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TEORIA AVANÇADA DA CONTABILIDADE AULA 2 Prof. Tassiani Aparecida dos Santos 2 CONVERSA INICIAL O objetivo deste texto é apresentar a evolução histórica do pensamento contábil: da dicotomia normativo versus positivo, até as mais recentes teorias contábeis. A princípio, a pesquisa contábil tinha um caráter muito normativo, isto é, baseada em desenvolver normas de atuação profissional. Após diversas críticas a esse tipo de pesquisa, a pesquisa contábil assumiu um caráter positivo, fortemente influenciado pelas teorias econômicas. Dessa dicotomia existente no campo teórico contábil, surgiram algumas teorias que visam explicar o comportamento dos agentes econômicos, no que tange as informações contábeis, como as escolhas contábeis e o gerenciamento do resultado contábil. Iniciaremos pelos aspectos teóricos da Teoria Normativa da Contabilidade, discorrendo sobre os conceitos primordiais, o seu surgimento e desenvolvimento. Em seguida, versaremos sobre a Teoria Positiva da Contabilidade, bem como suas características, surgimento, desenvolvimento e contraposição às pesquisas normativas. Após, trataremos dos desenvolvimentos teóricos contábeis relacionado ao comportamento econômico dos agentes, explicando os fundamentos da Teoria das Escolhas Contábeis e o gerenciamento de resultados contábeis, abordando os tópicos de accruals, práticas discricionárias e não discricionárias, income smoothing, big bath accounting e window dressing. CONTEXTUALIZANDO A palavra teoria tem sido objeto de estudo, reflexão e controvérsia na literatura contábil. Temos uma teoria em contabilidade? Se sim, são diversas teorias ou temos uma teoria geral da contabilidade? Se não, surgem outros questionamentos ainda mais profundos: a contabilidade pode ser considerada uma ciência? Há uma teoria da contabilidade na prática? Ou apenas denominamos teoria da contabilidade um conjunto extenso de conceitos? Infelizmente, não existe uma resposta assertiva para essa e outras questões relacionadas. Não há consenso entre os pesquisadores (Iudicibus, 2012). Vamos tratar dos aspectos teóricos da contabilidade, independentemente dos conceitos epistemológicos de ciência. Partiremos do princípio de que temos teorias na área de contabilidade: Teoria Normativa da Contabilidade, Teoria 3 Positiva da Contabilidade, Teoria das Escolhas Contábeis e Teorias dos Gerenciamentos de Resultados Contábeis. Diante disso, sugerimos a reflexão sobre os seguintes pontos no decorrer do texto: como essa teoria afeta a prática profissional? Quais as principais consequências para a qualidade da informação contábil? E principalmente, após conhecer os impasses teóricos, questionem-se: como, nós, profissionais de contabilidade, podemos atuar para tornar a contabilidade um instrumento cada vez mais fidedigno? Então, aperte os cintos, vamos começar. TEMA 1 – TEORIA CONTÁBIL NORMATIVA O surgimento teórico da contabilidade tem como marco a formalização das práticas de registros de operações mercantis; operações, estas, que já existiam há incontáveis períodos anteriores na história da humanidade. Essa formalização foi obra de Luca Pacioli que, em 1494, apresentou o método de partidas dobradas, embora a formalização de uma teoria da contabilidade, como conhecemos hoje, tenha ocorrido apenas no início do século XX. O início do século XX também exibiu preocupações com os seguintes temas econômicos: a intervenção estatal, o avanço dos abusos cometidos pelas corporações, o conceito da manutenção de capital, a determinação do lucro e os debates sobre a superioridade entre o balanço patrimonial e a demonstração do resultado. Até o fim da década de 1920, a contabilidade era reconhecida como uma disciplina pautada em regras flexíveis, voltada às necessidades gerenciais e que, com isso, oferecia oportunidades de manipulação de informações. Quando, em 1929, o mundo viveu a quebra da bolsa de Nova Iorque e uma das maiores crises econômicas vistas até o momento, a contabilidade foi levada ao banco dos réus e nomeadamente culpada pelo período de depressão que se alastrou pelo mundo todo; em grande parte em razão da falta de padronização e normatização dos procedimentos contábeis que deveriam ser adotados (Niyama, 2014). Assim, nesse contexto histórico de forte desconfiança da fidedignidade da contabilidade, inicia-se a busca pelo estabelecimento de princípios contábeis capazes de assegurar uma resposta adequada às necessidades da época. Concomitantemente, efeito do período da grande depressão econômica, foi criada a Securities and Exchange Commission (SEC), em 1934, com o intuito de assegurar a regulação estatal sobre o mercado de capitais e, 4 consequentemente, sobre a contabilidade. Portanto, a partir da década de 1930, inicia-se o período conhecido como normativo (Niyama, 2014). Em 1938, a SEC transferiu a sua competência legal de prescrição dos padrões contábeis e de divulgação das informações financeiras para o setor privado, permitindo, assim, que os profissionais contábeis (contadores e auditores) ficassem responsáveis pela definição dos princípios e práticas contábeis geralmente aceitos. Contudo, a prática contábil corrente à época necessitava ser reformulada e, portanto, a SEC buscava algo diferente do que havia praticado até a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 (Niyama, 2014). No período normativo da literatura contábil, a normatização mostrava-se como um caminho a ser trilhado e, para isso, uma teoria era necessária. As características dessa nova teoria da contabilidade foram pautadas pela prescrição daquilo que se entendia como a melhor prática contábil (Niyama, 2014). Na década de 1960, viu-se o surgimento de uma teoria da contabilidade desvinculada das necessidades exclusivamente teóricas. Obras dos autores Edgar Owen Edward, Philip Wilkies Bell, George Stabus, Palle Hensen, Richard Mattessich, Norton M. Bedford, R. J. Chamber, entre outros, apresentaram uma preocupação em determinar o que deveria ser o conteúdo das demonstrações contábeis. O enfoque da teoria normativa da contabilidade durante o período de 1960 a 1990 foi a mensuração dos ativos, impactos da inflação e o cálculo do lucro (Niyama, 2014). Até o momento, estudamos os aspectos históricos do surgimento e desenvolvimento da Teoria Normativa da Contabilidade. Também, conhecemos as características e objetivos dessa nova teoria contábil: a prescrição de como deveria ser a prática contábil. Agora, vamos aprender quais os principais fundamentos da pesquisa contábil nesse período? A pesquisa normativa é conhecida por ser dedutiva, subjetiva, qualitativa e focada na construção de teorias. A pesquisa é conhecida como dedutiva, pois segue o raciocínio dedutivo que é conhecido por buscar definir um modelo ideal, ou seja, como deveria ser. Ainda, nomeada qualitativa, porque visa entender como o fenômeno contábil ocorre; e subjetiva, por possuir caráter discricionário. Por fim, também é conhecida por objetivar a construção de teorias, embora, muitas vezes, a 5 prescrição normatizada não siga as prescrições da teoria normativa (Niyama, 2014). Em suma, podemos enfatizar que esse período normativo da contabilidade foi reflexo da crise econômica de 1929, porque a falta de padronização e normatização das práticas contábeis contribuiu para o período da grande depressão. Esse período foi seguido pela regulamentação estatal e o movimento teórico de prescrição, ou seja, como a contabilidade deveria ser para preservar o interesse dos usuários das suas informações. Dessa maneira,o desenvolvimento teórico da contabilidade durante o período normativo foi marcado pelo raciocínio dedutivo, qualitativo, subjetivo e pelo enfoque na construção de teorias. TEMA 2 – TEORIA CONTÁBIL POSITIVA Neste tema, vamos tratar do aparecimento da Teoria Positiva da Contabilidade, que ocorreu em grande parte como reflexo das críticas sofridas pela corrente normativa. Assim, o primeiro questionamento é: quais foram essas críticas sofridas pela fase normativa da pesquisa contábil? Primeiramente, a crítica mais contundente às pesquisas normativas está relacionada à falta de cientificidade. O paradigma de pesquisa positivista passou a ser visto como mais importante pela academia de contabilidade, em grande parte por causa da influência das ciências econômicas. Nesse novo paradigma, o teste empírico é fundamental. Portanto, o desenvolvimento da pesquisa normativa, de característica dedutiva, passou a ser visto como não científico (Niyama, 2014). A segunda crítica à pesquisa normativa é o foco na prescrição em vez da explicação. A pesquisa normativa tem como objetivo dar orientação para a prática profissional sobre como a contabilidade deve ser, ou seja, sua maneira ideal. Portanto, a corrente normativa se preocupa com a prescrição da contabilidade. Ao olhar dos críticos, o foco da pesquisa contábil deve ser na explicação dos eventos contábeis e econômicos. Assim, explicar por que a divulgação da informação contábil afeta o valor de mercado das empresas é visto como mais importante do que dizer como a informação deve ser divulgada (Niyama, 2014). Desse modo, a partir do surgimento da teoria positiva da contabilidade, de inspiração econômica, a pesquisa contábil se voltava para compreender, explicar 6 e predizer a prática, em vez de prescrever como ela “deve ser”. Portanto, uma das principais características desse período é o foco em explicar e prever os fenômenos contábeis (Niyama, 2014). A expansão dos mercados de capitais foi um fator que contribuiu para a perspectiva da teoria positiva da contabilidade. A escola econômica da Universidade Chicago fundamenta-se na perspectiva que a informação contábil é relevante para a decisão de investimento dos stakeholders. Nesse sentido, o mercado de capitais contribuiu para a disseminação dessa corrente de pesquisa (Niyama, 2014). Adicionalmente, a corrente positiva da contabilidade tem as seguintes características: indutiva, objetiva, quantitativa, empírica e focada na validação de dados e hipóteses. A lógica indutiva está pautada na experiência empírica, do campo de pesquisa e validação dos dados e hipóteses, ou seja, o conhecimento é adquirido ao se conhecer a realidade. Por isso a importância da objetividade, para que a realidade seja apreendida pelos pesquisadores por meio dos métodos quantitativos (Niyama, 2014). Portanto, é importante compreender que, atualmente, a corrente positiva é a dominante nas pesquisas contábeis, em especial, na academia norte- americana, mas também no Brasil. Assim, a partir de agora, vamos discutir tópicos avançados da teoria da contabilidade que se baseiam na corrente positiva de pesquisa, utilizando uma abordagem indutiva, empírica, objetiva e quantitativa. TEMA 3 – TEORIA DAS ESCOLHAS CONTÁBEIS A pesquisa contábil foi desenvolvida em duas correntes: a teoria normativa e a teoria positiva. Ambas tratam de modelos epistemológicos de pesquisa, isto é, formas ou modelos de fazer pesquisas. Para o primeiro, o modelo é dedutivo. Para o segundo, o modelo é indutivo. Vamos discorrer sobre teorias que, influenciadas pela corrente da teoria positiva, visam explicar fenômenos contábeis e econômicos. A primeira teoria que vamos apresentar é a teoria das escolhas contábeis. Essa teoria explica fenômenos econômicos gerados pela discricionariedade das normas contábeis. Assim, busca compreender, explicar e prever as influências da contabilidade nas relações econômicas. Silva, Martins e 7 Lemes (2016) retrataram os fundamentos da Teoria das Escolhas Contábeis da seguinte maneira: As normas contábeis oferecem flexibilidade para que sejam realizadas escolhas contábeis nas empresas, de modo que se tenha uma representação fidedigna da situação econômico-financeira empresarial por meio das demonstrações contábeis. Essa flexibilidade é necessária, pois o ambiente de divulgação é dinâmico e varia de acordo com o desenvolvimento dos mercados e os sistemas legais, tributários e regulatórios, aspectos esses que inviabilizam ou impedem a existência de normas contábeis totalmente uniformes. Por outro lado, a flexibilidade possibilita que os gestores busquem outros objetivos com as demonstrações contábeis que não necessariamente coadunam com a representação fidedigna. Conforme vimos nas palavras de Silva, Martins e Lemes (2016), as normas contábeis não são uniformes e têm margem para escolha dos procedimentos contábeis: a famosa discricionariedade normativa. Essa flexibilidade é necessária, pois o nível de desenvolvimento dos mercados financeiros globais é diferente em questões como proteção ao investidor ou ao credor, regulação, enforcement etc. (Silva; Martins; Lemes, 2016). Assim, por exemplo, o gestor tem a discricionariedade para aplicar o método PEPS ou o método do custo médio ponderado ao mensurar os estoques. A adoção de um ou outro método possibilita que os gestores busquem determinados objetivos com as demonstrações contábeis que, por vezes, não correspondem com a representação fidedigna da realidade da organização. Continuando o exemplo da mensuração dos estoques, o gestor poderá ter estoques avaliados por valores diferentes, dependendo do método escolhido. A implicação disso pode ser um ativo maior ou menor e/ou um lucro maior ou menor. Dessa forma, o gestor poderá utilizar um método ou outro, dependendo do objetivo que possui com a divulgação das demonstrações contábeis (Silva; Martins; Lemes, 2016). É importante salientar que a escolha contábil não constitui uma irregularidade, e o profissional deve escolher dentre as opções permitidas pela norma. Contudo, a escolha deve ser guiada pelo método que melhor reflita a realidade econômico-financeira da empresa. Mas como ter certeza que a empresa escolheu o método que reflete a realidade da empresa? É possível monitorar o cumprimento da norma? Podemos dizer que é impossível monitorar 100% o cumprimento da norma. Entretanto, podem-se implementar mecanismos de monitoramento. Esses mecanismos geram custos – por exemplo, os custos de agência – e, 8 portanto, a empresa deve analisar a relação custo/benefício do monitoramento (Silva; Martins; Lemes, 2016). Outro aspecto relevante é a assimetria de informações gerada pelas escolhas contábeis. A discricionariedade normativa da contabilidade gera assimetrias informacionais. Por sua vez, a assimetria informacional produz custos de agência – já mencionado neste tópico os custos de monitoramento – e permite a manipulação das informações contábeis: divulgação de informações que não reflete a realidade econômico-financeira da companhia (Silva; Martins; Lemes, 2016). Nesse sentido, as teorias econômicas explicam que os indivíduos agem impulsionados por interesses próprios e, também, dependem da continuidade da empresa ao longo do tempo. Dessa dicotomia surgem as perspectivas oportunistíca e da eficiência, conforme detalham Silva, Martins e Lemes (2016): Nas hipóteses de plano de incentivo, o gestor pode escolher uma política de amortização linear em vez de saldos decrescentes para, oportunisticamente, aumentar a remuneração, porém essa mesma política poderia ser escolhida sob ahipótese dos planos de incentivo por razões de eficiência. Supondo que a amortização linear mensure melhor o custo de oportunidade dos ativos da empresa, esse método resulta em um lucro reportado que melhora o desempenho do gestor. Assim, na perspectiva oportunística, podem surgir dois aspectos estudados na teoria da contabilidade: a hipótese do grau de endividamento e a hipótese dos custos políticos. No primeiro caso, as empresas com alto grau de endividamento tendem a aumentar seus lucros, com o intuito de diminuir o custo de capital. Já no segundo caso, as grandes empresas, como os bancos, tendem a usar técnicas contábeis para diminuir os lucros, em razão da elevada atenção política e social que essas empresas possuem. Porém, há um contraponto à perspectiva oportunística: esses indivíduos dependem da continuidade da empresa ao longo do tempo. Dessa forma, os indivíduos tendem a utilizar métodos que diminuam os custos contratuais e que tenham maior eficiência (Silva; Martins; Lemes, 2016). A teoria das escolhas contábeis constitui uma linha de pesquisa importante para a academia de contabilidade. Ela objetiva compreender e explicar como a discricionariedade normativa afeta as ações dos agentes econômicos e o mercado financeiro. Dessa maneira, será notável sua conexão com a teoria dos gerenciamentos de resultados contábeis, tópico que estudaremos nos próximos dois temas desta aula. 9 TEMA 4 – GERENCIAMENTO DE RESULTADOS: ACCRUALS E PRÁTICAS DISCRICIONÁRIAS E NÃO DISCRICIONÁRIAS A teoria das escolhas contábeis introduziu-nos a perspectiva da discricionariedade normativa que existe na contabilidade. Essa discricionariedade gera assimetria informacional entre os diferentes agentes econômicos. Isso permite que os gestores possam gerenciar o resultado da organização com objetivos que não correspondem com os interesses dos demais stakeholders. Sobre esse tópico, discorreremos o quarto tema desta aula. Para iniciar essa discussão, vamos apresentar alguns conceitos de gerenciamento de resultados. Essa compreensão é fundamental para a sequência desta aula e para aprendermos a diferenciar as escolhas contábeis – definidas como espaço de escolha das normas contábeis, visando à representação da realidade econômico-financeira de maneira fidedigna – e o gerenciamento de resultados, definido como segue: A intervenção proposital no processo de elaboração das demonstrações financeiras com a intenção de obter algum ganho. (Schipper, 1989) O gerenciamento de resultado ocorre quando os gestores usam julgamento no processo de elaboração das demonstrações financeiras para induzir ao erro alguns stakeholders sobre o desempenho econômico da empresa. (Healy; Wahlen, 1999) Portanto, podemos afirmar que o gerenciamento de resultados é uma intervenção proposital nas demonstrações contábeis, por parte de um agente econômico, com o intuito de induzir ao erro outros agentes econômicos (Martinez, 2008). 4.1 Accruals: discricionários e não discricionários O gerenciamento de resultados ocorre pela intervenção nos accruals por parte dos gestores. Mas o que são os accruals? E por que esse é o mecanismo que permite o gerenciamento de resultados? Primeiro, é relevante a formação da compreensão do que são os accruals e Martinez (2008) define como “todas aquelas contas de resultado que entram 10 no cômputo do lucro, mas que não implicam em necessária movimentação de disponibilidades”. Os accruals existem em virtude da diferença entre o regime de caixa e o regime de competência. São as contas de resultado que não impactam no caixa da organização, como a depreciação, o impairment e os lançamentos de folha de pagamento no mês de ocorrência quando o pagamento ocorrerá no mês subsequente. Portanto, nada de errado existe no lançamento de accruals. O objetivo dessas contas contábeis é mensurar o resultado econômico da empresa (Martinez, 2008). O gerenciamento de resultados surge quando o gestor aumenta ou diminui os accruals com o objetivo de influenciar o lucro, por motivos alheios à realidade do negócio. Assim, temos dois tipos de accruals: accruals discricionários e accruals não discricionários (Martinez, 2008). Os accruals não discricionários são naturais aos negócios da entidade e são registrados na contabilidade com a intenção de representar a realidade econômica da organização; portanto, sem a intenção de gerenciar os resultados contábeis (Martinez, 2008). Como exemplo podemos citar a depreciação, que visa representar um ativo pelo seu valor econômico. É o caso é do impairment, que visa reavaliar o valor econômico dos ativos. No primeiro exemplo, o ativo é depreciado periodicamente; no segundo, o ativo é reavaliado, visto que a depreciação, em alguns casos, pode não ser suficiente para refletir o valor econômico do ativo. Em contraponto, os accruals discricionários são artificiais e têm como único propósito gerenciar o resultado contábil. Esses registros contábeis podem ser negativos ou positivos, indicando se a empresa objetiva melhorar ou piorar seu resultado econômico. Por exemplo, podemos citar um lançamento de depreciação ou impairment. Em ambos os casos a empresa procederá com o lançamento com o intuito de desvalorizar um ativo ou superavaliar um ativo para obter vantagens econômico-financeira. Percebem a diferença? Tanto os accruals discricionários quanto os accruals não discricionários são lançamentos de contas que não impactam caixa e, portanto, de fácil manipulação. O que difere entre os diferentes accruals é a intenção. Sobre esse aspecto, discorreremos no próximo tema desta aula, que abordará os três modelos de gerenciamento de resultado, income smoothing, big bath accounting e window dressing, e explicará as diferentes intenções por parte dos agentes econômicos em cada caso. 11 TEMA 5 – GERENCIAMENTO DE RESULTADOS: INCOME SMOOTHING, BIG BATH ACCOUNTING, WINDOW DRESSING Estamos adentrando o último tema desta aula e o tópico a ser discutido é gerenciamento de resultados. Conforme comentamos na seção anterior, gerenciamento de resultados pode ser definido como uma intervenção proposital nas demonstrações contábeis, por um agente econômico, com o intuito de induzir ao erro outros agentes econômicos. Neste quinto tema, discorreremos sobre os três principais modos de gerenciar resultados nas organizações: income smoothing, big bath accounting e window dressing. 5.1 Income smoothing O income smoothing é um dos modos de gerenciar resultado nas organizações. É conhecido por ter como objetivo reduzir/suavizar a variabilidade dos resultados contábeis com o intuito de estabilizar o lucro ao longo do tempo (Rivera-Castro; Martinez, 2008). Nesse cenário, a empresa vai registrar mais ou menos accruals na contabilidade dependendo do resultado contábil do período. Por exemplo, se no período X0 o lucro for de 30.000.000,00 (valor suavizado) e no período X1 o resultado contábil for de 20.000.000,00, a empresa vai gerenciar o resultado contábil para cima, com o intuito de se aproximar do valor suavizado. E se em X2 o lucro for de 40.000,00? A empresa tenderá a gerenciar o resultado contábil para baixo, com o intuito de se aproximar do valor suavizado. A relação do income smoothing se estabelece com a rentabilidade da empresa. A explicação para se fazer income smoothing é que quando há suavização dos resultados contábeis, a previsão do mercado financeiro em relação ao resultado econômico da empresa é mais assertiva e, portanto, a informação contábil se torna mais relevante e reflete positivamente no valor das ações da empresa. 5.2 Big bath accountingOutro mecanismo de gerenciamento de resultados contábeis utilizado pelos gestores é o big bath accounting. Mas no que ele consiste? 12 Este é um tipo de gerenciamento de resultados que tem como objetivo piorar um resultado ruim com o intuito de obter um resultado melhor no futuro. Como assim? O objetivo consiste em piorar o resultado da empresa? Sim, exato! Vamos pensar no seguinte caso: a empresa Alfa possui accruals que, ao serem registrados, vão afetar negativamente o resultado da empresa, assim, evitam o lançamento desses accruals enquanto o resultado for positivo. Contudo, no momento de uma crise financeira e/ou de um resultado operacional ruim, a empresa lança esses accruals que vão piorar o resultado do exercício, com o intuito de, nos próximos períodos, obter resultados mais favoráveis. Um outro caso em que pode ocorrer big bath accounting é com a mudança de gestão na organização. O novo gestor pode utilizar esse mecanismo para atribuir ao antigo gestor um desempenho ruim e, assim, garantir resultados futuros melhores, que serão atribuídos à nova gestão. 5.3 Window dressing O window dressing é um mecanismo de gerenciamento de resultados que visa maquiar os resultados contábeis tornando-os mais positivos. O exemplo mais comum relatado pela literatura é a operação de window dressing realizada pelos fundos de investimentos. Imagine o seguinte caso: um fundo de investimentos investe em ações A, B, C e D. Ainda, o fundo de investimentos usualmente divulga o desempenho do fundo de forma trimestral. No quarto trimestre, as ações A e B superaram o índice total, mas representavam pouco dentro do peso do fundo de investimentos, enquanto as ações C e D ficaram abaixo do índice total, mas representavam muito dentro do peso do fundo de investimentos. Assim, o gestor do fundo de investimentos decide “maquiar os resultados” e, portanto, vende as ações C e D, substituindo por ações com maior índice. Essas decisões dos gestores vão levar os stakeholders a avaliarem o rendimento do fundo de investimentos de forma positiva, induzindo os demais agentes econômicos a tomarem decisões de maneira equivocada. TROCANDO IDEIAS Estamos caminhando para o final desta aula. Vamos agora trocar ideias com os colegas sobre os principais aspectos tratados? 13 Para consolidar os conhecimentos adquiridos nesta aula, vamos realizar uma atividade de fórum. Você deverá articular os conceitos aprendidos sobre os tópicos teóricos da teoria das escolhas contábeis e o gerenciamento de resultado contábil, com o intuito de diferenciar as práticas de cada tema estudado. Reflita: escolha contábil e gerenciamento de resultados correspondem a mesma prática? Para responder a esse questionamento, exponha a sua opinião na plataforma AVA, elaborando um texto com base nos principais conceitos das teorias supracitadas. Essa atividade auxiliará na fixação dos conteúdos estudados. NA PRÁTICA Esta atividade tem cunho prático, para que vocês possam desenvolver habilidades. O tema de discussão da atividade prática é gerenciamento de resultados, o qual discutimos nos Temas 4 e 5 desta aula. Para Martinez (2008, p. 13), é crucial entender que o gerenciamento dos resultados contábeis não é fraude contábil. No gerenciamento dos resultados contábeis, opera-se dentro dos limites do que prescreve a legislação contábil, entretanto nos pontos em que as normas contábeis facultam certa discricionariedade para o gerente, este realiza suas escolhas não em função do que dita a realidade concreta dos negócios, mas em função de outros incentivos. Enquanto a fraude contábil é caracterizada pelo ato intencional de falsificar e/ou alterar documentos contábeis, registro e demonstrações contábeis. Reúna os conhecimentos adquiridos durante esse curso e vamos fazer um exercício de abstração: O Sr. João Paulo é contador da empresa Alfa e trabalha sob a gerência do Sr. Henrique Cardoso, CEO da empresa Alfa. O Sr. Henrique Cardoso recebe remuneração variável atrelada ao desempenho da organização. O indicador utilizado para mensurar o desempenho é o lucro contábil. O Sr. João Paulo decide registrar um número elevado de accruals no período X4 que antecede a avaliação de desempenho do CEO. Esses accruals elevam o resultado contábil do período, reportando um lucro três vezes maiores. Agora, vocês deverão refletir e decidir se o ato praticado pelo Sr. João Paulo se caracteriza como fraude contábil ou gerenciamento de resultados. Apresente uma posição em relação ao cenário apresentado e justifique sua escolha. (A sugestão de resposta está ao fim deste documento). 14 FINALIZANDO Esta aula nos auxiliou a adentrar ao mundo teórico contábil e compreender como surgiram e se desenvolveram as duas principais correntes de pesquisa da área: a teoria normativa e a teoria positiva. Ainda, discutimos alguns tópicos avançados derivados da corrente positiva da contabilidade, como a teoria das escolhas contábeis e os estudos de gerenciamento de resultados. Nos dois primeiros temas desta aula, foram apresentadas as duas correntes teóricas que guiaram o desenvolvimento das pesquisas nas ciências contábeis: a teoria normativa e a teoria positiva. Discorremos, também, sobre o desenvolvimento histórico de ambas as perspectivas, suas características e as principais críticas. Nos três últimos temas, o enfoque esteve em tópicos avançados da teoria contábil, desenvolvidos sob influência da corrente positiva. No tema 3, foi apresentada a teoria das escolhas contábeis e as implicações da discricionariedade normativa. No tema 4, expressamos os conceitos e definições de gerenciamento de resultados e a sua relação com a discricionariedade normativa. O último tema aprofundou os principais mecanismos de gerenciamento de resultados: income smoothing, big bath accounting e window dressing. 15 REFERÊNCIAS HEALY, P. M.; WAHLEN, J. M. A review of the earnings management literature and its implications for standard setting. Accounting Horizons. v. 13, n. 1, p. 365-383, 1999. IUDICIBUS, S. Teoria da contabilidade: evolução e tendências. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da UFRJ, v. 17, n. 2, p. 5-13, 2012. MARTINEZ, A. L. Detectando earnings management no Brasil: estimando os accruals discricionários. Revista Contabilidade & Finanças, v. 19, n. 46, p. 7- 17, 2008. NIYAMA, J. K. Teoria Avançada da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2014. RIVERA-CASTRO, M. A.; MARTINEZ, A. L. Income smoothing como critério para montagem de carteiras: evidências empíricas no mercado brasileiro. In: XXXII EnANPAD. Anais... Rio de Janeiro, 2008. SCHIPPER, K. Commentary on earnings management. Accounting Horizons, v. 3, n.1, p. 91-102, 1989. SILVA, D. M.; MARTINS, V. A.; LEMES, S. Escolhas contábeis: reflexões para a pesquisa. Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 13, n. 29, p. 129-156, 2016. 16 RESPOSTA Considerando o conflito de interesses existente entre o contador e o CEO, uma vez que o primeiro está abaixo na hierarquia organizacional do segundo e o João Paulo é responsável pela elaboração dos demonstrativos contábeis, existe uma grande possibilidade de o lançamento representar um gerenciamento de resultados. O segundo elemento é que não há evidências de alteração ou destruição de documentos contábeis, o que poderia caracterizar uma fraude contábil. Assim, o cenário indica um possível gerenciamento de resultados.
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