmente atrair empresas que necessitam de serviços rápidos, uma vez que precisam de ambientes que possibilitem o acesso ao mundo de forma fluida e competitiva.
	Porém, esse padrão ótimo de qualidade não se torna uma realidade para a cidade como um todo, ficando restrito a quem pode pagar pela ocupação e uso do espaço, uma vez que os investimentos para tais áreas acabam valorizando o espaço e contribuindo consideravelmente para a prática da especulação imobiliária. Mas não é assim que esses modelos são anunciados para os habitantes da cidade. Sobre esses, também recai a venda dos sonhos: do sonho da casa própria, do transporte viável, da comunicação rápida e eficaz, do emprego e tantos outros que de tão conhecidos, nem se faz necessário listá-los.
	Um segundo ponto diz respeito ao poder que a imagem exerce na vida das pessoas. O uso dos meios de comunicação é fundamental para vender a idéia citada de conquista levantada anteriormente. Vende-se a idéia de uma cidade mais fluida, otimizada pelos investimentos em obras de infra-estrutura, revitalização de pontos estratégicos da cidade, até mesmo a “natureza” já é vendida na cidade. Há, das mais diferentes e variadas formas, uma intensa preocupação em apresentar a cidade como um objeto dos desejos (Castrogiovanni, 2001, p.25).
	Terceiro, destacamos um ponto que é , de certe forma, o resultado dos dois anteriores, que corresponde a uma necessidade da criação de consenso. Esse fenômeno da cidade modelo ocorre com ênfase em um processo que também é cultural (Sanchez e Ribeiro, 2002). A legitimação de tal modelo se faz, também, por meio da produção de um significado do mesmo para os habitantes. A cidade é apresentada como um corpo único. O planejamento é feito para a cidade, embora contemple apenas algumas áreas privilegiadas. Quando são construídos condomínios residenciais, com perimetrais que possibilitam maior eficiência nos meios de transportes, é em nome da cidade que tudo isso é feito, embora seja um espaço a ser consumido por uma parcela restrita da população. Busca-se, dessa forma, fazer o discurso da unidade, inventar o pensamento único, criar o consenso.
	Vainer (2002), afirma que o consenso já existe antes mesmo dos mecanismos utilizados para gerar esse consenso. Entendemos que o consenso não é resultado das idéias em harmonia. Pelo contrário, acreditamos ser este o produto das diferentes concepções e interesses, que depois de discutidas chega-se a um acordo sobre o fenômeno em questão (Touraine, 1996). Da forma como vem ocorrendo em relação aos modelos estratégicos de cidades, o consenso tem sido o produto de quem tem poder para criá-lo, pois são àqueles que dispõem dos meios para propagar as idéias em relação às beneficies que tais projetos podem trazer que têm seus interesses materializados. Para isso, interessa o que se deve fazer para convencer a população, já se sabe no que os habitantes precisam acreditar e, em especial, o que precisam esperar. Assim, não se trata mesmo de produzir, mas de identificar o tipo de consenso necessário para que tal projeto seja aceito e trabalhar para que a população o absorva (Vainer, 2002, p. 117).
	O referido autor, analisando o caso da cidade do Rio de Janeiro, cita o conselho da cidade como uma dessas estratégias de identificação do consenso. Nesses conselhos, os representantes dos diversos segmentos da população aparecem para discutir o que, na verdade, já está planejado. Trata-se muito mais de tornar conhecido, de informar e obter aceitação, do que gerar a discussão sobre o que está sendo apresentado.
	Nesse pensamento, acreditamos ser o modelo estratégico de cidades um mito. Há, de fato, uma abstração do tipo ideal weberiano em favor da legitimação dessas idéias no contexto de globalização. 
Diferente do que propõe Weber� esses modelos têm se transformado em formas de transportar formas urbanas de uma realidade e implantadas em outras de conteúdo e formação sócio-espacial totalmente diferente. Pensamos que tal ação atende a uma lógica de interesse dos atores que possuem grande capacidade de intervenção no território, a saber, o Estado e grandes empresários que atuam no espaço urbano.
A cidade do urbanismo estratégico: cidade para quem?
...e quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende de pressa a chamar-te de realidade, porque és o avesso do avesso do avesso do avesso...
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas. Da força da grana que ergue e destrói coisas belas, da feia fumaça que sobe apagando as estrelas.
 Caetano Veloso, Sampa.
	
	De início, gostaríamos de diferenciar a concepção de gestão daquela de planejamento. Segundo Souza (2004, p. 46), a gestão se caracteriza por ser uma ação que diz respeito ao presente, enquanto o planejamento é uma questão de futuro. O planejamento é a preparação para a gestão futura.
Porém, esses não são termos que se contradizem. Pelo contrário, planejamento e gestão são complementares. Podemos dizer que o sucesso de uma gestão dependerá da eficácia do planejamento. Souza (op. cit), diz que planejar é necessário, porque há de se ter a preocupação com o futuro. Planejar não significa prever o futuro, mas sim buscar uma forma de melhorá-lo. É também por isso que justificamos a necessidade de uma reflexão sobre o planejamento estratégico:
	
As cidades, assim como as empresas, vivem num mundo concorrencial, competindo entre si para atrair investimentos, visitantes e moradores. O planejamento estratégico é uma ferramenta usada para se alcançar o desenvolvimento sustentável das localidades. Isso é possível, pois essa ferramenta é um instrumento mobilizador dos atores sociais, têm uma visão de longo prazo, é participativo e democrático, e busca a ação complementar... As cidades precisam de uma visão estratégica para guiá-las.
 			(Junior et all, 2003)
Que a cidade precisa de planejamento, com certeza também defendemos; que esse planejamento seja estratégico também é uma realidade. Mas, a cidade não precisa de uma lógica empresarial. A empresa tem uma finalidade estratégica de planejamento para obtenção máxima do lucro. De um lucro concentrado às custas da exploração da força de trabalho. É um planejamento direcionado para o bem-estar de uma parte do todo, não para o todo. Nesse sentido, não defendemos que o planejamento das cidades tenha que estar embasado no planejamento empresarial, porque a cidade não é como uma empresa. A cidade precisa ter o sentido do desenvolvimento conjunto.
Gostaríamos de ressaltar que não é a busca de atração de investimentos para a cidade que constitui o objeto de nossa preocupação. Pelo contrário, essa ação é precisa. É a forma como se planeja e aos quais se destinam os investimentos que deve ser denunciada.
	Nasúltimas décadas o planejamento estratégico vem ganhando espaço entre os gestores da cidade. Harvey (2005), usa o temo empreendedorismo para se referir à forma como os governantes vêm planejando as intervenções no espaço urbano, que busca mesmo essa semelhança com a forma dos empresários administrarem suas empresas, uma vez que esse tipo de planejamento busca principalmente atrair investimentos.
	Não obstante, como mencionado antes, esse planejamento não tem a intenção de atrair investimentos para a cidade como um todo, mas são canalizados para áreas que favorecem a concentração da renda e do poder por parte de uma parcela restrita dos habitantes da cidade. Pensar a cidade como uma máquina a serviço da produção e acumulação do capital não é exclusividade essas últimas décadas. A cidade capitalista do final do século XVIII já possuía essa racionalidade (Andrade, 1995, p. 338).�
	Não podemos, de fato, acreditar que tudo é novo na forma atual de produzir o espaço urbano, mas por outro lado, não se pode negar que há elementos presentes nessa nova estratégia de intervenção na cidade que são resultado das transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas nas últimas três décadas. Elas possuem a marca do avanço no processo de globalização (Soja, 1998, p. 38; Ascher, 2004).
	O que discutiremos nessa última parte do trabalho é o que estamos considerando como novas formas de produzir o espaço urbano. Que se trata do planejamento estratégico da cidade como mercadoria e também como empresa.
	Muito se tem discutido sobre a relação entre cidade e capitalismo (Sennet, 2001; Harvey, 2001; Spósito, 2001; Marcuse, 1994). Sabemos que o capitalismo não criou a cidade, assim como não foi somente a industrialização a responsável pelo processo de urbanização.� Mas é verdade que ele dotou a cidade de uma racionalidade a partir do século XVIII. Ela passou a ser projetada segundo à lógica do modo de produção capitalista (Andrade, 1995).
	Seguindo essa linha de raciocínio, pensamos que as transformações ocorridas no modo de produção capitalista implicam em mudanças na cidade. As crises do capitalismo são, na verdade, crises de produção e/ou acumulação de capital. Assim, esses novos modelos são gerados para possibilitar a dinâmica constante de lucratividade. O que queremos dizer, é que as transformações pelas quais passam as cidades não estão separadas do próprio modelo de acumulação de capital que passa a regular o processo produtivo em cada momento histórico.
	A partir da segunda metade do século XX, o capitalismo passou a viver uma crise do modelo de acumulação fordista e o modelo flexível passa a se intensificar como forma de acumulação (Harvey, 1994).�
	Sennett (2001), chama atenção para o fato de que as condições do capitalismo hoje, se mostram bem diferentes em relação ao momento que nasceu a disciplina formal dos estudos urbanos há pelo menos um século.
	Parece não haver dúvida que na segunda metade do século XX, o modelo de acumulação flexível trouxe mudanças intensas no processo de acumulação de capital que tem repercutido diretamente no espaço urbano. Tais mudanças são perceptíveis na forma de planejar a cidade e, em conseqüência, na relação entre as pessoas e as cidades.
	Passou a ocorrer, nas últimas décadas, o que Richard Sennet chama de dialética da flexibilidade e da indiferença, que tem trazido, dentre outras transformações o fato que: Sennet (2001, p. 217) “do mesmo modo em que a produção flexível produz relações de trabalho mais superficiais e a curto prazo, esse capitalismo cria um regime de relações superficiais e sem vínculos com a cidade”.�
	Essa relação da qual fala o autor tem dado às cidades uma nova racionalidade, que tem relação direta com o próprio modelo flexível de acumulação de capital.
	Nessa dinâmica atual, uma das características que observamos é o acirramento da disputa entre as cidades para se tornarem centros de atração de investimentos numa lógica cada vez mais competitiva. Está bem mais evidente nas grandes cidades (embora não exclusivamente nelas) o que Milton Santos (1996), chama de guerra dos lugares.
	É nesse sentido que acreditamos ser esse período atual portador de alguns elementos que constituem novas formas de produção do espaço urbano. Dentre essas características, destacamos a questão da competitividade que estamos discutindo aqui.
	A lógica da competitividade vem dando às cidades uma dinâmica de racionalidade muito semelhante àquela das empresas (Vainer, 2002). Elas já não são somente os lugares do consumo, mas a própria cidade é que tem se tornado o objeto a ser consumido.	Nessa perspectiva, o planejamento estratégico tem ganho destaque como forma de produção do espaço urbano. Pensar estrategicamente a cidade, da forma como vem sendo feito, é dotá-la da capacidade de ser extremamente competitiva no cenário global.
	Retomando a idéia de Harvey (2005), que se refere ao fato dos governantes das cidades serem não somente administradores, mas também grandes empreendedores, acreditamos que o empreendedorismo tem sido uma das marcas do novo urbanismo. A cidade estratégica funciona com base nos princípios que norteiam a própria dinâmica empresarial. Os locais da cidade que mais recebem investimentos são justamente aqueles que podem garantir maior lucratividade.
	Pensando nessa lógica empresarial, tem-se buscado planejar a cidade fazendo a relação entre a mercadoria e o consumidor. Há, de fato, a preocupação em preparar a cidade para ser consumida por um perfil de consumidores que possa lhe trazer o lucro. Nesse cenário de produção do espaço urbano, é pertinente a idéia de considerar o papel exercido pelos empresários nesse processo. A constatação desses fatos pode ser observada no grande número de empresas do setor financeiro que estão envolvidas na construção imobiliária. Grandes parcerias têm sido feitas entre governantes e empresas para esse setor.
	O Estado é um ator com grande poder de atuação no espaço urbano (Corrêa, 1989). É difícil pensar que grandes transformações possam ocorrer sem a participação decisiva do aparelho estatal. Como bem ressalta Amélia Damiani:
O Estado e as instituições tomam a dianteira nesse sentido: criando regulamentos de uso; ensinando as regras da convivência e organização; assegurando o cumprimento das mesmas; recriando a necessidade de sua presença para flexibilizar o ordenamento (toda ordem de clientelismo ressurge). (Damiani, 2001, p. 122).
O Estado tem atuado no sentido de favorecer esse processo de planejamento estratégico atual. Muito do que ocorre nessa estratégia urbana passa pela forma com a qual se articula o processo de reprodução ampliada do capital. As grandes empreiteiras aumentaram seu poder de atuação no espaço e isso se faz porque o poder do Estado atua no sentido de possibilitar tal realização, (Damiani, op. cit. p. 122).
A nova forma urbana tem a marca do capitalismo em sua forma mais excludente. É uma forma de apropriação da terra urbana que se dá via a criação de um consenso, que busca ocultar o conflito, (Vainer, 2002). Há um intenso processo de fragmentação nessa lógica de produção. Isso nos lembra que enquanto a produção do espaço se faz socialmente, já que há uma participação da sociedade nesse processo, sua apropriação não ocorre no mesmo sentido. Pelo contrário, ela tem se dado de forma excludente, sendo privilégio de poucos, (Damiani, 2001, p. 126). 
Falar de fragmentação não significa querer que todos se conheçam e vivam de forma comunitária na cidade. Isso trilharia até mesmo pelo absurdo, pois como afirma Sennet (2004, p. 214), “viver na cidade é aprender a conviver com estranhos”�. É de um processo que separa e cria as mais diversas formas de segregação: dos condomínios residenciais de luxo aos albergues e favelas, que estamos falando�. Se viver na cidade é conviver com estranhos. Por outro lado, a cidade não pode aparecer como o estranho para seus habitantes, ela precisa ser acolhedora, e um planejamento deve ter essa finalidade, de não possibilitar o estranhamento total,que pode acontecer pela perda das referências sociais. Aliás, a perda da referência social leva à perda da referência espacial. Se o ser não tem a possibilidade de reprodução da vida com dignidade em determinado espaço, passa a haver um desequilíbrio. Planejamento do espaço urbano e reprodução da vida na sua totalidade não podem estar descolados.
Outrossim, há também a velha lógica capitalista de gerara seus conflitos e negá-los. Negá-los pela estratégia da produção de uma cidade para todos, quando, na verdade, o direito à cidade tem sido cada vez mais restrito nesse período atual�. Uma das questões a ser pensada nesse caso, diz respeito ás obras imobiliárias, as de “revitalização”, dentre outras. Quem determina sua localização? A própria localização já obedece a lógica da extração da renda imobiliária, (Maricato, 2002, p. 177-178).
	Pelo que discutimos, acreditamos que uma compreensão da problemática urbana atual passa pela necessidade de compreender as próprias contradições do modo de produção capitalista. Em especial, entender que os elementos que compõem o atual processo de produção do espaço urbano são de natureza flexível. Mais que nunca, a cidade deve ser analisada enquanto totalidade, para que possamos conhecer as especificidades no processo de produção do espaço urbano. 
Em especial, precisamos evidenciar o conflito, pois este é, historicamente, a marca da construção do espaço. Ocultar o conflito, implica em alienação na forma de apropriação e compreensão da dinâmica espacial urbana.
Algumas considerações sobre o trabalho
	Acreditamos que esse é, de fato, um momento de reflexão sobre as transformações pelas quais vem passando o espaço urbano nas últimas décadas. Considerando que a cidade tem mais de dois milênios e a disciplina formal de estudos urbanos apenas um século, há muito a ser desvendando nas tramas de relações que produzem esse espaço. Nesse momento, em que a flexibilização invade o campo da economia, do trabalho e das relações humanas na sua totalidade; a relação das pessoas com a cidade ganha um teor a mais de complexidade.
	De fato, insistimos que a complexidade é um caminho para compreender essa realidade. Principalmente porque há uma intenção em nos fazer crer que a produção desse espaço se apresenta de forma simples. É esse o objetivo da criação de um consenso que busca mostrar as coisas pelo prisma homogeneização. A cidade vista como totalidade se apresenta de forma cada vez mais fragmentada e é preciso atentar para esse ponto, senão acabaremos por defender que, de fato, o planejamento estratégico como vem sendo feito constitui a saída para as crises na cidade.
	Concebemos que não é de falta de planejamento que carece a cidade, mas de planejamentos que não estejam comprometidos com apenas uma pequena parcela dos que nela vivem. A saber, as classes dos que vêm na cidade apenas o espaço da extração da renda, que, pro sua vez, se apresenta cada vez mais concentrada.
	Essa fase atual do planejamento urbano, como em outros períodos, também possui a marca do próprio modo de produção capitalista e, sua análise, não deve está separada da compreensão dos elementos que compõem a atual forma de produção e acumulação de capital.
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� O presente artigo analisa pontos do planejamento estratégico de cidades numa visão geral. Isso não implica dizer que ocorra assim em todos os casos. A realidade, incluindo a realidade da produção da forma urbana, é construída sob o prisma da complexidade e, portanto, não se constitui enquanto realidade homogênea. Fazer generalizações não implica em afirmar que tudo seja igual. Serve sim, como parâmetro para análise. 
O artigo também foi submetido e aprovado pelo crivo da comissão organizadora do Simpósio Nacional o Rural e o Urbano no Brasil, a ser realizado na USP nos dias 08 e 09 de dezembro de 2006.
� Mestrando do Programa dePós-Graduação em Geografia – Análise Territorial. UFRGS. Bolsista CAPES por ocasião da pesquisa de Mestrado.
� Orientadora. Dra. Profa. do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS.
� O trabalho dos urbanistas catalães são os mais solicitados pelos admistradores das cidades. Mais informações consultar. Bidou-Zachariasen (2006). Ascher (2004) também é uma boa referência sobre o tema.
� Não constitui nosso objetivo fazer uma revisão da teoria de Max Weber, mas somente resgatar sua concepção de tipo ideal para refletirmos sobre a questão dos modelos de gestão urbana. Maiores informações sobre a teoria weberiana, consultar Weber (1991; 2002).
� Grifo da autora.
� Não estamos considerando urbanismo como sinônimo de planejamento urbano. Uma leitura muito importante sobre esse tema pode ser encontrada em Souza (2004).
� Um estudo específico da implantação de formas urbanas importadas é o Complexo Estação das Docas na cidade de Belém do Pará – Brasil. Maiores informações consultar Trindade Jr. e Silva (2005).
� Para maiores informações sobre o modelo Barcelona, com uma visão critica do mesmo, consultar Capel (2005).
� Weber (1991).
� Não é objetivo do nosso trabalho discutir a história do urbanismo, nem de modelos de cidades anteriores. Por isso, para aqueles que tenham interesse em discutir essa questão, maiores informações podem ser encontrada na obra O NOVO BRASIL URBANO, organizado por Maria Flora Gonçalves (1995).
 Sobre uma abordagem da cidade de São Paulo no início do século XX, a obra de Sevcenko (1992), contém importante abordagem sobre a realidade urbana da São Paulo daquele período. A proposta desta obra não é discutir a forma urbana, mas o universo do cotidiano, incluindo o simbólico presente na percepção e como a metrópole influencia o ritmo da vida.
� Não é nosso objetivo aprofundar essa discussão, mas uma discussão sobre o tema pode ser encontrada em Spósito (2001).
� Consideramos importante salientar que o modelo fordista não foi sucumbido pelo modelo flexível. Pelo contrário, essa forma de acumulação capitalista convive com o modelo flexível e, em muitos paises, ainda constitui o modelo principal de acumulação. Maior aprofundamento teórico do tema pode ser encontrado na própria obra citada, Harvey (1994)
� Tradução própria do texto original em espanhol: “Del mismo modo em que la producción flexible produce unas relaciones em el trabajo más superficiales y a corto plazo, esse capitalismo crea um régime de relaciones superficiales u sin vinculacióm en la ciudad”. (SENNET, 2001, p. 217).
� Uma boa discussão sobre o tema do estranhamento na vida cotidiana das grandes cidades é àquela presente em Martins (1996, 1999). 
� Sobre dinâmica imobiliária, em particular na América Latina, consultar Silveira e Ueda (2006)
� Uma discussão mais aprofundada sobre a importância da cidade como ambiente da convivência pública, do espaço da co-habitação e da inter-relação social pode ser encontrada em Lefebvre (1969).
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