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Disciplina: Psicologia da Saúde Aula 2: Saúde como qualidade de vida Apresentação: Nesta aula, discutiremos o conceito de saúde, suas implicações e refletiremos como o profissional de saúde pode apropriar-se deste conceito para cuidar do ser humano de forma holística e desenvolver atividades de proteção, prevenção e recuperação da saúde. Bons estudos! Objetivos: Reconhecer a importância do direito à saúde para o homem; Analisar a interseção entre o sujeito normal e o patológico; Reconhecer a qualidade de vida como um fator subjetivo e a autonomia do sujeito com o qual lidamos. A multidimensionalidade do conceito de saúde Sendo a saúde essencial ao homem, como entender o que é saúde? O que é saúde mental? Como podemos entender o conceito de saúde? E mais: O conceito de perfeita saúde é utopia? Como cada sujeito avalia sua qualidade de vida? Como a área da Saúde que se dedica à arte, que é a arte de cuidar, pode colocar em prática o conceito holístico de saúde, que abrange mente e corpo? Atendimento médico | Fonte: Shutterstock Saiba mais Assista ao vídeo “Psicologia como auxílio à área médica <https://youtu.be/TvvHUjDt0QA> ” e conheça como a Psicologia pode contribuir com a área médica. Já que estamos tratando da interdisciplinaridade entre Psicologia e as disciplinas da Área de Saúde, podemos pensar: Quais contribuições a Psicologia tem para oferecer, para auxiliar no processo de cuidar? 01 Primeiramente, discutiremos as implicações do conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) . 02 Depois enfocaremos o conceito de normal e o conceito de sujeito. Esta sequência visa o entendimento das nuances do conceito de qualidade de vida. Buscaremos relacionar a singularidade do sujeito e sua inserção numa história, e finalmente procuraremos pontuar as aproximações possíveis entre a Psicologia e disciplinas do Campo da Saúde. Ou seja, ajudar cada profissional de Saúde a apropriar-se de uma forma de cuidar que não desconsidere a existência de um sujeito que se expressa através do seu próprio sentido. Definição da OMS A Organização Mundial de Saúde define saúde como: 1 Um estado total de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença. (OMS, 1947, p. 1) Logo da OMS | Fonte: http://www.who.int <http://www.who.int> Tomaremos essa definição da OMS como uma bússola, pois o conceito da perfeita saúde e bem-estar total soa como uma utopia, como um ideal que pode parecer inatingível. Entretanto, pode servir como um norte para o profissional de Saúde orientar suas ações. Lunardi (1999) mostra que, no exercício da Enfermagem, é necessário pensar o conceito de saúde, para que ele não seja usado de forma linear, nem se torne um dogma. Doença, saúde e normalidade A orientação dada por Lunardi na tela anterior, nos serve como ponto de partida para uma reflexão: A própria definição do que é saúde ou doença implica o conceito de normalidade? Este conceito não é linear e tem desdobramentos segundo as várias perspectivas em que é abordado. Para entender o processo que se dá entre o indivíduo e seu padecimento, as reflexões sobre o normal e o patológico nos ajudarão a delimitar o lugar do sujeito e sua interpretação, o sentido que ele dá ao seu padecimento. Entender como a subjetividade influencia a percepção do sofrimento ajuda o profissional de Saúde a criar estratégias para ajudar seu paciente a melhorar sua qualidade de vida. Como o profissional pode entender o indivíduo e seu sofrimento? 2 Como pode buscar trabalhar operacionalmente estes conceitos no processo de cuidar? Como utilizar o conceito holístico para orientar sua prática? Vamos seguir respondendo a esses questionamentos. O sujeito: limite entre o normal e o patológico É Canguilhem (1999 p. 90), filósofo e médico francês, quem nos ajudará a encaminhar estas questões. Ele nos dá uma contribuição de uma forma muito fecunda na problematização da relação entre o normal e o patológico. Ele mostra como esta divisão não é externa ao próprio sujeito, que é subjetiva e não objetivável por um critério imperativo de saúde válido igualmente para todos. O filósofo destaca a autonomia do ser humano e mostra uma subjetividade atuante em jogo, tanto no que é saúde como no que é doença. Georges Canguilhem | Fonte: http://claudiopaguiar <http://claudiopaguiar.blogspot.com.br/2015/09/e- book-lendo-georges-canguilhem-o.html> Para ele, os desvios mentais só ocorrem referidos à saúde. “A saúde é o silêncio dos órgãos”, ressalta (1999, p. 90). Essa afirmação lembra que a saúde só é revelada quando há perturbação, quando não há mais silêncio dos órgãos, mas quando eles “falam”. Isto quer dizer que não há “normal” ou “anormal” em si, mas que ambos estão intimamente relacionados, porque o normal só é revelado quando há perturbação na saúde, isto é, quando há infrações à norma. O caráter dito utópico que é criticado na definição de saúde da OMS aqui pode ser encarnado em uma relação do sujeito consigo mesmo. Nesta perspectiva, só podemos nos referir, então, a um estado de saúde normal depois de uma perturbação da consciência concreta da vida. O que quer dizer que a doença não é uma substância em si, definível, mas que aponta para uma normalidade, e não o contrário. Singularidade do sujeito Essa forma de colocar a relação intrínseca entre a normalidade e seu contrário aponta para a singularidade do sujeito, pois a norma não é geral, mas diz respeito a uma relação do sujeito consigo mesmo. O que queremos ressaltar com esta contribuição é que a norma é individual. Ou seja, só se poderia falar de desvio da norma referindo-se a um estado anterior de um mesmo indivíduo. Atenção Esta é uma indicação muito importante, para que o profissional de Saúde seja advertido de que a norma de saúde é aplicável de modo dogmático e categórico, mas que a avaliação da qualidade de vida decorre da singularidade de cada indivíduo. Assim, o máximo de bem-estar desejável de ser alcançado como um direito inalienável do homem, definido no conceito de saúde da OMS, pode ser entendido, nos termos de Canguilhem, como uma máxima que diz respeito ao indivíduo. Isso porque a vida é uma potência dinâmica de superação. Neste sentido, as anomalias, tanto somática quanto psíquica, devem ser sentidas diferentemente. Atendimento médico | Fonte: Shutterstock Anomalia e “normalidade” A anomalia só pode ser considerada por referência a um estado prévio de um mesmo indivíduo. Mulher| Fonte: Shutterstock Embora o conceito de saúde proposto pela OMS se pareça como uma máxima universal no que nos concerne aqui, trata-se de um “normal” que não é correlativo a um conceito social. Ou seja, uma norma social não é válida para analisar o que é um desvio em termos individuais. Isso nos leva a tomar o conceito de saúde da OMS nesta perspectiva: há um sujeito que se define por capacidade psíquica de julgar se não são mais normais como antes e quando voltarão a sê-lo. O homem julga seu futuro pelas vivências passadas, assim voltar a ser normal é retornar a uma atividade interrompida ou a uma atividade equivalente. Diminuição da atividade A diminuição da atividade, mesmo com comportamentos possíveis menos variados, não é vivenciada pelo indivíduo como um déficit. 3 Idosa enferma | Fonte: Shutterstock Atuar numa perspectiva de que o sujeito é sua própria medida dá um saber ao profissional de Saúde para ajudar os indivíduos a encontrar outra qualidade de vida, nova, diferente, mas que o ajude no processo criativo de seu existir. O essencial, para um indivíduo que passou por uma experiência de enfermidade, é poder sair de uma situação onde se defrontava com a impotência. É poder avaliar positivamente sua vida como uma qualidade,e não como um déficit, pois embora o indivíduo possa não se avaliar da mesma forma que em seu estado anterior, o novo estado pode ainda ser percebido pelo sujeito como um ganho. Aquilo com que o profissional de Saúde lida, na sua prática, é também com uma subjetividade que vivencia seu próprio “estado de bem-estar”. Adaptação a novas situações O que está sendo ressaltado é a capacidade do indivíduo de se adaptar a novas situações, e não uma medida de seu rendimento. O “normal” e o “anormal” devem ser definidos de modo mais fino de acordo com as normas individuais, e não levando em conta o que pode ser definido em relação a uma norma social. O que buscamos ressaltar na relação entre o conceito de saúde universal da OMS e o sujeito em sua singularidade é que o universal da saúde precisa ser encarnado na percepção que o sujeito tem de sua própria posição na vida. Nesta perspectiva, o que pode provir disto de utilidade para o processo de cuidar? Como o profissional de Saúde deve entender o sentido de estado de saúde, ou de ser saudável? Como atingir as metas do processo de cuidar sem desconsiderar a subjetividade? O que há de relevante nestes comentários é que a questão da representação da saúde é subjetiva, e não há critério exterior. A saúde é vivenciada como possibilidade de o indivíduo dar sentido à sua condição humana. O profissional de Saúde e o conceito da OMS Lunardi (1999) problematiza de forma extremamente interessante o uso que o profissional de Saúde pode fazer da máxima do conceito de saúde da OMS. Saber que a forma como o indivíduo vivencia sua própria doença de forma singular é um fator de extrema importância, que deve ser levado em conta pelo profissional de Saúde no processo de cuidar, ajudando na recuperação e manutenção da qualidade de vida. Mulher doente | Fonte: Shutterstock A arte de cuidar do profissional de Saúde pode encontrar subsídios nesses conceitos para promover ações de saúde, uma vez que sua atuação está direta e indiretamente relacionada tanto com o bem-estar físico como mental do indivíduo. Nesta perspectiva, cabe destacar como podemos situar o sujeito e sua história. Lunardi (1999) enfatiza que há um limite entre a utopia da saúde perfeita e a vontade dos sujeitos. Em suas palavras: (...) A questão da saúde, na vida, assim como o direito (e o dever?) ou não à vida, à saúde, ao corpo, à felicidade, à satisfação das necessidades dos sujeitos, o direito de ser o que se é, são questões que podem ou não estar perpassando muitas das práticas dos profissionais que atuam na área de saúde e agem em nome da defesa da saúde das pessoas. O conceito de sujeito e a singularidade Em que o conceito de sujeito em sua singularidade pode auxiliar o profissional de Saúde a entender o conceito de qualidade de vida? Parece ser interessante e necessário trazer este conceito para que possamos compreender a necessidade de tomar o indivíduo como sua própria referência. Ao focalizar o conceito de normal, nos questionamos sobre a externalidade do conceito. O conceito de sujeito coloca a pessoa como central no processo de interpretar seu mundo e vivenciar seus sintomas. Grupo de pessoas com um homem à frente | Fonte: Shutterstock Reconhecer a especificidade do que a Psicologia clínica entende como sujeito ajudará o profissional de Saúde a apropriar-se do conceito de saúde e de qualidade de vida não como dogmas, mas como horizontes na construção de estratégias de ação de promoção e manutenção da saúde que concerne à arte de cuidar. Para melhor situar o conceito de qualidade de vida, deve- se entender o caráter subjetivo que está subjacente à enfermidade-doença. Nesta perspectiva, entender o caráter histórico e biográfico do sujeito nos auxiliará a entender suas interpretações do que é bem-estar e qualidade de vida. Para a Psicologia clínica, o psiquismo é fundamentalmente histórico. Não há, propriamente falando, uma natureza imutável no conceito de sujeito. Origem no sentido A Psicologia clínica concebe um sujeito cuja “origem se define no sintoma como a colocação em palavras de seu sofrimento” (Dalgalarrondo, 2000). O que está colocado pela Psicologia clínica é, justamente, um sujeito que tem sua origem no sentido. Na perspectiva do sentido, o sujeito é pensado como um ser que interpreta à sua maneira os fatos que vivencia. É neste sentido que a subjetivação não é direta. Atendimento psicológico | Fonte: Shutterstock Os psicólogos jamais apreendem diretamente a subjetividade, mas os atos dos sujeitos que têm uma significação singular, que se expressam muito além da soma de seus sintomas. Spink (2003) enfatiza que cabe à Psicologia recuperar o indivíduo na intersecção de sua história com a história de sua sociedade. Produtor da realidade Spink mostra que o indivíduo está sempre em estrita relação com o seu meio social, mas que ele é produtor da realidade, e que o sujeito como produto e produtor da realidade social está em contínuo processo de conhecimento (p. 41). 4 Interação social| Fonte: Shutterstock É desta forma, proposta pelo autor, que devemos entender que os atos e os pensamentos de um sujeito não são um comportamento sem significação. Se não podemos apreender diretamente a subjetividade, o acesso que temos a ela é através de atos e do sentido que o sujeito constrói constantemente em interação com a cultura. Nos atos de um sujeito, surge desvelada sua forma de pensar e interpretar sua vida, seu sofrimento, e também sua qualidade de vida. A subjetividade se desvela, portanto, através dos atos dos sujeitos. Não há nada na origem dos atos de um sujeito que já não traga seu sentido. Atenção É importante destacar que esse sujeito não se restringe ao nível biológico, que não é um ser estático, acabado, mas em constante movimento. É neste sentido que o sujeito está perenemente em um processo de reordenação e reestruturação. A qualidade de vida Então, o que é qualidade de vida? O que é o conceito de bem-estar? Este é sentido igualmente por todos? Como cada sujeito interpreta a realidade de maneira singular? A mesma situação é igualmente interpretada por todos que estão sofrendo do mesmo mal? Duas mãos voltadas uma para a outra com um coração no centro. | Fonte: Shutterstock Já enfatizamos, quando falamos do sujeito, que a forma como avaliam os eventos que ocorrem nas suas vidas são interpretações de suas vivências. Retomamos agora este conceito de sujeito para fazer uma aproximação da definição de qualidade de vida. Será que a qualidade de vida não é uma interpretação subjetiva de um bem- estar que se aproxima da definição da OMS, que a qualidade de vida é “a percepção do indivíduo em sua posição na vida”? Saiba mais Para abordarmos o conceito de qualidade de vida e seus impasses, tomemos como ponto de partida a definição de qualidade de vida da OMS: “(...) A percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (WHO, 1998, p. 27). Leia o texto “Subjetividade como essencial no reconhecimento do bem-estar <galeria/aula2/anexo/subjetividade.pdf> ” e aprofunde seus conhecimentos no conceito de bem estar. Atividade Agora que já abordarmos o conceito de qualidade de vida e seus impasses, assista ao vídeo abaixo e discorra sobre ele contextualizando com o que vimos nessa aula. Sessão de Terapia https://www.youtube.com/embed/L7axk6q6B3Y Notas Organização Mundial de Saúde (OMS) A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Lunardi 1 2 Valéria Lerch Lunardi possui graduação em Enfermagem (1976-UFRGS), mestrado emEducação (1994 – UFRGS) e doutorado em Enfermagem (1997 – UFSC). Conceito de saúde proposto pela OMS “Um estado total de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência da doença”. Spink A psicóloga social Mary Jane Spink trouxe à reflexão a constatação de que “o direito à saúde se faz acompanhado do dever de se manter saudável”. Referências CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000. LUNARDI, V. L. Problematizando conceitos de saúde a partir do tema da governabilidade dos sujeitos. Porto Alegre: R. Gaúcha Enfermagem, v. 20, a. 1, p. 26-40. Jan. 1999. SPINK, Mary Jane P. Psicologia Social e saúde: práticas, saberes e sentidos. 2. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. Próximos Passos • Os desdobramentos da história das doenças psicossomáticas; • Os conceitos da Filosofia na conceituação da psicossomática até as formulações atuais; • Como os sintomas psíquicos parecem ser a causa das doenças psicossomáticas; • A importância da lógica das doenças psicossomáticas. Explore mais 3 4 Leia o artigo “Problematizando conceitos de saúde, a partir do tema da governabilidade dos sujeitos <http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/viewFile/4219 /2229> ”.
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