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AJUFE - Os Magistrados Federais e a Reforma da Previdência

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OS MAGISTRADOS FEDERAIS
E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Teses e Antíteses
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ÍNDICE
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 05
JUSTIFICATIVAS PARA A MANUTENÇÃO DE UM REGIME JURÍDICO PRÓPRIO PARA
OS MAGISTRADOS FEDERAIS ............................................................................................. 07
REFORMA DA PREVIDÊNCIA................................................................................................ 23
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APRESENTAÇÃO
 
 No início de 2003 foi formada pela AJUFE uma Comissão para atuar como assessoria
técnica da Entidade nas questões envolvendo a reforma da Previdência Social. Essa Comissão foi
composta pelos Juízes Federais Marcus Orione, Alexandre Laranjeira, Luis Fernando Cavalheiro,
Edilson Nobre e Marcelo Tavares, sendo auxiliada pelos Juízes Federais Jorge Maurique, Secretário-
Geral, e Luiz Praxedes, Diretor Coordenador de Comissões da AJUFE.
Já após a primeira reunião, iniciou-se a participação da AJUFE nos grupos de trabalho do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Lula, onde se chegou a diversas
propostas destinadas a integrar a reforma da previdência. A despeito das várias intervenções dos
componentes da Comissão em defesa dos interesses dos Magistrados Federais e da Sociedade -
e do acolhimento de várias das propostas formuladas - o governo praticamente desconsiderou os
trabalhos ali realizados, enviando projeto completamente divorciado dos esforços dos trabalhos do
próprio Conselho.
Enviada a desastrosa PEC 40/03 ao Congresso, a Comissão debruçou-se sobre o texto,
sendo que de seus esforços surgiu documento, enviado a todos os associados, alertando para as
perdas decorrentes do projeto. Ainda, as entidades nacionais representativas da magistratura
(AJUFE, ANAMATRA, AMB) e do Ministério Público (ANPR e CONAMP) formaram comissões
conjuntas para acompanhar a reforma e apresentar nossas reivindicações ao Congresso Nacional.
Dentre os textos produzidos pela Comissão de Previdência da AJUFE situa-se o primeiro
trabalho deste volume, em que se justifica a necessidade de preservação de um regime próprio
para a magistratura.
Ainda, o Conselho da Justiça Federal constituiu Comissão de Altos Estudos destinada a
apresentar propostas para diversos temas atuais que se relacionam com o Estado Democrático de
Direito. Um deles, a reforma da previdência. As conclusões alcançadas por essa Comissão, relatadas
pelo Juiz Federal Jorge Maurique, compõem o segundo texto desse volume.
A Magistratura Federal não é contra uma reforma da previdência. A previdência precisa ser
sustentável a longo prazo e ver corrigidas distorções que a afligem. Contudo, é responsabilidade
da AJUFE alertar a Sociedade e os Poderes para as conseqüências de se tratar a previdência da
Magistratura a partir de dados parciais, que não correspondem à realidade, e deles extrair um
discurso de conotação populista tão fácil quanto incorreto.
Queremos, a partir desta publicação, contribuir para o debate e demonstrar a imperiosa
necessidade de se atentar para a necessidade e a viabilidade de um regime próprio de previdência
para a Magistratura.
Brasília, junho de 2002
Paulo Sérgio Domingues
Presidente da AJUFE
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JUSTIFICATIVAS PARA A MANUTENÇÃO DE UM REGIME JURÍDICO
PRÓPRIO PARA OS MAGISTRADOS FEDERAIS
I - Em defesa de um sistema público de previdência social
Sob a perspectiva política da Seguridade Social, esta tem em primeiro plano e como finalidade
a proteção da necessidade social, ou seja, estende-se a toda sociedade e tem como prestador o
Estado, em missão fundamental.
Quanto à perspectiva jurídica, refere-se esta ao meio ou ao instrumento com que se pretende
almejar a finalidade de proteção às necessidades sociais, através de uma organização normativa
instrumental e das relações jurídicas decorrentes.
Destarte, pode-se, hoje, afirmar que a noção de Seguridade Social equivalente à Previdência
Social (destinada, apenas, à prestação dos chamados seguros sociais), está superada, cedendo
lugar a uma noção assistencial, que supera todas as deficiências contidas na estrutura da previdência
social, inclusive o mecanismo clássico do seguro privado. Portanto, a Seguridade Social passa a
ser concebida como “um instrumento protetor, garantindo o bem-estar material, moral e espiritual
de todos os indivíduos da população, abolindo todo o estado de necessidade social em que possam
se encontrar”1 . E, invocando a lição de Wagner Balera a Seguridade, como sistema, deve ser
conceituada como “uma realidade indissociável entre Saúde, Previdência Social e Assistência
Social”2 .
As noções acima podem ser facilmente constatadas a partir das disposições constitucionais
a respeito da seguridade social (arts. 194 e seguintes da Constituição Federal). Assim, fica bem
claro o desejo da criação de um sistema de segurança social. Para se tecer esta rede de segurança
para os brasileiros, concebeu-se que é necessária, dentre outras coisas, a existência de proteção,
por meio de um seguro social, de natureza previdenciária.
Esta, por sua vez, na ótica de nosso modelo, é essencialmente redistributiva de renda e
concebida a partir da solidariedade.
Seria inviável a existência de redistribuição de renda e de solidariedade social sem a existência
de um sistema público de previdência social. A natureza das entidades privadas e sua natural
inclinação ao lucro inviabilizam a realização destes desideratos constitucionais da previdência
brasileira.
1 José Manuel Almansa Pastor, Derecho de la seguridad social, p. 60.
2 In “A Seguridade Social: conceito e polêmicas”, extraído da obra Mínimos de Cidadanias, No.04, Programa de Estudos
Pós-graduados em Serviço Social da PUC de São Paulo, dezembro de 1994, p. 33.
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Ainda mais recentemente vem-se constatando a preocupação crescente dos diversos países
com a reformulação de suas pensões e aposentadorias, inclusive porque o investimento estrangeiro
vem cada vez mais vinculado à capacidade de cada Estado pagar as suas contas públicas.
Como solução, alguns países vizinhos buscaram a reforma do modelo, tentando como
alternativa o prestígio da previdência privada.
Neste sentido, poderiam ser citados os exemplos do Chile e da Argentina.
Em face de uma pretensa inviabilidade de a previdência pública arcar futuramente com os
gastos necessários à sua sobrevivência, muitos países buscam solução através da previdência
privada.
No entanto, verifica-se que a possibilidade do acerto ou não dos rumos tomados pelo Chile,
por exemplo, somente poderão ser verificados mais ou menos a partir do ano 2.010, quando o
sistema deverá iniciar, de forma expressiva, a pagar os seus beneficiários. Até o momento, havendo
apenas ingresso excessivamente majoritário de receita, não há como se assegurar o sucesso
daquelas experiências.
Inobstante, antes mesmo da verificação dos resultados naqueles países, alguns, inadver-
tidamente tentam a transposição do modelo para o Brasil.
Ao se indagar sobre uma eventual transição para o sistema privado, observa Marcelo Viana
Estevão de Moraes:
“É evidente que nós não poderemos simplesmente mimetizar experiên-
cias ocorridas em países vizinhos, tendo em vista as especificidades da nossa
realidade, as quais têm estreita correlação com a atual situação do setor
público - nós nos encontramos numa situação de debilitamento financeiro
que, por exemplo, não era a situação do Chile quando implementou, em
1980, seu sistema de Previdência Social. É um pouco mais próximo da
situação da Argentina e, no caso argentino houve um processo de vendas
aceleradas de ativos públicos para financiar este processo, mas os ativos
um dia também acabam; há limitações”. ( 3)
Perceba-se, ainda, que, como lembra o autor, no caso do Chile, a implantação do sistema
se deu em meio à plena vigênciade um regime militar autoritário - sendo que os mesmos os
militares, com receio do insucesso do plano, se excluíram do sistema - “se fosse bom eles teriam
sido os primeiros a se filiarem”. ( 4)
Além disto, na própria Argentina, esperava-se um público de 6 milhões de pessoas a serem
incorporadas pelo novo regime. No entanto, por temor dos segurados e falta de interesse das
seguradoras, o contingente abrangido não chegou sequer a alcançar o número de 2 milhões de
pessoas.
A guinada para um sistema privado vem sendo devidamente rechaçada por doutrinadores
de renome. Neste sentido confira-se o seguinte trecho (ainda que datado):
“A previdência complementar também enfrenta dificuldades. Nos Estados
Unidos, por exemplo, onde ela é garantida pelo Estado até certo limite, o
3 MORAES, Marcelo Viana Estevão de Moraes. Revisão constitucional - reforma previdenciária. Revista de Previdência
Social, São Paulo, n. 168, p. 846, novembro 1994.
4 Ibid., p. 847.
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Presidente Clinton está preparando projeto de reforço desta garantia. Ou
seja: enquanto nós estamos aqui discutindo essa bobagem da privatização
da previdência social, como se isso fosse possível, os Estados Unidos estão
estatizando a previdência complementar, os fundos de pensão.
No Brasil como sabemos, a razão principal dos problemas previdenciários não está
propriamente na previdência social, está sobretudo na inflação e na economia como um todo”. ( 5)
Frisamos, diante de todo o exposto, que a realidade nacional não comporta a privatização
efetiva do sistema, como alguns preconizam.
RESSALTE-SE QUE VÁRIOS ECONOMISTAS CONSIDERAM QUE A PASSAGEM PARA
UM SISTEMA PRIVADO IMPLICARIA UM CUSTO DE CERCA DE DUAS VEZES O PIB
BRASILEIRO - MESMO PORQUE HAVERIA APENAS DESPESAS COM AS APOSENTADORIAS,
PENSÕES E DEMAIS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS, SEM A CONTRAPARTIDA, HOJE
EXISTENTE, DA RECEITA, QUE PASSARIA PARA OS COFRES DAS ENTIDADES PRIVADAS.
DIANTE DA PERSPECTIVA ATUAL, SEQUER SERIA POSSÍVEL ESTA MUDANÇA - DUVIDA-
SE QUE ELA SEJA CONCRETIZÁVEL ATÉ MESMO DE FORMA PARCIAL, COM O ABANDONO
DE UM REGIME PRÓPRIO PARA O SETOR PÚBLICO E A ADOÇÃO, COMO VEM SENDO
DEFENDIDO, DE UM REGIME ÚNICO PARA OS TRABALHADORES PÚBLICOS E PRIVADOS.
Urge frisar que a importância do regime público vem respaldada pela experiência
extremamente eficiente de alguns países desenvolvidos como o Japão. Analisemos, ainda que de
forma perfunctória, este sistema, para constatar que é inviável conceber-se um sistema de segurança
social entregue apenas ao mercado.
No Brasil, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos
à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194 da Constituição Federal). Assim,
encontram-se bem diferenciados os sistema de previdência social (este regido pelos arts. 201 e
202 da Constituição Federal e, infraconstitucionalmente, pelas leis nos. 8.212/91 e 8.213/91) e de
saúde (sendo esta regida pelos arts. 196 a 200 da Constituição Federal e, no plano infraconstitucional,
pela Lei no. 8.080 de setembro de 1990).
No Japão, a previdência social não se dissocia da saúde, o que faz com a que contribuição
se dê para ambas, sem possibilidade de isenção em relação a nenhuma delas. Por outro lado, há
que registrar, neste país, as elevadas contribuições para ambos os casos: para o seguro de saúde,
há a incidência de uma contribuição de 8,5% do salário-mensal (metade a cargo do empregado e
metade por conta do empregador) e, para o seguro de pensão dos assalariados, há a incidência do
montante de 17,35% sobre o salário-mensal do trabalhador (devendo o trabalhador arcar com a
metade).3 No caso de seguro de saúde nacional, administrado pelas “prefeituras” e aplicável aos
demais segurados não assalariados, a contribuição é de 5% do valor da renda mensal a cargo do
trabalhador.
Assim, mesmo países de economia extremamente avançada, como o Japão, não se
entregaram a aventuras de colocar à mercê do mercado o seu sistema previdenciário. Frise-se
que, salvo raras hipóteses, mesmo os países desenvolvidos mantém, ainda que com parâmetros
diversos, a proteção previdenciária na esfera pública. A importância da previdência pública é revelada
5 LEITE, Celso Barroso. Atualidade e perspectivas da Previdência Social. Revista da Previdência Social, São Paulo, n.
172, p. 173 e 174, março 1995.
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pelas experiências européias em geral (França, Alemanha, Inglaterra) e mesmo pelo próprio Estados
Unidos (que mantém um mínimo da previdência social na esfera de atuação do poder público).
NÃO HÁ SEQUER, À LUZ DAS LEGISLAÇÕES COMPARADAS, MOTIVOS PARA SE ABORTAR
UM SISTEMA PÚBLICO DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA, DEVENDO ESTE SE DAR A
PARTIR, COMO OCORRE EM OUTROS PAÍSES, DE PATAMARES DIGNOS PARA A
SOBREVIVÊNCIA NAS INTEMPÉRIES.
Com efeito, todas as grandes nações do mundo mantêm regimes públicos de previdência,
inclusive aquelas detentoras dos três maiores PIB’s do planeta: EUA, Japão e Alemanha.
Além disso, o financiamento da seguridade social no Brasil é perfeitamente equacionável
desde que se adotem medidas destinadas a retirar da economia informal (leia-se: ilegalidade
econômica) toda uma gama de contribuintes, quer sejam pessoas físicas, quer sejam pessoas
jurídicas. A esse respeito, aliás, há dados oficiais no sentido de que 56 % da força de trabalho do
País não está integrada ao regime geral da previdência social.
Noutras palavras, a arrecadação das contribuições deveria focar o consumo, retirando da
folha de pagamentos os pesados encargos que tanto estimulam o emprego informal, viabilizando o
ingresso no sistema de milhões de possíveis contribuintes.
Em última instância, percebe-se que a polêmica promovida, atualmente, pelo Governo Federal
exclui qualquer valoração acerca do valor ético e social da seguridade e, em especial, da previdência.
Esquece-se freqüentemente que a criação do orçamento da Seguridade Social foi uma das grandes
conquistas obtidas por meio da Carta de 1988, a qual possibilitou, por meio dos benefícios
assistenciais (em favor dos idosos, dos incapacitados e dos trabalhadores rurais), a inclusão social
de populações absolutamente marginalizadas e entregues a uma situação de penúria. O sistema
de seguridade não deve e não pode ser encarado, portanto, apenas como um problema financeiro,
dadas as suas extraordinárias repercussões no âmbito da sociedade brasileira.
II) Em defesa de um regime próprio para os Juízes Federais
II.1) Razões institucionais para a preservação do regime próprio para os juízes
De ninguém é desconhecido que o Estado de direito é aquele que sobrevive do império das
normas. Ao Estado de direito, expressão mais importante em determinados momentos da história
da humanidade, foi incorporado, com o passar dos anos, o adjetivo democrático. O Estado poderia
ser autoritário ou democrático. O Estado de Direito (do império das normas), portanto, poderia ser
ou não democrático. Com a inclusão da adjetivação acima, nas Constituições modernas, pretendeu-
se dar fim a esta possibilidade, extremamente nefasta.
Lembremos, acompanhando José Afonso da Silva, que “o Estado Democrático de Direito
reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião
formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera, na
medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”6 . Este
processo de transformação, por sua vez, é concebido no contexto de uma sociedade livre, justa e
6 Curso de direito constitucional positivo. 8a. ed. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 99.
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solidária. A partir desta ótica, pode-se dizer que, para a perfeição deste modelo de Estado, se faz
necessária a preservação de direitos sociais, indispensáveis a que se alcancem os objetivos postos
no art. 3º da nossa Constituição Federal.
Assim,extremamente interessante conceber-se que o Estado democrático encontra na
Constituição o meio mais eficaz de sua inserção no modelo de Estado legitimamente desejado. E,
por seu turno, estando o Estado democrático atado à idéia da liberdade positiva, a sua plenitude
somente se dá com a elaboração de programas de ação, em especial de natureza social.
Assim, percebe-se que, no Estado democrático de direito, que tem a sua concretização
máxima na constitucionalização dos ideais de democracia, os direitos sociais devem ser vistos
como alicerce, já que, sem o mínimo de garantia social, é impossível a concepção de uma sociedade
justa e que caminhe na busca da erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das
desigualdades sociais existentes (objetivos insculpidos, no caso do nosso ordenamento jurídico,
no art. 3º, incisos I e III da Constituição Federal). POR OUTRO LADO, DESTACADO PELA PRÓPRIA
CONSTITUIÇÃO, HÁ QUE SE RESSALTAR O PAPEL DA ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA
CONSTRUÇÃO DESTE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
Detectada a instabilidade ocasionada no Estado democrático de direito decorrente da
depreciação dos direitos em geral, e dos sociais em particular, indaga-se: quais seriam os meios
possíveis de se obter, novamente, a estabilização, a partir do resgate do ideário do Estado
democrático posto na própria Constituição Federal?
No caso específico da esfera jurídica, uma das manifestações mais viscerais da cidadania
encontra-se no exercício do poder constitucional de ação (art. 5º, inciso XXXV), com o correlato
prestígio que assume, na correção das distorções do Estado democrático de Direito, da atuação
jurisdicional.
Norberto Bobbio lembra que: “Todas as declarações recentes dos direitos do homem
compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os
chamados direitos sociais, que consistem em poderes. Os primeiros exigem da parte dos outros
(incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações puramente negativas, que implicam abstenção de
determinados comportamentos; os segundos só podem ser realizados se for imposto a outros
(incluídos aqui os órgãos públicos) um certo número de obrigações positivas”7 .
Assim, o conceito constitucional de ação integra o rol das liberdades públicas8 , com o que
o Judiciário passa a ser guardião destas, sem se olvidar, no entanto, da relevância social de sua
atuação .
Não é de se estranhar, portanto, a sua colocação no art. 5o., inciso XXXV, da Constituição
Federal, situado exatamente no título dos direitos e garantias fundamentais. Segundo este dispositivo,
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Somente o exercício – ou possibilidade de exercício - da ação restabelece o império das
leis, já que a sentença, na forma tradicionalmente concebida, dita, para a controvérsia, a lei. Portanto,
7 A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p 21.
8 Como acentua Canotilho, “a defesa dos direitos e o acesso aos tribunais não pode divorciar-se das várias dimensões
reconhecidas pela Constituição ao catálogo do direitos fundamentais. O sentido global resultante da combinação das
dimensões objectiva e subjectiva dos direitos fundamentais é o de que o cidadão, em princípio, tem assegurada uma
posição jurídica subjectiva, cuja violação lhe permite exigir a proteção jurídica” (in Direito Constitucional. Coimbra :
Livraria Almedina, 1993, p. 387).
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a constitucionalização do direito de ação corresponde a um dos desejos mais íntimos do Estado de
Direito, ou seja, a prevalência do governo das leis sobre o governo dos homens.
Ademais, a ação apareceria inicialmente como fonte de afirmação da existência “de um
poder judicial independente do poder político”. AQUI, A INDISPENSABILIDADE DO JUDICIÁRIO
PARA A PRESERVAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO - E MAIS DO PRÓPRIO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
No caso específico dos direitos sociais, vislumbrada sob a ótica anterior de poder, a ação
será também elemento relevante de preservação destes, auxiliando inclusive em que se evite o
seu completo desmanche, como se verá no momento oportuno. Como bem posto por Boaventura
de Souza Santos9 , “a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e sua
expansão paralela à do Estado de bem-estar transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num
direito charneiro, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos
de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam
a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores”.
A existência de regime de previdência próprio para os Juízes é, portanto, uma questão de
necessidade institucional. Não é possível recrutar e manter bons quadros na magistratura sem o
oferecimento de vantagens mínimas que assegurem a tranqüilidade e atratividade no exercício
de funções públicas, notadamente no âmbito de uma sociedade capitalista competitiva.
Noutras palavras, as garantias da Magistratura, aí incluída a aposentadoria integral, na
verdade são garantias para a própria sociedade brasileira: garantia de recrutamento de bons quadros;
garantia de resistência à pressão do poder político; garantia da serenidade necessária ao exercício
da judicatura e garantia de resistência às investidas do poder econômico, aí considerado inclusive
o crime organizado.
Também não se pode deixar de considerar que a aposentadoria integral é a justa retribuição
ao exercício de uma função que limita inclusive a cidadania de seu titular. Não é possível olvidar
que ao Juiz é vedado o exercício de qualquer outra atividade profissional ou econômica, salvo a de
professor. Também não se pode esquecer que o Juiz não pode integrar agremiação política, nem
tampouco candidatar-se a qualquer cargo eletivo, donde exsurge a necessidade de compensação
financeira para tão gravoso regime jurídico que é típico, com fundadas razões, da magistratura.
Além disso, como o próprio Governo Federal já teve oportunidade de perceber, a transição
para um regime geral de previdência social é altamente custosa, em face da necessidade de efetiva
contribuição por parte da UNIÃO e à vista da diminuição das receitas relativas às contribuições dos
servidores, hoje calculadas sobre a totalidade das remunerações, sem os limites existentes no
regime geral de previdência social.
FACE AO EXPOSTO, PERCEBE-SE A INDISPENSABILIDADE DA PRESERVAÇÃO, COM
TODAS AS GARANTIDAS PARA O SEU MELHOR EXERCÍCIO, DA ATUAÇÃO JURISDICIONAL.
O JUDICIÁRIO É O MAIOR GUARDIÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DEVENDO
SER VALORIZADA A ATUAÇÃO DOS JUÍZES, SOB PENA DE CONSEQÜÊNCIAS NEFASTADAS
PARA A PRÓPRIA VIDA DO ESTADO.
9 Introdução à sociologia da administração da justiça. In FARIA, José Eduardo (organizador). Direito e Justiça - a função
social do Judiciário. 3a. ed. São Paulo : Editora Ática, 1997, p. 45 e 46.
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LOGO, A MANUTENÇÃO DE UM REGIME PRÓPRIO PARA OS JUÍZES SIGNIFICA
INVESTIR NA PRÓPRIA DEMOCRACIA - NA MEDIDA EM QUE SE ESTIMULA A EXISTÊNCIA
DE UMA JUDICATURA INDEPENDENTE E DE MELHOR QUALIDADE.
Em resumo, no Estado democrático de direito, cumpre ao Poder Judiciário a importante
missão de proteção e garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição, sejam eles
considerados em sua dimensão individual, coletiva, econômica ou social.
Observado o princípio da separação dos Poderes, ao Judiciário foi atribuída a árdua tarefa
de solucionar os conflitos, podendo, para fiel cumprir seu mister constitucional, julgar inclusive os
outros Poderes da República.
Evidente, pois, que tal desiderato somente pode ser cumprido de forma imparcial e efetiva
se aos magistrados forem asseguradas garantias mínimas para o exercício da jurisdição. Tais
garantias, arroladas no art. 95 da CF/88, são a base da independência funcional da magistratura.
A vitaliciedade, a inamovibilidade e a cláusula de irredutibilidade de subsídiossão prerrogativas
constitucionais da magistratura que visam a conferir-lhe as condições de independência e
imparcialidade indispensáveis para a sua atuação. Em contrapartida, como dito, aos juízes são
impostas severas vedações, inclusive no que tange à possibilidade de exercer qualquer outra
atividade, ainda que privada. Em outro dizer, o exercício da magistratura exige dedicação integral e
exclusiva. Por conseguinte, a vida econômica dos magistrados fica inteiramente à mercê do Estado.
Por outro lado, não é difícil inferir que a supressão ou redução de qualquer uma de tais
garantias é inconstitucional, visto que pode afetar, ainda que indiretamente, as condições básicas
inerentes ao exercício da jurisdição.
Evidentemente, isso se aplica às aposentadorias e pensões da magistratura.
Como afirmar que o juiz tem asseguradas as condições para exercer de forma independente
e imparcial a sua atividade quando não se lhes garante a estabilidade econômica futura, própria e
de sua família ?
A aposentadoria é, na verdade, corolário da garantia da vitaliciedade conferida à magistratura.
Vale transcrever o ensinamento de Sahid Maluf: “Exatamente pelo fato de ser vitalícia a sua função,
os vencimentos têm de ser integrais, em qualquer caso de aposentação, escapando, assim, à
regra geral da proporcionalidade. Como afirmou Rui, a aposentadoria é a integração especial da
vitaliciedade” (in Direito Constitucional, p. 270, v.2, 5a. ed., Ed. Sugestões Literárias, São Paulo,
1970).
Também sob o ponto de vista da garantia de irredutibilidade de subsídios não há como
admitir alterações no modelo previdenciário da magistratura. Primeiro, porque os magistrados –
assim como ocorre em relação aos servidores públicos - não deixam de ostentar tal condição após
a passagem para a inatividade. Ao contrário, continuam atrelados ao vínculo jurídico-administrativo
que mantinham com o Estado e ainda sujeitos a vedações, embora menores (permanece a restrição
de acumulação de cargos, por exemplo).
Segundo, porque não há como negar que a possibilidade de redução dos subsídios na
passagem para a inatividade – ou na hipótese de falecimento - constitui componente de insegurança
pessoal incompatível com as condições ideais para o exercício da judicatura. Quanto a esse aspecto,
importa lembrar que, ao dependerem exclusivamente da remuneração paga pelo Estado ao longo
de toda a carreira, dificilmente os juízes conseguem amealhar algum patrimônio significativo que
possa ser utilizado como reserva econômica na velhice. Pior ainda em caso de morte.
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II - Razões financeiras para a preservação de um regime próprio
para os magistrados federais
Primeiramente, urge frisar que, diversamente do que se postula, a previdência social no
país é superavitária.
O diagnóstico produzido pelo Governo Federal, no sentido de que a previdência social
apresenta déficits crescentes, não se revela consistente, como se percebe dos dados abaixo
analisados.
Em síntese, urge ressaltar que a Constituição Federal de 1988 prevê regimes previdenciários
distintos para os trabalhadores em geral e para os servidores públicos. Estabelece para os primeiros
um regime geral, disciplinado no artigo 201 da CF/88; para os servidores públicos, prevê um regime
próprio, sujeito às regras inscritas no artigo 40 do texto constitucional.
No dizer do Governo Federal, ambos os regimes são deficitários, afetam negativamente as
contas públicas e constituem-se em verdadeiros entraves ao desenvolvimento nacional. Conforme
estimativas apresentadas pelo Governo Federal, o rombo nas contas da previdência, considerados
o regime geral e os regimes próprios mantidos pela União, Estados e Municípios para seus servidores
civis e militares, atinge a astronômica cifra de R$ 70 bilhões ao ano. Tais conclusões, no entanto,
incorrem em graves equívocos, tanto sob o aspecto jurídico quanto sob o ponto de vista matemático-
contábil.
Consideradas as diferenças inerentes aos dois sistemas, inclusive no que diz respeito às
regras de filiação, de custeio e de benefícios, impõe-se examiná-los separadamente.
a) O Regime Geral da Previdência Social (RGPS)
O regime geral da previdência social é público, de filiação obrigatória e de caráter contributivo,
destinado à proteção dos trabalhadores do setor privado. Está estruturado em um modelo financeiro
de repartição simples, isto é, as contribuições cobradas dos segurados são utilizadas para cobrir os
gastos do sistema com os inativos. Contudo, não há - nem nunca houve - qualquer preocupação
com a aplicação dos superávits verificados ao longo dos anos. Pior: com o passar do tempo,
embora os resultados anuais apontassem um declínio dos superávits gerados pelo sistema, jamais
se cogitou da formação de um fundo de reserva destinado ao pagamento de benefícios futuros. Ao
contrário, sempre foram constantes as denúncias de malversação da arrecadação previdenciária,
seja através do desvio de recursos para outras finalidades alheias à previdência social, seja em
razão de um alto grau de sonegação e de fraudes milionárias praticadas contra o sistema. Apesar
disso, conforme dados oficiais do Ministério da Previdência e Assistência Social, até 1994 a
arrecadação líquida do RGPS sempre superou as despesas com os benefícios pagos pelo INSS.
Ainda de acordo com esses dados, somente a partir de 1995 o quadro se inverteu. Entretanto, isso
não significa, como pretende o governo, que a previdência brasileira tenha-se tornado insolvente.
Primeiro, porque o financiamento da previdência não se limita às contribuições incidentes
sobre a folha de salários, recolhidas pelas empresas, e às contribuições pagas pelos segurados. A
Constituição Federal prevê que a seguridade social seja financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, incluindo recursos orçamentários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (art. 195, caput), além de contribuições sociais exigidas dos empregadores - incidentes
sobre a folha de salários (art. 195, I, a), sobre o faturamento (art. 195, I, b) e sobre o lucro (art. 195,
I, c) - e dos trabalhadores (art. 195, II). Além dessas, há outra contribuição, incidente sobre a
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receita de loterias (art. 195, III) e a possibilidade de instituição, mediante lei complementar, de
outras fontes destinadas à manutenção ou expansão da seguridade social (art. 195, §4º). Portanto,
é incorreto imaginar que o custeio do regime geral da previdência social se esgote na contribuição
incidente sobre a folha de salários, recolhida pelas empresas, e na contribuição paga pelos
trabalhadores.
Segundo, porque ainda que se admitisse tal restrição, não haveria o déficit apontado pelo
Governo Federal. De acordo com os dados que têm sido apresentados à sociedade, em 2002 o
regime geral da previdência social apurou um déficit correspondente a R$ 17 bilhões, valor que se
estima atingirá R$ 19 bilhões neste ano, ou seja, 1,4% do PIB. Outra vez, o resultado decorre da
incorreta manipulação de dados. Para obter essa conclusão, o Governo Federal compara o gasto
total com o pagamento de benefícios de prestação continuada mantidos pelo INSS com a
arrecadação total da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamentos e da
contribuição paga pelos segurados. Todavia, na despesa são incluídos os benefícios pagos aos
trabalhadores rurais e benefícios assistenciais, que, sabidamente, não dependem de contribuição
específica individual e, muito menos, da contribuição recolhida pelas empresas e trabalhadores
urbanos ativos. Evidente, portanto, a necessidade de ajuste técnico, excluindo-se da despesa o
montante gasto com o pagamento de benefícios que não guardam relação direta com a contribuição
incidente sobre a folha de salários e com a contribuição recolhida pelos trabalhadores urbanos.
Efetuado o ajuste, verificar-se-á, novamente, um superávit nas contas previdenciárias.
Portanto, no chamado “déficit da previdência”, o Governoestá incluindo as despesas incorridas
com todo o sistema da seguridade social, que, conforme já mencionado, não abrange apenas a
previdência stricto sensu, mas abarca os gastos com a saúde pública e com a assistência social
prestada à população carente. Ademais, conforme sistematicamente tem alertado a Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social - ANFIP, o Governo tem desviado recursos
do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal da União, seja através do Fundo Social
de Emergência - FSE, posteriormente denominado de Fundo de Estabilização Fiscal - FEF, seja
através da chamada Desvinculação de Recursos da União - DRU. Ainda de acordo com os dados
consolidados pela ANFIP, extraídos de fontes oficiais, a seguridade social brasileira é superavitária.
Segundo a fonte citada, as receitas da seguridade social em 2002 corresponderam a uma
arrecadação total de R$ 136,9 bilhões, mas o gasto incorrido com o pagamento de benefícios do
regime geral da previdência e de benefícios assistenciais, acrescido das despesas com a saúde e
dos custos administrativos de gestão de todo o sistema, atingiu R$ 105,4 bilhões, tudo a evidenciar
um superávit de aproximadamente R$ 31,5 bilhões naquele exercício.
Argumenta-se, ainda, que, em breve, a situação será ainda mais crítica, porque tem-se
observado ao longo dos últimos anos um severo aumento no número de benefícios concedidos em
relação ao número de contribuintes do sistema. Dessa forma, mantido esse ritmo, e considerado o
regime de repartição (solidariedade) adotado na previdência pública, em pouco tempo cada
trabalhador em atividade teria de sustentar um aposentado ou pensionista, tudo a demonstrar a
inviabilidade do sistema.
Mais uma vez, as projeções governamentais estão equivocadas.
O crescimento vertiginoso do sistema decorreu de significativas alterações adotadas desde
a criação do regime geral da previdência social, que passou a ser muito mais abrangente, incluindo
em seu espectro protetivo categorias sociais que não gozavam originalmente de qualquer tipo de
seguro social. Cumpre salientar que, embora a expansão do sistema previdenciário brasileiro tenha
ocorrido desde a sua criação, na década de 30, foi a partir de 1966, em pleno regime militar, que tal
17
processo se acentuou. A incorporação de autônomos, empregados domésticos e de trabalhadores
rurais era conseqüência lógica do grande projeto de integração nacional existente na época. Seria
razoável esperar, portanto, que, exatamente na década de 90, começassem a surgir os primeiros
problemas, decorrentes de um significativo aumento do número de benefícios. Antes disso,
evidentemente, a relação contribuintes/beneficiários era extremamente alta. Tanto assim que as
alíquotas eram muito inferiores às atuais. Mais tarde, outros grupos populacionais foram abrangidos
pela proteção estatal: as pessoas atendidas pela assistência social, isto é, os deficientes físicos e
os idosos. Tal processo de universalização da cobertura social, todavia, está concluído, não havendo,
atualmente, a previsão de novos ingressos extraordinários na previdência pública, sendo razoável
esperar, por isso, apenas o crescimento vegetativo do sistema. Em outras palavras, há uma certa
estabilidade no perfil dos segurados (contribuintes e beneficiários) abrangidos pelo regime geral da
previdência social e pela assistência social, permitindo, assim, sejam feitas previsões mais
adequadas quanto ao comportamento futuro de todo o sistema.
Sob o ponto de vista demográfico, também não há razões para pessimismo. Ao contrário,
até 2020 a previsão é de que ocorra um aumento relativo da população adulta, justamente aquela
considerada em idade produtiva.
Importa ressaltar, finalmente, que, sob o ponto de vista do custeio do sistema, os principais
fatores que impedem o crescimento do número de segurados-contribuintes são o aumento do
desemprego e do mercado informal de trabalho. Segundo dados do IBGE, em 1995 havia cerca de
40 milhões de brasileiros atuando na economia informal, o que representava 54% da população
economicamente ativa. Se esse contingente passasse a integrar o mercado formal de trabalho,
recebendo apenas um salário mínimo, haveria um incremento na folha de salários da ordem de R$
62,4 bilhões, representando um acréscimo na contribuição previdenciária equivalente a R$ 18,7
bilhões, o que corresponderia a 5 (cinco) meses do gasto total do INSS com o pagamento de
benefícios e pensões1 0. Os dados são, efetivamente, assustadores, especialmente se considerarmos
que estas pessoas, em razão de não integrarem a previdência social stricto sensu, pois não recolhem
contribuição individual, no futuro necessitarão ser amparadas pela assistência social, ou seja, em
última análise, pelo Tesouro Nacional.
Como se vê, a solução efetiva para a seguridade social, inclusive no que tange à previdência
stricto sensu, é a adoção de medidas que permitam a retomada do crescimento econômico e a
geração de empregos formais.
Isso não significa dizer que inexistem distorções no sistema. Existem, sim. São exemplos
disso a inexistência de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, a contagem
de tempo de serviço sem recolhimento de contribuições (trabalhadores rurais, alunos de escolas
técnicas, etc.), a relativa facilidade na obtenção de aposentadorias especiais, etc.
Todavia, o aperfeiçoamento do regime geral de previdência social tem caráter meramente
complementar. A verdadeira solução para a previdência social brasileira depende, necessariamente,
de reformas na estrutura produtiva do país, única alternativa capaz de garantir o êxito futuro de
todo o sistema de seguridade.
Caso contrário, as medidas adotadas serão apenas perfunctórias, servindo tão-somente
para reduzir injustamente direitos sociais das gerações de trabalhadores que, no passado,
ingressaram, compulsoriamente, em um sistema que até hoje sustentaram.
10 Cfe. Nôvo, Miguel Arcanjo Simas. Problemas do mercado de trabalho. Efeitos na Previdência Social.
18
b) O Regime de Previdência dos Servidores Públicos
A Constituição Federal assegura aos servidores públicos um regime previdenciário
diferenciado em relação àquele instituído em prol dos trabalhadores da iniciativa privada.
As razões disso não estão vinculadas, absolutamente, a algum tipo de paternalismo.
Decorrem, isto sim, da própria natureza e peculiaridade do serviço público. Tais distinções verificam-
se desde a sua vinculação inicial ao ente público, mantêm-se durante toda a vida funcional do
servidor, e prosseguem após a sua passagem para a inatividade.
Com efeito, diversamente do que ocorre com os trabalhadores do setor privado, a posse em
cargo público não deriva de uma relação meramente contratual, configurada segundo a vontade
das partes; ao revés, os servidores públicos submetem-se integralmente a uma relação jurídico-
administrativa, regida por normas legais, onde não lhes é dado o direito de negociar sua remuneração,
submetendo-se, nesse particular, a regras fixadas em lei de iniciativa exclusiva da Administração;
não acumulam ao longo de suas trajetórias profissionais o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
– FGTS; não podem celebrar acordos, convenções ou dissídios coletivos do trabalho; não participam
da distribuição de lucros ou resultados; não podem acumular cargos nem nele permanecer após a
aposentadoria, etc. Em outro dizer, ficam inteiramente à mercê do ente estatal a que se vinculam.
Por outro lado, enquanto para os trabalhadores em geral a aposentadoria implica, via de regra, a
extinção do contrato de trabalho, substituindo-se o empregador – responsável pelo pagamento dos
salários - pelo órgão previdenciário incumbido de pagar os proventos, isso não se verifica em
relação aos servidores públicos. Estes, quando passam à inatividade, não perdem a condição de
servidores, continuando, por isso, sujeitos às normas de serviço público, inclusive no que se refereao responsável pelo pagamento de seus proventos, o Estado.
Por conseguinte, não é pertinente a idéia de “rombo” no sistema de previdência dos servidores
públicos. A aposentadoria dos servidores públicos é decorrência da própria prestação do serviço
público (pro labore facto), constituindo-se em uma obrigação do Estado e não uma contrapartida
por uma contribuição paga anteriormente. Segue daí que o custo de um sistema próprio de
seguridade destinado aos servidores públicos nada mais é do que um item da despesa pública e
como tal deve ser tratado.
Conseqüentemente, os gastos com tal sistema estão diretamente relacionados ao tamanho
e ao padrão remuneratório da máquina pública.
De fato, tendo o Estado autonomia plena para fixar, unilateralmente, o número de servidores
contratados, bem assim o valor de sua remuneração, nota-se que cabe a ele estimar os custos das
futuras aposentadorias, ajustando-se à sua realidade orçamentária. Evidente, pois, que o principal
requisito para um adequado controle dos dispêndios com os servidores inativos depende, única e
exclusivamente, de uma correta política governamental de administração de pessoal. O que não se
pode, em hipótese alguma, é pretender transferir aos servidores os ônus decorrentes de erros
praticados no passado. Cabe, isto sim, exigir-se das autoridades públicas seriedade e
responsabilidade no trato das questões referentes à administração de recursos humanos.
Cumpre observar, ainda, que recentemente já houve a introdução de significativas alterações
no regime próprio de previdência dos servidores públicos, seja através da obrigatoriedade de sua
participação no custeio das aposentadorias do setor público (art. 40, §1o., da CF/88, com a redação
da EC nº. 3/93), seja mediante a exigência de caráter contributivo, a observância de equilíbrio
financeiro e atuarial no sistema, e uma severa restrição às condições de elegibilidade dos benefícios
(fixação de idade mínima, tempo mínimo de permanência no serviço público e no cargo, aumento
19
no tempo faltante para a aposentadoria – “pedágio”, etc.), estas últimas previstas na EC nº. 20/98.
E, ao contrário do que se alega, essas alterações já estão produzindo efeitos concretos nas
contas públicas.
De fato, em relação aos servidores civis da União, já é possível detectar uma drástica queda
no número de aposentadorias por ano, bem assim do número total de inativos.
Além disso, o encargo previdenciário da União reduziu-se no período compreendido entre
1995 e 2001, tanto em termos reais quanto em relação à receita corrente líquida.
Evidentemente, que tais dados não significam dizer que inexistem distorções no sistema.
Todavia, demonstram que, sob o ponto de vista econômico-financeiro, o ajuste da previdência
pública não requer medidas emergenciais, adotadas de afogadilho.
Concluindo: mesmo em se considerando a previdência social dos servidores públicos federais
como despesas da seguridade social (visão equivocada, já que os valores das aposentadorias e
pensões dos servidores são custeados mediante contribuições e parcelas do orçamento da UNIÃO),
ainda assim haveria superávit de R$ 7,159 bilhões, levando-se em conta a receita virtual decorrente
da contribuição patronal da UNIÃO, numa proporção de 2x1, conforme o teor do art. 2º. da Lei nº.
9.717/98. Além disso, de toda sorte da Carta de 1988 estipula em seu art. 169 que a despesa com
o pessoal ativo e inativo não poderá exceder limite fixado em lei complementar, o qual atualmente
é de 50 % do valor das receitas da UNIÃO, nos termos do art. 119, inciso I, da LC nº. 101/2000,
valor esse muito além do que vem sendo gasto para a referida despesa. Logo, pode-se dizer que
sequer há déficit em ambos os regimes previdenciários enfocados (o regime geral e o regime dos
servidores públicos federais, aí englobada a Magistratura Federal).
Em acréscimo, é correto afirmar que não há déficits crescentes, haja vista que, com o
advento da Emenda Constitucional nº. 20/98, tornou-se impossível a obtenção de benefício
previdenciário pela simples contagem de tempo de serviço, sendo necessária a efetiva contribuição
para a obtenção dos favores do seguro social. Portanto, normas transitórias concessivas de
benefícios extraordinários (v.g., a aposentadoria especial dos trabalhadores rurais e das supostas
vítimas do Regime Militar) tendem a produzir efeitos transitórios que serão minorados com o passar
do tempo, diminuindo as despesas do orçamento da Seguridade Social.
Além disto, há que se analisar outras razões para a preservação de um regime próprio para
os servidores em geral, que podem ser transpostos como mais propriedade ainda para o caso dos
juízes federais, a saber:
1) os juízes têm autorização legal para exercer apenas um cargo cumulativo de
Professor - restrição inexistente no setor privado, onde não há qualquer restrição de cumulação.
2) os servidores em geral, o mesmo se dando como os juízes, não têm direito ao
FGTS, que afinal indeniza o tempo trabalhado, auxiliando no momento de intempérie, em especial
na velhice (quando, em ocorrendo a aposentadoria, é possível o levantamento dos valores). Já os
trabalhadores privados têm este direito, com o que, com a participação econômica de seus
empregadores, possuem um valor que amortiza os efeitos nefastos do tempo de serviço prestado
a um mesmo “patrão”.
3) Os juízes contribuem com 11% sobre o total de seus vencimentos, não havendo
teto para contribuição.
Exemplificando, com texto escrito pela Prof. Érica Paula Barcha Correia, mestre e
doutora em Direito Previdenciário pelo PUC/SP:
20
“Apenas para exemplificar, um funcionário público que perceba
R$ 8.000,000 recolherá para o chamado PPS, a importância de R$ 880,00,
ao passo que um executivo da iniciativa privada, que perceba o mesmo valor
como remuneração, recolherá para o INSS o valor de R$ 171,77 (11% de R$
1.561,56). Cabe ressaltar que se esse mesmo executivo exercer mais uma,
ou duas, atividades remuneradas, continuará recolhendo esse mesmo valor,
pois, de acordo com o sistema atual ele já recolhe pelo teto em uma de suas
atividades.
Portanto, dentro do quadro apresentado, não há como justificar a
unificação dos dois regimes de trabalho; o estudo não pode ser efetuado
apenas sob a ótica do regime de previdência, deixando para trás as
peculiaridades e limitações inerentes ao ocupante de cargo público.
Por outro lado, sob a ótica do financiamento dos dois sistemas, é
sabido que a geração atual financia os benefícios da geração passada, e
que a geração futura beneficiará a atual no momento oportuno.
Pois bem, promovida a unificação dos regimes e passando o fun-
cionário público a contribuir de forma equivalente ao trabalhador da iniciativa
privada, não se estaria comprometendo o financiamento entre as gerações?”
Feitas as considerações anteriores, é forçoso admitir, da mesma forma, que o regime
de previdência dos juízes federais não vem sofrendo qualquer debilidade, decorrente de eventual
déficit.
II.3) A Emenda Constitucional no. 20 de 1998 já teria dado ensejo às perdas possíveis
para a magistratura nacional em relação à questão previdenciária.
Com a Emenda no. 20 de dezembro de 1999, emergiu uma nova modalidade de aposen-
tadoria no direito brasileiro. Trata-se da aposentadoria por tempo de contribuição.
Se partirmos da lógica da existência de um risco futuro que merece a ser acobertado por
esta aposentadoria, a questão a se resolver será bastante complexa, na medida em que não se
considera, pelo menos a princípio, um risco concreto do segurado para a obtenção do benefício (na
aposentadoria por idade teríamos a velhice como risco; na aposentadoria por tempo de serviço
teríamos o desgaste provocado pela realização do labor como risco) - o risco é muito mais do
sistema, que se não for custeado, irá à falência, do que do segurado.
Em relação ao setor público, de forma bastante clara, a aposentadoria passa a se dar somente
apóso segurado atender cumulativamente aos seguintes requisitos: um mínimo de contribuição e
uma certa idade - distinta para homem e mulher.
Assim, na nova redação dada pela Emenda 20 ao art. 40 da Constituição, tem-se que o
servidor somente poderá se aposentar, nesta modalidade observadas, de forma conjugada, as
seguintes condições: a) tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público; b) cinco
anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria; c) no mínimo, sessenta anos de idade e
trinta e cinco de contribuições, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuições
se mulher. A cumulatividade de todos os requisitos anteriores é patente da redação do art. 40,
inciso III, letras “a” e “b” da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda no. 20.
21
No caso da aposentadoria compulsória no setor público, também será observada a pro-
porcionalidade ao tempo de contribuição, o mesmo se dando em relação à aposentadoria por
invalidez, “exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave,
contagiosa ou incurável, especificada em lei” (art. 40, inciso I, da Constituição Federal).
Prevê-se ainda o aproveitamento do tempo de contribuição federal, estadual ou municipal
(observada aqui é claro a lei de compensação, no. - ver o no.), não se admitindo o
estabelecimento de qualquer forma “de contagem de tempo de contribuição fictício” (par. 10 do
mesmo art. 40).
Por fim, foram estabelecidas, quer para o setor público, quer para o setor privado, as regras
de transição - a fim de se obter, pelos que já estavam no sistema, o tempo de serviço já prestado
anteriormente. Somente assim, crê o legislador constituinte, haveria perfeita preservação do direito
adquirido.
No caso o servidor público, este, para se aposentar de forma integral pela regra de transição,
deverá cumulativamente, como reza o art. 8o. da Emenda Constitucional no. 20: a) ter cinqüenta e
três anos de idade, se homem, e quarenta e oito, se mulher; b) fazer incidir sobre o tempo que
faltaria para se aposentar o percentual de vinte por cento para efeitos de contribuição. Assim, por
exemplo, se faltava um ano para certo homem se aposentar, deverá contribuir mais vinte por cento
sobre um ano (um ano mais vinte por cento de um ano e contar com, no mínimo, cinqüenta e três
anos).
No caso de servidor público que desejar aposentar-se proporcionalmente ao tempo de
contribuição a diferença será o acréscimo do percentual de 40% sobre o tempo restante.
Como se constata das regras acima, a maioria delas aplicáveis aos juízes federais em sua
inteireza, já houve concessões feitas para que a correção de eventuais distorções do sistema - não
se tolerando outras perdas que redundem, como já visto, na instabilidade da própria garantia
institucional do exercício da judicatura.
Assim, segundo a redação original do artigo 93, VI, da CF/88, a aposentadoria dos
magistrados “com proventos integrais é compulsória por invalidez ou aos setenta anos de idade, e
facultativa aos trinta anos de serviço, após cinco anos de exercício efetivo na judicatura”.
A Emenda Constitucional nº. 20/98 introduziu modificação de duvidosa constitucionalidade,
passando o dispositivo antes mencionado a ter a seguinte redação: “a aposentadoria dos magistrados
e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40”.
Na prática, a modificação elevou o tempo de serviço necessário para a aposentadoria
voluntária, passou a exigir o cumprimento de tempo mínimo no serviço público, estipulou uma
idade mínima para a jubilação, equiparando a magistratura aos demais servidores públicos civis,
enfraquecendo, com isso, a garantia constitucional originalmente prevista.
III - Conclusão
Vinha o Governo Federal acenando com a retirada ou redução de outras garantias, tais
como a integralidade dos proventos, sua paridade em relação à remuneração paga aos magistrados
da ativa, a redução no valor das pensões, etc.
Tais propostas não podem ser admitidas sob qualquer hipótese.
22
Primeiro, porque, tais alterações afetam garantias institucionais (vitaliciedade e irredutibilidade
de vencimentos) conferidas à magistratura, enfraquecendo a noção de independência funcional,
indispensável ao exercício da judicatura, e, por conseguinte, mitigando a cláusula pétrea da
separação dos Poderes.
Segundo, porque como mencionado anteriormente, os resultados obtidos com as alterações
já produzidas no texto constitucional indicam a possibilidade de equilíbrio das contas públicas em
médio e longo prazo. E isso sem considerar o superávit existente no orçamento da seguridade
social, segundo os cálculos elaborados pela ANFIP.
Finalmente, ainda que assim não se entendesse, importa observar que o regime previdenciário
da magistratura federal é altamente superavitário, apresentando uma elevada relação entre o número
de contribuintes e de beneficiários, a faixa etária média dos magistrados em atividade é inferior a
40 anos, e o tempo de serviço acumulado é bastante reduzido, tudo a evidenciar a desnecessidade
de novos ajustes financeiros ou de redução de benefícios.
Impõe-se concluir, portanto, que propostas de alteração na forma de cálculo das aposen-
tadorias e pensões da magistratura, bem assim de eliminação da paridade em relação aos subsídios
pagos aos magistrados em atividade, implicam ofensa às garantias constitucionais previstas no
artigo 95 da Constituição Federal, não podendo ser admitidas sob pena de flagrante
inconstitucionalidade.
Conforme mencionado anteriormente, a análise da previdência social dos servidores públicos
não deve ser feito sob o enfoque atuarial, visto que, tecnicamente, está muito mais vinculada a
questões orçamentárias do que contributivas. Entretanto, as pressões internas e externas exercidas
para o ajuste das contas públicas têm compelido o Governo Federal a examinar a questão sob
esse prisma.
Dessa forma, embora não concordemos com a adoção desse critério, o regime de previdência
da magistratura federal resistiria a qualquer estudo atuarial.
Com efeito, circunstâncias históricas e atuais favorecem a magistratura federal.
Primeiro, porque a Justiça Federal somente voltou a ser instalada no Brasil em 1967 e, até
a Constituição Federal de 1988, seus quadros de juízes sempre foram muito reduzidos. Portanto, é
pequeno o número de juízes aposentados e de pensionistas.
Segundo, porque atualmente o perfil dos juízes federais revela um quadro muito jovem
(faixa etária média inferior a 40 anos) e com um baixo tempo de serviço acumulado (no âmbito da
4a. Região, que abrange o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, o tempo de serviço total
averbado é inferior a 10 anos, sendo o tempo de exercício na magistratura inferior a 5 anos).
Evidente, pois, que os atuais juízes contribuirão para o sistema, na condição de magistrados,
durante praticamente toda a sua vida laborativa, o que se constitui em um dado extremamente
significante sob o ponto de vista atuarial.
Finalmente cumpre salientar que, considerada a relevância da matéria de competência da
justiça federal, é razoável projetar-se um incremento cada vez maior no número de varas e de
juízes, tudo a favorecer, em médio e longo prazo, o equilíbrio financeiro e atuarial de um regime de
previdência próprio da magistratura federal.
A seguir, a título de ilustração, transcrevemos alguns dados relativos à magistratura federal
da 4a. Região, confirmam inteiramente as afirmativas anteriores:
23
JUSTIÇA FEDERAL DE 1A. INSTÂNCIA
Dez/2002 Jan/2003 Fev/2003 Média
RS SC PR RS SC PR RS SC PR RS SC PR
Ativos 117 62 93 114 62 92 115 63 93
Inativos 1 4 3 1 4 3 1 4 3
Pensionistas 0 0 4 0 0 4 0 0 4
Contribuintes/beneficiários 117 15,5 13,3 114 15,5 13,1 115 15,8 13,3
Valor mensal arrecadado (R$ mil) 165,6 100,2 171,1 152,1 78,1 106,9 105,8 40,7 112,2 141,1 73,0 130,1
Proventos pagos (R$ mil) 17,4 61,5 50,4 17,4 61,5 50,4 17,461,5 50,4 17,4 61,5 50,4
Pensões pagas (R$ mil) 0 0 46,0 0 0 46,0 0 0 46,0 0 0 46,0
Resultado mensal (R$ mil) 148,2 38,7 74,7 134,7 16,6 10,5 88,4 (20,8) 15,8 123,7 11,5 33,7
Faixa etária média Tempo de Serviço na Tempo de serviço total
Órgão
(anos) magistratura (anos) averbado (anos)
TRF n/d 12,9 28,0
SJ/RS 34,9 4,6 9,3
SJ/SC n/d 3,9 10,8
SJ/PR n/d 3,9 11,2
24
REFORMA DA PREVIDÊNCIA1
Jorge Antonio Maurique
Juiz Federal
INTRODUÇÃO
Um espectro ronda o mundo e atinge uma enormidade da população mundial, que é a
questão da previdência. Vários países estão a discutir como adotar uma previdência que garanta a
sua sustentabilidade e ao mesmo tempo, preserve a população que necessita de proteção do
Estado. Este espectro tem nome e atende por Reforma da Previdência. É sobre tal tema que me
debruço e, longe de querer apresentar um quadro definitivo ou propostas mercuriais, apresento
abaixo uma pequena análise da questão previdenciária e das perspectivas da Reforma da Previdência
ora em curso no Brasil.
Pretendo desenvolver o tema da seguinte maneira: uma análise histórica da Previdência,
após o que o trabalho será dividido em análise do Regime Geral da Previdência Social, que está a
cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social e Regime Público da Previdência Social, que
significa a previdência dos servidores públicos, em especial os federais. Por fim, pretendo analisar
a previdência dos magistrados.
PREVIDÊNCIA: UMA PEQUENA HISTÓRIA
A Previdência Social faz parte do tripé da seguridade social. A seguridade social constitui-
se numa rede de proteção que é composta de três grandes eixos: a Previdência, a Assistência
Social e a Saúde. A vigente Constituição Federal estabeleceu a rede de seguridade social inicialmente
no art. 194, que na sua atual redação assim dispõe:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência
e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade
social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
1 Esse texto foi elaborado pelo autor, atendendo ao cronograma proposto pela Comissão de Altos Estudos da Justiça
Federal, sendo um documento preliminar para análise, críticas e sugestões.
25
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento
A Organização Internacional do Trabalho, através da Convenção 102, assim estabeleceu o
conceito de seguridade:
Seguridade social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante
uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que de outra
derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como conseqüência
de enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte e também a proteção
em forma de assistência médica e de ajuda às famílias com filhos.
Esse conceito não foi adotado completamente pela Constituição Federal, mas ressalto que
o atual texto é o que mais aprofundou o conceito de seguridade social.
Portanto, se a seguridade social busca a proteção social, a Previdência Social não pode ser
dissociada do conceito de proteção social que deve ser acionado nas situações onde seja necessária
ou onde exista a previsão legal para o gozo de determinado benefício. Na feliz dicção de Castro e
Lazzari, A Previdência Social é, portanto, o ramo da atuação estatal que visa à proteção de
todo indivíduo ocupado numa atividade laborativa remunerada, para proteção dos riscos
decorrentes da perda ou redução, permanente ou temporária, das condições de obter seu
próprio sustento. Eis a razão pela qual se dá o nome de seguro social ao vínculo estabelecido
entre o segurado da Previdência e o ente segurados estatal.2
O histórico da Previdência Social aponta para os movimentos sociais que foram se
organizando, juntamente com a expansão do capitalismo industrial e encetando grandes lutas para
a obtenção de um trabalho minimamente decente. As primeiras leis que reconheceram algum
direito de proteção ao trabalhador (e que considero, portanto, o marco inicial da Previdência Social)
surgem na Alemanha, no final do Século XIX e sobre elas nos fala Maria Lúcia Rocha Lopes, como
segue:
Mesmo de forma diluída e pontual, vão surgindo os primeiros elementos, as primeiras
iniciativas, que mais tarde vão dar forma a um sistema mínimo de proteção ao trabalhador e
seus dependentes. Os primeiros passos foram dados na Alemanha, quando o Parlamento
aprovou em 1883 a Lei do Seguro Doença e, em seguida, a Lei do Seguro Acidente (1884) e
a Lei do Seguro de Invalidez e Velhice (1889).3
Outros países foram gradativamente incorporando aos seus ordenamentos jurídicos o
reconhecimento de direitos sociais, entre os quais alguns benefícios que podemos afirmar serem
de previdência social.
No Brasil, o marco inicial sempre foi referido como sendo a Lei Eloy Chaves, que criou a
Caixa de Aposentadoria e Pensões nas empresas das estradas de ferro, embora já houvesse
legislação esparsa reconhecendo determinados direitos que podemos considerar de previdência
social.4
2 Castro, Carlos Alberto Pereira de / Manual de Direito Previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista
Lazzari. – 2a. ed. – São Paulo: LTr, 2001, p. 39.
3 Silva, Maria Lúcia Lopes da / Previdência Social um direito conquistado: resgate histórico, quadro atual e propostas
de mudanças / Maria Lúcia Lopes da Silva. – 2a. ed. rev. ampliada e atualizada – Brasília : Ed. do autor, 1997, p. 29.
4 É interessante que se remeta aos trabalhos de Castro e Lazzari e Maria Lúcia Lopes da Silva, já citados acima, que
apresentam um abreviado histórico da Previdência Social em seus primórdios, sendo também elucidativo o trabalho de J.
R. Feijó Coimbra, Direito Previdenciário Brasileiro, que contém importantes referências históricas.
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Com a queda da República Velha começam a surgir uma série de institutos de acordo com
a categoria profissional (IAPETC, IPASE, IAPM, etc), até que em 1945, pelo Decreto-lei nº 7.526 foi
criado o Instituto dos Seguros Sociais do Brasil, que absorveu todas as entidades previdenciárias e
institutos assistenciais já existentes, embora ficasse sem qualquer aplicação prática, posto que
não foi efetuada qualquer regulamentação.
Somente em 1960 é editada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, que embora não
unificando os organismos de previdência social, criou contudo normas uniformes para o amparo a
segurados e dependentes dos vários institutos, sendo que somente em 1967 foram unificados os
vários institutos de assistência e previdência no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS.
Em 1977 altera-se a organização da Previdência Social, com a criação do SINPAS – Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social, com a criação de vários órgãos para funções
específicas (INAMPS, IAPAS, INPS, LBA, FUNABEM), ficando à margem do sistema o IPASE, que
foi extinto, ficando, no entanto, os servidores públicos regidos pela Lei 1.712/52 (Estatuto dos
Servidores Públicos Civis da União).
Um novo marco se dá com a Constituição Federal de 1988, com o estabelecimento do
conceito de seguridade social, bastante ampliado do que se tinha até então, ficando os trabalhadores
da iniciativa privada albergados no art. 2015 , ficando excluídos do Regime Geral da Previdência
Social os servidores públicos civis, os militares, os magistrados e membros do Ministério Público e
os membros do Tribunal de Contas da União, todos por possuírem regime próprio.
5 A atual redação do art.201 é a seguinte: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá,
nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto
no § 2º.
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do
regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.
§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal
inferior ao salário mínimo.
§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma
da lei.
§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme
critérios definidos em lei.
§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante
de regime próprio de previdência.
§ 6º A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de dezembro de
cada ano.
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes
condições:
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para
os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar,
nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que
comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental
e médio.
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Finalmente, em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – autarquia
destinada a substituir o INPS e o IAPAS, sendo em 1991 editada a Lei 8.212/91, destinada a
regular o custeio da seguridade social e a Lei 8.213/91, destinada a regular os benefícios da
previdência social, sendo extinto o INAMPS em 1993, ficando as ações da saúde a cargo do Sistema
Único de Saúde - SUS.
Seguiram-se várias alterações na legislação entre os anos de 1993 a 1997, entre as quais
merece relevância a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que regulamentou o benefício
assistencial de que trata o art. 203 da Constituição Federal e por fim a Emenda Constitucional nº
20, que modificou substancialmente a Previdência Social, passando as aposentadorias a não mais
ser concedida por tempo de serviço, mas sim por tempo de contribuição (35/30 anos), fixando
idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho (16 anos) e combinada com essa alteração
constitucional seguiu-se a Lei 9.876/99, que instituiu o fator previdenciário, que pretendia combinar
o sistema de repartição com o sistema de contribuição, pelo qual o trabalhador se aposentaria pela
média dos proventos auferidos, conjugado com a expectativa de sobrevida, ou seja, quanto mais
tardasse a aposentadoria, maior seria o benefício e vice-versa. Adotou-se, então, uma forma de
cálculo de aposentadoria que pode ser dita de “capitalização escritural”.
Deve ser dito que todas as alterações efetuadas na legislação da Previdência Social tinham
por finalidade aproximá-la de cálculos atuariais, pois, segundo especialistas, tal como até então
existente, a Previdência Social brasileira não sobreviveria por muito tempo. Isso significa que
precisamos ingressar numa pequena digressão sobre a crise dos sistemas de previdência.
A CRISE DA PREVIDÊNCIA
A crise da Previdência Social aconteceu, penso, fruto de um grande processo de mudanças
no cenário político nacional e internacional.
Mas antes de analisar a crise da Previdência Social implica que primeiro se faça uma análise
rápida dos sistemas contributivos.
A previdência social é baseada em contribuições (no Brasil, as contribuições para a seguridade
social encontram seu lastro no art. 195 da Constituição Federal), sendo que basicamente existem
três sistemas contributivos, conhecidos como sistema contributivo de repartição, de capitalização
ou misto.
No regime de capitalização, cada indivíduo ou grupo de indivíduo contribui e esse valor de
contribuição será “capitalizado”, isto é, apropriado para uma conta individualizada em nome do
poupador. O benefício será, em tese, o valor daquela poupança efetuada, isto é, as contribuições
serão “capitalizadas” em favor do contribuinte, sendo mínima a participação do Estado. O regime
de capitalização está baseado na idéia de poupança individual, sendo seu exemplo o Chile.
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública
e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão
financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de
previdência social e pelo setor privado.
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição
previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei
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Já no regime de repartição, as contribuições sociais vertem para um fundo único, e esse
fundo efetuará os pagamentos dos benefícios daqueles que se tornaram elegíveis nos termos da
lei. Repousa no pacto de solidariedade de gerações, onde a contribuição de hoje se destina aos
contribuintes de ontem, ou seja, os ativos financiam os aposentados, não existindo acumulação de
reservas e os pagamentos dos atuais contribuintes será garantido pelas futuras gerações de
contribuintes. É o atual sistema brasileiro.
Por fim, no sistema misto há uma combinação dos sistemas de repartição simples e
capitalização, existindo um pilar básico da previdência, organizado de acordo com as regras de
repartição simples e acima deste pilar básico há uma previdência complementar obrigatória.
O grande problema do regime de repartição é que ele se baseia num sistema que exige
uma correlação próxima de ideal entre ativos e inativos.
No entanto, com o aumento da longevidade e com as crises que inibiram o crescimento
econômico, esse sistema entrou em crise.
Mas que crise é essa? É só do sistema de previdência social?
Não, penso que a crise não é só dos sistemas de previdência social, mas é bem mais
amplo, é a própria crise dos estados de bem-estar social e dos estados enquanto nação.
É o que Giovani Alves6 sinaliza como a mundialização do capital, que possui as seguintes
características:
1. Taxas de crescimento do PIB muito baixas, inclusive em países (como o Japão) que
desempenharam tradicionalmente o papel de “locomotiva” junto ao resto da economia mundial.
2. Deflação rastejante.
3. Conjuntura mundial extremamente instável, marcada por constantes sobressaltos
monetários e financeiros.
4. Alto nível de desemprego estrutural
5. Marginalização de regiões inteiras em relação ao sistema de trocas
 6. Concorrência internacional cada vez mais intensa, geradora de sérios conflitos comerciais
entre as grandes potências da “Tríade” (Estados Unidos,Europa Ocidental e Japão).
Assim, com a diminuição da oferta de emprego, com a diminuição do crescimento econômico
e com a precarização das autonomias dos Estados-nação, forma-se um quadro em que o
investimento econômico em atividades produtivas torna-se cada anacrônico, ocasionando a
precarização das relações de trabalho.
Isso afeta sobretudo a possibilidade de continuidade do pacto de gerações característico do
regime de repartição, pois há cada vez menos gente empregada formalmente gerando as
contribuições necessárias para o financiamento dos aposentados.
De outro lado, há cada vez mais aposentados ou pretendentes a inativação, resultado
sobretudo da elevação da longevidade da população. É nesse contexto que no mundo todo começam
a ser articulados esforços principalmente através das instituições multilaterais de crédito (Fundo
Monetário Internacional, Banco Mundial) no sentido de reformas estruturais dos sistemas internos
6 Alves, Giovani, “Trabalho e Mundialização do capital - A Nova Degradação do Trabalho na Era da Globalização”, Giovanni
Alves, Editora Praxis, 1999)
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de previdência e pensão, seguindo-se como primeiro exemplo é sempre citada a reforma do sistema
de previdência social do Chile, que passou de um sistema de repartição para um sistema de
capitalização. Significativo desse esforços de convencimento é o posicionamento de Estelle James7,
Economista Sênior do Departamento de Pesquisas de Políticas do Banco Mundial, que assim
escreveu:
Ao longo dos próximos 35 anos, a proporção da população mundial acima de 60 anos
praticamente dobrará, de 9% para 16%. Devido aos rápidos aumentos na expectativa de vida e aos
declínios das taxas de fertilidade, as populações estão envelhecendo muito mais rapidamente nos
países em desenvolvimento do que ocorreu nos países industraisi. À medida que as pessoas jovens
em idade de trabalho produtivo se aproximarem da aposentadoria – por vlta de 2030 -, 80% da
população idosa do mundo viverão no que hoje são os países em desenvolvimento.
Mas não é só decorrente do aumento da população em idade avançada e elegível para
benefícios de inativação que é apregoada a Reforma da Previdência.
Com efeito, como já dito que o sistema de repartição baseia-se em um sistema de pacto de
solidariedade entre gerações, o sistema baseia-se (como no Brasil) em contribuições de
trabalhadores e com contribuições de seus empregadores.
Isso implica em custos para os empregadores, calculados sobre a folha de pagamentos,
que por vezes desestimulam a oferta de empregos, com a conseqüente fuga para o mercado
informal de trabalho e a busca de aposentadorias o mais rápido possível, ante o risco de “quebra”
do sistema de aposentadoria, com o que aqueles que possuem condições de usufruir um benefício
previdenciário, por mínimo que seja, preferem antecipar a fruição do benefício a arriscar não ter
benefício algum no futuro. Isso também causa a saída do mercado de trabalho de mão de obra
experiente, causando problemas no processo produtivo.
O Banco Mundial tem afirmado que para eliminar o risco de “quebra” do sistema de
aposentadoria baseado na repartição, o ideal é adotar um novo sistema, baseado em três pilares,
estruturados da seguinte forma:
- um pilar obrigatório gerenciado pelo governo e financiado a partir dos impostos para fins
de redistribuição;
- um pilar obrigatório gerenciado pelo setor privado e plenamente capitalizado, para fins
de poupança;
- um pilar voluntário para aquelas pessoas que desejam mais proteção na aposentadoria.
Na realidade, as razões de adoção de um novo sistema de previdência não se justifica
somente pela impossibilidade de continuação do sistema de repartição. Em realidade há outras
razões que não apenas a preocupação com as futuras gerações.
Ocorre que o sistema mundial sofreu grandes mudanças a partir da década de 1970. Com
efeito, o financiamento que havia para mercados emergentes, a partir de juros baixos e crédito fácil
passou a sofrer cada vez mais restrições a partir da primeira crise do petróleo (1973). O crédito
passou a escassear e as taxas de juros para empréstimos internacionais foram crescendo, de tal
forma que o crescimento econômico não conseguia gerar os superávits necessários para pagar os
empréstimos já contraídos e gerar poupança interna, capaz de financiar atividades produtivas e
7 James, Estelle, Novos Sistemas Previdenciários: Experiências, Evidências e Questões Pendentes, disponíivel em http://
/www.mpas.gov.br/docs/volume 09.pdf (acesso em 31/01/03)
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gerar o crescimento econômico necessário para incorporar as novas massas de mão-de-obra ao
mercado de trabalho.
De outro lado, a dívida externa cresce sem a geração de novos empréstimos, o que obriga
a dispender cada vez maiores parcelas do PIB para pagar as dívidas já contraídas. Os credores
passam a exigir, além de aumento das taxas de juros, garantias do pagamento da dívida, que
somente podem ser dadas a partir da compressão das políticas públicas, com a diminuição de
recursos para as políticas redistributivas.
Surge, então, como fórmula mágica, a adoção de sistemas de capitalização para a previdência
social, que de um lado teria o condão de diminuir os gastos públicos com a previdência e de outro
lado, poderia gerar a poupança interna necessária para retomar o ciclo virtuoso do crescimento
econômico.
Esta é, em síntese apertada as justificativas teóricas da necessidade de Reforma da
Previdência, surgida muito mais como um fenômeno decorrente da mundialização do capital e
fragilidade das economias dependentes dos países em desenvolvimento do que uma preocupação
sincera dos organismos internacionais com o futuro dos países em desenvolvimento e suas
populações idosas.
A REFORMA DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
O Ministério da Previdência Social – MPAS – de longa data está comprometido com reformas
do sistema de previdência social, fruto e conseqüência da visão política dos governantes brasileiros
a partir da última década do século passado. Com efeito, tem feito grandes estudos nesse sentido8 ,
sempre com vistas a defesa da reforma do sistema, com vistas a redução de benefícios ou aumento
da idade mínima para o gozo de benefícios.
O ponto culminante nesse sentido é o DIAGNÓSTICO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO,
que pode ser visto no site do MPAS. Nesse diagnóstico, é apontado o crescimento da longevidade
da população, a deterioração das relações formais de trabalho entre 1990 a 2002 e que avançamos
de uma situação de praticamente igualdade entre o montante de receitas previdenciárias no ano de
1995 (com um déficit de apenas 400 milhões de reais) para um déficit de 17 bilhões de reais em
2002.
Na realidade, esta avaliação pode ser contestada com relativa facilidade.
Ocorre que nesse resultado não estão consideradas as contribuições da seguridade social
(PIS, COFINS, CSLL, CPMF), além do que não são computadas as renúncias fiscais, que foram
estimadas em mais de dez bilhões de reais apenas no ano de 2002.
Por outro lado, os excedentes gerados até o ano de 1995 foram apropriados pelo Tesouro
Nacional, principalmente para o pagamento de juros , sem que ocorresse qualquer retorno desses
valores aos cofres da Previdência Social.
Por outro lado, a Constituição de 1988 assegurou aos trabalhadores rurais a garantia de
aposentadoria de um salário mínimo, sem a necessidade de contribuição , sendo que a Lei 8.213/
8 A coleção da Previdência Social, que pode ser encontrada no site do MPAS tem desenvolvido estudos nesse sentido,
sendo vasta a bibliografia nesse caminho, bem como vários os seminários e encontros nesse sentido.
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91 ampliou a cobertura aos segurados rurais (através do conceito de núcleo familiar rural). Ainda,
a contribuição do meio rural é calculada sobre um percentual da produção com o que tem-se um
quadro que os benefícios rurais terminam por gerar um déficit apenas nessa área de quase quinze
bilhões

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