Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 DEPARTAMENTO DE CIENCIAS BIOLOGICAS, AMBIENTAIS E DA SAUDE CURSO DE CIENCIAS BIOLÓGICAS FUNDAMENTOS DE GEOLOGIA E PALEONTOLOGIA 2 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA A ciência da terra é, nos dias atuais, imprescindível para o entendimento da origem da vida e para a busca de respostas para análises geográficas, geológicas, arqueológicas, paleontológicas e dos processos evolutivos dos vegetais e animais. As fundamentações geológicas são de total importância para as Ciências Biológicas por garantir, à mesma, estruturas de sustentação para o estudo teórico da distribuição geográfica de espécies em detrimento da separação de continentes e da teoria da tectônica de placas. Essa presença traz consigo a inserção dos fundamentos dessa ciência de forma interdisciplinar na vida escolar dos estudantes de biologia. Outras noções da Geologia também são importantes como a escala do tempo geológico utilizada constantemente pelos biólogos e paleontólogos. A informação sobre a vida do passado geológico (como eram os organismos do passado, como viviam, como interagiam com o meio, como evoluiu a vida ao longo do tempo) está contida nos fósseis e na sua relação com as rochas e os contextos geológicos em que ocorrem. O mundo biológico que hoje conhecemos é o resultado de milhares de milhões de anos de evolução. Assim, só estudando paleontologicamente o registo fóssil - o registo da vida na Terra - é possível entender e explicar a diversidade, a afinidade e a distribuição geográfica dos grupos biológicos atuais. Inversamente, com base no princípio de que "o presente é a chave do passado", enunciado por Charles Lyell, partindo do conhecimento dos seres vivos atuais, partindo do seu estudo biológico, pode extrapolar-se muita informação sobre os organismos do passado, como o modo de vida, tipo trófico, de locomoção e de reprodução, entre outros, e isso é fundamental para o estudo e a compreensão dos fósseis. A partir dos fósseis, uma vez que eles são vestígios de organismos de grupos biológicos do passado que surgiram e se extinguiram em épocas definidas da história da Terra, pode fazer a datação relativa das rochas em que ocorrem e estabelecer correlações (isto é, comparações cronológicas, temporais) entre rochas de locais distantes que apresentem o mesmo conteúdo fossilífero (fósseis-guia). O estudo dos fósseis e a sua utilização como indicadores de idade das rochas são imprescindíveis, por exemplo, para a prospecção e exploração de recursos geológicos tão importantes como o carvão e o petróleo. É com esse escopo que é proposta a disciplina “Fundamentos em Geologia e Paleontologia”, fornecendo subsídios geológicos e paleontológicos que auxiliem o futuro biólogo no exercício de sua profissão no campo ambiental e educacional. Além do mais, o Estado de Minas Gerais faz parte da renomada lista que envolve pesquisas científicas na área da geologia e paleontologia no Brasil, junto a Estados como o Rio de Janeiro, Acre, Rio Grande do Sul e Ceará. O estado de Minas Gerais está inserido nesse contexto tanto no tocante à qualidade e à capacidade técnica desenvolvidos por alguns centros de pesquisa públicos e privados, como por abrigar um vasto tesouro de fósseis de paleovertebrados, registrados principalmente na região do Triângulo Mineiro e bacia do Rio das Velhas. A apostila em questão visa dar suporte didático ao estudante de paleontologia, apresentando-se em dois módulos: Aulas Teóricas (AT) e Aulas Práticas (AP). Lembre-se que um fóssil é um achado raro, portanto, ao manusear as peças dispostas nas arquibancadas, tenha um cuidado maior, pois se trata de um material que guarda informações que servem de ferramentas científicas no estudo de diversos campos de conhecimento das ciências. 3 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO GEOLÓGICO E PALEONTOLÓGICO Shen Kua (1031-1095), China, formulou uma hipótese de explicação da formação de novas terras, baseando-se na observação de conchas fósseis de um estrato numa montanha localizada a centenas de quilómetros do oceano. O sábio chinês defendia que a terra formava-se a partir da erosão das montanhas e pela deposição de silte; Peri lithon, de Teofrasto (372-287), estudante de Aristóteles permaneceu por milênios como obra de referência na ciência. A sua interpretação dos fósseis apenas foi revogada após a Revolução científica. A sua obra foi traduzida para latim, bem como para outras línguas européias. Georg Agricola (1494-1555), médico que escreveu o primeiro tratado sobre mineração e metalurgia, De re metallica libri XII 1556 no qual se podia encontrar um anexo sobre as criaturas que habitavam o interior da Terra (Buch von den Lebewesen unter Tage). A sua obra cobria temas como a energia eólica, hidrodinâmica, transporte e extracção de minerais, como o alumínio e enxofre. Nicolaus Steno (1638-1686), Bispo de Hamburgo, foi o autor de vários princípios da geologia como o princípio da sobreposição das camadas, o princípio da horizontalidade original e o princípio da continuidade lateral, três princípios definidores da Estratigrafia. É reconhecido como o fundador da Geologia como um ramo independente da Ciência; J. G. Lehmann (1719-1767), estudioso alemão, um dos primeiros a visualizar a possibilidade de ordenar a disposição e idade das rochas da crosta terrestre; Jean-André Deluc (1727-1817), fez uso da palavra "geologia" pela primeira vez por em 1778, sendo introduzida de forma definitiva por Horace-Bénédict de Saussure em 1779; James Hutton (1726-1797), escocês de Edimburgo, foi o primeiro grande nome nos anais da Ciência. É visto frequentemente como o primeiro geólogo moderno. Em 1785 apresentou uma teoria intitulada Teoria da Terra (Theory of the Earth) à Sociedade Real de Edimburgo. Na sua teoria, explicou que a Terra é muito mais antiga do que tinha sido suposto previamente, a fim de permitir "que houvesse tempo para ocorrer erosão das montanhas de forma a que os sedimentos originassem novas rochas no fundo do mar, que ulteriormente foram levantadas e constituíram os continentes." Hutton publicou uma obra com dois volumes acerca desta teorias em 1795; George Cuvier (1769-1832) e Alenxandre Brongniart (1770-1847) publicaram sua teoria em 1811, sobre a idade da Terra, baseada na descoberta por Cuvier, de ossos de elefante em Paris. Para suportar a sua teoria os autores formularam o princípio da sucessão estratigráfica. Charles Lyell (1797-1875), publicou pela primeira vez, em 1830, a sua famosa obra Princípios da Geologia, publicando contínuas revisões até à sua morte em 1875. Lyell promoveu com sucesso durante a sua vida a doutrina do uniformitarismo, que defende que os processos geológicos são lentos e ainda ocorrem nos dias hoje. No sentido oposto, a teoria do catastrofismo defendia que as estruturas da Terra formavam-se em eventos catastróficos únicos, permanecendo inalteráveis após esses acontecimentos. Charles Darwin (1809-1882). A moderna Geologia sofre influência da publicação A Origem das Espécies (1859); Alfred Wegener (1880-1930) e Arthur Holmes (1890-1965), elaboram a teoria da Deriva Continental, inicialmente proposta em 1912, não foi totalmente aceita até a teoria da tectônica de placas ser desenvolvida nos anos 60 do século XX. 4 A partir da década de 1950, houve um grande surto de desenvolvimento após a 2ª Guerra Mundial, exigindo a utilização de especialistas em todas as áreas de conhecimento científico e tecnológico, resultando no acelerado crescimento da Geotecnia.5 PRIMEIROS REGISTROS PALEONTOLÓGICOS 1824, Reino Unido - A primeira espécie de dinossauro é descrita: Megalosaurus bucklandi, um carnívoro de 9 metros; 1825, Reino Unido - O segundo dino é descrito. Chama-se Iguanodon bernissartensis. Ainda não havia a palavra "dinossauro" para nomear a espécie; 1833, Reino Unido - O terceiro dinossauro descrito é um herbívoro encouraçado, tratando-se do britânico Hylaeosaurus armatus; 1842, Reino Unido - Sir Richard Owen cunha a palavra "dinossauro" ("lagarto terrível") para agrupar animais como o Megalosaurus, o Iguanodon e o Hylaeosaurus; 1861, Alemanha - Foi descrito o fóssil da Archaeopteryx lithographica, considerada até então a mais antiga ave conhecida; 1902, Brasil - Em Santa Maria (Rio Grande do Sul) na paleorrota é coletado os restos de um Rincossauro, que foi o primeiro fóssil vertebrado da América do Sul; 1905, EUA - Tyrannosaurus rex é descrito, após seus restos serem coletados no oeste norte-americano. Especialistas ficaram tão espantados com o tamanho e a aparência deste carnívoro que colocaram o nome de "lagarto tirano rei"; 1915, Egito - Paleontólogos europeus resgatam toneladas de fósseis de dinossauros. Um dos mais curiosos é o Spinosaurus aegyptiacus, dotado de longo focinho e vela dorsal. O material original -o mais completo já resgatado desta espécie - foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial, num bombardeio ao museu alemão onde estava guardado; Década de 1940 e de 50, Brasil - Llewellyn Ivor Price registra os primeiros fósseis de dinossauros encontrados em território brasileiro; 1969, EUA - John Ostrom, paleontólogo norte-americano, descreve um pequeno e ágil dinossauro carnívoro, o Deinonychus antirrophus. Ostrom encontrou incríveis semelhanças entre o Deinonychus e o Archaeopteryx, retomando a questão da afinidade entre aves e dinossauros; 1970, Brasil - O Estauricossauro é o primeiro dinossauro brasileiro e foi coletado em Santa Maria no Sítio Paleontológico Jazigo Cinco, pelo paleontólogo Llewellyn Ivor Price, a região da paleorrota. É um dos mais antigos dinossauro Saurischia; 1978, EUA - Centenas de fósseis de uma mesma espécie de dinossauro, juntamente com ninhos e filhotes recém-nascidos, são encontrados num vale. Os animais morreram juntos por conta de uma grande erupção vulcânica. O achado indica que algumas espécies viviam em grupos sociais e cuidavam de seus filhotes. Ganhou o nome de Maiasaura ("lagarto boa mãe"); 1993, Argentina - O maior dinossauro descoberto até então é anunciado por paleontólogos argentinos: Argentinosaurus huinculensis. Estima-se que tenha ultrapassado os 35m de comprimento e as 100 toneladas; 1995, Argentina - Paleontólogos argentinos descrevem o Giganotosaurus carolini um carnívoro gigante, cujo tamanho ultrapassava o do próprio Tyrannosaurus rex; 1996, China - Paleontólogos chineses descrevem o Sinosauropteryx prima. Este pequeno carnívoro, encontrado em rochas de 135 milhões de anos, tinha em seus fósseis impressões de uma fina penugem; 6 1999, China - Outro importante dino chinês é descrito: o Sinornithosaurus milenii. Era do grupo dos dromeossauros, ao qual pertencem o Velociraptor e o Deinonychus. O pequeno animal tinha o corpo coberto por penas. Pensou-se pela primeira vez na possibilidade de que seus 'primos' também as tivessem; 2005, Alemanha - Um novo exemplar de Archaeopteryx é descrito por norte-americanos. A similaridade com o grupo dos dromeossauros demonstra que alguns dinossauros teriam sido ancestrais diretos das aves; 2006, Brasil - Mais um dinossauro ancestral é descoberto : O Sacisaurus. O nome é bem sugestivo, já que o dinossauro foi encontrado com uma perna ! O Sacissauro era carnívoro e o mais antigo dinossauro ornitísquio. 7 NASCIMENTO DA PALEONTOLOGIA BRASILEIRA: PETER W. LUND, O NATURALISTA. É em nosso estado que nasce a Paleontologia Brasileira, através das mãos do Dinanarquês Peter Wilhelm Lund, mais conhecido como Dr. Lund, na primeira metade do século XIX. Nascido em Copenhagen, capital da Dinamarca em 14 de junho de 1801, era filho de ricos comerciantes. Diplomado pela Universidade de Copenhague, guiado por seu ardente interesse pelas ciências naturais, veio ao Brasil pela primeira vez em 1825. Buscava não só dar continuidade a seus estudos botânicos e zoológicos, mas também à procura de um clima mais benéfico para sua saúde debilitada por doença pulmonar, que causou a perda de seus dois irmãos. Diplomado em Medicina pela Universidade de Copenhague em 1821, doutorando-se posteriormente pela Universidade de Kiel. Grande estudioso de Botânica e Zoologia, viajou em 1825 para o Brasil, onde percorreu as então Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Nestas excursões, coletou grande quantidade de material que enviava, em parte, para o Museu de História Natural da Dinamarca. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde realizou um exaustivo levantamento de toda a vegetação da baixada fluminense. Realizou também estudos sobre o comportamento das formigas e procedeu à montagem de várias coleções zoológicas. Em 1829, volta à Europa, visitando as universidades de Berlim, Dresden, Praga, Viena, Roma e o Museu de História Natural de Paris, onde conheceu Georges Cuvier, aquele que viria a ser o seu ídolo intelectual, e estabeleceu contato com as mais importantes autoridades em História Natural, dentre elas Humboldt. Em 1833 retorna, em caráter difinitivo, ao Brasil. Viajou pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Minas Gerais, iniciando uma viagem para estudar a flora brasileira em companhia do botânico L. Riedel. No decorrer desta viagem, ao passar pela região de Curvelo, em Minas Gerais, encontrou um seu contemporâneo, o dinamarquês Peter Claussen, que explorava salitre nas cavernas calcáreas da região de Curvelo, proprietário da Fazenda “Porteirinhas”. Iniciou então, diversas visitações às cavernas da região. Lund reconhece, pela primeira vez, as ossadas que se encontravam misturadas ao salitre. Diante destas descobertas, ele não hesitou e decidiu optar por uma nova área de pesquisa. Assim, após concluir os estudos "A Respeito da Vegetação dos Campos no Interior do Brasil”, de 1835. Em Minas Gerais estudou alguns fósseis encontrados nas cavernas próximas a Curvelo. Dedicou-se também às pesquisas arqueológicas. Estudou as montanhas da Serra do Espinhaço, recolheu material e remeteu-os para a Sociedade Real de Antiquários do Norte, em Copenhague, junto com um memorial sobre o assunto. Em 1842, segundo um relato seu, já tinha explorado mais de 200 cavernas na região e descrito 120 espécies fósseis e 94 espécies pertencentes à fauna atual. A coleção de Lund é composta de espécies das seguintes ordens de mamíferos: Marsupialia, Chiroptera, Rodentia, Carnívora, Notungulata, Liptoterna, Artiodactyla, Perissodactyla, Prosbocidea, Xenarthra e Primates. Dentre os quais, o célebre tigre-dentes-de-sabre (Smilodon populator). Suas pesquisas duraram 10 anos e a coleção, possuindo 14 mil peças ósseas, foi enviada para a Dinamarca, sendo posteriormente estudada por Herluf Winge e Reinhard. Em 1843 encontrou na região vestígios de homens pré-históricos, cujos estudos definiram as características daquele que ficaria conhecido posteriormente como o Homem de Lagoa Santa. Lund fixou residência em Lagoa Santa, encontrando ali o lugar idealpara viver. Esta cidade, aliás, foi adotada como base de operações por Lund por ser o centro de uma área repleta de cavernas. Em 8 1844, Lund perde todo seu vigor físico, abandonando as pesquisas de campo e passando a viver em completo isolamento, interrompendo, assim, todo o seu trabalho científico. Publicou várias memórias em dinamarquês, ricamente ilustradas com pinturas do norueguês Peter Andreas Brandt (1791-1862), que foram organizadas e traduzidas para o português em 1950 pelo paleontólogo Carlos de Paula Couto (1910-1982), sob o título Memórias sobre a Paleontologia Brasileira. Em 1845, alegando falta de recursos, Lund terminou repentinamente o trabalho nas cavernas. Ele empacotou e doou a sua vasta coleção, com cerca de 20 mil itens, para o rei Cristiano VIII da Dinamarca. Devido a sua saúde frágil, resolveu não voltar à Europa, permanecendo em Lagoa Santa pelo resto da vida. Ao longo desses anos, a sua maior preocupação foi com a curadoria de sua coleção, a cargo do zoólogo Johannes Theodor Reinhardt (1816–1882). Ele também recebeu a visita de jovens naturalistas europeus, com destaque para o botânico Eugenius Warming (1841-1924). O estudo completo de sua coleção, E Museo Lundii, só seria publicado pelos curadores desta na Dinamarca, em 1888. Entre seus trabalhos, Lund escreveu a história do Pleistoceno brasileiro. Entre sua vasta obra, pode-se destacar: Vista da fauna do Brasil anterior à última revolução geológica; Cavernas calcáreas existentes no interior do Brasil, contendo algumas delas ossadas humanas; Relatório sobre vertebrados do Brasil; Sobre os animais carbonizados no Brasil na época geológica atual e anterior; Anotações sobre os últimos exames e descobertas em cavernas do Brasil. O mais completo trabalho biográfico sobre Lund escrito nos últimos 60 anos é Peter Wilhelm Lund: o auge das suas investigações científicas e a razão para o término das suas pesquisas, de Pedro Ernesto de Luna Filho - tese de doutorado em história da ciência defendida na Universidade de São Paulo em 2007. O trabalho, baseado na imensa coleção de cartas de Lund depositada na Biblioteca Real de Copenhagen, conclui que Lund encerrou suas pesquisas de campo abruptamente devido à falência de uma lavra de ouro em Sabará (MG), da qual era um dos sócios. Outro trabalho recente é Peter Wilhelm Lund (1801-1880): O naturalista, sua rede de relações e sua obra, no seu tempo, dissertação de mestrado defendida por Ana Paula Almeida Marchesotti na Universidade Federal de Minas Gerais em 2005. Além de botânico, zoólogo e paleontólogo, Lund foi também de grande contribuição à arqueologia de seu tempo. Foi o primeiro a assinalar a existência dos sambaquis (montes de restos marinhos) no litoral brasileiro. Dava como certa a construção dos mesmos pelo homem e, assim sendo, se constituíam em valiosos sítios arqueológicos. Fez menção às inscrições rupestres encontradas em algumas grutas por ele visitadas e descreveu instrumentos líticos encontrados próximos às margens do Rio Tietê (SP) e em grutas mineiras. Publicou diversos trabalhos junto à "Real Sociedade Científica Dinamarquesa", obtendo o reconhecimento dos grandes cientistas da época. Foi ele também quem deu o primeiro passo para o estudo da ecologia brasileira, ao convidar o jovem botânico Eugene Warming para vir a Lagoa Santa fazer um levantamento dos cerrados na região. Um exaustivo estudo da vegetação foi então realizado, dando origem a um magnífico trabalho publicado em 1840 - o primeiro estudo mundial de Fitoecologia. Além de grande cientista, Lund foi também o homem amigo e prestimoso para os habitantes da pequena Vila de Lagoa Santa, onde viveu os últimos anos de sua vida. De hábitos bastante excêntricos e temperamento arredio, preferindo o isolamento, ele tinha, no entanto, constantemente a seu lado, o filho adotivo, Nereu Cecílio, que o auxiliava em tudo o que fazia. Prestou inestimável constribuição à vida 9 cultural do Arraial ensinando música e criando a primeira banda de música de Lagoa Santa - a Corporação Musical Santa Cecília. Com sua própria renda, alforriou diversos escravos do vilarejo. Todos os seus bens, ele os distribuiu entre seu filho Nereu Cecílio e entre algumas pessoas que o serviram, comprovando com isto, mais uma vez, seu caráter humanitário. Ao pressentir a aproximação de sua morte, ocorrida em 25 de maio de 1880, Lund determinou o lugar onde desejava ser sepultado - à sombra de um pequizeiro, num local aprazível onde costumava ir estudar. Lund era protestante e por isto seu desejo de ter um jazigo particular. No mesmo local foram sepultados seus colaboradores Bherens e Müller. Em 1935 foi erguido, nesse local, um monumento a Eugene Warning e a Lund por iniciativa da Academia Mineira de letras. Há quase dois séculos atrás, Lund já se preocupava e alertava a todos sobre a importância da preservação do meio ambiente, especialmente das grutas e da vegetação que, àquele tempo, já eram destruídas e depredadas para exploração econômica. Em carta ao rei Cristiano da Dinamarca, ele externou seu desejo e preocupação, concluindo com muita sabedoria, que tudo seria muito diferente se a luz benéfica da ciência guiasse os trabalhos da indústria. 10 HISTÓRICO DAS PRIMEIRAS EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS NO BRASIL A Paleontologia consolida-se como ciência no início do século XIX. Nesta época organizaram-se as primeiras sociedades científicas paleontológicas, que, divulgando as pesquisas através de suas publicações periódicas, serviram de suporte para o pleno desenvolvimento desta ciência. Até a primeira metade do século XIX, as notícias sobre fósseis brasileiros foram esporádicas e limitaram-se apenas a notificar o encontro destes. Referiam-se quase sempre a grandes ossadas (mamíferos quaternários) enocntradas em escavações para poço d’água. Seguindo consta na literatura, o primeiro trabalho que menciona a presença de fósseis no Brasil data de 1817. Relata a ocorrência de restos de mamíferos pleistocênicos nos arredores da vila de Minas do Rio das Contas, na Bahia. Foi publicado no livro Chorographia Brazilica (Geografia Brasileira) por Maunel Aires de Casal, padre e geólogo português. Os primeiros trabalhos significativos sobre os fósseis brasileiros estão publicados em relatórios de viagens de cientistas europeus interessados em conhecer a natureza da América do Sul. Eles empreenderam longas expedições pelo Brasil, organizando muitas coleções, posteriormente enviadas aos seus países de origem para estudo. Entre os primeiros naturalistas europeus destacaram-se Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius. De 1817 a 1820 eles realizaram uma grande viagem pelo país, publicando suas observações no livro Reise in Brasilien (1823), que contém informações sobre a Geologia e Paleontologia de algumas áreas visitadas. Nesta publicação aparece figurado pela primeiras vez um peixe fóssil da Bacia do Araripe eum osso de mamífero pleistocênico. Os trabalhos do cientista Peter Wilhelm Lund foram de grande importância. Ele radicou-se no país dedicando-se ao estudo da fauna de mamíferos pleistocênicos das grutas calcárias da bacia do Rio das Velhas, em Minas Gerais. Entre 1836 e 1844, organizou uma vasta coleção de fósseis desta localidade, descrevendo mais de uma centena de novas espécies e publicando cerca de 30 trabalhos. Grande parte do material estudado está hoje depositado em Copenhague. Outra grande viagemfoi feita em 1841, pelo botânico inglês George Gardner. Em visita ao interior do Nordeste coletou peixes fósseis do Caré, estudados e datados como cretáceos por Louis Agassiz, mais tarde professor da Universidade de Harvard. O Museu Real, hoje Museu Nacional do Rio de Janeiro, criado por D. João VI em 1818, foi a primeira instituição oficial brasileira com caráter científico. Passou a ser a guardiã dos fósseis encontrados por todo o país, dando início a uma importante coleção. Tinha como objetivo propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais do Brasil. Apesar de ser a mais antiga instituição científica da América do Sul, só no final do século XIX é que o Museu Nacional, através de sua Seção de Geologia e Mineralogia, teve importante atuação na área das geociências. Frederico C. L. Burlamarque, diretor durante 20 anos desta instituição, foi um dos primeiros pesquisadores a se interessar pela Paleontologia no Brasil, publicando em 1855 uma monografia sobre mamíferos pleistocênicos do Brasil e estimulando a organização das coleções. O Museu Nacional possui atualmente um importante acervo de fósseis, muitos dos quais obtidos por cientistas estrangeiros durante suas viagens pelo Brasil. Renomados paleontólogos já pertenceram ao seu quadro de funcionários. Hoje está integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde seus técnicos atuam em projetos de pesquisa e participam dos cursos de pós-graduação. 11 Na segunda metade do século XIX, foram os ingleses que mais se interessaram pelo estudo dos fósseis brasileiros. Samuel Allport (1860) organizou uma coleção paleontológica com material proveniente das vizinhanças da cidade de Salvador, cujos peixes foram estudados por Paul G. Egerton, os moluscos por John Morris e os conchostráceos por Rupert Jones, todos especialistas do Museu Britânico. Em 1869, W. Carruthers descreveu restos vegetais das camadas de carvão do Rio Grande do Sul. Joseph Mawson (1886 a 1913) e Arthur Smith Woodward (1887 a 1939) estudaram vertebrados fósseis brasileiros, a maioria a respeito de peixes. Foram realizadas três grandes expedições pelo Brasil dando novo impulso às pesquisas geológicas e paleontológicas. Predominam nesta fase os cientistas norte-americanos. A primeira foi a Expedição Thayer, realizada em 1865 e chefiada por Louis Agassiz, que explorou o vale do rio Amazonas e parte da costa atlântica. Participou desta expedição o geólogo canadense Charles Frederick Hartt, que mais tarde dedicaria grande parte de seus estudos à Geologia e Paleontologia do Brasil. Por iniciativa própria, retornou em 1867, com o objetivo de complementar as investigações anteriores. Publicou o resultado de suas pesquisas na obra Geology and Physical Geography of Brazil, em 1870, com informações sobre fósseis de várias localidades do Brasil. Duas novas expedições geológicas foram realizadas em 1870 e 1871 – As Expedições Morgan, ambas chefiadas por Hartt. Concentraram seus interesses na geologia da Amazônia, reconhecendo terrenos paleozóicos e cretáceos no Pará. Tomou parte nestas expedições o geólogo norte-americano Orville Adalbert Derby, que radicou-se no Brasil, dedicando-se à diversas atividades de cunho geológico e paleontológico. As expedições científicas estrangeiras deram importante contribuição à Geologia e Paleontologia do Brasil, mas como as coleções eram enviadas aos seus países de origem para estudo, grande parte do material encontra-se hoje em museus da Europa e Estados Unidos. Criada em 1875, a Comissão Geológica do Império foi a primeira instituição governamental de caráter geológico. Tinha entre seus objetivos, o de desenvolver pesquisas geológicas intensas e promover conhecimento do solo brasileiro para fins de ocupação e exploração econômica do país. Após longo trabalho de campo, ainda no início das atividades, a Comissão foi dissolvida e o material coletado depositado nas coleções do Museu Nacional. Seu mentor intelectual foi Charles Frederick Hartt, que atuou como coordenador da equipe. Por um ano estiveram em trabalho de campo, percorrendo várias províncias e organizando todo o material para estudos posteriores. De volta, em 1878, instalou-se no Rio de Janeiro, mas logo depois a Comissão foi extintaa, sob a alegação de falta de verbas. Após sua extinção, a coleção que foi organizada ficou depositada na Seção de Geologia e Mineralogia do Museu Nacional. Orville Derby, ao assumir a direção da seção em 1879, incentivou seu estudo, o que resultou na publicação de trabalhos importantes. Entre eles estão os de John M. Clarke, publicados em 1896 e 1899, sobre invertebrados paleozóicos da Amazônia e o de Charles A. White, de 1887, sobre fósseis cretáceos e terciários das bacias Pernambuco- Parnaíba, Sergipe-Alagoas e do Pará. Em 1904, o Governo Federal criou esta comissão com o objetivo de pesquisar os depósitos de carvão no sul do país. Designou-se como chefe o geólogo norte-americano Israel C. White, que encerrou suas atividades em 1908 com a publicação de um extenso relatório. Pelo ineditismo das pesquisas, este relatório causou grande repercussão no país. Constava de três partes: a primeira, escrita por Israel White, sobre as camadas de carvão e rochas associadas, detacava-se pelo seu valor econômico; a segunda, de 12 autoria de Mac Gregor, contém a descrição do réptil permiano Mesosaurus brasiliensis e a terceira é uma monografia feita por David White sobre a floras fósseis das camadas de carvão. Esta última permitiu pela primeira vez a correlação de unidades litoestratigráficas brasileiras com as indianas, constituindo-se assim em uma evidência das mais expressivas a favor da existência do antigo continente Gondwana. Foi o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, criado em 1907, que desempenhou um importante papel no desenvolvimento das ciências geológicas no país. O novo órgão tinha como objetivo principal realizar pesquisas para o aproveitamento dos recursos naturais que pudessem servir de base a projetos de obras públicas, inclusive contra as secas. Foram realizados muitos trabalhos de campo com vasta coleta de material, possibilitando a realização de pesquisas sistemáticas, que resultaram em mais de uma centena de publicações. Até 1950 este órgão foi um centro irradiador das Geociências no país. Nesta instituição formou-se primeiro núcleo de paleontólogos brasileiros, principais responsáveis pela difusão desta ciência. Fazia parte também de suas atribuições a manutenção de um laboratório e um museu. O laboratório, tinha como tarefa realizar análises químicas e paleontológicas que servissem de suporte para as pesquisas, já o museu era responsável pela divulgação do conhecimento produzido nas diversas áreas da Geologia do Brasil. O Serviço Geológico possibilitou a realização de muitas expedições pelo país. Através delas se teve oportunidade de coletar vasto material fossilífero, do qual resultaram inúmeros trabalhos, publicados em seus boletins. Foi uma etapa de grande avanço na Paleontologia brasileira. Foi Matias Gonçalves de Oliveira Roxo quem conseguiu despertar em alguns pesquisadorres brasileiros o interesse pela Paleontologia. Engenheiro de minas, formado em 1905 pela Escola de Minas de Ouro Preto, era discípulo de Orville Derby quando entrou para o antigo Serviço Geológico e Mineralógico em 1910. Com a formação do primeiro núcleo de paleontólogos brasileiros, superou-se a necessidade do envio de fósseis para estudo no exterior. Em 1934, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil sofreu uma reorganização administrativa transformando-se no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). É interessante ressalatar que neste novo organograma constava oficialmenteuma Seção de Paleontologia, produto do bom trabalho de seus técnicos. Hoje o acervo do DNPM está sob a responsabilidade do Museu de Ciências da Terra, criado para abrigar as coleções desta instituição. Importantes paleontólogos pertenceram ao seu quadro de funcionários: Paulo Erichsen de Oliveira, que se destacou no estudo dos invertebrados fósseis; Llewellyn Ivor Price, dedicou-se ao estudo dos répteis cretáceos e Rubens da Silva Santos, aos peixes; Friedrich Wilhelm Sommer, na micropaleontologia; e Elias Dolianiti, com os vegetais fósseis. Dois geólogos alemães, trabalharam no DNPM e muito contribuíram para a paleontologia brasileira: Wilhelm kegel e Karl Beurlen. Com o desenvolvimento econômico do país foram surgindo novas instituições que realizam trabalhos de Paleontologia com caráter mais regional. O Museu Paraense Emílio Goeldi, criado em 1889, em Belém, possibilitou a organização de coleções e a realização de pesquisas mais voltadas para a região amazônica. Em São Paulo, o Instituto Histórico e Geográfico iniciou seus trabalhos sob a orientação de Orville Derby. Após a Segunda Guerra Mundial, por volta de 1950, o grande crescimento da indústria nacional acarretou uma demanda de geólogos, motivada pela estatização de várias indústrias, entre elas as do petróleo e siderurgia, estimulando a criação de várias escolas de Geologia nas principais capitais. Isto 13 possibilitou a formação de novos profissionais, que atuaram na difusão da Paleontologia e no aparecimento de novos núcleos de estudos. Por iniciativa do Ministério da Educação e Cultura e com apoio da Petrobras, foi organizada a Campanha de Formação de Geólogos (CAGE) abrindo-se escolas de Geologia em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Recife e Ouro Preto. Estas escolas foram mais tarde emcampadas pelas universidades federais de trabalho em Paleontologia. Atualmente, são as comunidades, os agentes mais importantes na valorização e preservação do patrimônio fóssil. Apoiadas pela prefeituras, elas têm desempenhado um papel fundamental, através da criação de museus, onde as pesquisas de caráter regional são desenvolvidas e divulgadas. Apesar do esforço, a abundância de achados fósseis aliada à falta de conhecimento da população brasileira em geral sobre a importância do material leva a lastimáveis perdas. Embora o problema ocorra em todo o território nacional, a situação mais grave parece ser na Serra do Araripe, no Ceará, onde há um extraordinário número de peixes fossilizados em rochas sendo contrabandeados. A população local, extremamente carente, tem nessa atividade exploratória, o seu maior sustento. Acredita-se que a única maneira para preservar os sítios de importância arqueológica, geológica e paleontológica seja através do turismo. É a única maneira de desenvolver as regiões onde ocorrem, e obter justiça social, pois o turismo abre trabalho para todas as classes. 14 SUMÁRIO Capítulos Tópicos Página AT-01. Introdução........................................................................................... 15 AT-02. Ambientes de fossilizaçao......................................................................... 19 AT-03. Icnologia.............................................................................................. 26 AT-04 Escala de tempo geológico......................................................................... 34 AT-05 Dinamica da terra................................................................................... 59 AT-06 Ambientes de fossilização.......................................................................... 76 AT-07 Micropaleontologia.................................................................................. 86 AT-08 Filo Cnidaria.......................................................................................... 99 AT-09 Filo Brachiopoda..................................................................................... 105 AT-10 Filo Mollusca (Aplacophora, Monoplacophora, Polyplacophora, Scaphopoda, Gastropoda e Bivalvia)....... 111 AT-11 Filo Mollusca (Bivalvia)............................................................................. 120 AT-12 Filo Mollusca (Cephalopoda)...................................................................... 125 AT-13 Filo Arthropoda (Trilobitomorpha)............................................................... 132 AT-14 Filo Echinodermata................................................................................. 142 AT-15 O Surgimento dos vertebrados.................................................................... 155 AT-16 Os primeiros tetrápodes e anfíbios............................................................... 172 AT-17 Origem e irradiação reptiliana.................................................................... 180 AT-18 Origem das aves..................................................................................... 195 AT-19 Origem e irradiação dos mamíferos.............................................................. 204 AP-01 Tafonomia e Fossildiagênese...................................................................... 214 AP-02 Icnofósseis e Moldagem............................................................................ 220 AP-03 Micropaleontologia.................................................................................. 224 AP-04 Filo Cnidaria.......................................................................................... 231 AP-05 Filo Brachiopoda..................................................................................... 237 15 AT-01: INTRODUÇÃO O termo paleontologia, usado na literatura geológica pela primeira vez em 1834, foi formado a partir das palavras gregas: palaiós = antigo + óntos = ser + lógos = tratado, é a ciência natural que estuda a vida do passado da Terra e o seu desenvolvimento ao longo do tempo geológico, bem como os processos de integração da informação biológica no registro geológico, isto é, a formação dos fósseis. Já a palavra fóssil originou-se do termo latino fossilis = extraído da terra. O objeto imediato de estudo da Paleontologia são os fósseis, pois são eles que, na atualidade, encerram a informação sobre a vida do passado do Planeta. Por isso, se diz frequentemente que a Paleontologia é, simplesmente, a ciência que estuda os fósseis. Contudo, esta é uma definição redutora, que limita o alcance da Paleontologia, pois os seus objetivos fundamentais não se restringem ao estudo dos restos fossilizados dos organismos do passado. A Paleontologia não "pretende" apenas estudar os fósseis, procura também, com base neles, entre outros aspectos, conhecer a vida do passado geológico da Terra. Uma vez que os fósseis são objetos geológicos com origem em organismos do passado, a Paleontologia é a disciplina científica que estabelece a ligação entre as ciências geológicas e as ciências biológicas. IMPORTÂNCIA A informação sobre a vida do passado geológico (como eram os organismos do passado; como viviam; como interagiam com o meio; como evoluiu a vida ao longo do tempo) está contida nos fósseis e na sua relação com as rochas e os contextos geológicos em que ocorrem. O mundo biológico que hoje conhecemos é o resultado de milhares de milhões de anos de evolução. Assim, só estudando paleontologicamente o registo fóssil - o registo da vida na Terra - é possível entender e explicar a diversidade, a afinidade e a distribuição geográfica dos grupos biológicos atuais.Inversamente, com base no princípio de que "o presente é a chave do passado", enunciado por Charles Lyell, partindo do conhecimento dos seres vivos atuais, partindo do seu estudo biológico, pode extrapolar-se muita informação sobre os organismos do passado, como o modo de vida, tipo trófico, de locomoção e de reprodução, entre outros, e isso é fundamental para o estudo e a compreensão dos fósseis. A partir dos fósseis, uma vez que eles são vestígios de organismos de grupos biológicos do passado que surgiram e se extinguiram em épocas definidas da história da Terra, pode fazer-se a datação relativa das rochas em que ocorrem e estabelecer correlações (isto é, comparações cronológicas, temporais) entre rochas de locais distantes que apresentem o mesmo conteúdo fossilífero. O estudo dos fósseis e a sua utilização como indicadores de idade das rochas são imprescindíveis, por exemplo, para a prospecção e exploração de recursos geológicos tão importantes como o carvão e o petróleo. FUNDAMENTOS Os princípios e métodos da Paleontologia fundamentam-se em outras duas ciências: a Biologia e a Geologia. É na Biologia que o paleontólogo busca subsídios para estudar os fósseis, já que eles são restos de um antigo organismo vivo. Em retorno, a Paleontologia fornece aos biólogos uma dimensão do tempo em que os grandes ecossistemas atuais se estabeleceram e também informações complementares às teorias evolutivas. Na Geologia, os fósseis são utilizados como ferramentas para datação e ordenação das seqüências sedimentares, contribuindo para o detalhamento da coluna cronogeológica. Ajudam na interpretação dos ambientes antigos de sedimentação, bem como na identificação das mudanças ocorridas na superfície do planeta através do tempo geológico. 16 OBJETIVOS • fornecer dados para o conhecimento da evolução biológica dos seres vivos através do tempo (sistemática filogenética e taxonomia); • estimar a datação relativa das camadas em que se encontram os fósseis – bioestratigrafia; • reconstituição do ambiente em que viveu o fóssil - paleogeografia, paleoecologia, paleoclimatologia; • reconstituição da história geológica da Terra através do estudo das sucessões faunísticas e florísticas preservadas nas rochas – geocronologia. SUBDIVISÕES DA PALEONTOLOGIA O registro fóssil é excepcionalmente importante para a compreensão da História da vida na Terra. Os fósseis nos fornecem respostas sobre épocas pré-históricas, mas essas respostas são fragmentos de um grande quebra-cabeças natural. Encontrar todas as respostas (ou pelo menos a maioria delas) associadas a um registro fossilífero específico requer um vasto conhecimento especializado e, por vezes, seguindo uma tendência mundial, requer a realização de trabalhos integrados de profissionais dedicados às subdivisões da Paleontologia. A partir de um denominador comum, desmembra-se o conhecimento para a solução final - única e possível sobre a vida desses organismos. A Paleontologia divide-se, conceitualmente, em três disciplinas cientificas: Paleobiologia, Tafonomia e Biocronologia. A paleobiologia é a disciplina paleontológica que estuda a vida, a Biologia, do passado geológico da Terra. A tafonomia estuda a integração da informação biológica no registo geológico, ou seja, a formação dos fósseis e das jazidas fossilíferas e do registo paleontológico e a biocronologia estuda o desenvolvimento temporal (a cronologia) dos eventos paleobiológicos, bem como as relações temporais entre entidades paleobiológicas (os organismos do passado) e/ou tafonómicas (os fósseis). É no seio da Paleobiologia que se insere a paleozoologia, o estudo dos fósseis de animais, e a paleobotânica, o estudo dos fósseis de plantas. Basicamente, qualquer disciplina biológica aplicada aos organismos do passado geológico, por via do estudo dos fósseis, constitui uma subdisciplina paleobiológica: Paleozoologia, Paleobotânica, Paleoecologia (que estuda os ecossistemas do passado), Paleoanatomia, Paleoneurologia, etc. Outras disciplinas paleobiológicas transversais, que não estão limitadas a um dado grupo taxonômico, são, por exemplo: macropaleontologia - que estuda os fósseis visíveis a olho nú (> 2 mm). micropaleontologia - que estuda os fósseis de organismos que necessitem de microscópio para serem visualizados, desenvolveu-se muito a partir da necessidade econômica de se estudar os microfósseis para a indústria de petróleo. Eles são excelentes elementos para a correlão e datação das camadas (fósseis- guias). Os microfósseis podem ser partes diminutas de organismos como espículas de esponjas, dentes de peixes, espinhos de equinóides, pólens e esporos vegetais ou carapaças completas como as do protistas, conchostráceos e micromoluscos (< 2 mm). A paleoecologia é o ramo da Paleontologia que visa o entendimento das relações entre os organismos antigos e seus ambientes, enquanto que a Ecologia é o ramo da Biologia que objetiva entender as relações entre os organismos atuais e os seus ambientes de vida (polígrafo de autor desconhecido). As espécies vivas não evoluem isoladamente; fazem parte de comunidades biológicas, ou biocenoses, por sua vez integradas no meio de ecossistemas que abrangem o conjunto dos fatores físicos 17 (clima, natureza dos solos, etc...) e biológicos (fauna e flora) do meio natural, os quais interactuam num dado lugar e numa dada época. Portanto, a Paleoecologia visa descrever os ecossistemas do passado e compreender a sua estrutura e funcionamento, permitindo assim, recolocar os organismos fósseis no contexto físico e biológico da sua época (RICQLÈS,1989). Devemos lembrar que os organismos somente se preservam como fósseis quando estão em condições especiais. A conservação de restos de animais e plantas, qua constituem os macrofósseis não é muito simples e geralmente são encontradas em quantidades relativamente pequenas. Assim sendo, fornecem uma informação limitada para a Paleoecologia. Os microfósseis são constituidos por esporos, grãos de pólens, algas e protozoários. Eles podem ser encontrados aos milhares em um centímetro cúbico de sedimento, o que dá uma base estatística confiável a sua ocorrência. Eles são hoje em dia, a principal fonte de dados para a recontrução de ambientes antigos (LABOURIAU, 1994). A distribuição geográfica dos organismos depende, essencialmente, da disponibilidade de habitats (local onde o organismo vive), nos quais agem fatores relacionados com o clima, existência de alimento, substrato, etc... Os estudos Paleoecológicos englobam dois tipos principais de enfoque: o primeiro envolve o estudo de uma única espécie ou grupo taxonômico restrito, geralmente enfatizando o seu modo de vida, morfologia funcional, estrutura populacional e adaptação ao ambiente. Trata-se de uma abordagem biológica, denominada paleoauticologia. Por sua vez, o estudo de comunidades de organismos fósseis, suas interrelações e distribuição ecológica, compõem a paleossinecologia. Ainda se faz uma subdivisão da paleobotânica e da micropaleontologia constituindo a paleopalinologia, que se dedica ao estudo de pólen e esporos fossilizados(palinomorfos). Alguns paleontólogos se dedicam ao estudo dos invertebrados fósseis. Moluscos (biválvios e gastrópodes), braquiópodes, equinóides, são grupos que possuem boa representação no território brasileiro. Os invertebrados fósseis, principalmente os marinhos, possibilitam estabelecer correlações cronoestratigráficas de bacias distantes e são utilizados para delimitar províncias paleobiogeográficas, devido à boa dispersão de suas larvas, como é o caso dos moluscos. CIÊNCIAS AFINS COM A PALEONTOLOGIA Arqueologia Os arqueólogos diferenciam-sedos paleontólogos porque trabalham com restos de seres humanos e vestigios da sua atividades. Normalmente, procuram compreender as atividades humanas em determinado período da história da Terra. A paleontologia estuda todos os organismos que viveram na Terra, incluindo a evolução primata-homem, mas não o ser humano como o conhecemos hoje, pois o estudo antropológico e cultural se restringe à arqueologia. A paleontologia estuda organismos mortos ate 11.000 anos, pois nem todo resto de ser vivo preservado em sedimentos, rochas, gelo e âmbar é um fóssil. Antropologia É a ciência preocupada com o fator humano e suas relações. A divisão clássica da Antropologia distingue a Antropologia Social da Antropologia Física. Cada uma destas, em sua construção abrigou diversas correntes de pensamento. Pode-se afirmar que há poucas décadas a antropologia conquistou seu lugar entre as ciências. Primeiramente, foi considerada como a história natural e física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Se por um lado essa concepção vinha satisfazer o significado literal da palavra, por outro restringia o seu campo de estudo às características do homem 18 físico. Essa postura marcou e limitou os estudos antropológicos por largo tempo, privilegiando a antropometria, ciência que trata das mensurações do homem fóssil e do homem vivo. Já, a Paleoantropologia, combina as disciplinas da paleontologia e da antropologia física. É o estudo científico dos fósseis de hominídeos e das evidências deixadas por eles, tais como ossos e pegadas. Palinologia O termo “Palinologia”, derivado do grego paleinos (= derramar, dispersar). Foi definido pelos ingleses Hyde e Williams, em 1944, e referia-se ao estudo dos esporos e grãos de pólen das plantas e suas aplicações práticas. Em um sentido mais amplo e atual, a Palinologia é a ciência que engloba o estudo de categorias de microorganismos orgânicos, denominados de palinomorfos (esporos, grãos de polens, algas, acritarcos, zoomorfos, esporos de fungos), fitoclastos (cutículas, traqueítes, etc.) e até de matérias amorfas (fragmentos de tecidos orgânicos dispersos – uma degradação biológica do fitoplâncton). O estudo da Palinologia atualmente tem sua aplicação prática com objetivos nos mais diferentes enfoques, ocupando uma posição interdisciplinar. 1. Aeropalinologia: distribuição e freqüência dos esporos e grãos de pólens atuais no ar. São dados importantes usados na área médica (alergias) e também na área de Medicina Legal. 2. Melissopalinologia: estudo dos esporos e grãos de pólens no controle das abelhas, mel e própolis; relação com a apicultura em geral. 3. Copropalinologia: refere-se estudo dos esporos e grãos de pólens nos excrementos. Este tipo de estudo pode revelar importantes aspectos com relação aos hábitos alimentares de muitos animais herbívoros. 4. Paleopalinologia: compreende o estudo dos organismos fósseis encontrados nos resíduos insolúveis resultantes de tratamentos físicos e químicos às rochas sedimentares, tais como pólens, esporos, acritarcos e quitonozoários. As associações paleopalinológicas são ferramentas indispensáveis para o setor petrolífero (Cruz, 2004). 19 AT-02: AMBIENTES DE FOSSILIZAÇÃO Ambiente é todo complexo de condições físicas e biológicas que rodeiam os organismos. O habitat é o lugar ou área física (espaço geográfico) e suas características abióticas que condicionam um ecossistema, onde vivem os organismos durante toda ou parte de suas vidas. De acordo com o registro fossilífero, existiram no passado (com algumas exceções), habitats semelhantes aos de hoje, e os mesmos tipos de adaptação dos organismos. Os três ambientes fundamentais são o ar, a terra e água. Os dois últimos admitem uma nomenclatura especial. Assim o habitat marinho se chama talassociclo, o de águas doces limnociclo e o terrestre, é chamado de epinociclo. Talassociclo: o conjunto de ambientes marinhos que ocupam 3/4 da superfície do planeta, em profundidades variáveis. Nesse ambiente, destacam-se uma série de fatores abióticos que influenciam na distribuição dos seres vivos: luminosidade, temperatura, salinidade, pressão, oxigenação e correntezas. Nos ambientes marinhos, a fauna é sempre mais numerosa em espécies e espécimens, com a vantagem de estarem espalhadas universalmente. É do mar que obtem-se o maior número de fósseis. O mar compreende a maioria absoluta dos sedimentos antigos conhecidos, e é nele que ocorre hoje em dia, o melhor grau de sedimentação. Associado a salinidade este fator favorece o recobrimento e a preservação dos restos orgânicos. Limnociclo: é o conjunto dos ecossistemas de água doce, considerado o menor de todos os biociclos. a. Águas lóticas: rios, riachos e corredeiras, lugares em que a água se desloca rapidamente. b. Águas lênticas: lagos, lagoas, represas e pântanos, lugares em que a água fica praticamente parada. O ambiente aquático, embora também variado em volume, temperatura, iluminação, etc..., apresenta sempre como elemento fundamental a água o que torna esses ambientes mais homogêneos. Microfósseis são encontrados em profusão. Epinociclo: é o conjunto de todos os ambientes terrestres. Os ambientes terrestres variam muito na temperatura, umidade do ar, ventos e luz, por isso as faunas e floras são sempre muito heterogêneas, tanto no sentido morfológico, como estrutural e fisiológico. Insetos e gastrópodes são as formas mais comuns de fósseis encontrados nesses ambientes. Transferindo-se essa situação para o passado tem-se os Paleoecossistemas, aos quais irão se somar os efeitos da diagênese. O Ambiente Marinho Cinco regiões biogeográficas podem ser caracterizadas no ambiente marinho, segundo o critério profundidade. 20 Figura 1. Perfil batimétrico em um ecossistema marinho. 1. Região Litorânea: é a faixa que fica compreendida entre os limites das marés alta e baixa, o que lhe dá uma extensão limitada. As condições de vida nessa região são difíceis por causa da alta energia, ou seja, da contínua alteração do nível das águas e o impacto das ondas. Por isso a fossilização não costuma se processar em níveis significativos nessa região. Só formas especializadas conseguem sobreviver. 2. Região Nerítica: se extende até cerca de 200 metros de profundidade e possui uma largura média de 50 quilômetros. É a chamada Plataforma Continental, caracterizada por um declive não tão acentuado e boa iluminação. Com essas características, a vida é abundante nessa região e a fossilização é um processo que ocorre com freqüência. A boa iluminação e oxigenação conferem a região nerítica uma vida vegetal intensa (bons níveis nutricionais, portanto), que garante nichos ecológicos perfeitamente adaptados para invertebrados e vertebrados marinhos. 3. Região Batial: são os fundos marinhos entre 200 e 4.000 metros de profundidade, no talude continental. Suas águas vão se tornando mais frias e menos iluminadas (a luz só alcança 350 metros, no máximo). A vida vegetal é escassa, o que limita os organismos que dela necessitam. Os animais necrófagos são abundantes. Uma grande porção dos seus sedimentos é de origem orgânica, através de lamas ou vasas, compostas de restos de partes duras dos microorganismos da superfície que vem se depositar. 4. Região Abissal: compreendida entre os 4.000 e aos 6.000 metros, é caracterizada por ser constituída de águas permanentemente escuras e frias, que exercem uma grande pressão. A vida vegetal é impossível e as condições são muito difíceis para os animais. Só as formas muitoespecializadas são capazes de suportar o rigor desse ambiente. Os microfósseis (foraminíferos e radiolários) são os melhores representantes encontrados nessa região. 5. Região Hadal: encontra-se abaixo dos 6.000m. São as fossas marinhas, ainda hoje misteriosas para os pesquisadores. 21 Modo de Vida dos Organismos Marinhos Existem três modos de vida ou hábitos predominantes entre os organismos marinhos. São eles: Plâncton (da palavra grega planktos, que significa errante): corresponde ao conjunto dos organismos que têm pouco poder de locomoção e vivem livremente na coluna de água, sendo transportados passivamente pelas correntes. Possuem portanto hábito planctônico. Com exceção das medusas flutuantes, o resto do plâncton é composto por seres microscópicos. A vida vegetal é duas a três vezes maior que a da terra. O plâncton encontra-se na base da cadeia alimentar dos ecossistemas aquáticos, uma vez que serve de alimentação a organismos maiores e é geralmente subdividido em: Fitoplâncton: formado principalmente por algas microscópicas; Bacterioplâncton: formado por bactérias; e Zooplâncton: formado por animais ou protistas. Nécton: chama-se nécton ao conjunto dos animais aquáticos que se movem livremente na coluna de água, com o auxílio dos seus órgãos de locomoção (as barbatanas ou outros apêndices). Fazem parte deste grupo os peixes, a maioria dos crustáceos, os mamíferos marinhos e outros. Possuem portanto hábito nectônico. Os organismos nectónicos podem ser: Pelágicos: quando passam a maior parte do tempo - pelo menos durante uma fase do seu ciclo de vida - na coluna de água, sem terem um contacto permanente com o substrato. Demersais: quando passam a maior parte do tempo - pelo menos durante uma fase do seu ciclo de vida - em contacto permanente com o substrato. Bentos: chama-se bentos aos organismos que vivem no substrato, fixos ou não, em contraposição com os pelágicos, que vivem livremente na coluna de água. Os organismos bentônicos podem deslocar-se espontaneamente » bentônicos vágeis Os organismos bentônicos fixos podem ser móveis ou imóveis » bentônicos sésseis Se viverem sobre o fundo compõem a epifauna Se viverem enterrados no fundo infauna O bentos subdivide-se em: Fitobentos: as macroalgas, algumas microalgas e as plantas aquáticas enraizadas. Zoobentos: os animais e muitos protistas bentônicos. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS AO PROCESSO DE FOSSILIZAÇÃO A fossilização de um organismo resulta da ação de um conjunto de processos físicos, químicos e biológicos que atuam no ambiente deposicional. Têm mais chances de serem preservados aqueles organismos que possuem partes biomineralizadas por carbonatos, fosfatos, silicatos ou constituídas por materiais orgânicos resistentes, como a quitina e a celulose. Mesmo assim ocorrem no registro geológico, muitas preservações excepcionais de partes moles. Após a morte dos organismos, no ciclo natural da vida, as partes moles entram em processo de decomposição devido à ação das bactérias e as partes duras ficam sujeitas às condições ambientais, culminando com sua destruição total. A fossilização representa a quebra deste ciclo e, portanto, deve ser sempre vista como um fenômeno excepcional. No decorrer do tempo geológico, apenas uma percentagem ínfima das espécies 22 que um dia habitaram a biosfera terrestre preservou-se nas rochas. Muitas espécies surgiram e desapareceram sem deixar vestígios, existindo, portanto, muitos hiatos no registro paleontológico. Vários fatores atuam na preservação dos indivíduos e favorecem a fossilização. O soterramento rápido após a morte, a ausência de decomposição bacteriológica, a composição química e estrutural do esqueleto, o modo de vida, as condições químicas que imperam no meio, são alguns desses fatores, cujo somatório determinará o modo de fossilização. Mesmo depois dos fósseis estarem formados, há fatores que favorecem sua destruição nas rochas, como águas percolantes, agentes erosivos, vulcanismo, eventos tectônicos e metamorfismo. As rochas onde os fósseis são encontrados indicam as condições que prevaleceram no ambiente onde seus restos foram transportados. Quando um organismo morre, normalmente ocorre um processo de decomposição de seus tecidos, iniciando pelos mais frágeis e avançando progressivamente até que os mais resistentes também desapareçam. Isto ocorre porque a dinâmica dos processos naturais na superfície da Terra, incluindo ambientes de terra firme, de dulcícolas ou marinhos são naturalmente destrutivos. Assim, a grande maioria dos restos de organismos mortos é totalmente degradada em alguns anos ou, no caso de serem mais resistentes, algumas décadas. Porém, a própria dinâmica da natureza determina mecanismos, sob certas condições, que ao invés de levarem à destruição das carcaças ou de seus elementos dissociados operam de forma a protegê-los da decomposição e reforçar sua resistência e durabilidade, podendo chegar a um ponto em que os restos de microorganismos, animais ou plantas tornam-se tão quimicamente estáveis que podem durar milhões (ou mesmo bilhões) de anos sem se decompor. Praticamente todos os processos de preservação de restos orgânicos, dependem, em algum grau, direta ou indiretamente, da quantidade e dos tipos de substâncias dissolvidas na coluna de água ou nas águas que percolam os sedimentos. Na grande maioria dos casos é justamente o processo de precipitação de compostos minerais que promove a fossilização dos organismos. Quando um fóssil é encontrado, seja por um paleontólogo profissional, seja por um leigo, surge a inevitável pergunta: o que aconteceu com esse organismo para estar aqui, desse jeito, nessa rocha? A tafonomia, a mais geológica das ciências paleontológicas, responde a essa instigante pergunta. O responde porque fornece ferramentas para o estudo de todos os processos sedimentológicos, pedogênicos, biogênicos e diagenéticos que atuam na história de fossilização de um organismo e de seus vestígios vitais, como pegadas e rastros. 23 Figura 2. Ciclo natural da vida, com as possíveis transformações da matéria orgânica. TIPOS DE FOSSILIZAÇÃO (FOSSILDIAGÊNESE) Os fósseis podem se preservar de diferentes modos, dependendo dos fatores e das substâncias químicas que atuaram após a morte do organismo. Podemos reunir os tipos de fossilização em dois grandes grupos: restos e vestígios. Restos (somatofóssil) quando alguma parte do organismo ficou preservada e vestígios (icnofóssil) quando temos apenas evidências indiretas do organismo ou de suas atividades. As partes duras (conchas, ossos, dentes), devido à sua natureza têm mais chances de se fossilizarem. Sua composição pode ser de sílica (SiO2), bastante resistente às intempéries, como as espículas de algumas esponjas; de carbonato de cálcio (CaCO3) sob a forma de calcita ou aragonita, das quais são constituídas as placas esqueléticas de equinodermas e conchas de moluscos; de quitina, polissacarídeo complexos, menos durável do que a maioria dos esqueletos minerais e que compõem o exoesqueleto dos insetos. Os restos vegetais apresentam-se sempre dissociados no registro fóssil, dificultando o estuda da planta como um organismo completo. De um modo geral as folhas, caules e sementes e pólens encontram-se separados nos sedimentos. A preservação de partes moles é um evento extraordinário. Após a morte, os organismos entram rapidamente em processo de decomposição e, dependendo do ambiente, raramente se conservam. Por exemplo, plantas e animais de florestas tropicais se decompõem com tanta rapidez, devido à grande quantidade deágua e oxigênio disponível no ambiente, que somente em condições muito especiais, como um soterramento rápido, estes organismos podem se fossilizar. Águas ricas em cálcio neutralizam os ácidos dentro dos sedimentos, permitindo que partes moles, como pele, músculos e órgãos internos de vertebrados permaneçam intactos. As ocorrências de nódulos de âmbar contendo insetos, aracnídeos, rãs e outros organismos são bastante conhecidos. O âmbar é uma resina fóssil, proveniente de várias espécies de gimnospermas e 24 angiospermas, encontradas em grandes quantidades nos terrenos terciários na costa sul do Báltico e na República Dominicana. As condições glaciais na Sibéria e Alasca possibilitaram a preservação de mamutes e rinocerontes lanosos. Estes animais permaneceram congelados desde a última glaciação do Pleistoceno (45.000 anos) e muitos deles ainda apresentavam a pele e os músculos em perfeito estado. Seu conteúdo estomacal estava intacto e com isto foi possível conhecer os vegetais de que eles se alimentavam. Fósseis de preguiças-gigantes com as partes moles preservadas por dessecação foram encontrados em terrenos pleistocênicos da Patagônia. Este tipo de fossilização ocorre em locais com clima seco e árido, onde, após a morte, o animal desidrata rapidamente, ficando protegido do ataque de bactérias. Este processso de fossilização por desidratação é denominado por alguns autores de mumificação. Outros empregam também esta denominação para os organismos que se preservaram inteiramente, como os mamutes congelados (criopreservação) e os insetos conservados em âmbar, mas é um processo diagenético diferenciado e peculiar quando estudado a fundo. Mamutes e rinocerontes lanosos pleistocênicos conservaram-se em ozocerite, uma parafina natural ou cera fósssil, na região da Galícia, na Espanha. Entre os melhores exemplos de fossilização de tecidos moles está o Folhelho Burgess, da Columbia Britânica, Canadá. Vários organismos marinhos como algas, esponjas, animais vermiformes e artrópodes, ficaram preservados. Há vários estudos sobre a ocorrência de tecidos moles em fósseis brasileiros. Kellner & Campos (1999) identificram tecidos epidérmicos, fibras musculares e vasos sangüíneos em arcossauros da Formação Santana. Simone & Mezzalira (1993) descreveram vestígios de partes moles em biválvios cretáceos da Bacia Bauru, São Paulo. A maioria dos fósseis existentes no registro geológico são partes biomineralizadas dos organismos, denominadas de partes duras. São as conchas de moluscos e braquiópodes, testas de foraminíferos, carapaças de equinóides, ossos e dentes de vertebrados. Mesmo nas rochas mais antigas, são encontradas muitas partes duras que se conservaram sem alterações na sua composição química original. Algumas conchas de moluscos ainda apresentam traços de sua cor original e com o nacarado perfeito. Devido ao alto grau de intemperismo que atua nas rochas, essas ocorrências no Brasil são raras, mas Hessel & Carvalho (1987) estudaram conchas de gastrópodes cretáceos da Bacia de Sergipe que apresentavam a coloração original. As partes duras podem ser preservadas através de vários processos de fossilização: incrustação, permineralização, recristalização, substituição e carbonificação. O processo diagenético de incrustação é quando as substâncias transportadas pela água cristalizam-se na superfície da estrutura, revestindo-a por completo, preservando assim a parte dura. Este é o processo de fossilização que ocorre geralmente com organismos mortos ou transportados para cavernas. Os animais morrem, a parte orgânica desaparece e então os ossos são incrustados de carbonato de cálcio. Além da calcita, outras substâncias podem também participar deste processo como a pirita, a limonita e a sílica. Permineralização ocorre quando um mineral preenche os poros, canalículos ou cavidades existentes no organismo. Os ossos e troncos de árvores são muito porosos e bastante suscetíveis a essa forma de preservação. As substâncias minerais, como o carbonato de cálcio e a sílica, que são capazes de ser carreadas pela água, penetram nas cavidades lentamente permitindo muitas vezes que a estrutura original seja preservada. Minello (1993) estudou lenhos fósseis permineralizados da região de Mata e São Pedro do Sul, RS. 25 Recristalização ocorre quando há modificação na estrutura cristalina do mineral original, a composição química permanece a mesma. Por exemplo, a conversão da aragonita das conchas de moluscos em calcita; a mudança no arranjo cristalino da calcita, de micro- para macrocristalina; da opala, amorfa, para calcedônia, criptocristalina. Sempre que ocorre recristalização há a destruição das microestruturas. Carbonificação é um processo de fossilização onde ocorre a perda gradual dos elementos voláteis da matéria orgânica, o oxigênio, hidrogênio e nitrogênio são liberados, ficando apenas uma película de carbono. Este tipo de fossilização ocorre com maior freqüência ns estruturas constituídas por lignina, celulose, quitina e queratina. Apesar das alterações ocorridas na composição química original, muitas vezes a microestrutura fica preservada e permite o estudo da anatomia dos vegetais fósseis. Substituição: ocorre quando o carbonato de cálcio que constitui as conchas é substituído por sílica, pirita ou limonita, e até mesmo por novo carbonato de cálcio. Nesses casos, os fósseis são réplicas das conchas primitivas. Mendes (1959) estudou braquiópodes silicificados do Carbonífero da Bacia do Amazonas. Quando esse processo é muito lento, detalhes da estrutura dos tecidos podem ficar preservados, e segundo Mendes (1982), nos troncos vegetais em que se deu esse tipo de substituição foram encontrados restos de tecidos carbonificados. Esse processo denomina-se histometabase. Figura 3. Principais tipos de fossilização 26 AT-03: ICNOLOGIA De modo informal, dizemos que é o estudo da bioturbação ou dos traços presentes num determinado depósito sedimentar. Conceitualmente, a icnologia vai mais além. Segundo Frey (1975), a icnologia concentra o estudo dos vestígios da atividade orgânica (como ninhos, coprólitos, pistas, pegadas, perfurações, escavações e marcas de repouso) dentro ou sobre um determinado substrato, não necessariamente sedimentar. Vestígios, portanto, são evidências da existência dos organismos ou de suas atividades. Os icnofósseis são estruturas biogênicas distintas que refletem funções comportamentais relacionadas diretamente com a morfologia dos organismos que as produziram, tais como pegadas, pistas, escavações e perfurações, incluindo ainda coprólitos, pelotas fecais e estruturas recentes ou fósseis. Os animais e vegetais que deram origem aos vestígios não se preservaram, mas deixaram evidências indiretas de sua existência. Durante o soterramento, suas cavidades internas são preenchidas pelos sedimentos circundantes. Com o decorrer do tempo, elas são dissolvidas pelas águas percolantes, restando somente o espaço que era ocupado anteriormente pela concha. Ficaram formadas duas impressões, o molde externo, que é a moldagem da superfície externa e o molde interno, que revela a morfologia ou estrutura interna do organismo ou parte dele. Se o espaço formado for posteriormente preenchido por outro mineral, forma-se uma réplica do original, que denominados de contramolde. Asas de insetos, folhas de vegetais e outros órgãos similares compostos de quitina ou celulose podem ficar impressos nas rochas. São consideradas como imagens positivas quando estão em alto relevo e imagens negativas, em baixo relevo. Figura 4. Formação de moldes e contramoldes de uma concha. 27 Vestígiosdas atividades vitais dos organismos são freqüentes no registro sedimentar e sua presença nos sedimentos contribui para fazer interpretações paleoambientais. Estes fósseis são denominados de icnofósseis. Os mais freqüentes são as pistas ou tubos, bioturbação de origem animal ou vegetal, conhecidas também como escavações (burrow). Os pedotúbulos é uma bioturbação de origem vegetal decorrente da ação das raízes que penetram no substrato sedimentar inconsolidado. Os sulcos são resultantes do deslocamento de invertebrados no substrato, deixando neste o rastro de seu deslocamento. As pegadas deixadas por vertebrados nos sedimentos inconsolidados denominam-se pistas ou trilhas (trackway), permitindo inferir aspectos comportamentais por meio da análise de sua rota de deslocamento. Estruturas de bioestratificação são estruturas estratificadas resultantes das atividades de organismos como estromatólitos (ação das cianobactérias na rocha) e tapetes algálicos. Estruturas de bioerosão são perfurações resultantes da ação perfuratória sobre sedimentos consolidados. Há também testemunhos de outras atividades biológicas como nutrição e reprodução. É difícil reconhecer os autores destas marcas, pois em geral eles não se fossilizam. Com relação às atividades de nutrição os mais encontrados são os excrementos fossilizados, denominados de coprólitos. Podem ser produzidos por vertebrados ou invertebrados. Há também outra categoria de icnofóssil chamada de urólito, decorrente da ação urinária de vertebrados sobre o substrato. Seixos rolados denominados de gastrólitos são interpretados como as pedrinhas que as aves e alguns répteis têm no aparelho digestivo para auxiliar na digestão. Ovos fossilizados, principalmente de répteis, também têm sido encontrados com freqüência. Há ainda outros vestígios menos comuns, mas bastante interessantes, como as marcas de dentadas de répteis em conchas de cefalópodes e de mamíferos sobre ossos; sulcos feitos nas rochas pelos bicos das aves de rapina; ninhos fossilizados; regurgitos de aves de rapina contendo dentes e ossos de micromamíferos. A icnologia pode ser subdividida em Paleoicnologia (analisa os vestígios em substratos antigos) e Neoicnologia (se dedica a estudar a atividade orgânica em substratos recentes). A Paleoicnologia (paleo = antigo + iknos = vestígio + logus = estudo) é o estudo dos vestígios resultantes das atividades de vegetais e animais nos sedimentos e rochas sedimentares, estando incluídos aqueles que reflitam qualquer tipo de comportamento. Os primeiros rastros de vertebrados foram descobertos em 1802 nos Estados Unidos quando um jovem japonês bateu com arado numa laje de arenito que apresentava algumas pegadas claríssimas e estranhas, então atribuídas ao corvo da Arca de Noé. Só muito mais tarde o equivoco bíblico- paleontológico foi esclarecido quando se descobriu tratar-se de marcas da passagem de um dinossauro. No Brasil, ocorreram duas descobertas importantes nas primeiras décadas do século XX: por volta de 1910, o engenheiro de minas Joviano Pacheco ficou intrigado ao observar o que parecia ser uma pista fóssil em uma laje de arenito cor-de-rosa nas calçadas de São Carlos (SP). Em 1924, o geólogo Luciano de Moraes divulgou a existência de duas pistas de dinossauros distintos, encontradas no leito do rio do Peixe em Sousa (PB). Apesar de sua importância, o material ficou longamente esquecido. A icnologia só voltou à tona no Brasil em 1975, com o amparo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq). De lá para cá, tem-se desenvolvido rapidamente. A Neoicnologia estuda os vestígios dos organismos, sendo estes recentes e de não ocorrência em sedimento fóssil, como registros temporários da passagem de animais terrestres sobre superfícies não rígidas, como areia úmida, lama ou neve. Examinando as pegadas, pode-se verificar a forma, o tamanho e 28 o número de dedos, garras, unhas, cascos coxins (almofadas). Além disso, auxilia os pesquisadores que trabalham com animais silvestres sem que tenham necessidade de ter que sacrificar os animais. A Neoicnologia também tem sido bastante utilizada pela ciência forense e criptozoologia, já que permite interpretações além do organismo propriamente dito. Importância dos Icnofósseis Os icnofósseis revelam algumas vantagens sobre os fósseis corporais. Possibilitam o registro da presença de animais de corpo mole que normalmente não se preservam. Os traços permanecem in situ, indicando que o organismo ali esteve. É possível identificar o tamanho do animal e o peso. Mostram a diversidade de comportamentos (etologia) em estudos paleoecológicos. Aparecem com maior freqüência em siltitos e arenitos onde é quase impossível a fossilização de ossos por exemplo. Auxiliam na documentação de taxas de sedimentação e servem como indicadores de profundidade, oxigenação e salinidade. SUBDIVISÕES DA TAFONOMIA A Tafonomia (do grego tafós, enterramento, sepultura e nómos, lei) é a disciplina paleontológica que estuda os processos de transferência dos restos biológicos (ou melhor, da informação biológica) da Biosfera do passado para a Litosfera do presente, sendo portanto, o estudo das condições e processos que propiciaram a preservação dos fósseis, desde a sua morte até ser encontrado na natureza. No aspecto acadêmico, é a disciplina científica que estuda a formação dos fósseis (a fossilização, ou seja, dos processos de inclusão dos restos biológicos em contextos geológicos) e da formação das jazidas paleontológicas fossilíferas. O termo tafonomia foi introduzido pelo paleontólogo soviético (russo) Iván Antónovitch Efrémov, em 1940. Foi criado para designar uma nova disciplina da Paleontologia, por ele estruturada, dedicada ao estudo dos processos de formação dos fósseis. Contudo, estudos de natureza "tafonômica" já há muito que eram conduzidos por outros paleontólogos. Esta definição é, no entanto, muita ampla, consistindo em parte, em um sinônimo dos termos fossildiagênese (processos de fossilização), paleobiologia, bioestratinomia e actuopaleontologia. A tafonomia desenvolveu-se independentemente na Paleontologia de Invertebrados, Vertebrados e Paleobotânica e, de modo tardio, na Micropaleontologia e Palinologia. Atualmente, ciências relacionadas à Paleontologia, como a Arqueologia e a Paleoantropologia, têm demonstrado também grande interesse pela Tafonomia (Brain, 1969; Behrensmeyer, 1976; Hill, 1979). Entretanto, somente a partir da década de 1980 é que houve na literatura paleontológica internacional um aumento exponencial no número de artigos publicados referentes à Tafonomia. Os estratos podem ser denominados de diversas maneiras e variando de acordo com os critérios de classificação. Por exemplo, a idade das rochas, as litologias ou o conteúdo paleontológico são critérios para estabelecer, respectivamente, a Cronoestratigrafia, a Litoestratigrafia e a bioestratigrafia. São possíveis também outras classificações estratigráficas (por exemplo, a Sismoestratigrafia e a Magnetoestratigrafia). Em cada país, devem ser obedecidas certas normas estratigráficas como as do “Código Brasileiro de Nomenclatura Estratigráfica” (Petri et alli, 1986). 29 Bioestratinomia: engloba a história sedimentar dos restos esqueléticos até o soterramento, incluindo as causas de morte de um determinado organismo, sua decomposição, transporte e soterramento; refere- se à causalidade da morte do fóssil, à forma de decomposição e de preservação de partes duras e moles, ao seu transporte e deposição; assim, o fóssil pode ter sido depositado in situ ou transportado por rios, correntes marinhas, etc..., sofrendo quebras e misturas com fósseis de outros ambientes,
Compartilhar