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CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 1 AULA 13: ORGANIZAÇÃO DO ESTADO 1) CARACTERÍSTICAS DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA Reza o art. 18 da Constituição Federal que "a organização político- administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição". Como sabemos, a forma de Estado por nós adotada foi a Federação, conforme consta explicitamente nos art. 1° e 18 da Carta, que trazem a denominação oficial de nosso Estado: República Federativa do Brasil. A forma de Estado é conceito que se prende ao modo como é distribuído o poder político no território do Estado. Se em todo o território há apenas um centro de poder político, existindo, no mais, apenas entidades de caráter administrativo, cujas competências são outorgadas pelo ente político central, estamos perante o Estado Unitário. É o que se observa, por exemplo, no Uruguai. O Estado brasileiro, por sua vez, é do tipo Federativo, sendo, em vista disso, composto de diversos entes políticos, cujas competências estão definidas no texto constitucional. Temos, assim, um ente político central - a União -; entes políticos regionais – os Estados-membros -; entes políticos locais – os Municípios -, além do Distrito Federal, ente político que detém, a grosso modo, as competências estaduais e municipais. Todos os entes políticos de nosso Estado, como explicitado no art. 18 da Carta, gozam de autonomia. De pronto, portanto, podemos evitar qualquer confusão entre o Estado brasileiro, organizado como Federação, e a denominada Confederação, a terceira forma de Estado, que consiste numa reunião de Estados soberanos mediante a celebração de um tratado internacional dissolúvel. A Confederação é composta por entes políticos detentores de soberania que se congregam em torno de um tratado internacional plenamente dissolúvel, de modo que qualquer um deles, justamente porque conserva sua soberania, ao integrar-se à Confederação, pode desligar-se dela a qualquer tempo. Ao contrário, a Federação tem como diploma jurídico básico uma Constituição, e é justamente tal documento que confere aos entes federados suas competências. Daí, dizer-se que as entidades políticas componentes da Federação gozam de autonomia: poderes que são outorgados pela Constituição e, portanto, por ela limitados. Suas competências, assim, são aquelas oriundas de outorga de poderes feita pela CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 2 Constituição Federal, e legitimamente exercitadas nos termos e limites impostos na Carta Política, de modo explícito ou implícito. Uma das limitações impostas pela nossa Constituição, em seu art. 1°, bem como pelas Constituições dos demais Estados organizados como Federação, é a indissolubilidade do vínculo federativo ou, em outras palavras, a proibição de secessão. Nenhum ente político integrante do Estado brasileiro pode pretender desmembrar-se de nosso Estado e unir-se a outro Estado ou compor um novo Estado soberano. Como esclarece Alexandre de Moraes, é "inadmissível qualquer pretensão de separação de um Estado- membro, do Distrito Federal ou de qualquer Município da Federação, inexistindo em nosso ordenamento jurídico o denominado direito de secessão". A Constituição expressamente autoriza à União a decretar a intervenção federal nos Estados ou no DF para "manter a integridade nacional". Trata-se, pois, de um instrumento último previsto na Carta para assegurar a indissolubilidade do vínculo federativo, a ser utilizado contra qualquer tentativa de secessão dos entes integrantes de nossa Federação. Temos, portanto, que o Estado brasileiro organiza-se segundo o modelo federativo caracterizado pela descentralização política promovida a nível constitucional, e da qual se originam os entes políticos ou entes federados, que convivem, harmônica e coordenadamente num mesmo território, exercendo as competências para eles traçadas na Constituição Federal, sendo inconstitucional qualquer tentativa por eles promovida no sentido de se desvincularem de nosso Estado. Todos os entes federados gozam de autonomia, o que significa que seus poderes e prerrogativas, bem como os respectivos limites, têm seu delineamento traçado na Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios estão situados em um mesmo patamar hierárquico, não gozando qualquer deles de supremacia sobre os demais. É absolutamente errôneo afirmar-se que a União, por ser o ente central, encontra-se em posição de superioridade com relação aos demais entes federados, ou que os Estados situam-se em posição de supremacia sobre os Municípios sediados em seus respectivos territórios. Todos ostentam igual status jurídico, qual seja, a condição de entes autônomos, titulares das competências para eles outorgadas pela Constituição, às quais são exercidas sem qualquer espécie de subordinação. Desse modo, qualquer tentativa de um ente no sentido de invadir a competência de outro é eivada de absoluta inconstitucionalidade, sendo passível de combate por intermédio dos instrumentos para tanto prescritos na Constituição. Não devemos nos esquecer, entretanto, de que em hipóteses extraordinárias a Constituição autoriza a intervenção da União nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios sediados em Territórios Federais (CF, art. 34 e 35), bem como dos Estados nos Municípios localizados em seu território (CF, art. 35). CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 3 A autonomia de cada ente federado é aspecto fundamental de nossa organização política, de tal modo que a Constituição erigiu à condição de cláusula pétrea a forma federativa de Estado (art. 60, § 4°, I). Isso não significa, simplesmente, que a Constituição veda que o Brasil torne-se um Estado unitário, com a concentração das competências políticas em um único ente, no caso, a União. A significação da prescrição é muito mais ampla: deve-se ter por inconstitucional qualquer proposta de emenda que objetive reduzir a autonomia dos entes federados, na forma como originalmente traçada pela Constituição. Qualquer proposta de alteração do texto constitucional que vise a enfraquecer substancialmente a margem de autonomia conferida a cada um dos entes federativos pela Constituição padece de absoluta inconstitucionalidade, por violar a forma federativa de Estado. Assim, seriam inconstitucionais, exemplificativamente, propostas de emenda à CF que pretendessem conferir à União poder para a elaboração das Constituições estaduais ou da Lei Orgânica do DF, ou que outorgassem aos Estados poder para nomear diretamente os Prefeitos municipais, ou que retirassem dos Estados a competência para organizar seu Poder Judiciário, entre outras possibilidades. Encerrando este tópico inicial, cabe destacar algumas peculiaridades da nossa Federação: 1°) a Federação brasileira não adota o modelo típico desta forma de organização de Estado, elaborado nos Estados Unidos da América. No modelo típico de Federação existem apenas dois níveis de poder político, o central, que origina a União, e o regional, que dá surgimento aos Estados-membros. No Brasil temos também uma outorga constitucional de poderes políticos a nível local, originando os Municípios. Ademais, temos um ente que reúne as competências locais e regionais, o Distrito Federal. Assim, na Federação brasileira, além dos dois entes típicos dessa forma de Estado, a União e os Estados-membros, temos ainda os Municípios e o Distrito Federal, que são entes federados anômalos, peculiares da nossa Federação; 2°)embora o Distrito Federal, em linhas gerais, reúna as competências conferidas aos Estados e aos Municípios (CF, art. 32, § 1°), há determinadas competências tipicamente estaduais que a Constituição não conferiu ao DF, não se podendo, assim, afirmar que este ente federado é titular de todas as competências de que os Estados são detentores. Isto se deve ao disposto nos art. 21, XIII, XIV e 22, XVII, da CF, os quais, respectivamente, determinam ser competência da União: (a) organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal; (b) organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal e (c) legislar sobre organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal; 3°) segundo entendimento do STF, a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não abrange a possibilidade de instituição de forma de governo, de regime de governo e de sistema eleitoral diferentes daqueles prescritos pela CF para a União. Não podem esses entes políticos, portanto, CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 4 adotarem a forma de Governo monárquica, o regime de Governo parlamentarista ou sistemas eleitorais (majoritário e proporcional, conforme o caso) diversos daqueles prescritos pela CF para a União; 4°) segundo o regramento constitucional, não é peculiaridade de nossa Federação a participação de todos os entes federados na composição da vontade nacional. Isso se deve ao fato de que os Municípios não têm representação no Senado Federal e não possuem legitimidade para a apresentação de propostas de emenda à Constituição Federal. Desse modo, apesar de ser inegável que os Municípios ostentam a condição de entes federados, pode-se concluir que tal condição não compreende a possibilidade de influírem na formação da vontade nacional; 5°) por opção do legislador constituinte originário, nossa Federação é bastante centralizada. Embora a Constituição tenha conferido competências políticas a todos os entes federados, pois é justamente tal outorga de poderes que justifica seu enquadramento como tal, a Carta reservou a maioria das competências legislativas e administrativas à União, nosso ente político central. Sobre o ponto, é válida a transcrição da lição de Celso Ribeiro Bastos, trazida pelo Professor Vicente Paulo: (...) o Estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização superiores à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via de uma descentralização por regiões ou províncias, consegue um nível de transferência das competências tanto legislativas quanto de execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro. Por fim, transcrevemos lição de Alexandre de Moraes, segundo a qual a Constituição, para assegurar a forma federativa de Estado, deve contemplar os seguintes princípios: - os cidadãos dos diversos Estados-membros aderentes à Federação devem possuir a nacionalidade única dessa; - repartição constitucional de competências entre a União, Estados- membros, Distrito Federal e município; - necessidade de que cada ente federativo possua uma esfera de competência tributária que lhe garanta renda própria; - poder de auto-organização dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, atribuindo-lhes autonomia constitucional; - possibilidade constitucional excepcional e taxativa de intervenção federal, para manutenção do equilíbrio federativo; - participação dos Estados no Poder Legislativo Federal, de forma a permitir-se a ingerência de sua vontade na formação da legislação federal; - possibilidade de criação de novo Estado ou modificação territorial de Estado existente dependendo da aquiescência da população do Estado afetado; CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 5 - existência de um órgão de cúpula do Poder Judiciário para interpretação e proteção da Constituição Federal. 2) BRASÍLIA O § 1º, do art. 18, da Constituição declara que Brasília é a Capital Federal. Trata-se de inovação da Constituição de 1988, que passou a considerar Brasília a capital de nosso Estado, ao contrário das Constituições anteriores, que conferiam tal condição ao Distrito Federal. Fica bem clara, desse modo, a diferença entre Brasília, que ocupa a condição de capital do nosso País, e o Distrito Federal, o ente federativo em cuja circunscrição territorial localiza-se a Capital, e ao qual a Constituição veda, no art. 32, a subdivisão em Municípios. 3) TERRITÓRIOS O § 2º do art. 18 assevera: Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar. A Constituição de 1988, nesse dispositivo, esclarece a natureza jurídica dos Territórios Federais, ao definir que eles não ostentam a condição de entes federados, não detendo, pois, competências de natureza política. São entidades de caráter administrativo, integrantes da estrutura da União, na condição de autarquias, resultando de uma descentralização territorial promovida pela entidade política. Atualmente não existe, de fato, nenhum território federal, prescrevendo a Constituição que para sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem faz-se necessária a edição de lei complementar. 4) INCORPORAÇÃO, SUBDIVISÃO OU DESMEMBRAMENTO DE ESTADOS Dispõe o art 18, § 3º, da Constituição Federal: § 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 6 Os Estados-membros são os típicos entes integrantes da Federação, já que esta nada mais é que uma união de Estados autônomos. Como analisamos anteriormente, é expressamente vedada pela Constituição qualquer alteração do território, globalmente considerado, da República Federativa do Brasil, uma vez que os entes federativos não podem desgarrar-se da Federação. Os limites territoriais externos do nosso Estado são, pois, imutáveis. Entretanto, como se conclui pelo art. 18, § 3°, da CF, o mesmo não se aplica à divisão político-administrativa interna do nosso País, que pode sofrer modificações, seja pela alteração nos territórios dos Estados, como analisaremos nessa oportunidade, seja pela alteração nos territórios dos Municípios, como analisaremos no tópico posterior. O dispositivo em questão prevê quatro tipos de alteração territorial interna: (a) fusão; (b) subdivisão; (c) desmembramento - anexação e (d) desmembramento - formação. A fusão, que a Constituição prevê sob a expressão incorporação entre si, ocorre quando dois ou mais Estados unem-se para formar um novo Estado- membro, extinguindo-se os já existentes. Estes perdem sua personalidade jurídica, pois a fusão implica na criação de um novo Estado, uma nova entidade política, cujo território corresponde à totalidade do território dos Estados até então existentes. Enfim, estes cessam de existir, dando lugar ao novo Estado. A subdivisão é o oposto da fusão, ocorrendo quando um mesmo Estado divide-se em dois ou mais Estados-membros. Ao contrário da fusão, que implica redução no número de Estados existentes, a subdivisão aumenta o número de entes federados regionais, uma vez que do território de um só Estado surgirão dois ou mais Estados. Enfim, cessa de existir o Estado originário,extinguindo-se sua personalidade jurídica. E da sua extinção originam-se dois ou mais novos Estados, cujo território corresponde a certa parcela do território do Estado originário. O desmembramento, por sua vez, admite duas modalidades: o desmembramento-anexação e o desmembramento-formação. Em ambas não há a extinção do Estado originário, mas apenas a redução do seu território. Permanece ele, pois, como ente federado, apenas com sua área original reduzida. No desmembramento-anexação, além de não se extinguir o Estado originário, também não será criado nenhum novo Estado-membro, uma vez que a parte desmembrada será apenas anexada a um Estado pré-existente. A operação envolve, assim unicamente alteração dos limites territoriais de dois Estados já existentes, não havendo a extinção de qualquer deles nem a criação de um novo ente federado. No desmembramento-formação poderá ou não haver a criação de um novo ente federado. Isto ocorrerá se a parcela desmembrada do Estado originário resultar na instituição de um novo Estado. Teremos, então, a permanência do Estado originário, com seu território inicial reduzido, e a formação de um novo Estado-membro, cujo território corresponde à parcela desmembrada do CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 7 Estado originário. Entretanto, poderá o desmembramento não resultar na instituição de um novo ente federativo, o que ocorrerá quando a parcela desmembrada formar um Território Federal, o qual, como sabemos, é uma entidade de natureza administrativa, pertencente à União. Qualquer que seja a modalidade de alteração, o respectivo processo segue as regras do dispositivo constitucional retrotranscrito, as quais podem ser assim sintetizadas: 1o) consulta prévia às populações diretamente interessadas, por meio de plebiscito (é apenas a população que efetivamente reside na área em que pode ocorrer a transformação, e não toda a população do Estado ou dos Estados envolvidos). É obrigatória a consulta prévia, mediante plebiscito, não se admitindo o referendo, ou seja, a consulta popular após a elaboração da lei. Caberá ao Tribunal Regional Eleitoral a organização do plebiscito. Se aprovada a alteração pela população, o processo segue para a próxima etapa, constituindo a anuência popular verdadeira condição de procedibilidade. Portanto, em caso de reprovação da proposta de alteração pela população envolvida, encerra-se o processo; 2º) oitiva das Assembléias Legislativas dos Estados envolvidos (CF, art. 48, VI), no prazo fixado em lei ou, à falta de previsão legal, pela Justiça Eleitoral, se aprovada a proposta de alteração pela população diretamente interessada. A competência da Assembléia Legislativa é meramente opinativa, não decisória, de modo que o resultado da deliberação dos deputados estaduais não vincula o Congresso Nacional. José Afonso da Silva entende que a Assembléia Legislativa pode, ao invés de opinar a favor ou contra a alteração, simplesmente se abster de manifestar-se; 3o) lei complementar federal aprovando (ou não) a incorporação, a subdivisão ou o desmembramento. Se o projeto de lei complementar lograr aprovação no Congresso, é remetido à sanção do Presidente da República. Esta autoridade e os membros do Congresso Nacional gozam de autonomia para decidir, não estando adstritos à aprovação popular manifestada no plebiscito. Nota-se, que a subdivisão de Estados, bem como a incorporação e o desmembramento, são matérias de competência de lei complementar federal, não podem ser realizadas por emenda à Constituição. O motivo é simples: o projeto de lei é passível de sanção ou veto pelo Presidente da República, ao passo que no processo legislativo de proposta de emenda o Presidente não intervém, a não ser, eventualmente, como autor da proposta. Por fim, vale ressaltar que, até a presente data, nenhum novo ente político foi criado pela aplicação destas regras da Constituição, pois os novos Estados-membros foram instituídos pela própria Constituição, podendo-se citar, exemplificativamente, o Estado do Tocantins, instituído pelo art. 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 8 5) CRIAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIOS Dispõe o art. 18, § 4o, da Constituição Federal, na redação dada pela EC 15, de 1996: § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Como se percebe pela redação constitucional, a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios pressupõem lei complementar federal que estabeleça o período dentro do qual qualquer dessas transformações poderá ser intentada. Além disso, faz-se necessária a observância de lei ordinária federal, que estabelecerá os demais requisitos para estes processos, bem como as normas relativas à elaboração, apresentação e publicação dos Estudos de Viabilidade Municipal. Na redação do dispositivo anterior à EC 15, de 1996, esta matéria era objeto de tratamento em lei complementar estadual. A referida emenda, visando a uniformizar a matéria para todos os municípios brasileiros, passou a exigir que a mesma fosse regulada em lei ordinária editada pela União. A partir destas duas leis editadas pela União, o processo de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios segue a seguinte seqüência: 1o) realização e divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal; 2o) convocação da Assembléia Legislativa respectiva para a realização de plebiscito. É chamada a votar toda a população dos Municípios envolvidos, e não apenas os eleitores residentes no território onde pode ocorrer a transformação. A consulta obrigatoriamente deve ser prévia, mediante plebiscito, não se admitindo a transformação ad referendum da população (após ter sido editada a lei estadual); O art. 18, § 4º, da CF, neste ponto, também foi alterado pela EC 15, de 1996. Na redação anterior do dispositivo exigia-se consulta apenas às populações diretamente interessadas na alteração. Como visto, atualmente a consulta abrange a população de todos os Municípios envolvidos na alteração. Ademais, o STF é peremptório quanto à necessidade de consulta, e de consulta prévia, mediante plebiscito, à população dos Municípios envolvidos, considerando inconstitucional qualquer alteração no território de municípios que não observe esta etapa do procedimento. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 9 3o) realização do plebiscito, cuja organização compete à Justiça Eleitoral; 4o) se aprovada a transformação pela população, elaboração de projeto de lei ordinária estadual, no período determinado pela lei complementar federal. O projeto tramitará regularmente na Assembléia Legislativa e, se nela aprovado, será enviado ao Governador do Estado para veto ou sanção. Tanto os deputados estaduais como o Governador gozam de ampla autonomia nas suas decisões, não estando vinculados ao resultado positivo do plebiscito. Porém, se a proposta de transformação não for aprovada na consulta popular, encerra-se o processo, sendo inviável a elaboração do projeto de lei pela Assembléia. 6) VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS DE NATUREZA FEDERATIVA O art. 19 da Constituição Federal estabelece três regras proibitivas, todas de natureza federativa, com o objetivode reforçar o vínculo entre os diversos membros da Federação brasileira, ressaltando a sua posição de paridade. Dentro desse contexto de não-sobreposição, as vedações do art. 19 da CF visam a garantir um mínimo de equilíbrio e de harmonia entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como entre os cultos religiosos e as igrejas do Brasil, e mesmo entre todos os brasileiros, sejam natos ou naturalizados, seja qual for o ponto do território nacional em que residam ou venham a residir. Pela primeira, prescrita no inc. I, do art. 19, da CF é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. O dispositivo afirma, em termos peremptórios, que a República Federativa do Brasil é um Estado leigo ou laico, não imperando entre nós uma religião oficial, e havendo uma nítida separação entre o Estado e a Igreja, entre o poder temporal e o poder espiritual. Deste modo, proíbe-se tanto a instituição, por qualquer das unidades federadas, de uma religião oficial, como a interferência indevida em igrejas e cultos religiosos, seja para auxiliá-los, seja para prejudicá-los. Afrontam o dispositivo, por exemplo, a adoção de uma fé como obrigatória por escolas públicas; a previsão de recursos orçamentários para o desenvolvimento de determinada igreja ou culto; a nomeação de representantes religiosos, nesta qualidade, para cargos em comissão na Administração Pública e a criação de impostos sobre templo de qualquer culto (CF, art. 150, VI, b), entre outras possibilidades. A parte final do inciso, todavia admite a colaboração entre um ente federado e determinada igreja ou culto, nos termos de lei editada pelo ente e, tendo CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 10 em vista, a satisfação de certo interesse público (e não apenas dos adeptos do culto ou igreja). Em prosseguimento, o mesmo art. 19 da CF declara, no inc. II, ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “recusar fé aos documentos públicos”. Tal regra representa inegavelmente uma vedação de natureza federativa. Como todos os entes políticos que compõem a República Federativa do Brasil situam-se em posição de paridade, nos termos postos pela Constituição Federal, não pode qualquer deles recusar-se a reconhecer a eficácia jurídica de documentos emitidos por outro. Não há hierarquia entre os membros de nossa Federação, mas atuação coordenada, segundo o delineamento de nossa Constituição, não podendo, em vista disso, qualquer ente político recusar fé aos documentos oficiais emitidos pelos demais. Enfim, salvo quando houver fundada dúvida acerca de sua autenticidade, um documento emitido por certo ente federado faz prova, em termos formais e materiais, perante os demais. Finalmente, o inc. III, do art. 19, da CF declara ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si". A primeira parte da regra impõe a todos os entes federados tratar segundo os mesmos critérios todos os brasileiros, sejam natos ou naturalizados, qualquer que seja seu local de nascimento ou seu domicílio. Basta, pois, que se trate de um brasileiro, e automaticamente incide esta vedação federativa. É o que Alexandre de Moraes denomina princípio da isonomia federativa. Não, poderá, por exemplo, a União instituir tratamento diferenciado para os brasileiros que residam nas regiões Norte ou Nordeste, ou certo Estado estabelecer um tratamento privilegiado para os habitantes de seu território, ou um Município criar um tratamento mais rigoroso para os brasileiros oriundos de certas localidades ou regiões do País. Qualquer destas condutas ofende o inc. III, do art. 19, da CF. A parte final do dispositivo, por sua vez, impede que os entes federados instituam preferências entre si. A norma impede, pois, que a União, os Estados, o DF e os Municípios criem qualquer tipo de tratamento mais favorável a certos entes federados, em detrimento dos demais. Exemplo de aplicação direta desta proibição encontra-se no art. 150, VI, a, da CF, que estabelece a imunidade tributária recíproca entre os entes federados, ao prescrever que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Alexandre de Moraes, sobre o tema, apresenta o seguinte pronunciamento do STF: A imunidade tributária recíproca reforça a idéia central da Federação, baseada na divisão de poderes e partilha de competências entre os diversos entes federativos, todos autônomos, e tem sido consagrada CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 11 no direito constitucional brasileiro como um dos dogmas básicos de nosso Estado Federal, intangível em face da expressa previsão do art. 60, § 4°, inciso I, da Constituição Federal. 7) ENTES FEDERADOS 7.1) UNIÃO A União é o ente político central do nosso Estado, constituindo-se, bem como os demais entes federados, em pessoa jurídica de Direito Público interno, apta a adquirir direitos e obrigações em nome próprio. Na lição de José Afonso da Silva é, também, entidade de Direito Constitucional, porque criada pela Constituição e nela tem delineadas suas competências. As atribuições da União vêm prescritas nos arts. 21 a 24 da Constituição, e serão analisadas no momento próprio, mas devemos, neste ponto, tratar de uma das competências para ela estabelecida nestes dispositivos, mais precisamente, no art. 21, I, segundo o qual à União compete "manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais". Como acima afirmado, a União ostenta a condição de pessoa jurídica de Direito Público interno. Não é esta entidade, e sim o Estado brasileiro, a República Federativa do Brasil, ente composto pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, que se constitui em pessoa jurídica de Direito Público internacional, e que, portanto, mantém relações com Estados estrangeiros e participa de organizações internacionais, a exemplo da ONU e da OEA. Levando isso em consideração, podemos desde já concluir que a União poderá atuar em seu nome, na sua condição de pessoa jurídica de direito público interno, caso em que não terá aptidão para manter relação com outros Estados ou participar de organizações internacionais; ou poderá a União estar atuando em nome da República Federativa do Brasil, quando então, a partir da personalidade jurídica de Direito Público internacional do nosso Estado, estabelecerá relações com outros Estados ou atuará em organizações multilaterais. O Estado brasileiro é soberano; a União, uma das entidades políticas que o compõe, tão somente autônoma, mas quando atuar no exercício de uma das atribuições acima referidas o fará amparada no poder soberano do nosso Estado. Nesta situação estará também quando: (a) declarar a guerra e celebrar a paz; (b) assegurar a defesa nacional e (c) permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente (CF, art. 21, II a IV). Enfim, à União cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro, caso em que estará atuando em nome deste, o que ocorrerá nas hipóteses dos incs. I a IV da Constituição Federal. Além disso, atuando em CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br12 seu nome e no gozo de sua autonomia, caberá a ela exercer as demais competências outorgadas na Constituição. Por fim, em vista da sua condição de pessoa jurídica (de Direito Público interno), possui aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações em nome próprio. Sobre o ponto, conquanto extensa, é válida a transcrição da lição de José Afonso da Silva: A União, como mencionamos, é entidade de Direito Constitucional, não sendo certo que se caracterize também como pessoa jurídica de Direito Internacional. Isso, às vezes, se diz, tendo em vista que é pela União que a República Federativa do Brasil se representa nas relações internacionais. Isso quer apenas dizer que as relações internacionais do Estado brasileiro constituem matéria de competência exclusiva da União. Os Estados federados não dispõem dessa faculdade. São os órgãos da União que representam o Estado federal nos atos de Direito Internacional, porque o Presidente da República (Federativa do Brasil) é, a um tempo, Chefe do Estado brasileiro e Chefe do Governo Federal (Governo da União) - Chefe do Poder Executivo da União (art. 84). Não é, realmente, a União que aparece nos atos internacionais, mas a República Federativa do Brasil, de que ela é apenas uma das entidades componentes (art. 18). O Estado federal - a República Federativa do Brasil - é que é a pessoa jurídica de Direito Internacional. Na verdade, quando se diz que a União é pessoa jurídica de Direito Internacional, não se está dizendo bem isso, mas quer-se referir a duas coisas: (a) as relações internacionais da República Federativa do Brasil realizam-se por intermédio de órgãos da União, integram a competência desta, conforme dispõe o art. 21, incs. I a IV; (b) os Estados federados não têm representação nem competência em matéria internacional, nem são entidades reconhecidas pelo Direito Internacional, são simplesmente de direito interno. Na sua condição de pessoa jurídica de Direito Público interno, a União pode ser titular de direitos reais, bem como de direitos pessoais. O art. 20 da Constituição, tratando da matéria, assevera que são bens da União: (I) os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; (II) as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; (III) os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; (IV) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as áreas referidas no art. 26, II (redação dada pela EC 46, de 2005); (V) os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; (VI) o mar territorial; (VII) os CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 13 terrenos de marinha e seus acrescidos; (VIII) os potenciais de energia hidráulica; (IX) os recursos minerais, inclusive os do subsolo; (X) as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; (XI) as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Em complemento, o § 2º, do art. 20, da CF declara que "a faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei". E o § 1º, por sua vez, assegura, "nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração". 7.2) ESTADOS-MEMBROS Na parte inicial desta unidade, afirmamos que os entes políticos que integram nosso Estado são todos detentores de autonomia, nos termos prescritos pela Constituição. Neste ponto, antes de tratarmos propriamente dos Estados-membros, cabe apresentarmos de forma genérica quais são as quatro capacidades compreendidas na autonomia que a Constituição outorga às entidades políticas. Temos, assim, que os entes políticos, como decorrência de sua autonomia, detêm quatro capacidades, quais sejam: 1a) auto-organização: pela qual os Estados, o Distrito Federal e os Municípios elaboram suas Constituições e Leis Orgânicas. De notar-se que a União não detém capacidade de auto-organização, nos termos em que esta é aqui definida, uma vez que a Constituição Federal não é constituída por qualquer ente, ao contrário, ela os constitui, pois representa o marco inicial da nossa ordem jurídica e de todos os poderes de nossos entes federados; 2a) autogoverno: é a capacidade pela qual os entes federados estruturam com autonomia seus Poderes e elegem seus representantes nos Poderes Executivo e Legislativo; 3a) autolegislação: é a capacidade outorgada a cada ente federativo para editar atos normativos que inovam na ordem jurídica, dentro da distribuição de competências traçada na Constituição Federal; e 4a) auto-administração: manifesta a capacidade de cada ente político para prestar os serviços e desempenhar as atividades a eles cometidas pela Constituição que não estejam compreendidas nas demais capacidades. Isto posto, cabe-nos agora analisar o tratamento conferido pela Constituição aos Estados, nos seus arts. 25 a 28. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 14 7.2.1) Auto-organização e autolegislação A capacidade de auto-organização e de autolegislação dos Estados está contemplada no caput, do art. 25, da CF, nos termos do qual os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. Os Estados, com base nesse dispositivo constitucional, auto-organizam-se quando, no exercício de seu poder constituinte derivado decorrente, elaboram suas próprias Constituições estaduais, observados os limites materiais e formais a esta competência, prescritos na Constituição Federal e desempenham sua capacidade de autolegislação, quando editam sua legislação, inovando na ordem jurídica, de acordo com a competência por matéria traçada também na Constituição Federal. Quanto à capacidade de autolegislação, é válido ressaltar que o STF já assentou o entendimento de que é legítima a edição de medidas provisórias pelos Governadores de Estado, desde que a respectiva Constituição estadual contenha previsão deste instrumento legislativo. Tal previsão, se existente, deverá seguir os mesmos moldes com que a Constituição Federal trata desse ato legislativo, principalmente quanto aos requisitos materiais para a sua edição, a urgência e a relevância. No desempenho de ambas as capacidades, os Estados deverão observar os princípios constitucionais sensíveis, os princípios constitucionais estabelecidos e os princípios constitucionais extensíveis. Os princípios constitucionais sensíveis estão elencados no art. 34, VII, da CF, e sua inobservância por um Estado pode resultar na aplicação da mais grave medida política prevista na Constituição Federal, a saber, a intervenção federal, passível de ser decretada pela União, entre outras hipóteses,quando forem violados os seguintes princípios (os princípios constitucionais sensíveis): – forma republicana, sistema representativo, regime democrático; – direitos da pessoa humana; – autonomia municipal; – prestação de contas da administração pública, direta e indireta; – aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. Os princípios constitucionais estabelecidos são aqueles previstos expressamente na Constituição Federal como de observância obrigatória pelos entes federados em geral – União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em verdade, os princípios constitucionais sensíveis poderiam ser incluídos entre os princípios constitucionais estabelecidos, mas são arrolados à parte pelo fato de sua inobservância poder acarretar a decretação da intervenção federal ou estadual, conforme o caso. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 15 Assim, quando a União obriga os Estados (ou os demais entes federados) a algo ou quando lhes veda algo, explícita ou implicitamente, devem os Estados submeter-se a tais mandamentos, consagrando-os em suas Constituições, bem como na legislação a elas complementar. Os princípios constitucionais extensíveis são aqueles previstos expressamente no Texto Constitucional como vinculantes somente para a União, mas que foram estendidos também aos Estados (bem como aos Municípios e ao DF), por força do trabalho hermenêutico de nossa jurisprudência, capitaneada pelo STF, a partir de uma perspectiva sistemática e teleológica da Constituição Federal. Podemos citar, como exemplo, os princípios relativos ao processo legislativo federal, ao sistema de governo (parlamentarista ou presidencialista) e à organização e estruturação dos Tribunais de Contas. Desse modo, segundo essa perspectiva, os princípios constitucionais extensíveis são os princípios previstos expressamente na Constituição apenas para a União, mas que a doutrina e a jurisprudência, especialmente o STF, entendem como de observância obrigatória também para os demais entes federados; ao passo que os princípios constitucionais estabelecidos são aqueles que a própria Constituição, expressamente, estabelece como de observância obrigatória para todos os entes federados (para todos, para alguns ou para um deles, conforme o caso). De qualquer modo, nessa perspectiva tanto os princípios extensíveis como os estabelecidos são aplicáveis a todos os membros da nossa Federação. Fazemos tal consideração para introduzir a lição do Professor Alexandre de Moraes, que apresenta de forma ligeiramente diversa a matéria. É sua a seguinte lição: Os princípios federais extensíveis são as normas centrais comuns à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, portanto, de observância obrigatória no poder de organização do Estado. Poder-se-iam colocar nessa classificação os chamados por Raul Machado Horta de “Princípios da Constituição”. Por fim, os princípios constitucionais estabelecidos consistem em determinadas normas que se encontram espalhadas pelo texto da Constituição, e, além de organizarem a própria federação, estabelecem preceitos centrais de observância obrigatória aos Estados-membros em sua auto-organização. Dividem-se em normas de competência e normas de pré-ordenação. Como deflui da transcrição, segundo Alexandre de Moraes, os princípios extensíveis são as normas comuns a todos os entes federados, enquanto os princípios estabelecidos consistem em regras que organizam a Federação, além de alguns preceitos de observância obrigatória para os Estados-membros. Com relação aos princípios constitucionais extensíveis, entendemos que há compatibilidade entre a lição do Autor e o conceito antes exposto. O ponto de eventual controvérsia reside na definição do Autor quanto aos princípios CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 16 constitucionais estabelecidos, que deu margem a que o CESPE afirmasse que são eles aplicáveis somente aos Estados-membros. Discordamos desse posicionamento da banca, pois Alexandre de Moraes também considera princípios estabelecidos as normas que organizam a Federação. Ora, se organizam a Federação, aplicam-se a todos os entes federados. Evidentemente, como são normas expressas, podem ser previstas apenas para um ou alguns dos entes federados. Os arts. 27 e 28 da CF, por exemplo, aplicam-se somente aos Estados-membros e ao DF. O art. 31, § 4º, por outro lado, que veda a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais, aplica-se apenas aos Municípios, e assim por diante. O que queremos enfatizar é que não podemos considerar os princípios estabelecidos como restritos aos Estados, pois a própria Constituição impõe uma conclusão diversa. E entendemos que esse também é o posicionamento de Alexandre de Moraes, uma vez que o Autor considera que entre esses princípios estão aqueles que organizam a Federação, logo, são de observância obrigatória para os entes federados em geral. Enfim, trouxemos a discussão para publicizar o posicionamento que o CESPE adotou na matéria, com o qual não concordamos, pelos motivos já expostos, mas que deve ser conhecido para os concursos da entidade. Em prosseguimento, a Constituição não define especificamente quais as matérias que se inserem na competência legislativa dos Estados, à exceção daquelas elencadas entre as de competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. No mais, outorga aos Estados a competência legislativa remanescente ou residual (art. 25, § 1°), para tratar das matérias que não lhe sejam expressamente vedadas pela Constituição. Todavia, eventualmente essa regra é excepcionada, estabelecendo a Constituição certas matérias inseridas expressamente entre as de competência legislativa privativa dos Estados. A primeira hipótese em que isso ocorre encontra-se prescrita no art. 25, § 2°, da CF, que inicialmente confere aos Estados competência para explorar diretamente ou por meio de concessão os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei. A parte final do dispositivo prevê a competência legislativa privativa dos Estados-membros para legislar sobre a matéria, vedando que o façam mediante a utilização de medida provisória. A segunda está contida no art. 25, § 3°, da CF, que outorga aos Estados competência para, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Como ensina Alexandre de Moraes: Regiões metropolitanas são conjuntos de Municípios limítrofes, com certa continuidade urbana, que se reúnem em tomo de um município- pólo, também denominado município-mãe. Microrregiões também CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 17 constituem-se por municípios limítrofes, que apresentam características homogêneas e problemas em comum, mas que não se encontram ligados por certa continuidade urbana. Será estabelecido um município-sede. Por fim, aglomerados urbanos são áreas urbanas de municípios limítrofes, sem um pólo, ou mesmo uma sede. Caracterizam-se pela grande densidade demográfica e continuidade urbana. Quando existente tal agrupamento de Municípios limítrofes, a Constituição, a fim de aumentar a eficiência da atuação dos Estados, autoriza-lhes a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, conforme a hipótese,desde que o façam mediante lei complementar. É a segunda hipótese de competência legislativa outorgada com exclusividade aos Estados pela Constituição. 7.2.2) Autogoverno A terceira capacidade dos Estados é a de autogoverno, por meio da qual são os eleitores do Estado que elegem diretamente seus representantes nos Poderes Executivo e Legislativo – os Governadores e os deputados estaduais –, sem qualquer espécie de subordinação à União ou a qualquer outro ente federado. Segundo alguns doutrinadores, esta capacidade compreende também a autonomia conferida aos Estados para organizar seus Poderes Executivo (CF, art. 28), Legislativo (CF, art. 27) e Judiciário (CF, art. 125), respeitadas, evidentemente, as regras na matéria estabelecidas na Constituição Federal. O art. 27 da Carta Política estabelece o regramento básico do Poder Legislativo estadual: nomina o órgão legislativo – Assembléia Legislativa -; determina seu caráter unicameral; trata da sua composição e prescreve a duração do mandato de seus membros – os deputados estaduais –; estende a eles as regras sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas prescritas para os parlamentares federais; trata do seu subsídio; elenca as matérias sujeitas a regramento por ato normativo próprio da Assembléia Legislativa e, finalmente, prevê a iniciativa popular no processo legislativo estadual. O caput do dispositivo, que trata da composição da Assembléia Legislativa, dispõe que "o número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze". Nos termos do art. 45, § 1°, da CF, cabe à lei complementar fixar, no ano anterior a cada eleição, o número total de membros da Câmara dos Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal. Explicitando em outros termos a regra do art. 27, podemos concluir que se o Estado tiver até doze representantes na Câmara dos Deputados, basta multiplicar este número por 3, e teremos atingido o número de membros da CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 18 Assembléia Legislativa. Por exemplo, um Estado que tenha 9 representantes na Câmara dos Deputados terá 27 membros em sua Assembléia Legislativa. Em continuidade, se o número de deputados federais ultrapassar doze, a cada representante a mais no Legislativo Federal corresponderá um deputado estadual a mais na Assembléia Legislativa. Por exemplo, num Estado com 60 deputados federais, o número de deputados estaduais é encontrado multiplicando-se 12 por 3 (36), e acrescendo-se a esta soma o número de deputados federais superiores a 12 (48). Chegaremos, com isso, ao número de deputados que formará a Assembléia Legislativa, que, no caso, será de 84 (36 + 48). O § 1º, do art. 27, da CF estatui que "será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas". Quando tratarmos da organização do Poder Legislativo Federal retornaremos a este ponto. O § 2º do art. 27, por sua vez, reza que "o subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, na razão de, no máximo, 75% (setenta e cinco por cento) daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I". A redação atual do dispositivo é fruto da EC 19, de 1998. Na redação anterior cabia a cada Assembléia Legislativa, mediante decreto legislativo, fixar em cada legislatura para a subseqüente o valor da remuneração de seus membros. Atualmente, como se nota, a matéria deve ser tratada por lei ordinária, cuja iniciativa é de cada Assembléia Legislativa, o que significa que o Governador do Estado terá participação ativa na fixação dos subsídios, uma vez que poderá, no regular exercício de suas atribuições, sancionar ou vetar o projeto de lei aprovado pela Assembléia. Não se aplica mais a regra da legislatura, o que significa que o valor do subsídio dos Deputados Estaduais poderá ser alterado num período de tempo inferior a quatro anos; por outro lado, não poderá ultrapassar 75% do valor do subsídio, em espécie, fixado para os Deputados Federais. Os §§ 3º e 4º encerram o art. 27 da Constituição. A primeira norma determina que cabe a cada Assembléia Legislativa dispor sobre seu regimento interno, polícia e serviços administrativos de sua secretaria, bem como prover seus respectivos cargos. A segunda prevê que caberá à lei ordinária editada por cada Estado regular a iniciativa popular no processo legislativo estadual. O art. 28 da Constituição, na redação dada pelas EC 16, de 1997, e 19, de 1998, prescreve o regramento básico do Poder Executivo estadual. Inicialmente, estipula que a eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 19 antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subseqüente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77 (que regula a eleição para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República). Em prosseguimento, determina que perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V, que tratam, respectivamente, do afastamento do servidor de seu atual cargo, emprego ou função pública quando eleito para mandato eletivo federal, estadual ou distrital; do seu tempo de serviço e dos benefícios previdenciários em caso de afastamento. Encerrando o art. 28, o § 2º assevera que os subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado serão fixados por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. 7.2.3) Auto-administração Como última capacidade compreendida na autonomia dos Estados-membros, temos a capacidade de auto-administração, por meio da qual esses entes federados executam os serviços e atividades a eles outorgados pela Constituição Federal, seja em caráter exclusivo ou em comum com os demais entes federados. Como bem ressalta Alexandre de Moraes, a capacidade de auto- administração pressupõe a existência de um mínimo de recursos financeiros, o que é obtido pelos Estados principalmente mediante o exercício da sua competência tributária própria, tal como definida na Constituição, e pelos mecanismos de repartição de receitas tributárias, também definidos no texto constitucional. Vale relembrar o art. 25, § 2°, da CF que contempla uma hipótese de competência administrativa dos Estados, ao outorgar-lhes poder para explorar diretamente ou mediante concessão os serviços locais de gás canalizado. 7.2.4) Bens dos Estados O art. 26 da Constituição, em rol de natureza não-exaustiva, determina que incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio,excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 20 IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União. Sobre esse rol constitucional são cabíveis as seguintes considerações: 1°) o inc. I do art. 26, acima transcrito, confere aos Estados a propriedade das águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; Pela análise isolada do dispositivo, poderíamos concluir que as águas públicas, ressalvadas as oriundas de obras da União, integrariam o domínio dos Estados. Mas devemos relembrar que o art. 20, III, da CF, determina que pertence à União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. Logo, a partir de uma análise comparativa dos dois dispositivos, podemos concluir que integram o domínio federal as águas públicas mencionadas no inc. III, do art. 20, da CF e aquelas decorrentes de obras da União. As demais águas públicas pertencem aos Estados. 2°) nos termos do inc. II, do art. 26, da CF pertencem aos Estados as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros. Segundo o art. 20, IV, da CF, pertencem à União as ilhas oceânicas e as costeiras, ressalvadas aquelas pertencentes aos Estados e aquelas que contenham a sede de Municípios, integrando também o domínio federal mesmo as áreas nas ilhas que sediem Municípios, quando estejam afetadas ao serviço público ou à unidade ambiental federal. Da análise comparativa dos dois dispositivos podemos concluir que sempre integrarão o domínio da União as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras que estejam afetadas ao serviço público ou à unidade ambiental federal. No mais, as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras podem estar sob domínio da União, dos Estados, dos Municípios ou mesmo de particulares. 3°) o inc. III, do art. 26, da CF confere aos Estados a propriedade das ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União. Como, a teor do art. 20, IV, da CF, à União pertencem as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, podemos concluir, nos termos da Constituição, que as demais pertencem aos Estados; 4°) fechando o rol não-exaustivo do art. 26, determina seu inciso IV que aos Estados pertencem as terras devolutas não compreendidas entre as da União. Nos termos do art. 20, II, da CF, pertencem a União as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e edificações militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, na forma definida em lei. Logo, as demais terras devolutas pertencem aos Estados. A título de esclarecimento, terras devolutas são aquelas pertencentes ao domínio público e que não se encontram vinculadas a nenhuma destinação pública específica. Basicamente, são terras públicas sem destinação pública definida. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 21 7.3) MUNICÍPIOS As Leis Orgânicas municipais estão sujeitas à dupla vinculação: à Constituição Federal e à Constituição do respectivo Estado. Além disso, os Municípios não possuem representantes no Senado Federal, e os Prefeitos e as Câmaras Municipais, coletivamente, não detêm competência para o oferecimento de proposta de emenda à Constituição Federal. Enfim, o regramento constitucional dos Municípios distingue-se em aspectos relevantes do regramento constitucional da União, dos Estados e do Distrito Federal. Essas diferenças de tratamento jurídico, entre outras considerações, fizeram com que, nos anos imediatamente subseqüentes à entrada em vigor da Constituição Federal, muitos de nossos doutrinadores negassem aos Municípios a condição de verdadeiros entes federativos. José Afonso da Silva é um dos constitucionalistas que sustentou esse entendimento, como podemos concluir pela sua lição: A Constituição consagrou a tese daqueles que sustentavam que o Município brasileiro é "entidade de terceiro grau, integrante e ne- cessária ao nosso sistema federativo". Data venia, essa é uma tese equivocada, que parte de premissas que não podem levar à conclusão pretendida. Não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao conceito de federação brasileira. Não existe federação de Municípios. Existe fe- deração de Estados. Estes é que são essenciais ao conceito de qual- quer federação. Não se vá, depois, querer criar uma câmara de re- presentantes dos Municípios. Em que muda a federação brasileira com o incluir os Municípios como um de seus componentes? Não muda nada. Passaram os Municípios a ser entidades federativas? Certamente que não, pois não temos uma federação de Municípios. Não é uma união de Municípios que forma a federação. Se houvesse uma federação de Municípios, estes assumiriam a natureza de Estados-membros, mas poderiam ser Estados-membros (de segunda classe?) dentro dos Estados federados? Onde estaria a autonomia federativa de uns ou de outros, pois esta pressupõe território próprio, não compartilhado? Dizer que a República Federativa do Brasil é formada de união indissolúvel dos Municípios é algo sem sentido, porque, se assim fora, ter-se-ia que admitir que a Constituição está provendo contra uma hipotética secessão municipal. Acontece que a sanção correspondente a tal hipótese é a intervenção federal que não existe em relação aos Municípios. A intervenção neles é da competência dos Estados, o que mostra serem ainda vinculados a estes. Prova que continuam a ser divisões político-administrativas dos Estados, não da União. Se fossem divisões políticas do território da União, como ficariam os Estados, cujo território é integralmente repartido entre os seus Municípios? Ficariam sem território próprio? CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 22 Então, que entidades seriam os Estados? Não resta dúvida que ficamos com uma federação muito complexa, com entidades superpostas. Entretanto, apesar de posicionamentos desse teor, paulatinamente foi-se consolidando o entendimento de que os Municípios são verdadeiros membros de nossa Federação, e que as peculiaridades de seu tratamento constitucional de forma alguma os coloca em nível hierárquico inferior ao dos demais entes federativos. O STF e o STJ já emitiram pronunciamentos no sentido de que os Municípios são efetivamente entes federados, gozando das quatro capacidades que integram a autonomia política: (1) auto- organização; (2) autogoverno; (3) autolegislação e (4) auto- administração. Pela auto-organização, o Município elabora sua lei orgânica, segundo os ditames do art. 29 da Constituição Federal. Pela autolegislação, o Município edita atos normativos que inovam na ordem jurídica, segundo a distribuição de competências por matéria posta na Constituição. Detém o ente competência legislativa exclusiva (art. 30, I), para legislar sobre assuntos de interesse predominantemente local, e competência legislativa complementar (art. 30, II), para integrar a legislação federal e estadual, complementando-a em face das suas peculiaridades. Pela capacidade de autogoverno, o eleitorado municipal, sem qualquer ingerência federal ou estadual, elege o Prefeito,o Vice-Prefeito e os membros da Câmara Municipal, mediante pleito direto e simultâneo em todo o País. Pela capacidade de auto-administração, o Município cria, mantém e desenvolve seus serviços próprios, sejam os serviços administrativos voltados para a manutenção da máquina pública, sejam os serviços públicos propriamente ditos, voltados à satisfação das necessidades dos munícipes. Nos termos do art. 29 da Carta, cada Município será regido por Lei Orgânica, que deve ser votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, sendo necessário o voto de dois terços dos membros da Câmara Municipal, em ambos os turnos, para a sua aprovação, após o que caberá também ao Legislativo municipal promulgá-la. Caberá à Lei Orgânica municipal organizar os Poderes Executivo e Legislativo municipais, estabelecer os mecanismos de relacionamento e de controle recíproco entre os Poderes, tratar dos órgãos propriamente administrativos, indicar as matérias de competência legislativa exclusiva do Município e aquelas de competência legislativa supletiva, bem como sua competência comum com os demais entes federados. Ainda, deverá a Lei Orgânica detalhar o processo legislativo municipal e conter as normas básicas de tributação e finanças, além das demais matérias de interesse municipal. O caput, do art. 29, da CF, na sua parte final, assevera que, ao tratar desses temas, deverá a Lei Orgânica municipal respeitar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado. A seguir, o mesmo dispositivo constitucional determina um rol de preceitos de CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 23 observância obrigatória pela Lei Orgânica, o conteúdo básico a ser observado nesse diploma legislativo. José Afonso da Silva esclarece que diversas matérias prescritas no art. 29 da Carta não são suscetíveis de tratamento de Lei Orgânica Municipal, nos seguintes termos: Certa "incisomania", na redação da Constituição, levou o constituinte a incluir como inciso do art. 29 matérias que não podem constituir conteúdo da Lei Orgânica municipal, porque não se trata de assunto de sua competência, tais como as referentes à definição de eleições, duração de mandato, pleito direto e simultâneo em todo o País (como, que Município pode tratar disso?), época das eleições e princípio da maioria absoluta (dois turnos), número de Vereadores, referindo-se a mínimos e máximos na generalidade dos Municípios (como se isso pudesse ser objeto da Lei Orgânica), e até o privilégio de foro do Tribunal de Justiça, para julgamento do Prefeito. Enfim, toda a matéria constante dos incs. I, II, IV e VIII do art. 29 é de competência do constituinte nacional. Constituíam artigos, mas a preocupação em fazer a Constituição parecer com menor número de artigos, embora com a mesma quantidade de matéria, levou a Relatoria a transformá- los em incisos, inadequadamente, com sérios prejuízos para o bom entendimento do texto. A Lei Orgânica pode até repetir essa matéria, inutilmente. Apesar das colocações do renomado Autor, em nosso entender o legislador constituinte, no art. 29, apenas instituiu alguns preceitos de observância obrigatória pelos legisladores municipais na elaboração das leis orgânicas, de modo que, ao elaborarem o diploma constitucional estadual e tratarem das matérias mencionadas, no art. 29, o façam em conformidade com os preceitos postos no Texto Maior. De qualquer modo, os preceitos em questão são os seguintes: a) a eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito, para um mandato de quatro anos, obedece às regras do sistema majoritário, e será realizada mediante pleito direito e simultâneo em todo o País, admitindo-se, a teor do § 5°, do art. 14, da CF, a reeleição do chefe do Poder Executivo municipal para um único período subseqüente. A eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito será realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, havendo segundo turno se o Município tiver mais de duzentos mil eleitores e nenhum dos candidatos obtiver a maioria dos votos válidos no primeiro turno da eleição. A posse dos candidatos eleitos ocorrerá em 1° de janeiro do ano subseqüente ao das eleições. b) a eleição dos Vereadores, para um mandato de quatro anos, também ocorre mediante pleito direto e simultâneo em todo o País, e segue as regras do sistema proporcional. O número de vereadores será, portanto, proporcional à população de cada Município, observados os seguintes parâmetros: CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 24 – mínimo de nove e máximo de vinte e um Vereadores nos Municípios de até um milhão de habitantes; – mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um Vereadores nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; – mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco Vereadores nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes. c) o subsídio do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais será fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. Esta regra consta do inc. V, do art. 29, da CF, e foi reformulada pela EC 19, de 1998. Na redação anterior do dispositivo a remuneração dos Prefeitos, dos Vice-Prefeitos e dos Vereadores era fixada pela Câmara Municipal, por ato próprio, em cada legislatura para a subseqüente, sem qualquer participação do chefe do Poder Executivo. Atualmente, é matéria de lei ordinária a fixação do subsídio do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários municipais (que não constavam na redação anterior), cujo projeto é de iniciativa da Câmara Municipal, não se aplicando mais a regra da legislatura. Com isto, de um lado passa o chefe do Poder Executivo a intervir diretamente no processo, uma vez que o projeto de lei aprovado pela Câmara será remetido à autoridade para veto ou sanção; de outro, não se proíbe que possa haver alteração do valor dos subsídios dentro da própria legislatura. d) o subsídio dos Vereadores será fixado pelas Câmaras Municipais, por ato próprio, em cada legislatura para a subseqüente, observadas as regras postas na Constituição Federal e na respectiva Lei Orgânica (CF, art. 29, VI). A matéria – subsídio dos Vereadores – foi objeto de sucessivas alterações por força de emendas à Constituição, inicialmente pela EC no 1, de 1992, e posteriormente pelas EC 19, de 1998, e 25, de 2000. Tais emendas instituíram um rigoroso tratamento sobre os subsídios dos Vereadores e sobre as despesas em geral das Câmaras Municipais, de modo que um tratamento completo da matéria atualmente exige a análise conjunta de quatro dispositivos constitucionais, os incs. VI e VII, do art. 29 e o caput e § 1º, do art. 29-A, da Constituição. Pela análise dos referidos dispositivos, verificamos que são quatro os parâmetros a serem observados na fixação do subsídio dos Vereadores, a saber: (a) o total da receita do Município; (b) o valor do subsídio dos deputados estaduais; (c) o número de habitantes do Município e (d) a receita orçamentária da Câmara Municipal. Esses quatro parâmetros são assim disciplinados na Constituição: 1°) o valor do subsídio dos Vereadores será fixado pela própria Câmara Municipal, em cada legislatura para a subseqüente, e observará os seguintes limites máximos (CF, art. 29, VI): CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 25 - em Municípios de até 10.000 habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a 20% do subsídio dos Deputados Estaduais; - em Municípios de10.001 a 50.000 habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a 30% do subsídio dos Deputados Estaduais; - em Municípios de 50.001 a 100.000 habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a 40% do subsídio dos Deputados Estaduais; - em Municípios de 100.001 a 300.000 habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a 50% do subsídio dos Deputados Estaduais; - em Municípios de 300.001 a 500.000 habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a 60% do subsídio dos Deputados Estaduais; - em Municípios de mais de 500.000 habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a 75% do subsídio dos Deputados Estaduais. 2°) o total da despesa com o subsídio dos Vereadores não poderá ultrapassar o montante de 5% da receita municipal (art. 29, VII); 3°) o total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar determinados percentuais, relativos ao somatório da receita tributária própria do Município e das transferências tributárias previstas na Constituição, efetivamente realizado no exercício anterior (art. 29-A, caput). Os percentuais são os seguintes: - 8% para Municípios com população de até 100.000 habitantes; - 7% para Municípios com população entre 100.001 e 300.00 habitantes; - 6% para Municípios com população entre 300.001 e 500.00 habitantes e - 5% para Municípios com população de mais de 500.000 habitantes. 4°) a Câmara Municipal não poderá gastar mais de 70% da sua receita com folha de pagamento, incluído no percentual o gasto com o subsídio dos Vereadores(art. 29-A, § 1º). O § 3° do mesmo art. 29-A tipifica como crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito à regra contida no § 1° do artigo. E o § 2° do art. 29-A tipifica como crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: (a) efetuar repasse que ultrapasse os limites definidos no caput e no § 1° do art. 29-A; (b) não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês ou (c) enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária municipal. De se observar, por fim, que o subsídio dos vereadores deve ser fixado em cada legislatura para a subseqüente, não podendo ser fixado para vigorar na CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 26 própria legislatura. O STF já teve oportunidade de afirmar, no Rextr. n. 172.212-6/SP, que a fixação dos subsídios para viger na própria legislatura configura-se "ato lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, patrimônio moral da sociedade". e) é assegurado aos Vereadores inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município, sendo-lhes aplicáveis proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto na Constituição Federal para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa (CF, art. 29, VIII e IX); O inc. VIII contempla a imunidade material dos vereadores, por opiniões, palavras e votos relacionados ao exercício do mandato e nos limites da circunscrição municipal, previsão imunizante que abrange as responsabilidades política, civil, penal e disciplinar. Não há previsão de imunidades formais aos Vereadores, relativas ao processo judicial penal e à prisão, nem é possível que exista tal previsão nas Leis Orgânicas ou mesmo nas Constituições estaduais. Do mesmo modo, não se admite que as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas venham ampliar a imunidade material conferida pela CF aos Vereadores. Admite-se, entretanto, que as Constituições estaduais instituam o Tribunal de Justiça local como o juízo natural para, originariamente, processar e julgar os Vereadores pelo cometimento de infrações penais comuns. A essa matéria voltaremos quando do estudo das garantias constitucionais aos membros do Poder Legislativo. f) o julgamento do prefeito será realizado perante o respectivo Tribunal de Justiça. Ademais, está a autoridade sujeita à pena de perda do mandato quando, durante seu transcurso, assumir cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse decorrente da aprovação em concurso público e observadas as disposições dos incs. I, IV e V, do art. 38, da Carta (CF, art. 29, X e XIV); g) em fechamento ao art. 29 da CF, seus incisos XI, XII e XIII determinam como preceitos de acatamento obrigatório pela Lei Orgânica: (a) organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal; (b) cooperação das associações representativas no planejamento municipal e (c) iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado. 7.3.1) Foro por prerrogativa de função dos Prefeitos A Emenda no 01, de 31/3/1992, no art. 29, X, conferiu aos Prefeitos foro privilegiado no caso de infrações penais, a saber, o respectivo Tribunal de Justiça, pelo seu Plenário ou órgão fracionário. É este, pois, o juízo natural dos prefeitos. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconursos.com.br 27 Todavia, a Constituição não detalhou esta competência, não especificou a que tipo de delito penal aplica-se o foro por prerrogativa de função, se se limita aos crimes comuns; se se estende ou não aos crimes dolosos contra a vida, aos crimes de competência da Justiça Federal e aos crimes eleitorais. Em face dessa lacuna normativa, coube à jurisprudência definir a competência para o julgamento do chefe do Executivo municipal. É o Tribunal de Justiça competente, originariamente, para o processo e o julgamento dos prefeitos por crimes de competência da Justiça Estadual. Esta competência permanece na hipótese de crimes dolosos contra a vida, afastando-se, no caso, a incidência do art. 5°, XXXVIII, da CF, que prevê o Tribunal do Júri, em vista da especialidade da previsão do inc. X, do art. 29, da CF. Desse modo, por crimes dolosos contra a vida os prefeitos serão julgados originariamente pelo Tribunal de Justiça local, e não pelo Tribunal do Júri. Já no caso de delitos eleitorais a competência do Tribunal de Justiça é afastada, cabendo originariamente o processo e o julgamento do prefeito municipal ao Tribunal Regional Eleitoral. No caso de crimes praticados contra bens, serviços ou interesse da União, de suas autarquias ou de empresas públicas federais, também não incide a competência do TJ, sendo o prefeito julgado perante o respectivo Tribunal Regional Federal. Na hipótese de processo-crime contra prefeitos em virtude de desvio de verbas repassadas pela União, mediante convênio, aplicam-se duas súmulas do STJ para a definição da competência. Pela primeira, a Súmula no 208, “compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeito à prestação de contas perante órgão federal”. Pela segunda, a Súmula no 209, “compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”. Analisando conjuntamente as súmulas, podemos concluir que, na hipótese de desvio de verbas cuja aplicação está sujeita à prestação de contas perante órgão federal, a competência para o julgamento é do Tribunal Regional Federal, salvo quando o recurso foi incorporado ao patrimônio municipal, caso em que a competência passa a ser do Tribunal de Justiça local. Cabe, agora, definirmos a competência para processo e julgamento dos prefeitos pela prática de crimes de responsabilidade, pois a mesma varia conforme se
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