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Deficiência Intelectual e Física Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Responsável pelo Conteúdo: Profa. Profa. Dra. Magda Marly Fernandes Revisão Textual: Profa. Profa. Ms. Rosemary Toffoli 5 Un id ad e Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Nesta Unidade, teremos como foco os pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual e física. Para falar em educação dessas pessoas, precisaremos antes compreender como as representações sociais e conceituais se configuraram em cada época, até chegarmos ao conceito da deficiência como diversidade, e escolarização como direito e acesso à cidadania. A partir dos paradigmas educacionais balizados em saberes dominantes, as pessoas com deficiência intelectual e física saem do completo descaso, eliminação e exploração, para uma perspectiva de reconhecimento de suas capacidades, e conceituação de deficiência, não mais como doença ou defeito, mas como diversidade. Esta unidade tem como objetivo auxiliar o entendimento sobre a inclusão dos alunos com deficiência intelectual e física na escola e na sociedade, e os determinantes que levaram a educação no Brasil a se tornar um direito civil, um bem social e uma ponte para a vida independente. De início, a unidade apresenta Calendário Histórico que irá nortear as descrições dos fatos e saberes que marcaram época e desviaram os rumos da história, promovendo a inclusão das pessoas com deficiência intelectual e física que hoje lutamos para ser plena. A unidade foi organizada em torno de pressupostos históricos, sociais, econômicos e políticos que geraram paradigmas, com ideais e ideologias em cada época, ilustradas pelo trato educacional dada à pessoa com deficiência intelectual e física. A unidade é composta de dois tópicos 1. Inclusão de pessoas com deficiência intelectual e física – uma questão de paradigmas. 2. Principais paradigmas da educação. Cada um desses tópicos permite-nos ter uma visão diferenciada sobre a trajetória da educação das pessoas com deficiência, principalmente a intelectual e física, oferecendo sustentabilidade à gestão do profissional para o seu atendimento pedagógico, uma vez que a ação profissional não está isenta das influências da política e dos saberes da sua época. Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Introdução • Inclusão de pessoas com deficiência intelectual e física – uma questão de paradigmas • Representações sociais e conceituais sobre as pessoas com deficiência intelectual e física na história ocidental - paradigmas da educação Fonte: T hinksrock / G etty Im ages 6 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual É importante perceber que o estudo desta unidade traz determinantes que levaram a educação Brasileira a optar por uma Escola Inclusiva e de Qualidade numa construção ainda em andamento. Para se chegar ao entendimento de deficiência como diversidade e não como defeito, existiu uma série de fatos, dos quais, os movimentos sociais liderados pelas pessoas com deficiência tiveram voz. Nesta unidade, trataremos de mostrar como a construção dos processos de inclusão e de exclusão da pessoa com deficiência intelectual e física relaciona-se a ideologias dominantes, numa determinada época, lugar e circunstância, e ao poder dos interesses sociais, políticos e econômicos. A descrição histórica vem contextualizada e ilustrada por vídeos e links que você deve acessar para melhores esclarecimentos. O centro da unidade tem como foco os paradigmas da educação das pessoas com deficiência, especificamente, a intelectual e física, uma vez que, em termos sociológicos, estas deficiências foram as mais marcadas pelas exclusões. Você encontrará, no decorrer do estudo, frases em destaque apontando marcos históricos e características dos paradigmas, e também desafios e reflexões para um trabalho interativo e próximo ao leitor que também participa das descobertas de como nossos comportamentos e trato na educação de pessoas com deficiência intelectual e física foram configurando até chegar na concepção de escola como direito civil, um bem social inalienável e alicerce para a vida independente das pessoas com deficiências. Contextualização 7 Podemos afirmar que, apesar de haver muitas mudanças, o paradigma que humaniza ainda se faz emergente em muitas regiões, em muitos modelos de governar, e em nossos pensamentos. Nesse panorama, até repetitivo quando se fala de inclusão escolar das pessoas com deficiências, é preciso admitir que a história veio tecendo as forças da legislação, das cotas, dos critérios de beneficiamento previdenciários, e dos recursos assistidos para o acesso aos conhecimentos científicos, artísticos e culturais das pessoas com deficiências. São frutos garantidos hoje à custa de sacrifícios, submissões e reivindicações. As pressões dos movimentos sociais foram imprescindíveis na América Latina a partir da década de 1960 e, precisamente no Brasil, depois da ditadura militar, na década de 1990, quando os direitos universais dos brasileiros foram assegurados na Constituição Federal de 1988, derivado da vontade social de construir uma sociedade mais humana e digna, democrática por excelência, e pluralista que respeitasse a diversidade e desse oportunidades a todos sem dissensões. Video Notícias BBC – Brasil 24 – 02 – 2012 » http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2012/02/24/policia-e-portadores- de-deficiencia-se-enfrentam-durante-protesto-na-bolivia.htm - Acessado em 21 de setembro de 2014. www Inclusão de pessoas com deficiência intelectual e física – uma questão de paradigmas Em cada época da História, os mecanismos de exclusões vêm sendo superados e as representações sociais negativas sobre as pessoas com deficiências também. Mas frequentar a escola comum e ser aceito no mercado de trabalho são determinantes para viver com dignidade. Nesse ponto específico, inclusão depende de paradigmas relacionados à vida e à dignidade. Havemos de refletir sobre pressupostos da inclusão escolar e as pessoas com deficiência. O velho paradigma entra em crise porque já não oferece mais respostas aos problemas enfrentados pela sociedade. O paradigma que toma a frente se desenvolve em uma nova direção, mas não elimina o anterior. Aí está a questão. Teremos nazistas, em meio aos ambientalistas; corruptos em meio à democracia; teremos guerras em nome da paz; injustiças dentro das próprias leis, práticas inclusivas em sistemas de escolas excludentes, ações desumanas em programas humanitários. Introdução 8 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Podemos conviver com dois ou mais paradigmas numa mesma época, porque as formas de pensar e de agir de um deles ainda serão praticadas, mesmo que coibidas, condenadas ou repugnadas. Daí a necessidade, hoje, de se romper totalmente com paradigmas excludentes, tomando-os como ensinamentos, para que não se repitam mais as injustiças e desumanidades. “O meu patriotismo não é exclusivo. Engloba tudo. Eu repudiaria o patriotismo que procurasse apoio na miséria ou na exploração de outras nações. O patriotismo que eu concebo não vale nada se não se conciliar sempre, sem exceções, com o maior bem e a paz de toda a humanidade.” Fonte: http://www.mensagenscomamor.com/frases_de_gandhi.htm#ixzz3E2qWWGiY Principais paradigmas da educação e as pessoas com deficiência As maneiras de pensar, refletir, agir, sofrem influências dos saberes dominantes que são dissipados na sociedade numa determinada época e lugar por detentores desse saber. São detentores do saber os cientistas, os políticos, entidades religiosas,educadores e pensadores. Estes saberes, quando compartilhados e tomados como verdades, por sua força de dominação cultural, criam crenças e convicções que norteiam, dão rumos, influenciam decisões políticas, práticas sociais e tendências educacionais segundo as circunstâncias, interesses ou necessidades. Ir contra os paradigmas excludentes, significa negar o senso comum, resistir aos propósitos desses saberes, e aos suportes que os governos lhes dão. As injustiças sociais, o caos e violências de toda ordem, o consumismo exacerbado, a fome e a miséria são consequências de paradigmas das formas de governar e de prover políticas de interesses econômicos inconsequentes. O mesmo se dá com o avanço das tecnologias, as descobertas da medicina, as técnicas de restauração da vida, as leis em defesa dos direitos humanos, as práticas de preservação ambiental. Estes também são decorrentes de paradigmas, porém com foco na sustentabilidade. A crise paradigmática atual é notória. Não temos mais como continuar numa sociedade na qual prevalece o tratamento desigual, em que as precariedades fazem perecer comunidades e nações com desparecimento de espécies e fontes de vida não renováveis. Esse caminho, com certeza, não levará a lugar algum. Quando um novo paradigma surge, há uma espécie de revolução econômica, social e educacional. Trocando Ideias Neste momento, estamos no século XXI. E a vida no planeta está ameaçada. Todos nós precisamos REaprender coisas sob uma nova ótica que permita transformar realidades iníquas. Saber escutar e tratar melhor os jovens, as crianças, os idosos, as mulheres, os trabalhadores do campo e da cidade. Precisamos pensar e agir compromissado politicamente, tomando posição contra os descasos e os descuidos; tomar da natureza somente o necessário, recuperá-la e dividir o excedente; aprender a se posicionar em favor da paz com justiça, empoderando os pobres e desvalidos - sujeitos concretos em suas realidades concretas produzidas pelos governos inconsequentes. Precisamos construir a Paz e a Sustentabilidade em todos os espaços 9 Representações sociais e conceituais sobre as pessoas com deficiência intelectual e física na história ocidental - paradigmas da educação Veja a figura - Ela apresenta um esquema linear da história da humanidade, embora em nossas descrições, serão pontuados os eventos que mudaram rumos e ritmos da história, mudanças de paradigmas sobre educação e deficiência. Fonte: fazendohistorianova.blogspot.com .br Silva (1987)1, um pesquisador contemporâneo sobre deficiências, diz que, nos primórdios da civilização, o desafio dos grupos humanos era a sobrevivência. Na pré-história, o enfrentamento dos humanos para escapar de predadores não seria fácil, assim como não seria fácil manter um grupo ileso sem perdas de vidas. Os grupos uniam-se por afinidades e habilidades. Presume- se que as capacidades sensoriais deveriam ser aguçadas, ouvir bem e enxergar bem. Outras habilidades eram imprescindíveis como correr, trançar, atravessar rios, subir em árvores, pensar estrategicamente, dividir, compartilhar, passar conhecimentos, cuidar, divertir. Tais conhecimentos eram ensinados para todos, porque uns cuidavam dos outros. Manter-se vivo era o desafio que envolvia conhecimento. [...] durante muitos milênios dominando apenas armas de curto alcance, não há dúvida que os requisitos básicos para a atividade principal, que era a caça, eram a sua inteligência muito superior à dos animais cobiçados, a capacidade de atuar em grupos bem coordenados e criativos e . . . uma capacidade física total. Dessa forma, é muito difícil imaginarmos como um homem ou uma mulher poderiam sobreviver naquelas remotas eras com uma deficiência física muito limitadora (SILVA, 1987, p.16). Vídeo A Guerra do Fogo » https://www.youtube.com/watch?v=xsXWm1DLzwo - Acesso em 21 de setembro de 2014. www 1 SILVA, Oto Marques. A epopeia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo, CEDAS- Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde, 1987. 10 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Durante todo o período anterior ao surgimento das grandes civilizações, na pré- história, a história das relações dos grupos sociais e as pessoas com deficiências estariam baseada em suposições. Há de se imaginar que a Educação era pela luta de sobrevivência, não só de si, mas de todos do grupo, porque uns dependiam dos outros. A Antiguidade (contada a partir de 4.000 a.C.) é marcada pelas civilizações. O domínio de conhecimentos possibilitou fazer com que grupos humanos se instalassem em regiões e criassem suas cidades, com um poder de ordenação social. Já dispunham de tecnologias como agricultura, edificações, pecuária, artesanato de roupas, cordas, ferragens etc. Isaias Pessotti (1984)2, um historiador que reuniu o maior número de documentos sobre a deficiência intelectual, não faz menção sobre a Antiguidade por se tratar de documentos raros e nem sempre comprobatórios. Silva (1987) relata: [...] na Roma Antiga, tanto os nobres, como os plebeus tinham permissão para sacrificar os filhos que nasciam com algum tipo de deficiência. Da mesma forma, em Esparta, os bebês e as pessoas que adquiriam alguma deficiência eram lançados ao mar ou em precipícios. Já em Atenas, influenciados por Aristóteles, que definiu a premissa jurídica até hoje aceita de que “tratar os desiguais de maneira igual constitui-se em injustiça” os deficientes eram amparados e protegidos pela sociedade (p.16)3. Em pesquisas registradas no jornal científico “The Ancient History Bulletin”, datado de 1996 (p.79-92), a pesquisadora Ruth Ondenziel coloca em cheque a eliminação de bebês na Grécia Antiga pelo simples fato de terem anomalias. Pesquisando o infanticídio na Antiguidade, escreve que, em alguns lugares e contextos, a noção de moral, do que é certo e errado eram diferentes. O infanticídio de bebês do sexo feminino, por exemplo, era relacionada ao controle de natalidade. Como a concepção cultural de deformidade se perdeu, a pesquisa não precisa os reais acontecimentos da época como a eliminação de deficientes ao nascimento ou na infância. (In FERNANDES, 2002:20)4. O Paradigma na Antiguidade no trato das pessoas com deficiência intelectual e física provavelmente em alguns locais seria o abandono, em outros, o da Eliminação uma vez que não havia a noção de direitos para essas pessoas. Ao povo competia produzir, reverenciar e sustentar o poder na situação de escravos. Durante a guerra, ter força física para lutar. Os que detinham algum conhecimento como Arquitetura, Arte da Guerra, serviam aos palácios na condição de conselheiros, súditos e protetores do trono. O populacho apenas produzia, não usufruía a não ser o que era permitido, e viva à própria sorte. 2 PESSOTTI, Isaias. Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: EDUSP 1984. 204p. 3 Ibidem n.1. 4 FERNANDES, Magda Marly. Autonomia e independência do jovem com deficiência mental: depoimentos sobre esses objetivos do Saesp. Dissertação de mestrado. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2002. 11 A Idade Média teve a marca dos saberes teocêntricos e vai do século V d.C, até o século XV. Nesse período, o domínio da Igreja impera e até supera o poder do Estado. Os conhecimentos acumulados da Antiguidade dos povos dominados eram guardados em monastérios e manipulados para controlar a população. Muitos dos fenômenos da natureza eram atribuídos à vontade divina, para mostrar que os escolhidos por Deus eram sacerdotes. A Inquisição Católica chegou a seu ápice entre os séculos XV e XVI. As contradições e revelações contrárias significavam desobediência; heresia ou sacrilégio. Houve perseguições, queimações, açoitamentos, enforcamentos, torturas durantemais de mil anos. Esse período foi nomeado como a Era das Trevas pelos horrores praticados. As decisões sobre o destino desses “sub- humanos” dependeria de julgamentos dos inquisidores. Explore » Assista o vídeo no link - https://www.youtube.com/watch?v=yhUmvpGy3zk www Paradigma sobre as pessoas com deficiência intelectual na idade média - Expiação - Exposição – Abrigamento (este último, só para os filhos de nobres). A expiação foi uma prática comprovada. Expiar deriva do latim = um castigo ou sofrimento de pena imposto por forças divinais ou demoníacas sobre quem delinque; serviria de compensação do pecado dos pais ou da comunidade. A penitência era a deformação, uma praga que poderia ser multiplicada. Expor uma pessoa com marcas da deficiência em praça pública seria o mesmo que expor o produto de um pecado cometido pela sociedade. Apedrejar ou queimar esse símbolo de pecado era uma forma de purificação. [...] À Igreja caberiam os julgamentos e investigações dos mistérios da alma e suas “anormalidades”: Os problemas considerados mentais, as deformidades, os vícios e as traições continuariam a passar pelo martelo da inquisição (KRAMER, Heinrich e SPRENGER, Jacobus. 1487) [...] A ética humana reduziu-se a julgamentos sobre o que seria moral e imoral, segundo os preceitos da Igreja que santificava os que mereciam ser santificados (os bem dotados e nobres), e amaldiçoava os impuros, incapazes, estúpidos ou brutos. A Igreja foi um poder estatal sem precedentes. (FERNANDES, 2010: 95-96)5 Ser Bobo da corte era uma prática medieval, com critérios sofisticados. A pessoa com deficiência deveria cantar, recitar poesias, tocar um instrumento. Os filhos da nobreza com deficiências poderiam ser asilados pela Igreja e tomados de seus bens como pagamento das despesas pelo abrigamento. No século XVI, a Igreja, ao considerar todo ser vivente um filho de Deus, mudou o status da condição de mulher, escravo e da pessoa com deficiência intelectual. O lugar teológico poupou-lhes a vida, mas não lhes deu cidadania ou direitos. Acolheu-os caritativamente as crianças como “les enfants do bom Dieu” ou “cristãozinhos”. “Cristiano” (na tradução de algumas regiões da Itália com o significado de pobre coitado) e “Chretien”, na tradução francesa, deu origem ao termo médico cretin, e idiot no inglês, utilizado pela sociedade de medicina, desde então, até a década de 1950, no século XX. 5 ________. A mediação de conflitos como via para uma cultura de paz, inclusão social e exercício da cidadania. As experiências de professores que atuaram na década de 1990 na Cidade Tiradentes - Zona Leste da Cidade de São Paulo. PUC/SP. Tese de doutorado em Educação e Currículo. 2010. Orientador Prof. Dr. Alípio Marcio Dias Casali. 12 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Madona Willys, de Giovanni Bellini (1480-90). Fonte - Wikimedia Commons Na Idade Moderna, o antropocentrismo foi a característica dos saberes dominantes no período que vai do renascimento do século XVI até meados do século XVIII. A Idade Média encerra-se com a queda do Império Bizantino, em 1453, culminando também com a descoberta da América, em 1492, e logo após a descoberta do Brasil, em 1500. O marco do término é a revolução Francesa. Durante todo o século XVIII – XIX e XX, o homem torna-se o centro do mundo, e domina o saber e a natureza à sua volta; deseja provar as causas e efeitos de todos os fenômenos. Criam-se as abordagens científicas dentro de uma rigidez de racionalidade pura (sem controvérsias). A razão é primordial, e quem é visto como desprovido de razão, corria o risco de ser submetido à escolarização como adestramento. É uma época em que as deficiências são especuladas, os pobres, desacreditados, as crianças submetidas num mundo cada vez mais regido pelas respostas científicas de uma comunidade dominante. A primazia era o desempenho intelectual, a beleza física e a raça pura. É a mudança de uma mentalidade baseada no Teocentrismo (tipicamente medieval) e a substituição dessa pelo Antropocentrismo, em que o homem coloca-se no centro do Universo. Ele se coloca como ser racional, belo (perfeito), culto e produtivo que são questões ligadas à matéria e à posse (valor material ou materialismo), e o uso deste homem para a produção, consumo e acúmulo de riqueza. 13 O famoso Homem Vitruviano, de Leonardo Da Vinci Fonte - iStock / Getty Images Saiba Mais Na Idade Moderna, a pessoa com deficiência intelectual e física tinha como destino o ASILAMENTO junto aos pobres, desvalidos, velhos e doentes. A conotação de aprendizagem seria, em alguns casos, uma educação com caráter de ADESTRAMENTO já que eram considerados brutos, e por serem brutos (selvagens), consequentemente, passíveis de adestramento Os que conseguiam corresponder às exigências nos asilos eram classificados como melhores que os outros. Iniciam-se as tentativas de classificação e de separação da deficiência (perda) com a demência (doença mental), mas numa concepção ainda misturada com a concepção de cura de um mal ou doença. Vídeo Victor – O Menino Selvagem de François Truffaut » https://www.youtube.com/watch?v=b5CKltq3Uf4 www 14 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual A primeira definição sobre deficiência intelectual foi prescrita na medicina do século XIX como: um germe doentio, transmitido de pais para filhos, responsável por aspectos morais, pessoais, infecciosos e acidentes obstétricos, que provaram a herança idiota [...] enquanto transmitida hereditariamente escapa do campo da cura e a reclusão em ambientes especiais pode transformar um bruto, inconveniente, perigoso, inútil e perturbado em um sujeito decente, inofensivo, capaz de prestar à sociedade alguns serviços em troca de cuidados e da proteção que recebe dela”.(Dictionnaire Enciclopedique dês Sciences Médicales. Paris.—1869.-89.— Imp.E. Martinet., 100 vols. 4- CHAMBARD, In, Pessotti, 1984) O paradigma era a internação, pois era preciso separar para adestrar. A não aprendizagem significava eterna reclusão. Com avanço das ciências, os asilos encheram-se de médicos e terapeutas ligados às doenças da mente e do corpo. A Igreja foi perdendo a força na entrada da Idade Moderna. Não tinha mais suporte para creditar o improvável. O destino das pessoas com deficiência intelectual foi a reclusão, afastamento sumário de suas famílias e da sociedade onde seriam submetidas a experimentações. Nesses locais, pela mistura que havia entre os asilados, buscava-se o sujeito produtivo, aquele que mostrava condições de desenvolver algum tipo de tarefa ou trabalho interno já que, embora abrigados, tinham que prover seu próprio sustento. “[...] não se pune, nem se abandona o deficiente, mas também não se sobrecarrega a família. Abre-se inúmeros hospitais e leprosários, também chamados de hospícios [...] construídos pela nobreza, as vezes com suntuosidade que pareceria irônica; obras primas da arquitetura, ou meros casarões [...] esses lugares abrigavam em total promiscuidade, prostitutas, idiotas, loucos, libertinos, delinquentes, mutilados e possessos que só em Salpêtriere (Hospital), perfaziam um total de 8000 pessoas. (PESSOTTI, 1984:24). Nos asilos, foi possível perceber diferenças entre as pessoas de conduta antissocial, das marginalizadas, foras da lei e pessoas com deficiências e, através de treinamentos, as possibilidades de sua utilidade na sociedade. O ser útil era o ser “recuperado”. Pinel em Salpêtrière, por Tony Robert-Fleury. Fonte - Wikimedia Commons Com a Revolução Francesa, em 1792, é declarado o primeiro documento de direitos inalienáveis – a Carta dos Direitos do Homem - faz menção do conhecimento como direito, e de muitos outros direitos, que são retomadosno século XX, na Declaração dos Direitos Humanos 15 Universais, em 1948, e assinados por vários países entre eles o Brasil. Por isso, em todas as leis brasileiras, deve prevalecer a justiça. De lá para o século XX, o paradigma da educação da pessoa com deficiência intelectual que ainda era o da internação, segregação e abrigamento, passa a da escolarização e a frequentar escolas especiais e classes especiais. Na década de 1950 até 1970, tínhamos apenas uma escolarização segregada para as crianças com deficiência intelectual dentro de instituições. Era uma escola que, para funcionar, deveria dispor de atendimento médico e terapêutico contando com psiquiatras, fisioterapeutas, atendimento odontológico, psicólogo etc. A orientação era mais médica do que pedagógica. Os filhos de famílias economicamente desfavorecidas continuavam na situação de abrigamento ou em casa. No Brasil, a luta por direitos à educação da pessoa com deficiência intelectual inicia-se apenas nos meados do século XX. Na década de 1950, as classes especiais, ainda que de forma segregada, eram um avanço para tirar as crianças das escolas especiais que funcionavam a parte do ensino comum, ficando as crianças sujeitas a terapias intermitentes, pouca escolarização e longe de seus pares. A escola criou uma dependência das orientações médicas sem assumir os desafios pedagógicos. Os pioneiros da educação, já em 1932, queriam a concepção de escola como um espaço público disponibilizado para todos. Anísio Teixeira sintetizou as ideias da educação brasileira como libertária e vê no currículo parte do processo de vida e de organização social e não uma intervenção pedagógica puramente ingênua e cega como apolítica. A educação seria para TODOS. Em seus relatórios, a escola que fugia da reflexão crítica das realidades e do povo tornava-se um instrumento contra ele, inconsciente da situação de vida dos estudantes e suas realidades. (MOREIRA, 1990:4, IN FERNANDES, 2010). O Golpe Militar interrompeu o progresso de democratização da escola pública e das ideias de educação libertária e seus idealizadores foram perseguidos. A escola estandartizada para os mais competentes criou mecanismos de exclusões com investimentos direcionados às privatizações, impedindo milhares de pessoas, notadamente os pobres, ou seja, aqueles que tinham mais dificuldades, a chegar a níveis mais altos de escolarização. As “escolas especiais”, em sua maioria, privadas, estavam direcionadas para um atendimento “clínico”. Elas multiplicaram-se no Brasil ao lado das clínicas de reabilitação. Correntes de movimento de educadores, pais e pessoas com deficiências começaram a pressionar fortemente na década de 1970 por mais direitos. Classes especiais foram criadas para alunos com deficiência intelectual considerada de grau “leve”. Destaque - O Paradigma era o da Integração. A integração era uma via de mão única, segundo a qual os alunos deveriam ser “preparados” e demonstrar “condições” acadêmicas para ser integrado nas classes comuns. No entanto, a reintegração era difícil devido às marcas deixadas pelos efeitos da segregação, dentro da própria escola. As crianças, ao serem reintegradas nas salas de aula comum, não permaneciam, eram desligadas, ou alvo de preconceitos. Após a Ditadura Militar, a escola pública e gratuita foi legalmente garantida pela Constituição Federal do Brasil em 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996. Os alunos com deficiência passariam a estudar nas salas comuns e, se necessário, ter suportes, apoios e recursos para o acesso aos conhecimentos. 16 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Destaque - A Inclusão foi o movimento mundial de direitos às pessoas que historicamente sofriam exclusões na escola. Entre elas, as pessoas com deficiências. A Inclusão passa a ser entendida como via de mão dupla, segundo a qual o ambiente inclusivo seria o alvo das transformações, propiciando aos alunos acolhimento, acesso ao conhecimento, relações de convivência; as pessoas com deficiência passaram a ter a escola como direito inalienável, e a deficiência passa a ser vista como diversidade e não mais um “defeito”. Paralelamente aos acontecimentos no Brasil e na América Latina, o homem chega a Lua em 1969. A partir desse acontecimento, temos o paradoxo: entre as tentativas de procurar vida fora da Terra e vidas sendo destruídas na Terra! Vídeo David Attenborough - Wonderful World - BBC » https://www.youtube.com/watch?v=B8WHKRzkCOY www As ideias ecológicas e a crise paradigmática dos saberes dominantes se iniciam dentro deste paradoxo: de um lado a sofisticação tecnológica das descobertas, mais escolas e instrução, mais qualidade de vida e direitos humanos, e de outro a exploração e destruição da natureza; a desigualdade social marcada pela fome e a miséria, discriminações, apartheids, conflitos armados tendo como centro o dinheiro e a economia selvagem. O paradigma de aumento de capital sem precedentes deixa de ser defensável. É preciso frear o desmatamento, a caça predatória de animais, a discriminação de grupos sociais, preservar culturas e garantir direitos. O foco do paradigma que desponta é a garantia e sustentabilidade da vida em todos os aspectos a ela inerentes. Destaque - O reconhecimento da diversidade como natural e especial em todos os alunos direcionou procedimentos democráticos para a condução do processo do ensino e aprendizagem de TODOS os alunos da escola, com propostas e responsabilidades elaboradas em parceria com a família, a comunidade, os gestores, universidades e governos. A luta pela inclusão ainda é uma construção em andamento. Na atualidade, a vida como personagem central da tutela ambiental, a escola dedica-se ao humano e, a partir dele, reorganiza-se em torno das práticas da democracia, investe na organização política interna, na questão da economia sustentável, relacionamentos sociais e ambientais mais saudáveis. Gentile (2003) esclarece-nos sobre a gestão democrática na escola como favorecimento da inclusão: a escola, como espaço de convivência da diversidade, deve ser entendida como espaço democrático de desmascaramento das exclusões, pois “o silêncio, a atenuação, a ocultação edulcorada da exclusão faz com que esta se torne mais poderosa, mais intensa, menos dramática e, portanto, mais efetiva” (PABLO GENTILI, 2003, p. 42)6. 6 GENTILI, P.; ALENCAR C. Educar na esperança em tempos de desencanto. Petrópolis: Vozes, 2003. 17 Material Complementar História da Sindrome de Down (Texto) » http://espacodown.wordpress.com/historia-da-sindrome-de-down/ - Acesso em 21 de setembro de 2014 Caminhos para a inclusão: um guia para o aprimoramento da equipe escolar. PACHECO, J. et al. - Porto Alegre: Artmed, 2007. A obra foi produzida durante os anos de 1998 a 2001 por uma equipe colaborativa da Áustria, da Islândia, de Portugal e da Espanha como parte do Projeto Leonardo da Vinci, denominado “Melhoramento da Habilidade dos Professores quanto à Inclusão (em inglês, ETAI). Tal projeto baseia-se em vários estudos de casos de esforços bem-sucedidos direcionados à educação inclusiva em escolas obrigatórias nos quatro países. Vídeos MANDOKY, Luis. Gaby: A True Story (Original). Drama de uma história real – de Gaby Brimmer. EUA, 1987. (vídeo) Sinopse: Gabriela Brimmer nasceu com paralisia cerebral e só conseguia mexer seu pé esquerdo. Ela começou a usar esses movimentos para se comunicar e conseguiu se tornar uma reconhecida escritora e poetisa. » https://www.youtube.com/watch?v=JSwOk92C9cs - Acesso em 26 de fevereiro de 2015 HUGO, Victor. O Corcunda de Notre Dame – Dublado Sinopse: Primeira versão sonora cinematográfica do livro clássico de Victor Hugo. A versãodo cinema mudo foi estrelada por Lon Chaney (1923). Esta produção estrelada por Charles Laughton, que estava no auge de sua carreira quando personificou Quasímodo (o Corcunda), recebeu duas indicações ao Oscar, em 1939. É provavelmente, a melhor interpretação dada ao triste personagem, morador da Catedral de Notre Dame, que perambula pelos impressionantes cenários de Paris, criados especialmente para o filme, em Hollywood. Maureen O’Hara está perfeita como a linda cigana Esmeralda. » https://www.youtube.com/watch?v=9irQ_aTx-Lk - Acesso em 26 de fevereiro de 2015 18 Unidade: Pressupostos epistemológicos e paradigmas voltados às pessoas com deficiência intelectual Referências ARANHA, Maria Salete Fábio. Visão histórica da inclusão. Projeto Escola Viva. Garantindo o acesso e permanência na escola. Alunos com necessidades especiais. Brasilia: Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial.2006, vol.5. FERNANDES, Magda Marly. Autonomia e independência do jovem com deficiência mental: depoimentos sobre esses objetivos do Saesp. Dissertação de mestrado. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2002. ________________________. A mediação de conflitos como via para uma cultura de paz, inclusão social e exercício da cidadania. As experiências de professores que atuaram na década de 1990 na Cidade Tiradentes - Zona Leste da Cidade de São Paulo. PUC/ SP. Tese de doutorado em Educação e Currículo. 2010. Orientador Prof. Dr. Alípio Marcio Dias Casali. Disponível em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_arquivos/11/TDE-2011-01- 28T14:00:22Z-10637/Publico/Magda%20Marly%20Fernandes.pdf PAULON, SimoneMainieri; FREITAS, Lia Beatriz de Lucca; PINHO,Gerson Smiech.. Documento subsidiário à política de inclusão. Freitas,. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005. 48 p. PAN, M. A. G. de S.O direito a diferença: uma reflexão sobre a deficiência intelectual e educação inclusiva. Curitiba: Editora InterSaberes, 2013. PESSOTTI, Isaias. Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: EDUSP 1984. 204p. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/7175077/Isaias-Pessotti-Deficiencia-Mental-Da- Supersticao-a-Ciencia - Acessado em 21 de setembro de 2014. SILVA, Oto Marques. A epopeia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo, CEDAS- Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde, 1987. 19 Anotações
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